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SESSÃO DE 18 DE AGOSTO DE 1887 1013

Fez em, seguida a enumeração dos serviços prestados pelo accusado como official de marinha e concluiu pedindo a absolvição.

O sr. Representante do Procurador Geral da Coroa (conselheiro Annibal Martins): — Sr. presidente, eu não tomaria de novo a palavra se não fosse provocado a isso por uma phrase do sr. advogado.

Desde já declaro que não acceito nenhuma discussão sob o ponto de vista politico, que pela minha parte arredo desta causa. A questão politica já foi tratada em ambas as casas do parlamento; por consequencia nesta camara hoje não tem ella cabimento, porque a camara dos dignos pares se acha constituida em tribunal de justiça.

Tomei pois a palavra por o sr. advogado sómente hoje, e neste logar, ter classificado de inepto o libello, attribuido ao sr. procurador geral da corôa e fazenda.

Tenho a declarar que quem formulou o libello fui eu; e cumpre-me explicar o que é a ineptidão do libello.

A ineptidão do libello é uma excepção do foro civil, e offerece-se com a contestação.

Dá-se ella quando das premissas do libello se não deduz qual é o pedido do auctor.

Não tem applicação ao processo crime, não foi deduzida com a contrariedade, e não se dá neste caso.

O libello expõe os factos, que constituíram o crime, a que corresponde a pena, cuja applicação pedir.

O despacho do sr. commandante geral da armada, que equivalia á indicação, é que tinha de regular o pedido da pena no libello.

Articulou-se que o sr. Ferreira de Almeida era official da armada e que o sr. Henrique de Macedo era ministro da marinha, e o sr. Ferreira de Almeida faltara aos deveres da subordinação militar, e portanto das premissas tirou-se a verdadeira conclusão, pedindo que fosse punida aquella insubordinação.

Nem os tramites deste processo teem relação alguma com os que se seguem no foro commum; nem vem a proposito a invocação feita por s. exa. dos artigos do codigo penal em substituição dos de guerra da armada.

No artigo 1.° de guerra está enumerada uma serie de penas, applicaveis segundo as circumstancias.

Não era ao ministerio publico que competia escolher de entre ellas, e só ao tribunal que tem de apreciar todas as circumstancias que revestem o crime.

Diz o sr. advogado que os artigos de guerra não são applicaveis ao accusado porque elle não accumulava as funcções de deputado com outro serviço, nem o ministro pediu licença para tal accumulação.

Mas aqui ha certamente confusão de idéas.

O sr. Ferreira de Almeida antes de ser deputado era segundo commandante da escola* de marinheiros do Porto.

Se o exercicio dessa commissão fosse compativel com as funcções de deputado, de certo que o sr. ministro da marinha teria pedido á camara a respectiva licença para a accumulação.

O sr. ministro da marinha, porem, não tinha que pedir á camara auctorisação para que o sr. Ferreira de Almeida podesse accumular as funcções de deputado com as da commissão para que havia sido nomeado, porque o sr. Ferreira de Almeida não podia desempenhar funcções differentes simultaneamente em Lisboa e no Porto.

Mas porque não accumulava commissão de serviço ninguem póde dizer que o sr. Ferreira de Almeida deixara de ser official da armada só pelo facto de ser deputado.

Pois não é contado tanto aos officiaes da armada como aos - officiaes do exercito o tempo de serviço emquanto estão no exercicio das funcções de pares ou deputados?

Deixam elles porventura de ser officiaes da armada e do exercito para vencerem antiguidade e o soldo, quando por elle optem?

O sr. Ferreira de Almeida era deputado quando teve logar o conflicto na camara, mas era ao mesmo tempo tambem official da armada.

O sr. Henrique de Macedo era ministro da marinha e foi no desempenho do seu cargo que tomou parte na discussão, de que resultou o conflicto que deu causa a este1 processo.

O sr. advogado referiu-se ao 1.° artigo de guerra, e para fallar na expressão do real desagrado, citado ali como a pena mais grave.

Ressentem-se aquelles artigos da epocha em que foram redigidos.

O que é verdade, porem, é que no mesmo artigo 1.° se diz que a insubordinação consiste na falta de respeito para com o superior, e que foi este o crime commettido pelo accusado.

Na epocha em que foram redigidos aquelles artigos de guerra, o Rei reunia em si todos os poderes, era o primeiro de todos os superiores.

Hoje, segundo o systema que nos rege, o poder executivo é exercido pelo Rei, por intermedio dos seus ministros, gerindo cada um os negocios que são da sua competencia. O ministro da marinha é, portanto, o superior de todos os officiaes da armada, assim como o ministro da guerra é o superior de todos os officiaes do exercito. Tendo sido aggredido o ministro da marinha por um official da armada, não temos de nos regular pelo que se acha estabelecido no codigo penal, mas sim pelos artigos de guerra para a arma da, porque elles é que são a lei applicavel.

Queria o sr. advogado que no libello se invocassem artigos de guerra que punem o inferior que mata ou fere o superior, e que houvesse exame no offendido.

Não podiam invocar-se taes artigos, quando felizmente não houvera morte ou ferimento. Nem era necessario exame desde que constava que a offensa não deixara vestígios.

Estava prejudicado pela declaração do offendido, que disse ter havido uma aggressão de que lhe não tinham resultado vestígios, e que até estava em duvida se a mão do sr. Ferreira de Almeida lhe havia tocado.

Em presença desta declaração do offendido, é claro que estava prejudicado o exame sobre os vestígios de uma aggressão, que os não deixara.

O sr. Henrique de Macedo não fora morto nem ferido, e portanto não havia logar para pedir a applicação dos artigos de guerra que punem a morte e o ferimento de um superior, mas só a do artigo 1.°, que trata de insubordinação para com os superiores. Nem. o ministerio publico póde pedir no libello a applicação da lei que bem lhe parecer, mas ha de redigi-lo em harmonia com o despacho de pronuncia do accusação, a que neste processo corresponde o despacho do commandante geral da armada, pronuncia ratificada pelas resoluções das duas casas do parlamento, mandando seguir o processo.

A ineptidão do libello, impropriamente invocada agora pela defeza, não tem o menor fundamento, como o não tem a impugnação da applicação da lei, que eu não posso deixar de pedir, como representante do ministerio publico.

Estou convencido de que o tribunal ha de graduar a pena, em attenção ás circumstancias que acompanharam o delicto; mas o tribunal não póde deixar impune um facto que constitue um acto de insubordinação, uma offensa ao poder executivo, na pessoa de um ministro da coroa, a quem o offensor estava subordinado, e até uma grave injuria ao parlamento, onde teve logar o crime. Assim o espero.

O sr. Juiz Presidente: — Nenhum digno par pede a palavra, para dirigir qualquer pergunta ao accusado?

(Pausa).

O sr. Juiz Presidente (Para o accusado): —Tem alguma cousa a allegar em sua defeza?

O Accusado (Sr. Ferreira de Almeida): — Não, senhor.