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1012 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dirigiu tratando-o por tu, ou por você, como referiram as] testemunhas, e lhe disse: «Você está enganado commigo. Você está irritado. Olhe que não lhe tenho medo, nem aqui nem lá fora».

Effectivamente estas palavras, não tendo sido precedidas d’aquella discussão, e entre aquelles oradores, poderiam significar, não só uma provocação a duello, mas até uma lucta braço a braço.

Dizer um homem a outro que não lhe tem medo, nem na casa em que se acha, nem fora della, é uma provocação.

Estas palavras foram precedidas do debate que tivera logar, em que o sr. ministro da marinha se declarava prompto, não só a responder n’aquella occasião sobre qualquer acto da sua gerencia, mas tambem a apresentar no seu ministerio os documentos que o sr. deputado desejasse consultar; estas palavras, digo, teem a explicação que o offendido deu no processo. Estas palavras queriam dizer que o sr. conselheiro Henrique de Macedo não se receiava ali de que o sr. deputado o interpellasse na camara sobre .qualquer assumpto do seu ministerio, porque lhe daria todas as explicações, nem lá fora, porque no seu ministerio lhe apresentaria todos os documentos que s. exa. pretendesse examinar e que podessem servir para que aquelle sr. deputado o accusasse por meio da imprensa. Necessariamente era esta a explicação que o sr. Henrique de Macedo ia dar.

Mas o sr. Ferreira de Almeida tomou as palavras do sr. ministro da marinha por um convite para um duello.

Só a excitação resultante de uma discussão tão acalorada, como a que tivera logar entre os dois cavalheiros, podia suscitar tal interpretação ás palavras do sr. conselheiro Henrique de Macedo.

Não era para suppor que um ministro d’estado se dirigisse, na propria camara, ao logar de um deputado para o provocar ou convidar para um duello ou para uma lucta, e muito menos sendo esse ministro o da marinha e ultramar, e o deputado um official da armada.

Disse o sr. deputado Ferreira de Almeida, no seu interrogatório, que naquelle acto o sr. ministro da marinha proferira palavras, injuriosas em qualquer caso e muito mais n’aquella occasião.

Eu não quero crer que o sr. conselheiro Henrique de Macedo empregasse taes palavras, e sobretudo que as negasse depois de as ter pronunciado. Não quero com isto dizer que o sr. deputado Ferreira de Almeida, que reputo um cavalheiro, fizesse uma declaração menos exacta. O certo é que as testemunhas, que se achavam proximas d’estes dois cavalheiros, não ouviram essas palavras injuriosas.

O que eu supponho é que o sr. Henrique de Macedo empregou qualquer expressão para melhor fazer comprehender as suas primeiras palavras, que o sr. Ferreira de Almeida interpretara erradamente; e que o sr. Ferreira de Almeida, como as testemunhas, não ouviu essa expressão e suppoz ouvir outra differente. Mas quem conhece c» sr. Henrique de Macedo sabe que, em quaesquer circumstancias, elle era incapaz de empregar um termo inconveniente, como aquelle que o réu lhe attribue.

Eu creio bem que o queixoso se dirigia ao accusado no intuito de lhe dar explicações amigáveis; mas o sr. Ferreira de Almeida, tomando precipitadamente o procedimento do ministro como uma provocação, e levantando-se do seu logar, deu-lhe uma bofetada ou um murro, divergindo as testemunhas na qualidade da aggressão.

O facto da aggressão é que não soffre duvida, porque consta do depoimento das testemunhas, das declarações do offendido e das proprias respostas do accusado.

Com este seu procedimento o sr. Ferreira de Almeida ficou incurso nas disposições do artigo 1.° de guerra da armada.

Na situação em que se achavam, offendido e offensor, não pôde offerecer duvidas a applicação da lei a esta hypothese.

O sr. Henrique de Macedo achava-se na camara dos senhores deputados, não como deputado, que não era, mas na sua qualidade de ministro, e nessa qualidade, e sobre assumptos do seu ministerio, tinha tomado parte nas discussões e fallado sobre assumptos de serviço publico. A sessão tinha sido encerrada, mas em vista das arguições que lhe haviam sido feitas, o sr. Henrique de Macedo, na sua qualidade de ministro, e no intuito de dar explicações, é que se dirigiu ao accusado. O sr. José Bento Ferreira de Almeida, ao mesmo tempo que era deputado, era oficial de marinha, primeiro tenente da armada, qualidade que não perdeu, nem perde. Comquanto não accumulasse o logar de deputado com outra commissão de serviço dependente do ministerio a que pertence, é certo que era official de marinha, e, portanto, como tal, desattendendo e offendendo o seu superior, ficou incurso nas penas dos artigos de guerra para o serviço da armada.

Estes artigos de guerra, como já foi notado em ambas as casas do parlamento, são antigos, mas são leis do estado. Hão de vigorar até que se faça para a marinha um novo codigo, como se fez para o exercito de terra.

O artigo 1.° menciona felizmente varias penas applicaveis, segundo as circumstancias, ao crime de insubordinação, que se discute, penas que vão desde a simples prisão, até á pena de morte. O tribunal comprehende que não é esta a pena que o ministerio publico vem aqui pedir, nem, mesmo nenhuma das que immediatamente se lhe seguem. O ministerio publico o que pede é que, provado o facto, como resulta do processo e como resumidamente expuz ao tribunal, tome uma decisão que, sem estabelecer o precedente de deixar impune a aggressão de um official da armada contra o ministro da marinha, imponha ao accusado uma pena em harmonia com as circumstancias que acompanham o crime, e que attenuam muito a gravidade delle.

E isto que peço ao tribunal.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. advogado.

O sr. Luciano Monteiro (advogado do accusado): — Disse: Que se algumas pessoas esperavam ouvir uma defeza violenta, estavam illudidas, muito embora o procedimento do governo para com o sr. Ferreira de Almeida desse margem a largos comentários.

Que para justificar a prisão preventiva, tinha o ministerio invocado os artigos de guerra em uso na armada, mas que esses artigos, longe de a justificarem, a condemnavam. O sr. Ferreira de Almeida, tendo sido provocado e injuriado pelo sr. conselheiro Henrique de Macedo, procurara desaggravar-se no campo da honra e nesse proposito convidara-o a bater-se em duello, mas o convite não foi acceito pelo sr. conselheiro Henrique de Macedo.

Que este procedimento do sr. ministro da marinha em Portugal contrastava com o do general Boulanger, notando que este, sendo o injuriado, tomou a iniciativa em liquidar pelas armas a afronta que tinha recebido. Em seguida arguiu as nullidades do libello, especialisando a ineptidão.

Entrando no desenvolvimento1 da contestação, fez a analyse dos artigos de guerra e confrontando-os com as disposições do codigo penal e codigo de justiça militar, concluiu esta parte affirmando que a responsabilidade do accusado devia ser apreciada em face da lei penal commum.

Lendo o depoimento do queixoso, tratou de demonstrar que o facto tal qual consta do processo, não reunia as condições necessarias para ser classificado de criminoso.

Que o ministerio publico, relatando os acontecimentos que se deram na camara dos senhores deputados em 7 de maio, não fora inteiramente exacto e que, se o accusado chegou a levantar a mão para o sr. conselheiro Henrique de Macedo, fora a isso levado por injurias graves e provocação. Para demonstrar esta these leu parte dos discursos pronunciados n’aquella sessão.