1020 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
ções, sem tolerancia nem desigualdade que desmoralisem, e tambem sem excessiva, severidade que revolte.
Concluindo, espero, que o tribunal applique ao réu a pena do codigo.
Tenho dito.
(S. exa. não reviu.)
O Advogado (Sr. Lopes Vieira): -Disse que o dignissimo procurador geral da corôa, terminando o sou discurso; pedia a condemnação do réu, mas que elle protestava contra tal, conclusão, que ia de encontro aos bons principios de direito criminal.
Que a accusação se esforçara por demonstrar a existencia do crime previsto e punido no artigo 81.° do codigo de justiça militar, mas só conseguira pôr em evidencia que se tratava de um incidente meramente pessoal e particular em cujo desaggravo a, sociedade não tinha que intervir.
Que elle, advogado, muito intencionalmente nem produzira testemunhas, nem perguntara as da accusação, porque à esta é que cumpria provar o que allegava no libello e tal prova se não fizera.
Que se abstinha por isso de apreciar os depoimentos, nem mesmo nas deploraveis contradicções de alguns, tão deploraveis e tão infelizes que provocaram o protesto nobilissimo, franco é leal, que o seu constituinte acabava de fazer perante o tribunal.
Abstinha-se de o fazer porque acceitando, mesmo na generalidade, os depoimentos que produzira a accusação, esta não conseguira demonstrar o, crime de insubordinação, offensa á disciplina militar e ataque a um superior hierarchico, mas apenas um incidente, e emquanto profundamente lamentavel, estranho todavia ao fôro militar e á intervenção do ministerio publico.
Que para avaliar da responsabilidade criminal de um facto declarado punivel pela lei penal, é impreterivel consideral-o em todas as minuciosidades, em todas as circumstancias que o precederam, acompanharam e seguiram.
Não se póde destacar uma só, como se destaca a folha solta de um livro.
Só assim o julgador poderá corresponder aos altos deveres da sua missão nobilissima; só assim poderá chegar a avaliar da intenção do agente, da sua voluntariedade, sem a qual não ha responsabilidade criminal, como prescreve o artigo 1.° do codigo penal.
(Leu.)
Por isso, admittindo que os factos, na sua generalidade, sé passaram taes como os apresenta a accusação, cumpre lembrar as circunstancias que o precederam e acompanharam, para aquilatar a sua responsabilidade.
Que essas circumstancias eram tão graves e tão recentes, que não carecia de as recordar minuciosamente. Que um deploravel incidente acontecido na camara dos, senhores deputados no dia anterior ao do que se discute, acabava de preoccupar todos os espiritos, ainda os mais alheios aos acontecimentos politicos do paiz.
D'esse incidente surgira uma questão constitucional, pois que muitos consideravam violados os principios consignados na constituição do reino por um ataque ás immunidades parlamentares.
Entre aquelles que pela sua missão especial, de eleitos do povo repercutiam lá dentro as paixões que tumultuavam cá fóra, encontrava-se o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco.
Como que uma atmosphera irritante pairava então no recinto do parlamento.
Os corredores da camara eram invadidos por uma multidão naturalmente a vida e curiosa.
Que foi n'essas circumstancias, no meio d'esse tumultuar de paixões, e de individuos que se acotovelavam para abrir caminho, que se diz ter tido logar incidente, que se discute.
Que estas circumstancias são assim moral e physicamente as mais excepcipnaes.
Que assim o seu cliente, cegos naturalmente os olhos do entendimento pela exaltação do proprio animo, perdendo a serenidade entre a multidão que atravessava, nem viu nem podia ver insignias militares no supposto offendido, só tendo conhecimento mais tarde da sua qualidade e graduação.
Que crê impossivel que alguem, no intimo da sua consciencia, possa sentir o contrario, e appella para cada um dos membros do tribunal e para todos os que o escutam.
Que assim, evidentemente, n'aquele momento, não assistia ao réu a precisa liberdade sem a qual não ha voluntariedade, como sem esta não ha intenção criminosa.
Que este principio que constitue o criterio pelo qual o julgador, ha de proferir sua decisão, está consignado expressamente no artigo 1155.° da nova reforma judicial, no qual se prescreve que, se ao julgador parecer, que o réu foi o auctor do facto mas n'elle não ourou com intenção criminosa, responderá que o crime não está provado.
(Lê o artigo e outros dá nova reforma e codigo penal).
Que estes preceitos são os que regulam aquelle tribunal, que é juiz de facto e de direito.
Que em taes circumstancias é inevitavel a absolvição do accusado por falta de intenção criminosa, tanto mais que repugnava admittir que a similhante incidente podesse competir a penalidade do artigo 81.° do codigo de justiça, invocado no libello, e que, por mais attenuada que seja, nunca poderia ser inferior a demissão com tres annos de prisão!
Passando ao exame do processo disse que não podia deixar de arguir, em nome dos preceitos de direito criminal, a nullidade insanavel de todo o processo pela manifesta deficiencia, senão ausencia de corpo de delicto, base de todo o procedimento criminal.
Entre outras faltas que mencionou, disse que sendo, nos factos d'aquella natureza, indispensavel a queixa do offendido, dos autos se mostrava pelas declarações do sr. Bivar de Sousa que nem havia queixa nem offensa. Antes este terminantemente affirmava que o accusado nenhuma reparação lhe devia.
Que foram violados os artigos 901.° o seguintes da nova reforma judicial, e que as formulas de processo sendo de direito publico, como suprema garantia dos direitos e da liberdade individual, não podiam ser preteridas como foram, ferindo de nullidade tudo quanto se processou.
Leu diversas disposições legaes concluindo por dizer que o processo era acephalo e tumultuario.
Passou depois a examinar as circumstancias que se seguiram ao incidente, sustentando que ainda estas impunham ao tribunal a absolvição do accusado, como acto de impreterivel justiça.
Que as palavras com que o digno procurador geral da corôa iniciara o seu discurso, declarando que não estava ali em nome de um individuo mas da sociedade, manifestavam bem que alguma cousa de singular e excepcional se havia passado.
Que não queria melindrar a modéstia do seu constituinte, alludindo ás suas qualidades e ao seu caracter; mas que podiam attestal-o todos os que, como ello advogado, o conheciam desde os bancos da universidade, onde fôra uma das glorias da academia do seu tempo, bem como os que o têem seguido atravez da sua vida publica irnpondo-se1 á estima e consideração de todos.
Que, como militar, fallavam bem alto os documentos honrosissimos juntos ao processo, firmados por dois dos officiaes mais distinctos do exercito, o coronel José de Aboim, commandante do regimento de engenheiros e do coronel Cunha Pinto, commandante de infanteria n.º 5.
(Leu os attestados.}
Que tão honrosos póde havel-os, mais de certo não; que na vida militar não ha attestados de favor e aquelles impõem-se ainda pela respeitabilidade de quem os subscreve.
Todos sabem que o accusado é homem incapaz de fugir á, responsabilidade dos seus actos, ou mesmo pretender