CAMARA DOSJDIGNOS PARES
SESSÃO DE '23 DE AGOSTO
PRESIDÊNCIA O EX."» SR. SILVA S4NCIIES PRESIDENTE SUPPLEMENTAR
o 1 • j. I Conde de Peniche
Secretários: os dignos paresjjj^ do RÍQ
(Assistem os srs. presidente ão conselho, e ministros da guerra e da fazenãa.)
Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 28 dignos pares, declarou o ex.m0 sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da de hontem, contra a qual não houve reclamação.
O sr. Secretario Conãe ãe Peniche: — Mencionou a seguinte correspondência:
Quatro officios da presidência da camará dos senhores dérutados. acompanhando igual numero de proposições:
1. a Sobre ser auctorisado o governo a contrahir um empréstimo, para applicar o seu producto á construcção das estradas do reino e outras obras publicas no reino e ilhas. —Remettiãa ás commissões ãe obras publicas e fazenãa.*'
2. a Sobre ser permittida em certas circumstancias a in-troducção de cereaes estrangeiros. — Remettiãa á commissão ãe agricultufa.
3. a Sobre ser auctorisado o governo a garantir um empréstimo feito por qualquer estabelecimento de credito á companhia união mercantil, e a crear titulos de divida fundada necessários para realisár esta garantia.—Remettiãa á commissão ãe fazenãa.
4. a Sobre a fixação e distribuição do contingente de recrutas para o exercito no anno corrente.—Remettiãa á commissão ãe guerra.
-Do ministério da fazenda, enviando, para se distribuir pelos dignos pares, sessenta volumes dos mappas geraes do commercio de Portugal com as suas possessões ultramarinas e as nações estrangeiras, durante o anno civil de 1856.—Manãaram-se ãistribuir.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PARECER N.° 63 SOBRE A COMPRA DO CAMINHO DE FERRO DO BARREIRO AS VENDAS NOVAS
O sr. Presiãente: — Peço ao digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, me diga se insiste na palavra que me pediu hontem.
O sr. S. J. ãe Carvalho:—Peço a v. ex.a me inscreva •depois dos dignos pares que se acham inscriptos.
O sr. Visconãe ãe'Castro: — Sr. presidente, hei de dizer poucas palavras, porque tenciono apenas fundamentar o meu voto, e nada diria se o parecer das duas commissões não -fosse'tão impugnado pelo meu illustre collega e antigo amigo o sr. Aguiar. Não só foi altamente impugnado este parecer, mas tiraram-se conclusões que me parece não foram muito rasoaveis. A questão é muito simples, e eu hei de reduzi-la o mais que poder aos seus termos precisos: eu entendo que ella consiste unicamente em saber se a compra do caminho de ferro do sul, era util ao governo e aos seus planos; quer dizer, se era util á nação, e, provando-se que era utií, se o governo tinha outro meio de a conseguir, se tinha outro meio de fazer a acquisição do caminho. Parece-me que n'isto se encerra toda a nossa questão. Veio depois o argumento da inconstitucionalidade, e disse-se: — o governo infringiu a carta constitucional, completando esta -transacção sem auctorisação das cortes.
. Sr. presidente, isto não é um facto novo, e se não está escripto na nossa constituição, está em todas as praticas constitucionaes dos paizes que gosam das instituições parlamentares; mas dão se raras vezes, felizmente, porque não ha ministro nenhum que queira tomar sebre si tão grande responsabilidade, e queira vir a esta camará, como hontem aqui se disse «com a corda ao pescoço», sem que esteja convencido de que faz um grande serviço ao seu paiz, e ¦digo mais: sem que esteja altamente convencido de que tem -a nação toda em seu apoio; porque o risco é grande e não se corre similhante risco, sem estas garantias. (O sr. Vis-¦conde ãa Luz: — Peço a palavra.) Estou convencido que os srs. ministros chegaram á evidencia n'estes dois pontos.
Sr. presidente, quereremos nós aqui negar um bill aos srs. ministros, que já foi votado na outra casa do parlamento? Quereremos negar a esta transação, uma approvação que já lhe foi dada pela camará electiva ? Se eu tenho convencimento bastante para apoiar o governo, n'esta conjuntura tenho-o duplicado; porque vejo quaes são as con-sequencis se negarmos este bill de indemnidade e esta approvação. Na outra casa do parlamento não foi aceusado o governo, e nós não o podemos aceusar; e não o podendo fazer a que nos leva esta relutância? Eu espero que a camará ha de obrar a respeito d'este assumpto, como lhe com-
pete; eu conheço a camará ha muitos annos, ha também bastante tempo que tenho a honra de lhe pertencer, e sei que ella nunca se recusou a nada que fosse conducente ao desenvolvimento do paiz; e será esta a primeira medida de progresso que venha encalhar n'esta casa? Houve apenas uma medida —o primeiro projecto sobre morgados—que aqui achou resistência; e achou-a para que? Para nascer d'ahi a pouco uma iniciativa mais formal, mais efficaz, pela qual, póde-se dizer se deu um corte salutar naquella instituição. Não vejo pois, sr. presidente, rasão alguma para que esta camará deixe de dar o seu voto, por uma medida que se torna absolutamente indispensável; nem mesmo eu esperava que o nosso digno collega e meu particular amigo o sr. Sebastião José de Carvalho, viesse a esta camará censurar os srs. ministros por elles caminharem; esperava que os viesse censurar por não fazerem nada; mas por marcharem no caminho do progresso?! S. ex.a poderia com o seu talento e com aquelle ardor que é próprio da sua idade censurar o governo por qualquer falta, mas censura-lo por caminhar?
Oh sr. presidente! Pois nós atrasados um século das outras nações, não havemos de procurar sair d'este estado de atrasamento? E poderemos por acaso conseguir este fim sem lançarmos mão de todos os meios possíveis para caminhar? E isto possivel? Sr. presidente, o governo que sente que não pôde fazer nada util na linha do baixo Alemtejo em quanto tiver o torpeço d'aquella companhia, lança mão d'este caminho, d'esta parte da linha do sul, para dominar a situação, para desembaçar aquella construcção, e nós havemos de impedir que tome uma medida decisiva, e acon-selhar-lhe que vá contratar com essa companhia sobre as differentes condições da sua empreza que estão,em deshar-monia com as das outras emprezas, como são as malas ac-celeradas para o correio, a redução da tabeliã ingleza para a tabeliã franceza, etc. Quanto não custariam só esses dois ajustes, com a companhia senhora da propriedade? E que diremos do accordo para a cessação do privilegio por noventa e nove annos para poder introduzir livre de direitos tudo o que fosse necessário á companhia para o caminho de ferro? Quanto não custaria isto? E o contracto para o alargamento da via? Quanto não pediria a companhia por fazer esta obra? 500:000^000 réis nos disse aqui hontem o sr. ministro das obras publicas que ella pedia. O digno par lançou mão d'e*ta cifra que lhe convinha para os seus cálculos; mas, seja dito de paisagem, o sr. ministro disse que lhe pediam 500:000^000 réis pelo alargamento da via, e não que fosse essa a quantia necessária, disse-o para mostrar a difficuldade de tratar d'estes ajustes, disse que seria muito menos custosa, quando bem dirigida, e muito mais fácil do que se quer inculcar. E ahi está para exemplo a empreza do caminho de ferro de leste que mandou fazer o alargamento da via por preço que não tem comparação com esta somma. Ora, sr. presidente, quando o governo vê diante de si todas estas difficuldades, porque, diga-se o que se disser, este caminho foi contratado para certos fins, e com condicções que em nada se parecem com as que se acham nos cadernos das outras emprezas, quando o governo quer pôr-se, por assim dizer, superior ás circumstancias, é que lhe havemos de dizer, não deveis contratar, deveis abandonar a idéa de ficar com o caminho? E eu pergunto ainda ao dignos pares se depois de haver a empreza passado para segundas mãos, não seria mais difficil contratar com o comprador? Decerto que sim, de certo que o governo teria duplicadas difficuldades em contratar com quem já havia dado lucros, e não devia expor-se a esta nova, quanto inesperada circumstancia.
Eu não esperava que os dignos pares, repito censurassem o governo por fazer este contrato, mas sim porque o não tivesse feito ha mais tempo...
O sr. J. A. ãe Aguiar: — Assim o fiz.
O Oraãor:—Pois fazendo-o assim é necessário que ouça as rasões que o governo teve para não contratar ha mais tempo. (O sr. J. A. ãe Aguiar:—Ouvi, mas não me satisfizeram.) O sr. ministro das obras publicas disse-nos que havia já seis mezes se tratava d'esta acquisição e que quando se começou a tratar, a companhia pedia 16:000$000 réis por kilometro. (O sr. Ministro ãa Fazenãa: — Apoiado.) Já se vê que se fez alguma cousa em não se contratar n'essa primeira instancia, comprando-se agora por 13:500$000 réis: com a demora fez-se alguma cousa em beneficio do estado. E quando eu menciono as difficuldades que acabei de expor, e a necessidade que o governo tinha de-proceder assim e de trazer este caminho de ferro a circumstancias mais rasoveis, tenho mostrado que o governo não merece censura.
Sr. presidente, hoje está o governo em circumstancias de encontrar uma companhia que tome a parte que deve vir tocar em Cacilhas, ponto este em que deve ser collocada a sua gare. Hoje está também em circumstancias de contratar a parte que falta de Beja á nossa raia, e que atravessando o Guadiana vá ligar-nos com a Andaluzia; quando os caminhos dali se approximarem de nós está o governo em circumstancias de o conseguir no curto espaço de algnns mezes. Já hontem nos disse o sr. ministro das obras publicas, do qual conhecemos o cavalheirismo, que elle podia informar a camará de que já havia propostas que se approxi-mavam muito do preço por que o governo contratou.
Ora, uma das observações que se fizeram foi, de que o governo tinha comprado o caminho sem saber se o preço exigido por kilometro era caro, ou barato, e que em presença d'isto teria sido muito bom que, visto ter o governo desejo, ou necessidade de compra-lo, se tivesse regulado pelo preço que estava estabelecido para a remissão findos os trinta annos. Perdoem os dignos pares que eu lhes diga que não têem rasão, por quanto os termos em que se acha lavrado o contrato para o caso da remissão não aproveitam para o caso presente: era necessário tirar a media dos
últimos oito annos da exploração, menos o anno de maior rendimento, e o de menor rendimento, e os dignos pares sabem que este caminho de ferro começou ainda hontem, por assim dizer, a sua exploração, e não a tem ainda regular, porque se construiu principalmente para facilitar as communicações com Elvas, sendo feita até ali a viação em carruagens e por uma estrada á mac-adam, e por aqui se vê que este trajecto ainda não tem as proporções indispensáveis a um caminho de ferro: agora é que as vae ter.
Sr. presidente, v. ex.a e toda a camará reconhecem por certo que esta linha férrea é das mais importantes do paiz, e que convém que comece o mais defronte possivel da capital para ir acabar na nossa raia. Não se devem porém confundir as vantagens da via férrea do alto Alemtejo com as da via férrea do baixo Alemtejo, porque esta devendo dar ramaes para alguns pontos do nosso Algarve, e até para o caminho de leste, vae finalmente entroncar-se nas vias férreas da Andaluzia, e fazer de Lisboa, por assim dizer, um porto do Mediterrâneo. Em vista pois d'estas rasões de tanto peso, e de outras que podem mais adduzir-se, eu pergunto, se a propósito de uma linha de tanta magnitude como esta é, podemos estar a oceupar-nos de cálculos tão miúdos, e a prendermo-nos de modo tal que só d'aqui a muitos annos obtenhamos as vantagens que desde já podemos obter com, evidente utilidade para o paiz? Não pôde ser, nem era possivel que nós esperássemos o praso de trinta annos para a remissão. Quem pôde prophetisar qual será o nosso estado d'aqui a trinta annos, em presença do progresso e melhoramentos que de dia para dia se vão observando? Ninguém. E note a camará que independentemente d'estas rasões ha outra de grande peso e de toda a attenção, e é, que essas regras e preceitos não são applicaveis para agora que não ha remissão, no sentido do contrato (apoiaãos).
Pretendeu-se também achar motivo para censurar o governo, no desbarate com que, segundo se disse estão a lan-çar-se grandes quantidades de inscripções no mercado; e eu senti que o digno par e meu amigo o sr. Sebastião José de Carvalho, em quem reconheço muitos conhecimentos, se fosse servir de uma columna de cifras que appareceu impressa no Diário, para com isso provar que a nossa divida tinha sido muito augmentada. Julgo que me não engano referindo este facto. Não é porém essa asserção verdadeira, e nem o digno par nem quem teve a originalidade d'aquella columna de cifras, pôde, nem deve, nem tem direito para sommar quantidades heterogéneas; e eu quero que o digno par me diga se é o mesmo a creação de 600:000$000 réis para pagar por exemplo á empreza Salamanca por conta dos seus trabalhos, ou 600:000$000 réis para a doka da ilha de S. Miguel; 600:000)51000 réis que vão servir de deposito, e que têem uma verba no ha ãe haver do thesouro, como todos os outros titulos que têem sido emittidos para penhor. O mesmo custo d'esta empreza não pôde nem deve entrar n'essa columna de cifras, porque o estado fica com a propriedade, tem-a, e conserva-a, mas não gastou o dinheiro; e se o governo quizer adjudicar este caminho de ferro aquella companhia que mais se prestar para lhe dar o maior desenvolvimento, n'este caso essa companhia paga-o, esse dinheiro entra e as inscripções annuliam-se.
Em vista pois destes argumentos quo me parecem indis-tructiveis, como é, digo eu, que se pôde elevar essa cifra a 20.000:000(51000 réis. como o fizeram? Entendi, sr. presidente, que devia n'esta occasião rectificar este erro de que acabei de fallar, como o fiz, e nada mais digo, porque como o sr. ministro da fazenda tem a palavra elle melhor do que eu esclarecerá este assumpto, porque tem conhecimentos que a mim me faltam para tratar d'esta matéria; e se n'isto toquei, sr. presidente, foi porque me custa ouvir tudo aquillo que pôde mais ou menos concorrer para offender o nosso credito, e desconceituar-nos para com os estrangeiros, tanto mais quando se dão as maiores inexactidões, como no caso de que acabo de fallar (apoiaãos). E mais me magoa isso pelas consequências que d'ahi podem resultar, porque quando um homem illustrado como é o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho se deixou illudir por um montão de Cifras, o que havemos nós de esperar do publico menos illustrado? È foi só n'este ponto de vista que eu me resolvi a fazer esta referencia, deixando este negocio como disse ao sr. ministro da fazenda, que sem lisonja o digo, é o homem mais zeloso da conservação e augmento do nosso credito.
Disse-se, sr. presidente, que emquanto com a maior facilidade se davam agora 20.000:000)5(000 réis (segundo essas cifras), se mandava para Angola apenas 150:000^(000 réis! Realmente eu creio que o parallelo é mal escolhido. Pois, sr. presidente, nós damos para Angola apenas réis 150:000)51000? Não, senhor; Angola tem os seus rendimentos próprios, Angola tem outros recursos: o digno par pôde saber como eu, que ainda ha bem pouco tempo, de uma das nossas possessões, foram para ali 50:000$000 réis, foram de Macau; depois o governo também no anno próximo passado para lá mandou reforços e meios pecuniários, e agora temos esse credito ao governo para lhe dar a mesma applicação; não se pôde pois dizer que o- governo atira com estas pequenas quantias á voragem das despezas correntes de Angola; não, senhores; o governo tem mostrado que as províncias ultramarinas lhe merecem muito cuidado; pelo menos n'estes créditos que vem pedir ás cortes elle o mostra, e não podemos confundir estas quantias com a da compra do caminho de ferro, que não é despeza, mas um penhor ou deposito que ha de volver ao thesouro.
O digno par e meu amigo, o sr. Aguiar, também aqui perguntou que garantia dava a companhia ao governo pelo embolso do dinheiro; eu direi a s. ex.a que me parece, que a garantia única e a melhor que se podia ter é a posse do caminho (apoiaãos). "Não acho que fosse necessária outra; uma vez que se dava a posse do caminho não se corria o