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954 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dos philantropos, que, em nome da confraternidade e solidariedade das nações, da mais larga e levantada comprehensão dos deveres individuaes e sociaes, resultante do crescente influxo da civilisação, entrevêem a possibilidade de um estado social, em que, entre os individuos como entre as nações, a rasão e a justiça tão geral e absolutamente imperem, que será indispensavel, por inutil, a intervenção da forca publica, quer para assegurar a ordem internamente, quer para repellir ou debellar externas aggressões ou aggravos.

O direito é certamente superior á força, existe e póde realisar-se sem ella; mas é esta a garantia extrema do livre exercicio daquelle.

A humanidade é perfectível, mas nunca será perfeita, sendo por isso impossivel em qualquer povo um perfeito estado de direito, perennemente imperturbado e imperturbavel. Os sonhadores da paz perpetua, os que recommendam e sustentam o geral desarmamento e a extincção dos exercitos, parecem desconhecer as condições de existencia dos estados.

A communidade dos interesses domina o espirito das nações, e o egoismo nacional estabelece a competencia e as rivalidades de umas com outras, na ordem economica como na politica, do mesmo modo que o egoismo natural determina a lucta pela vida e a concorrencia individual.

A collisão de interesses, pois, quando outras causas ou pretextos falleçam, uma ou outra vez determinará o recurso ás armas; e a existencia dos exercitos, longe de provocar os conflictos e as guerras, será o seu maior obstaculo, pela enormidade dos sacrificios inevitaveis e pela incerteza do evento, resultante do equilibrio das forcas e da efficacia provavel de tenazes resistencias.

A ligeira observação do que, no momento actual, se passa na Europa bastará para confirmar as considerações que ficam expostas.

Apesar do elevado grau a que chegou a actual civilisação, as nações mais adiantadas como que se militarisam todas, aperfeiçoam e remodelam os seus recrutamentos, augmentam, avigoram e disciplinam cuidadosamente os seus effectivos e os seus quadros, reorganisam as suas reservas, profundam e aprimoram os seus estudos militares, restauram e fortalecem as suas praças de guerra, traçam e lenantam as suas linhas de defeza, enriquecem os seus arsevaes, desdobram as suas esquadras, inventara e premeiam á porfia os mais infernaes e mortíferos instrumentos da guerra; e disto, talvez principalmente, resulta a manutenção da paz.

Parece geralmente acceita e consagrada pelas nações a idéa de um notavel escriptor contemporaneo, allemão., quando affirma: "quanto mais a vida de um povo se torna bella e se nobilita pela civilisação, pela sciencia, pela arte e pela riqueza, mais esse povo se expõe a perder pela guerra, e mais, por consequencia, deve preparar-se para ella".

E nem se diga que ás nações pequenas, e sem voz que se faca ouvir no concerto europeu, não é licito seguir, nesta parte, na esteira das nações poderosas, nem impor aos povos os dolorosos- e enormes sacrificios de sangue e de dinheiro, a que a manutenção da propria supremacia obriga as grandes potencias.

Não corre ás pequenas nacionalidades somenos obrigação de defender a sua independencia, de manter a integridade e immunidade do seu territorio, de garantir as suas instituições, as suas leis, à sua propriedade, os seus interesses e os seus dominios coloniaes, e de fazer respeitar a bandeira nacional onde quer que ella tremule.

Entre outros, o parlamento e a nação belga acaba de offerecer-nos recente e eloquente exemplo da verdade e da justeza desta consideração.

A nação que se abatesse até o ponto de não corresponder dignamente, na possivel proporção, á defeza dos seus mais sagrados direitos e legitimos interesses, obliteraria os titulos da sua existencia e do seu prestigio, deslustraria as gloriosas tradições que a nobilitassem, perderia, só por .isso, o direito á sua consideração perante as outras potencias, e expiaria a sua fraqueza ou imprevidencia, sendo a victima certa e infallivel no meio dos conflictos que surgissem.

Mas não são apenas considerações bellicosas as que teem lançado os povos cultos no caminho das profundas e modernas reformas da organisação da força armada.

Valiosos motivos de ordem moral e de progresso social aconselham e determinam a generalisação do espirito e educação militar a todas as classes da sociedade.

Com effeito, alargar a educação e o espirito militar e como que militarisar um povo não é escravisa-lo nem entorpece-lo; é incutir nelle os habitos salutares da ordem, da obediencia, da hygiene, do trabalho e da energia, que o avigoram e ennobrecem; é inocular lhe no animo o generoso sentimento do dever, o enthusiasmo do sacrificio e do amor pela causa publica; é elevar o seu nivel intellectual e moral, e inicia-lo e adextra-lo para os supremos lances do valor, da abnegação e do heroismo individual, a bem dos interesses mais vitaes da comunidade. A vida militar deve ser, se não é bem ainda, uma escola de educação, e, depois da familia, o melhor ensinamento da religião do dever.

Assim o pensava já o illustre Guizot, quando escreveu: "o espirito militar é o espirito de obediencia, de respeito, de disciplina e de dedicação, uma das glorias da humanidade, e que é o penhor da honra, como o é da segurança das nações".

Sujeitar, pois, gradualmente! á disciplina militar, na epocha da vida mais apropriada para recebe-la, as novas gerações que se vão succedendo, é ao mesmo tempo instrui-las e moralisa-las, e, agenciando muitos e bons soldados, ter por isso mesmo muitos e bons cidadãos, que se tornarão prestadios e aproveitaveis nos misteres e nos cargos da vida civil.

Passou, porem, o tempo dos grandes e ociosos exercitos permanentes.

Se exceptuarmos a Inglaterra, na qual, por circumstancias que lhe são peculiares, a organisação militar destoa da existente nos demais povos da Europa, e a respeito da qual se póde dizer que o oiro é a sua arma mais potente e a esquadra o seu maior poderio, a força militar com que as nações contam é, não só o exercito chamado activo, mas sim a grande massa da população valida e instruída nas armas, o que esclarecidos escriptores denominam "a nação armada", ou antes o exercito licenciado.

Como que se baseia sobre a organisação militar a propria existencia das nações; mias sem que aquella prejudique esta, e antes por forma que os recursos e progressos de uma reciprocamente aproveitem á outra.

Nenhuma nação poderia hoje, sem completa ruina da sua economia e das suas finanças, supportar os pesados encargos de um exercito permanente tão numeroso e adextrado como o que qualquer dellas, num dado momento precisará e poderá pôr em pé de guerra, com igual presteza e com dispendio incomparavelmente menor, em virtude da sabia e feliz combinação, que a um exercito effectivo, sufficiente para o tempo de paz, alia os recursos a successivas reservas com a instrucção militar precisa para o caso de guerra, ou para o eventual apparecimento de crises politicas ou sociaes, que seja necessario debellar.

É o recrutamento a base essencial desta moderna organisação da força armada, e por isso muito satisfactorio é reconhecer que no projecto de lei que estamos examinando, se seguiram estes principios, se obedeceu, com desassombro e tambem com prudencia e bom criterio, ao impulso das boas doutrinas, e foram attendidas as melhores praticas sobre o assumpto.

Consignaram-se os principios do exercito activo, organi-