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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 10 DE JULHO.

Presidencia do Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios - os srs.

Conde de Melo

Conde da Louzã (D. João).

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 40 dignos Pares, declarou o Em.mo Sr. Presidente aberta a sessão. Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

(Entrou o Sr. Ministro da Fazenda, e das Obras Publicas.)

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta do seguinte expediente:

Um officio da Camara dos Srs. Deputados, acompanhando uma proposição de lei, incorporando na dotação dos invalidos militares de Runa uma capella dos bens nacionaes.

À commissão de fazenda.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, applicando até 4:000$000 réis annuaes ao pagamento de dividas atrazadas de marinha.

À commissão de marinha.

- da mesma Camara, acompanhando outra proposição de lei, para que do quadro effectivo do exercito, ou da classe dos officiaes inactivos se escolham os officiaes do estado-maior do hospital de Runa.

À commissão de guerra.

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 268).

A commissão especial desta Camara, encarregada de dar o seu parecer sobre o requerimento do Ex.mo Marquez de Pombal, Manoel José de Carvalho Mello Daun Albuquerque e Lorena, em que pede ser admittido a tomar assento na Camara dos Pares, como successor de seu pai, o Marquez do mesmo titulo, Sebastião José de Carvalho; tendo examinado attentamente os documentos com que o supplicante apoia o seu requerimento, com os quaes prova, primo, ser filho legitimo e primogenito do fallecido Marquez de Pombal, Sebastião José de Carvalho; secundo. que o seu mencionado pai fôra elevado á dignidade de Par do Reino, por Carta Regia de 30 de Abril de 1826, e haver prestado juramento, e tomado posse em 31 de Outubro de 1826; tertiò, que tem mais de vinte e cinco annos de idade, e que se acha no goso dos seus direitos politicos, possuindo além disso moralidade e boa conducta; quarto, que paga para mais do imposto directo nos termos da Carta de Lei de 27 de Outubro de 1840, e que tem a renda superior á marcada na mencionada Lei; quinto, que pela disposição da Lei de 11 de Abril de 1845 está dispensado de provar, o ter as habilitações academicas, prescriptas no artigo 2.° da citada Lei.

Por todas estas razões, e attendendo ao disposto no Decreto, com força de Lei, de 3 de Maio de 1851, é a commissão de parecer que está no caso de poder tomar assento na Camara, prestando o devido juramento.

Sala da commissão, em 9 de Julho de 1835. = G. Cardeal Patriarcha = José, Bispo de Viseu = Conde das Alcaçovas = Conde d'Alva = Conde d'Arrochella = Visconde de Benagazil.

O Sr. Presidente — Como ninguem pede a palavra, vai pôr-se á votação por esferas, como é de Lei.

Corrido o escrutinio, resultou ficar approvado o parecer por unanimidade, com 45 espheras brancas, numero igual ao dos votantes.

O Sr. Visconde de Algés — Fez leitura de um parecer da commissão de legislação, sobre aposentação dos Juizes.

Mandou-se imprimir com urgencia.

O Sr. Presidente — Vai ler-se o parecer n.° 272 da commissão de legislação, que a Camara hontem decidiu que se não imprimisse. Parecer (n.° 272).

A commissão de legislação, tendo examinado o projecto de lei n.° 191, enviado a esta Camara pela dos Srs. Deputados, e por cujas provisões se estabelece — que os clerigos, os beneficiados, egressos secularisados, e todos os religiosos das ordens extinctas passam dispôr de todos os seus bens, ainda em vida de seus pais, ou de outros ascendentes — que lhes seja permittida esta disposição em favor de pessoas, que não sejam leigas — e que sejam chamados á successão ab intestato dos seus parentes para o effeito de excluir o fisco, revogadas, derogadas, e declaradas na parte respectiva á Ord. L.° 2.° Tit. 18, e a Lei de 30 de Abril de 1935: é de parecer que o mencionado projecto deve ser approvado, e levado á sancção Real, attendendo ás solidas razões, em que é fundado, e a que a justiça, e a consideração devida a esta classe de cidadãos reclamam as mencionadas provisões.

Sala da commissão, 9 de Julho de 1855. = Diogo Antonio Corrêa de Sequeira Pinto = Joaquim Larcher = Visconde de Algés = Conde de Peniche = Joaquim Antonio de Aguiar. Projecto de lei n.° 194.

Artigo 1.º Ficam revogadas as Ordenações do Reino, L. 2.°, tit. 18, e a Lei de 30 d'Abril de 1835, na parte em que prohibem aos clerigos, beneficiados, aos secularisados egressos das ordens religiosas, e a todos os religiosos das ordens extinctas, alhear bens de raiz em sua vida, ou dispôr delles por sua morte, em favor de pessoas que não sejam leigas.

Art. 2.° Os egressos secularisados, e os religiosos das ordens extinctas podem dispôr de todos os seus bens, por qualquer modo, ainda em vida de seus pais, ou de outros ascendentes, ficando por esta fórma declarada a intelligencia dos artigos 1.° e 3.° da citada Lei de 30 d'Abril.

Art. 3.° Os mesmos egressos secularisados e religiosos das ordens extinctas são chamados á successão ab intestato dos seus parentes, para o unico effeito de excluir o fisco; ficando derogada, nesta parte sómente, a disposição do artigo 2.° da mesma Lei.

Art. 4.° As disposições desta Lei são extensivas ás provincias ultramarinas.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Cortes, em 18 d'Abril de 1855. = J. G. da Silva Sanches, Presidente = J. G. Mamede, Deputado Secretario = C. C. Machado, Deputado Secretario.

Não havendo quem pedisse apalavra foi posto a votos, e approvado, tanto na generalidade, como na especialidade, e a mesma redacção.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do parecer n.º 259.

O Sr. Eugenio de Almeida disse que ia reduzir as observações, que tinha a apresentar a Camara, ao unico ponto, que se controvertia; e o unico, que, em verdade, se podia controverter, ode saber, se os direitos da Camara municipal de Lisboa, como diz o digno Par, o Sr. Ferrão, ou antes os direitos dos diversos proprietarios, com que o caminho de ferro póde contender, como parece a elle orador ser a expressão mais justa e constitucional, são offendidos ou respeitados pelas disposições do contracto e do projecto que se discute.

Disse que o digno Par, o Sr. Ferrão, intendia que essa justiça se não dava em relação á Camara municipal de Lisboa senão approvando-se o additamento, que elle hontem tinha apresentado á Camara; e que, tanto o Governo como a commissão desta casa, intendiam que essa justiça se dava, não só em relação á Camara de Lisboa, mas em relação a todos, pelas disposições do contracto, pura e simplesmente como estava redigido.

O orador leu, o artigo 23 do contracto e os seus diversos numeros, e pela comparação das diversas disposições que nelles se contém, mostrou extensamente que não podia ser duvidosa a intelligencia que a commissão lhe dera.

Accrescentou que se algum equivoco houvesse a similhante respeito, a discussão que tem havido, o parecer da commissão, as expressões que hontem proferiu o Sr. Ministro das Obras Publicas, eram bastantes para fazer cessar qualquer duvida, por isso que essas fontes eram sempre as legitimas, a que se recorria, quando, em um Governo parlamentar, se tractava de interpretar qualquer obscuridade da lei.

Respondendo á observação que fizera o digno Par, o Sr. Ferrão, de que o Estado cedia, pelo artigo 23, á companhia direitos que não tinha, mostrou que no espaço que o caminho de ferro tem de atravessar, de Lisboa até Belem, ha uma parte que pertence indubitavelmente ao Estado, porque nunca foi comprehendida nos limites das doações feitas á Camara municipal, e que assim nem era chimerica, nem era offensiva dos direitos de ninguem a cessão que o Estado fazia.

Disse que estava certo de que o Governo, quando se tractasse de levantar a planta das margens do Tejo, que o caminho de ferro tem de atravessar, convidaria a Camara municipal a enviar delegados seus para assistir a este trabalho, como a Camara pedia na sua representação; mas que no caso que o Governo faltasse a esta formalidade, esta falta em cousa alguma podia prejudicar os defeitos da Camara municipal, visto que ella tinha de ser representada na vistoria, que devia ser o primeiro passo a dar em qualquer processo judicial que se intentasse

Observou que não vendo a minima offensa dos direitos da Camara municipal de Lisboa, nas diversas disposições deste contracto, não achava razão sufficiente para se approvarem os artigos do additamento, que hontem propoz o digno Par o Sr. Ferrão.

Passou depois a examinar os diversos artigos desse additamento, que leu separadamente, e a respeito de cada um dos quaes fez muitas observações, tendentes á proposição que estabelecera.

E concluiu que não havendo no animo de ninguem a intenção de offender os direitos da Camara municipal de Lisboa, o additamento não podia ter outra significação que não fosse, ou a de fazer uma censura injusta e immerecida a todos os que tinham tido parte neste projecto, ou a de prestar homenagem superflua e obsequiosa a direitos que assim ficariam privilegiados, com offensa de todos os que se deixassem em silencio. Em qualquer dos casos elle pedia á Camara que rejeitasse o additamento apresentado, certo como elle orador estava de que a intelligencia que acabava de dar-lhe exprimia sómente a opinião respeitavel do seu auctor, e não a desta Camara.

O Sr. Ferrão — As razões que se tem dado não me convenceram; antes me parece que os argumentos, que expendi, não estão refutados; e não o estão, nem com o que disse o Sr. Ministro das Obras Publicas, nem com o que ponderou o digno relator da commissão.

Direi, como já disse, que não concebo como uma Camara, que ama a justiça; que deseja fazer Leis justas; e que como taes as deve fazer, não queira adoptar a providencia que proponho no meu additamento! Substituição lhe chamou o digno Par, mas é muito differente, porque da numeração dos artigos, que mandei para a Mesa se mostra que salvo expressamente o artigo 2.º

Eu dou os parabens ao digno Par e a mim, mesmo, por nos dizer: que os direitos da Camara municipal não só são incontestaveis, mas que ninguem os contesta. Sobre esta ultima parte, porém, peço perdão a S. Ex.ª, porque o Sr. Ministro das Obras Publicas não parece estar muito conforme; pois aqui nos disse elle que os fiscaes da Corôa duvidavam; que elle mesmo duvidava! Ninguem lhos contesta, disse o digno Par! Pois ainda bem, porque já a base do meu argumento tem por si o testimunho e a

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auctoridade do digno Par, nem podia deixar de a ter em presença do documento maior de toda a excepção, que apresentei com força de Lei e de sentença, insusceptível de revogação, tanto por parte desta Camara, como por parto do Poder judicial.

Pelo Poder judicial, porque este não póde proferir sentença contra sentença; por esta Camara porque, revogando ella este documento, revogava-o na parte que é sentença, e por consequencia offendia o caso julgado; violava o sagrado direito da propriedade; auctoridade que a Camara não tem. Foi dito que eu queria um privilegio em favor da Camara municipal de Lisboa. — Não é assim.

Não é privilegio o que eu quero, é pelo contrario a justiça com igualdade que devemos fazer a todos os cidadãos dadas as mesmas circumstancias.

Haja toda a segurança nas condições e clausulas deste contracto; todas as garantias sobre a execução de taes obras, mesmo com privilegios a favor dellas, mas não se desattenda em caso algum o direito de propriedade, a qual, todas as vezes que fôr indispensavel ao Estado, deve ser tirado ao cidadão, não por um modo arbitrario, mas regular.

Para este fim tres condições são necessarias segundo a Carta constitucional e a Lei commum: 1.ª um acto de expropriação directa e no qual se reconheça a utilidade ou necessidade publica; 2.ª o reconhecimento do direito á justa indemnisação; 3.ª que esta indemnisação seja previa.

As primeiras duas condições são essenciaes, nunca podem ser preteridas; quanto á terceira porém está reconhecvido pela mesma Lei do Estado (que o Sr. Ministro das Obras publicas ultimamente citou, e que me fornece assim um artigo contraproducente) que algumas vezes póde ser dispensada; isto é, para que a indemnisação tenha logar depois da expropriação.

A Carta com quanto pareça ser a este respeito concebida em termos absolutos, não podia querer o impossivel, e o Poder legislativo, fazendo applicação deste principio, interpretou a Carta nesta conformidade. – A indemnisação previa póde-se pois dispensar, mas não o acto da expropriação, nem o reconhecimento a uma indemnisação (apoiados).

Na Lei são exceptuados os casos de urgencia, e exemplificativamente os de incendio ou de inundação; como estes podem vir outros muitos; e o de que tractamos será um dos exceptuados se nesta Lei se auctorisar a excepção.

De que tractamos nós se não de fazer Lei? Pois invocamos contra o legislador uma Lei do Estado, quando tractamos de decretar outra Lei.

O meu additamento tambem foi combatido, porque faz menção da liquidação, e que nella se tomem em conta sa vantagens que ao municipio de Lisboa hão-de vir da obra projectada.

Pois se a indemnisação nem é previa, nem é liquida, não é necessario, que se fixe a quantia, pelos meios judiciarios, ou administrativos, segundo as regras do direito commum e da justiça!

O encontro que se prescreve no meu additamento não é uma usurpação de funcções de liquidação, mas um preceito que o legislador estabelece, e que serve de attenuar, talvez mesmo de extinguir, toda e qualquer indemnisação.

A obra proposta é feita no interesse commum de sociedade, mas nelle tem um interesse muito especial o municipio de Lisboa, e portanto justo é que no prejuizo da expropriação se compensem as vantagens da mesma obra.

O meu additamento consignou estas idéas, mas não as applica. Essa applicação terá de ser feita competentemente, segundo as regras geraes.

«Mas, accrescenta o illustre Relator da commissão, o additamento é inutil, porque os direitos da Camara municipal estão exuberantemente garantidos.

«O artigo 23.º do contracto, a que o projecto se refere, não póde intender com abstracção das idéas isoladas que se acham nos n.ºs e § unico do mesmo artigo.»

Pois é, precisamente por esse mesmo argumento, por essa mesma regra de hermeneutica, bem conhecida, e que é a dos antecedentes e consequentes, que eu digo a S. Ex.ª, que os direitos da Camara municipal não estão aqui garantidos de modo algum.

Pois quaes são os que se garantem? São os do n.º 1, que, combinando com o § unico do mesmo artigo 23.º, se restringem aos proprietarios, que tem predios limitados; são os dos emphyteutas da Camara municipal; são precisamente, os terrenos que não estão já cobertos pelas agoas; os que por isso podem ser, ou tem sido apropriados.

Está isto dito muito expressa e explicitamente no unico, aonde tambem se diz, que os que se transferem e cedem na empreza são aquelles, que não tem proprietarios, que não estão apropriados, a respeito dos quaes se assevera, com erro de facto e de direito, o dominio do Estado, e se desconhece o direito da propriedade da Camara municipal de Lisboa, são as marinhas; e marinhas são praias, e praias são terrenos cobertos pelas agoas do mar nas marés superiores.

Ora, se é isto o que o Governo diz, que é do Estado, e virtualmente nega ser da Camara municipal, como concilia o digno Par a sua asserção, de que o direito da Camara municipal é incontestavel e incontestado? Logo é evidente que este contracto contém uma violencia, uma espoliação, um esbulho.

Não se afflija com a expressão o Sr. Ministro das Obras Publicas; porque ella é juridica, e empregada, como já disse, pelo Senhor D. José I, no Alvará de 1767 (O Sr. Ministro das Obras Publicas — Não afflijo).

O Governo espolia não cumprindo a Carta, no que prescreve acerca das expropriações por utilidade publica: a questão é pois da observancia da Carta, e da dignidade, tanto da Camara municipal de Lisboa, como desta Camara.

Eu não quero auctorisar com o meu voto este precedente de se dispôr livremente do alheio, e de se dizer depois que ficam salvos os direitos espoliados! Não quero que o Estado aproprie sem expropriar, na significação e fórma juridica, e constitucional.

Aqui tem o digno Par como em minha consciencia desempenho os deveres, que o exercicio desta cadeira me impõe, pelo juramento que prestei ao sentar-me nella — de observar e fazer observar, quanto estiver em minhas attribuições a Carta constitucional. Não posso por consequencia convir, em que, se salte por cima da Carla, por cima dos principios, e por cima da justiça, não se praticando aquillo que a lei manda praticar em casos similhantes, principalmente, quando nenhum principio utilitario justifica a infracção do dever.

O Sr. Ministro contestou hontem, que a minha emenda fosse innocentissima! Pois é innocentissima, porque nenhum mal póde causar, e só muito bem, porque evita tanto ao Governo, como a esta Camara, a consummação de uma infracção da Carta, e de uma denegação de justiça a um corpo moral, que não merece uma similhante desconsideração.

Eu não quero privilegios para a Camara municipal de Lisboa, repito, mas quero para ella a igualdade como os mais cidadãos. Se os particulares tem na lei geral, e mesmo nesta especial, um direito fundado, que lhes garante a sua propriedade, não quero que o Governo, a respeito da propriedade do municipio disponha livremente, como se fôra de propriedade do Estado. Não quero privilegio, mas por isso mesmo é que quero, que se exproprie quando fôr necessario.

Imaginou o Sr. Ministro das Obras Publicas que o meu additamento ia causar grandes embaraços aos trabalhos da construcção do caminho de ferro! Era-me impossivel suspeitar nem prever similhante objecção!... S. Ex.ª não reparou que no meu additamento começa a numeração, como de artigo 3.º, e que portanto resalva as disposições do artigo 2.º do projecto, nas quaes se determina, que nenhuma questão, por qualquer modo que seja, e em caso algum, possa embaraçar as obras; e por conseguinte, quando houvesse de ter logar qualquer liquidação pela expropriação feita á Camara municipal, o seu processo não podia nunca empecer o andamento dos trabalhos; onde é pois que está aqui o embaraço? Eu de certo não o vejo, ninguem será capaz de o ver; e admira realmente, que tal se dissesse! É pois certo, mais que certo, que o meu additamento é innocentissimo. Sómente é máo, porque de arvore má não podem vir bons fructos.

Tambem se accrescentou para stigmatisar o meu additamento, que elle contém virtualmente uma censura ao Governo, e uma censura á Camara dos Senhores Deputados; e eu o que digo em resposta única a similhante consideração, é que eu o que não quero é expôr-me á censura por ter votado uma expoliação, um esbulho! Para que estamos nós aqui, senão é para corrigir e emendar os projectos de lei, que são submettidos ao nosso exame.

O Sr. Ministro das Obras Publicas tirou-me das illusões em que eu estava a seu respeito, não lhe attribuindo a culpa originaria do erro e expoliação, que se encontra neste contracto; porque eu, como a Camara estará lembrada, havia dito que tinha algumas rasões para acreditar que a proposta originaria do contracto havia de ter uma historia preliminar como costumam ter todos os contractos desta natureza, e por conseguinte na feitura delle, tinham sido ignoradas todas as circumstancias, que apontei, ignorancia desculpavel até certo ponto, por se suppôr que as marinhas do Tejo pertenciam ao Estado, segundo o direito commum.

Os collaboradores do contracto não tinham conhecimento do direito excepcional, que se dava neste caso, tanto mais que eram pessoas estrangeiras que facilmente podiam não estar ao facto das disposições legaes, que fundamentam esse direito.

O Sr. Ministro das Obras Publicas disse-nos porém, que tinha trabalhado, e muito, na redacção do contracto; que tinha sobre elle consultado jurisconsultos distinctos, e além disso que tinha ouvido os fiscaes da Fazenda, os quaes haviam achado duvidosos os direitos da Camara municipal!

Mas, se os fiscaes reconheceram que o direito da Camara municipal era duvidoso, como é que, na duvida, se póde tirar a conclusão, de que á Camara não assistia direito aos terrenos de que se tracta, e de que pertenciam ao Estado, para delles se fazer cessão á Empreza? Pois de principios duvidosos podem deduzir-se consequencias certas?

A respeito das respostas dos fiscaes, eu lamento que ellas não tivessem acompanhado este negocio, nem nesta, nem na outra Camara, quando aliás medidas como estas, que, são de alguma importancia, costumam vir sempre acompanhadas dos documentos sobre que se baseam.

Acredito que essas respostas existiram, porque não tenho direito para duvidar da verdade do Sr. Ministro das Obras Publicas; mas não acredito na procedencia das suas rasões, e muito pelo contrario, como não estão presentes, nenhum peso lhes posso dar, e por isso mesmo que se não exhibem, intendo, e todos ficarão intendendo, que nenhum merecem.

Eu disse, Sr. Presidente, e repito, que o Poder judicial não podia attender a Camara municipal, quando ella alguma cousa lhe requeresse relativamente aos terrenos de que é esbulhada pelo artigo 23.° do contracto; porque — para que é que a havia de attender? Para examinar o seu direito? Não, porque não podendo ser superior á Lei e ao caso julgado, hão tinha mais do que fazer manter esse acto solemne e authentico, pelo qual o Monarcha na plenitude de seus direitos tinha reconhecido, decedido, e julgado os direitos de dominio e posse dos mesmos terrenas, que são todas as marinhas do Tejo.

E para que effeitos teria a Camara municipal que recorrer ao poder judicial, em manutenção desses direitos? Havia de requerer ordenamento de suspensão da nova obra, e o poder judicial teria de a mandar embargar? Tractar-se-ia de uma acção de esbulho, e o poder judicial mandaria conservar a Camara no dominio e posse desses terrenos? Isto seria um absurdo, e mesmo um impossivel legal, porque esta nova Lei obstava ao poder judiciario, não admittindo questão alguma que possa interromper o proseguimento dos trabalhos, e os Tribunaes não teem superioridade nem jurisdicção opposta ás Leis do reino. O poder judicial já não póde fazer obra por essa Lei do El-Rei o Senhor D. José, porque uma Lei posterior lho véda.

Mas ainda ha mais independente desta nova Lei: quando se tracta de questões de obras publicas, o poder judicial não tem competencia para lhes obstar, porque pertencem exclusivamente ao Governo; são actos de administração superior; e as questões, que se suscitarem, pertencem ao contencioso administrativo, e ahi estão presentes illustres Conselheiros de Estado, que o sabem melhor do que eu. E se assim não fôra, onde ficaria a independencia do poder executivo, podendo a cada passo ser intorpecido na sua marcha pelas decisões do poder judicial? Do modo que tanto pelo lado dos principios, como da pratica, não era possivel á Camara municipal fazer valer o seu direito perante os Tribunaes judiciaes. Esta especie pois de declinatoria, com que se pretende cohonestar uma espoliação, é absolutamente improcedente.

Eu disse que esse documento, pelo qual, em favor da Camara municipal de Lisboa, se mostrava firmado o dominio e posse das marinhas do Tejo, tinha não só a força do Lei, mas a de sentença; mas o Sr. Ministro das Obras publicas pareceu duvidar ou não comprehender o como podia dar-se este casamento, quando no acto se não mostrava a fórma de sentença, mas a de uma Lei.

Pois saiba S. Ex.ª que no cathecismo juridico, pelo qual aprendemos na Universidade, o nosso mestre nos diz: «Judiciam... quod Princeps vel por se exercet, vel per alios.».

E a Ordenação do Reino, livro 3.°, titulo 66, in princ. diz o seguinte: «Ao Principe, que não reconhece superior, é outorgado por direito, que julgue segundo sua consciencia, não curando do allegações, ou provas em contrario, feitas pelas partes; por quanto é sobre a Lei.»

E na mesma Ordenação, livro 5.°, in princ. se lê: «Quando Nós condemnarmos alguma pessoa á morte, ou que lhe cortem algum membro, por nosso proprio moto, sem outra ordem e figura de Juizo, etc.»

Eis-aqui, qual era o poder do Monarcha na plenitude dos seus direitos magestaticos. O Soberano, quando assim o tinha por conveniente, sem figura nem fórma de Juizo, examinava as provas, declarava a procedencia de direitos individuaes, condemnava os criminosos, reconhecia esbulhos, mandava em consequencia, restituir os terrenos usurpados; e se isto não era julgar, não sei eu o que seja (O Sr. Eugenio de Almeida — Eu não contestei). Mas contestou o Sr. Ministro das Obras Publicas.

Ora, o que eu digo é, que é melhor combater as cousas francamente do que estragar os talentos que Deos deu a cada um, collocando-se n'um mau campo, só para se sustentar uma especie de capricho (O Sr. Aguiar — Apoiado). Estimo muito ouvir este apoiado do meu illustre collega. E o Sr. Ministro da Fazenda, que necessariamente não póde deixar de ser muito lido na historia portugueza pelos vastos conhecimentos e instrucção que tem, não póde de certo ignorar que houveram julgados sómente pelos nossos Monarchas, sem figura nem fórma de Juizo, como, por exemplo, os de Pedro I, mandando castrar um seu escudeiro adultero, e em caso similhante mandando queimar a adultera, e degolar o adultero, dentro de poucas horas, e antes mesmo de ter noticia do facto e da condemnação o marido ultrajado; assim como mandára degolar dois criados seus por haverem roubado e morto um homem, com quanto esse homem fosse um judeo. Muitos outros exemplos poderia apontar. E em tempos mais modernos, por determinação do Senhor D. João VI, estando no Rio de Janeiro, ignora alguem que muitos processos foram até mandados trancar, que se achavam pendentes? De um Decreto sei eu, expedido da mesma côrte, pelo qual se ordenou uma prestação de alimentos, sobre que ainda pende questão judicial.

Não podemos, portanto, deixar de reconhecer o direito fundado em Lei e caso julgado, que tem a Camara municipal de Lisboa, e reconhecendo nós esse direito, devemos tirar a legitima consequencia que é a de respeitar o direito de propriedade, a qual só paios meios que se consignam na Carta Constitucional, póde ser expropriada, e tudo que não for isto é uma injustiça que se pratica, é um esbulho e uma espoliação que se commettem!...

Mas o digno Par até por desgraça minha combateu tambem o ultimo artigo do meu addittamento, no qual eu dispensava a Camara municipal da tutela do Conselho de districto, podendo accordar sobre a alienação dos terrenos, que lhe pertencera, sem que as suas deliberações dependessem da confirmação dó respectivo Conselho de districto; era um privilegio que eu estabelecia em favor das obras do caminho de ferro, porque com quanto as Camaras municipaes não possam alienar bens ou direitos alguns, sem a confirmação dos respectivos Conselhos de districto, as Côrtes em attenção a que se tracta de uma empreza de tanta utilidade publica, dispensariam essa tutella do Conselho de districto, permittindo que a Camara municipal de Lisboa podesse por si só deliberar acerca desta alienação.

E tanto mais, que a Camara municipal póde vir não só com questões sobre ruas e serventias, etc., e então muito convinha simplificar os processos de modo que as obras progredissem sem a menor interrupção.

Se ao digno Par, porém, não agrada este ultimo artigo, que não tem correlação com os antecedentes, impugne-o embora, com o que me não importa, porque o que principalmente quero é que se pratique um acto de expropriação, conforme as disposições da Carta, assim como que tenha logar o reconhecimento dos direitos da Camara municipal, dando-se-lhe uma justa indemnisação, depois da liquidação que se deve fazer, e para que não estabeleço a fórma, nem o quantum; remetto a questão para a liquidação, e o digno sabe muito bem, que quando se remette a questão para a liquidação, é porque o valor é incerto.

Em tudo isto dou uma prova de que não é minha intenção causar embaraços, e que só desejo que sejamos justos, fazendo nesta Lei applicação dos principios de justiça.

Eu, Sr. Presidente, poderia ampliar muito mais as minhas reflexões sobre este objecto, mas não quero cançar mais a Camara, faça ella o que tiver por conveniente, que eu pela minha parte declaro, que não posso approvar este projecto de lei sem este meu additamento, porque não posso trair as inspirações da minha consciencia.

Eu quero este caminho de ferro, muitos caminhos de ferro, mas tambem quero que se observe a Carta Constitucional, tanto mais quando nenhuma necessidade nem conveniencia ha de se fazer o que effectivamente se está fazendo, ou se pertende fazer.

Concluo pedindo perdão aos dignos Pares signatarios do parecer, a quem nenhuma intenção tive de offender, porque sómente fiz estas poucas considerações em cumprimento do meu dever.

O Sr. Visconde de Algés disse, que como tinha assignado o parecer com declaração, era do seu dever dar á Camara a razão disso, mas que procuraria não a incommodar com as suas observações; posto que quando mesmo não o tivesse assignado com declaração havia de motivar o seu voto, como costuma fazer com todos os negocios importantes.

Disse que era um sentimento seu, no qual toda a Camara de certo o acompanharia, que quando uma corporação, como a Camara municipal de Lisboa, eleva a sua voz reclamando os seus direitos, e tanto a eleva que chega ao Parlamento, não póde este acto deixar de ser louvado, ou censurado; e por essa razão intende, que na especie actual merece esses elogios, que não censura (apoiados); pois pelo contrario seria a Camara municipal altamente censuravel, e responsavel se ficasse silenciosa n'uma questão tão séria, como esta é, e que mesmo pelo que disse o Sr. Ministro da Fazenda para muitos jurisconsultos é ainda duvidosa. A Camara municipal não é senhora absoluta, mas mera administradora dos bens do municipio que tem á sua disposição; e por isso está elle orador convencido, como disse, de que será uma e unisona a voz dos dignos Pares, para louvarem a Camara municipal de Lisboa, por querer firmar os seus direitos; e tanto mais que ella não tinha dado este passo por mero arbitrio, mas só depois de ter ouvido as opiniões dos seus empregados que são jurisconsultos, e de outros tantos eximios de fóra da Camara.

Dada esta explicação pelo que pertence á Camara municipal, accrescentou com relação a si pessoalmente, que ainda tinha um motivo para assignar este parecer com declaração; que é o ter sido um dos jurisconsultos que a Camara consultou, e á qual déra sua opinião com toda a lealdade, pedindo para lêr um trecho della, porque assim se intenderá melhor o que tem agora que observar nesta discussão. A informação que o orador deu á Camara municipal vem publicada no folheto intitulado = Annaes Administrativos = onde a Camara publicou alguns documentos relativos a esta questão, entre os quaes se acha tambem uma resposta muito judiciosa do digno Par o Sr. Ferrão.

O orador leu a seguinte parte da sua referida informação e parecer:

«Deste direito de propriedade tem livremente usado o municipio do Lisboa, fazendo successivos contractos sobre os terrenos doados; e mais firme e ratificado ficou este mesmo direito pelo actual systema politico, e legislação respectiva, cujo principal assento é a Lei de 22 de Julho de 1843, a qual no artigo 17.° estabeleceu, que ficassem pertencendo nos donatarios perpetuos, como bens patrimoniaes, aquelles que nessa qualidade possuiam, ou tinham direito de possuir, nos termos especificados no mesmo artigo; e assim teem sido observadas as regras de reducção e remissão de fóros estabelecidas na dita Lei,

É portanto incontroverso o direito do municipio de Lisboa sobre o objecto de que se tracta; e o que convém agora examinar é, se as disposições que se conteem no artigo 23.º, e § unico das condições estipuladas entre o Governo e uma companhia, ou associação, sobre a empreza de um caminho de ferro, e de mais obras, entre Lisboa e Cintra, coarcta, e como, esse direito do municipio de Lisboa?»

«Se a questão tiver de ser vista e decidida com perfeita abstracção de todas as considerações muito especiaes, que este negocio comprehende, intendo que a conclusão juridica é, que as disposições contidas no referido artigo das condições limita, e muito diminuo o objecto do direito adquirido pelo municipio, porque se comprehende neste o augmento dos terrenos da marinha, quer elle provenha de applicação de trabalhos, quer elle resulte do natural movimento das agoas do rio; e desde que se estipula, que os terrenos que por effeito de certa arte forem conquistados ao Tejo ficarão pertencendo a um terceiro, offende-se o direito perfeito que tinha o municipio, nos termos, que ficam claramente

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demonstrados. Se, porém, o negocio se considerar com relação d importancia do seu objecto, á summa utilidade que delle póde o deve resultar para o paiz, o muito principalmente para a cidade de Lisboa, cujos interesses locaes estão confiados principalmente ao cuidado e provada dedicação da sua Gamara municipal, inclino-me a pensar que convém pesar na mesma balança a limitação dos direitos do municipio, com as sommas das conveniencias publicas, que de lai empreza podem resultar, para ver se o sacrificio fica assás compensado com a acquisição do que, se pretende obter.»

«Seria indisculpavel leviandade, se eu me applicasse a desenvolver e demonstrar as muitas, e altamente importantes vantagens que em diversos sentidos devem resultar da realisação de unia via ferrea e de outras obras entre Lisboa e Cintra, nos termos das condições do respectivo contracto; mas podendo estabelecer-se como verdade demonstrada este meio de promover a prosperidade publica, intendo que o municipio de Lisboa ou considerado por si só, o concorrendo ã curda de sua propriedade e rendimentos, ou seja fazendo causa commum com o Governo do Estado, partilhando o sacrificio que a empreza exige, bem merece dos habitantes da capital cujos interesses assim consulta e promove. Os eleitos do povo da capital para administrarem os bens do municipio, e applicarem seus rendimentos aos differentes misteres a que são destinados, não podem deixar de ter como guia de sua acção o que mais convém aos interesses de seus administradores; e parece-me que ceder de parte de seus direitos quanto à aquisição de novos terrenos na marinha de Lisboa, e só os necessarios para realizar a grande obra em questão, será um serviço muito importante feito ao municipio de Lisboa em especial, e em geral, a toda a nação. Mas se assim o intendo quanto à essencia, devo declarar pelo que respeita à fórma, que me parece dever intervir nas estipulações a Ex.ma Camara municipal de Lisboa, não só para que prestando o seu direito, como tambem para com a sua audiencia e inspecção se marcarem e definirem os termos em que se conservem illesos os seus direitos, e daquelles com quem se contractou, com respeito aos terrenos já ocupados, e a que se refere o § unico do referido artigo 23.º das condições da empreza.»

Depois da leitura, continuou o orador dizendo, que, consultado como jurisconsulto pela Camara, nesta questão, não póde deixar de reconhecer que ella tinha um direito incontroverso a essa propriedade (apoiados), demonstração em que não entra agora mais minuciosamente, porque já, o muito bem, expôz o digno par, o Sr. Ferrão, que a Camara municipal de Lisboa adquirira, por meios incontestaveis, o direito de propriedade nos terrenos de que se tracta; e, portanto, limita-se unicamente a uma mais succinta analyse da sua resposta.

Disse que a primeira parte recaíu sobre o ponto de demonstrar que era inquestionavel este direito de propriedade; que embora digam os Srs. Fiscaes da Corôa o que quizerem, visto que à sua opinião duvidosa se referiu o Sr. Ministro das Obras Publicas, não é por direito contestavel a propriedade dos terrenos dos municipios pela Camara municipal; a differença que possa aparecer está só no modo, ou no uso desse direito. Quando a propriedade reside n'um individuo particular, este póde pôr e dispôr, usar e abusar delle, sem outra limitação além da que lhe marca o direito natural, e a lei civil; póde n'uma palavra, fazer o que quizer da sua propriedade; mas quando reside n'uma corporação não abuse, o que é possivel mesmo pelo seu modo de ser como corpo moral; mas a lei que marca essa limitação no uso, por causa da especialidade do proprietario, nao altera na mais minima cousa o direito, que é tão inteiro nella, como no particular.

Comtudo, se elle orador disse á Camara, como jurisconsulto, qual era o seu modo de ver esse direito de propriedade que residia nella, tambem não podia deitar de dizer-lhe, e de aconselhar-lhe o modo como devia usar desse direito; que por isso lhe disso que intendia, que, quando se tractava de um objecto de tanta importancia, como o caminho de ferro, o outras obras de Lisboa a Cintra, não podia, nem devia a Camara municipal de Lisboa ficar impassivel, pois via que era ella um dos proprietarios que, devia concorrer muito para esta obra de summa utilidade publica, mesmo porque não estava no caso de outro qualquer proprietario particular, ao qual se devesse a prévia indemnisação da sua propriedade, quando ella fosse necessaria para alguma obra do utilidade publica,

Que na especie sujeita, tractava-se é verdade da propriedade do municipio, representado pela Gamara municipal, mas que tendo a obra, para a qual devia essa propriedade concorrer, por fim a utilidade publica, e o bem dos moradores do mesmo municipio, o objecto mudava de figura, e não devia a Camara municipal de Lisboa proceder como procederia o proprietario particular (apoiados): e que por isso a aconselhára, dizendo-lhe que o maior serviço que ella podia fazer ao municipio, era concorrer para se fazer esse caminho de ferro, cedendo em parto do seu direito, e unindo-se ao Governo para auxiliar esta grande obra de utilidade publica, na demarcação que ha a fazer nessa linha de trabalhos que são necessarios para a feitura da obra.

O orador observou que o sr. relator da commissão disso, que, pelo que tinha ouvido ao Sr. Ministro da Fazenda, lhe parecia que esse exame e demonstração não estavam feitos ainda, e que, na occasião de se fazerem, seria chamada e ouvida a Camara municipal de Lisboa; que isto é o que sempre elle digno Par desejou, e aconselhou; mas que pelo que sabe, o pelo que ouviu ao Sr. Ministro, esses trabalhos estão já feitos, e acabados, e não podem ter mais logar esses desejos: o que sente que se não fizesse, porque está bem certo de que a Camara municipal havia de ceder de seus direitos, vendo quão grandes são as vantagens que para o municipio resultam desta obra, e que o seu direito de propriedade tornava-se por ella muito mais importante, visto que se ella se não fizesse, estes terrenos não seriam conquistados ás marés, como vão ser (apoiados).

Com respeito a si, e abstraindo inteiramente da parte que tomou neste negocio, disse que reconhecia em toda a sua extensão o direito de propriedade da Camara de Lisboa, só com a differença que se dá entre uma corporação e um particular; que intende que nos termos do artigo 23.º não fica tudo tão providenciado, como era para desejar, assim como que a Camara foz muito bem em representar, e que ninguem póde censura-la com justiça de o ter feito. Que dito isto, passava a dar o seu voto como membro do Corpo legislativo.

Qualquer que seja o modo como forem attendidos os direitos da Camara; qualquer que seja a sorte, que tiver o additamento do digno Par o Sr. Ferrão, não póde o orador deixar de dar o seu assentimento e approvação ao projecto que se discute, attentas as vantagens que hão de resultar para a capital o para todo o paiz (apoiados); porque a Camara municipal de Lisboa e o Municipio de Lisboa, é uma e a mesma cousa, e parte, da mesma nação; e que se este contracto se mallograsse depois de ter chegado ao ponto a que se elevou, é a convicção delle orador que não appareceria outra occasião para se levar a effeito o caminho de ferro em questão (apoiados).

Nesta convicção, o digno Par approva o projecto, esperando que se a Camara municipal de Lisboa, ou qualquer outra Camara, mostrar que tem direito a esses terrenos, será attendido como for de justiça; e que tudo se ha de. arranjar em bem (apoiados — Vozes — Muito bem).

Vozes — Votos, votos.

O Sr. Presidente — A Camara parece manifestar desejos de votação, mas o digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada está inscripto

O Sr. Aguiar — Nesse caso convém prorogar-se a sessão, para que não deixe de se votar hoje, uma vez que ninguem mais queira fallar sobre este objecto (apoiados).

O Sr. Visconde de Fonte de Arcada — Uma voz que pedi a palavra e estou presente, parece-me que não havendo requerimento para se julgar a materia discutida, devo usar do meu direito, porque ainda não cedi delle (apoiados).

Vozes — Falle, falle.

O Sr. Presidente — A hora está quasi a dar, mas como não ha requerimento nenhum, e parece que a Camara quer que o digno Par falle hoje mesmo, concedo-lhe a palavra.

O Sr. Visconde de Fonte de Arcada — Por tudo que tenho ouvido, o que me parece é, que não póde subsistir o artigo 23.° (Leu-o.) Segundo o que a Camara já ouviu ao Sr. Ferrão, e depois ao Sr. Visconde de Algés, parece fóra de toda e qualquer duvida, que o dominio sobre as praias de Lisboa pertence á Camara municipal; logo o Governo não póde dar o que não é seu. Isto é evidente.

Mas visto que estamos chegados a este ponto, eu desejava saber, se certos trabalhos preparatorios de plantas, e exames dos engenheiros, estão já feitos, e adiantados, ou apenas começado; pois careço de ser informado se a Camara foi, ou se ha tenção de que seja ouvida, como me parece que deve ser antes de começarem as obras (apoiados).

Agora em quanto á substituição do Sr. Ferrão perdoe-me S. Ex. (sussurro), não posso approvar isto assim (leu). Eu tinha o seguinte.... (começa a lêr – sussurro.) A Camara está cançada. Dou por acabado o que tinha a dizer.

O Sr. Presidente — Visto que o digno Par não quer continuar ponho á votação o parecer na sua generalidade.

Foi approvado na generalidade.

Entrou em discussão na especialidade.

Como ninguem pedisse a palavra, disse

O Sr. Presidente — O artigo 1.º está substituido pela commissão.

O Sr. Ministro das Obras Publicas — Eu já declarei que concordava.

O Sr. Presidente — Ponho á votação o artigo offerecido pois commissão, salvos os additamento.

Foi assim approvado.

O artigo 2.º, ainda salvos os additamentos, foi approvado.

O artigo 4.° do additamento para artigo 5.º do projecto de lei foi rejeitado.

Os outros artigos do additamento reputaram-se prejudicados.

O artigo 5.° do projecto foi approvado.

O contracto considerou-se implicitamente approvado.

O Sr. Secretario Conde de Mello — Acha-se sobre a mesa um parecer da commissão de fazenda, que tem por objecto, encorporar no hospital de Runa....

O Sr. Aguiar — Esse negocio é simplicissimo. É para annexar ao hospital des invalidos de Runa uma pequena capella. Todos sabem a consideração que merece aquelle estabelecimento. Proponho pois que se dispense a impressão, e tudo mais que manda o regimento, para se poder votar já, pois creio que é objecto em que ninguem terá duvidas (apoiados).

Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 276).

A commissão de fazenda viu e examinou o projecto do lei n.° 256, vindo da Camara dos Srs. Deputados, que tem por objecto incorporar nos bens que constituem a dotação do hospital dos invalidos de Runa a capella denominada de Runa e Trucifal, pertencente aos bens nacionaes; o attendendo a reconhecida utilidade da medida proposta, a commissão é de parecer que o mencionado projecto de lei deve ser approvado para ser levado á Sancção Real.

Sala da commissão, 10 de Julho de 1855. = Visconde de Castro = Visconde de Algés = Thomás Aquino de Carvalho = José Maria Grande. = Tem voto o Sr. José da Silva Carvalho.

Projecto de, lei n.º 256,

Artigo 1.° A capella denominada de Runa e Trucifal, pertencente aos bens nacionaes, instituida por Estocha Serrão, fica incorporada nos bens que constituem a dotação do hospital dos invalidos militares de Runa.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 9 de Julho de 1835. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado, Secretario = Carlos Cyrillo Machado, Debutado, Secretario.

Foi approvado sem discussão, e a mesma redacção.

O Sr. Ministro do Reino — Eu pedia a V. Em.ª, que consultasse a Camara para saber, se ella quererá entrar na discussão do parecer n.° 255, que o urgente (apoiados). Entrou em discussão o seguinte parecer (n.° 235): A commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 243, vindo da Camara des Senhores Deputados, tendo por fim regular a dotação movel e immovel do sei, e a commissão, considerando que o mesmo projecto de lei é ha muito desejado, como lei organica das respectivos artigos da Carta Constitucional da Monarchia; que é redigido era harmonia com providencias analogas, adoptadas nos paizes mais civilisados da Europa, era que rega o systema representativo; o que tendem a definir, do um modo claro e positivo, quaes os bens da Corôa, que pertencem perpetuamente aos successores do Rei, distinguindo-os da propriedade particular do Chefe do Estado, bem como a firmar em bases solidas os principios que devem ser applicados na fruição e alienação de uns o de outros bens; é de parecer que o mesmo projecto é digno do ser approvado por esta Camara, a fim de subir á Sancção Real.

Sala da Commissão, 6 de Julho do 1353. = José da Silva carvalho, presidente = Francisco Simões Margiochi = Conde d'Arrochela = Thomas d'Aquino de Carvalho = José Maria Grande = Visconde de Algés.

Projecto de lei n.º 245.

Artigo 1.° No presente, reinado do Senhor Dora Pedro Quinto continuara em vigor a disposição do Decreto de dezoito do Março do util oitocentos trinta e quatro, que assignou á corôa os palacios e terrenos nacionaes nelle designados, com a limitação expressa na lei segunda de dezenove de Dezembro do mesmo anno.

Art. 2.º Os bens mencionados no artigo oitenta e cinco da Carta Constitucional são inalienaveis o imprescriptiveis; não poderão ser gravados com hypotheca, ou qualquer encargo; e sómente poderão ser permutados em virtude de uma lei.

§ unico. A disposição deste artigo é applicavel aos bens assignados á Corôa, nos termos declarados no artigo primeiro desta lei.

Art. 3.° Os bens da Corôa declarados nos artigos antecedentes poderão ser arrendados, mas o prazo dos arrendamentos não poderá exceder a vinte annos, nem ser renovado antes dos ultimos tres annos, excepto no caso em que uma lei o authorise. Os arrendamentos feitos na fórma sobredita serão mantidos pelos successores até á expiração do prazo convencionado, não havendo offensa de seus direitos em alguma das outras clausulas.

§ unico. A disposição deste artigo não comprehende os jardins do recreio, nem os palacios destinados para a residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados.

Art. 4.º É authorisado o Governo a despender annualmente até á quantia do seis contos de réis para os concertos o reparações que forem necessarias á conservação des palacios e jardins, que, aos temos do artigo antecedente, não podem ser arrendados. A todos os outros bens são applicaveis as regras de direito, relativas aos concertos e reparações a que é obrigado qualquer usufructuario.

Art. 5.º O Sei poderá fazer em todos os bens da Corôa, do que tracta esta lei, as mudanças os construcções que julgar uteis para a sua conservação, melhoramento, ou aformoseamento; o todas as bemfeitorias ou construcções não comprehendidas no artigo antecedente, bem como as adquisições, serão pagas por conta do Estado, havendo sobre a sua conveniencia a devida decisão das Cortes, nos termos do artigo oitenta e cinco da Carta Constitucional.

unico. São applicaveis aos mesmos bens as regras geraes que determinam, relativamente aos córtes em arvoredos, os direitos e obrigações dos usufructuarios.

Art. 6.º Todos os bons da Corôa, mencionados nesta lei, são isentos de imposto directo, não se comprehendendo nesta isenção as contribuições municipaes ou locaes.

Art. 7.° As joias, diamantes, e quaesquer outros objectos inoveis, que os Reis teem possuido como pertencentes á Corôa, continuarão do mesmo modo no presente reinado a ser possuidos pelo Rei, o serão considerados inalienaveis e imprescriptiveis; podendo comtudo substituir-se por outros aquelles que foram susceptiveis de se deteriorar pelo uso.

Art. 8.º Proceder-se-ha a inventario judicial dos bens da Corôa immoveis e, moveis mencionados nos artigos antecedentes; avaliando-se os terrenos productivos, e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descripção. Nos archivos das Camaras Legislativas serão depositadas cópias authenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo.

Art. 9.º Os bens particulares que o Rei possue, e de que póde dispôr, ou que adquirir por qualquer titulo, regulam-se pelo direito commum do reino, com as seguintes declarações:

§ 1.º As doações que o Rei fizer dos ditos bens não são sujeitas a insinuação.

§ 2.º Não são em caso algum sujeitos a penhora, embargo, ou sequestro, o dinheiro da Dotação Real, e os moveis de qualquer natureza, ou semoventes, que pertencerem ao Rei, e existirem nos Palacios Reaes, ou suas dependencias, e forem destinados ao viso pessoal de qualquer dos Membros da Familia Real.

Art. 10.° Os rendimentos dos bens da Corôa, mencionados nesta lei, que tiverem vencimento durante o reinado; e bem assim todas as quantias e creditos da Dotação Real pecuniarios, regulam-se, em quanto á livre disposição e á successão, pelas mesmas leis que regem quaesquer bens particulares.

Art. 11.º Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 3 de Julho de 1835. = Julio Gomes da Silva Sanches, Presidente = Joaquim Gonçalves Mamede, Deputado Secretario — Carlos Cyrillo Machado, Deputado Secretario.

Foi approva-o sem discussão na generalidade, depois na especialidade; e a mesma redacção.

O Sr. Presidente — Deu a hora. Agora convido os dignos Pares para se reunirem ámanhã aqui á uma hora para começarmos a sessão mais cedo, visto que entra em discussão a Lei da receita e despeza (apoiados). — Está levantada a sessão.

Eram quasi seis horas.

Relação dos dignos Pares presentes na sessão de 10 de Julho.

Os Srs. Cardeal Patriarcha; Silva Carvalho; Marquez de Niza; Arcebispo Bispo Conde; Conde das Alcaçovas, de Alva, de Arrochella, do Bomfim, de Fonte Nova, da Louzã (D. João), de Mello, de Peniche, da Ponte, da Ponto do Santa Maria, da Ribeira Grande, e de Rio Maior; Bispos de Bragança, e de Vizeu; Viscondes de Algas, de Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, do Castro, de Fonte Arcada, do Fornos de. Algodres, de Francos, do Nossa Senhora da Luz, e de Sá da Bandeira; Barões do Chancelleiros, de Pernos, do Porto do Moz, o da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Pereira Coutinho, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Mato, Serrão, Aguiar, Larcher, Silva Gosta, Eugenio de Almeida, José Maria Grande, Brito do Rio, Fonseca Magalhães, e Aquino da Carvalho.

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