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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 19 DE DEZEMBRO DE 1887

Juiz presidente o exmo sr. Conselheiro João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Juiz relator, o digno par exmo sr. Thomás Nunes da Serra e Moura

Ministerio publico o exmo procurador geral da corôa e fazenda, sr. Conselheiro Antonio Cardoso Avelino

Escrivão o exmo Conselheiro director geral, Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira

Advogado do réu o exmo sr. Affonso Xavier Lopes Vieira

Pela uma hora da tarde, ordenou o sr. presidente que se procedesse á chamada e, tendo se verificado que estavam presentes 65 dignos pares, declarou s. exa. que, visto haver numero legal para a camara puder constituir se em tribunal de justiça, ia proceder-se á leitura do decreto de convocação.

O sr. conselheiro escrivão do processo leu o decreto de convocação:

"Attendendo ao que me representou o presidente da camara dos dignos pares do reino, ácerca de se achar terminada a instrucção do plenario no processo instaurado contra o deputado da nação, José Bento Ferreira de Almeida, e de ter sido enviado á mesma camara o processo instaurado, contra o deputado da nação José de Azevedo Castello Branco: hei por bem, tendo em attenção as disposições da lei de 15 de fevereiro de 1849, e ouvido o conselho d'estado, convocar a camara dos dignos pares do reino para o dia 18 do corrente mez de agosto, a fim de que, constituida em tribunal de justiça, possa occupar-se do seguimento d'aquelles processos e final julgamento dos referidos deputados da nação, o que, segundo as deliberações da respectiva camara, tem de realisar-se no intervallo entre a primeira e a segunda sessão da presente legislatura, nos termos do artigo 4.° da carta de lei de 24 de julho de 1885.

"O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes. Paço da Ajuda em 3 de agosto de 1887. - EL-REI. = José Luciano de Castro."

O sr. Presidente: - Em virtude do artigo 41.° da carta constitucional da monarchia e do decreto que acaba de ser lido está constituida a camara dos dignos pares em tribunal de justiça, e aberta a audiencia para o julgamento do sr. deputado José de Azevedo Castello Branco.

Convido o sr. Juiz relator a tomar o seu logar ao lado da presidencia.

O sr. juiz relator tomou o seu logar.

O sr. Presidente:- Vão ser introduzidos na sala o sr. procurador geral da corôa, o accusado e o seu defensor.

Foram introduzidos na sala e occuparam os seus respectivos logares.

O sr. Presidente:.- Vae ler-se a correspondencia.

O sr. escrivão leu:

Officios dos dignos pares abaixo designados, participando que, por incommedo de saude, não podiam comparecer.: arcebispo primaz de Braga, arcebispo resignatario de Braga, arcebispo do Evora, arcebispo bispo do Algarve, bispo de Beja, conde de Margaride, viscondes de Porto Formoso, Benalcanfor e Portocarrero; Jayme Larcher, Carlos Testa, Mexia Salema, José Silvestre Ribeiro, Miguel Osorio Cabral, José Maria da Ponte e Horta, Antonio Gonçalves da Silva e Cunha, Antonio Pequito Seixas de Andrade, José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz, Vasco Leão.

Officios dos dignos pares abaixo designados participando que, por diversos motivos, não podiam comparecer: conde de Ficalho, visconde de Asseca, Marino João Franzini, Ferreira Lapa e Luiz Bivar.

Officio do digno par Henriques Secco accusando a recepção da circular convocatoria.

Officio do conselheiro director geral dos negocios do ultramar, participando que a testemunha Luiz Candido de Almeida, capitão da guarnição da provincia de Moçambique, seguira viagem para aquella provincia ultramarina no paquete de 28 de novembro preterito.: Officio do conselheiro presidente do tribunal da relação de Lisboa, participando que déra as ordens convenientes para que o official de diligencias d'aquelle tribunal, Francisco Pedro da Conceição e Carmo, comparecesse para depor como testemunha.

O sr. Presidente: - Da parte do nosso collega é sr. José Joaquim de Andrada Pinto fui encarregado de participar que s. exa. não póde comparecer n'esta audiencia por motivo de serviço publico.

Tenho, pois, que submetter á apreciação do tribunal se considera e admitte como legitimas as escusas pedidas pelos dignos pares, que deixaram de comparecer.

Consultado o tribunal, julgou legitimas as escusas apresentadas.

O sr. Presidente: - A primeira resolução que a camara, constituida em tribunal de justiça, tem a tomar, versará sobre a sua competencia no julgamento d'esta causa, e depois da votação da camara, ouvirei o sr. procurador geral da corôa e o accusado.

Consultada a camara, declarou-se competente para julgar esta causa em tribunal de justiça.

O sr: Presidente: - Pergunto ao sr. deputado José de Azevedo Castello Branco se reconhece a competencia d'este tribunal.

Accusado (Sr. Azevedo Castello Branco): - Reconheço.

O sr. Presidente: - Pergunto ao sr. advogado sé reconhece a competencia d'este tribunal para julgar o sr. deputado Castello Branco.

O sr. Advogado (Affonso Xavier Lopes Vieira): - Reconheço.

O sr. Presidente: - Pergunto ao sr. procurador geral da corôa se tem alguma observação a fazer, e se reconhece a competencia d'este tribunal.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino): - Não tenho observação alguma a fazer e reconheço a competencia do tribunal.

O sr. Presidente:- Reconhecida a competencia do tribunal, passaremos a tratar de julgar das suspeições que possam levantar-se, e por isso pergunto ao sr. deputado Azevedo Castello Branco se tem algum motivo ou causa de suspeição contra algum dos dignos pares.

Accusado: - Não tenho.

O sr. Presidente: - Faço igual pergunta ao defensor do accusado.

O sr. Advogado: - Não tenho.

O sr. Presidente:- Vae ler-se o rol das testemunhas.

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e o sr. escrivão tomará nota das que estrio presentes e nas que faltam.

Feita a chamada das testemunhas, reconheceu-se estarem presentes as seguintes:

João Pereira Mousinho de Albuquerque.

Antonio Augusto de Sousa.

Pedro Antonio Borges Flores.

José Duarte de Carvalho.

Francisco Borja Torres de Macedo.

Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida.

Francisco Pedro da Conceição e Carmo.

E faltar a testemunha Luiz Candido de Almeida, pelo motivo allegado no officio do conselheiro director geral dos negocios do ultramar.

O sr. Presidente: - Falta a testemunha Luiz Candido de Almeida. Pergunto ao sr. Procurador geral da corôa representante do ministerio publico, se prescinde do depoimento oral d'esta testemunha.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino): - Prescindo do depoimento oral da testemunha Luiz Candido de Almeida, se o tribunal consentir em que seja lido, na sua altura, o depoimento que se acha no processo.

O sr. Presidente: - Em vista da observação que acaba de fazer o sr. procurador geral da corôa, tenho que consultar o tribunal sobre se dispensa a presença da testemunha Luiz Candido de Almeida e se permitte que o respectivo depoimento, que se1 achaco processo, seja lido na sua altura.

Consulta do o tribunal, resolveu afirmativamente.

O sr: Presidente1: - Agora vou dar a palavra ao sr. juiz relator; Tem s exa. a palavra.

O sr. Juiz Relator (Serra e Moura): - Cumprindo-me relatar o processo crime em que é auctor o sr. procurador geral da corôa e fazenda, na qualidade de representante do ministerio publico, e réu o sr. José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do exercito e depurado as côrtes da nação portuguesa, farei uma resumida exposição do feito, satisfazendo assim ao preceito dos artigos 707.° e 810.° da novissima reforma judicial, cujas disposições, na parte applicavel, são mandadas observar pelo artigo 4.° da lei de 15 de fevereiro de 1849.

A. historia do processo é a seguinte.

Constando ao sr. general commandante da primeira divisão militar que no dia 9 de maio do corrente anno de 1887, no edificio da camara dos senhores deputados, ou nas suas proximidades, se dera um conflicto entre dois officiaes do exercito, determinou s. exa. no dia seguinte que immediatamente se procedesse ás precisas indagações e ao levantamento do auto do corpo de delicio.

Encontrados os primeiros elementos para base do corpo de delicio no declaração do commandante da guarda de honra áquella camara n'aque11e dia, de que o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, no mesmo dia e local havia recebido offensas corporaes, socos ou bofetadas, praticadas pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, sendo a origem .de tal conflicto um encontrão dado pelo aggressor no ofendido para este dar passagem a duas senhoras que aquelle conduzia para a galeria da camara, e o ter-lhe dito o referido tenente coronel que não fosse bruto ou mal creado, procedeu-se ao corpo de delicto directo e indirecto.

Examinado o offendido, declararam os peritos que elle apresem apresentava na parte posterior da região carpica do membro superior direito uma ferida incisa praticada com instrumento cortante ligeiramente obliqua em relação ao eixo do membro, de 2 centimetros de extensão e unida com pontos de satura devevdo ter sido feita ha vinte é quatro horas approximadamente, e podendo estar curada no fim de quatro dias, pouco mais ou menos, sem deixar aleijão nem deformidade, e com impossibilidade de movimentos da mão direita, não apresentando na cabeça nem no resto do corpo vestigio algum de traumatismo recente.

Ouvido o offendido sobre as circumstancias do crime, declarou que effectivamente, das tres para as quatro horas da tarde do dia 9 de maio ultimo, saindo do corredor da camara dos senhores deputados, uniformisado e desarmado, em virtude das prescripções ali vigentes, teve uma pendencia desagradavel com um individuo que, para elle, era inteiramente desconhecido; que fôra tal a exaltação em que ficou, que lhe era completamente impossivel fornecer á justiça militar quaesquer esclarecimentos que, em sua consciencia, julgue serem a exacta expressão da verdade; que mais tarde soube que o referido individuo se chamava José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 e deputado da nação; que posteriormente ao conflicto recebeu d'este individuo as mais completas satisfações; e que a ferida na região carpica da mão direita era devida a um pequeno incidente occorrido na manha do dia 11 do alludido mez de maio e de todo estranho á pendencia da tarde do dia 9 do mesmo mez.

Inquiridas doze testemunhas, todas ellas asseveram a existencia do facto da, aggressão, com ligeiras e pouco importantes differenças.

Do conjuncto dos seus depoimentos apura-se quedas tres para as quatro horas da tarde do mencionado dia 9, o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, conduzindo duas senhoras em direcção á porta do corredor da camara dos senhores deputados, e sendo ali grande o ajuntamento, afastara ou empurrara, para lhes dar passagem, o tenente coronel o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que tambem ali se achava uniformisado e desarmado, dando isto logar a que este official dissesse que elle era mal creado, e a que em seguida fosse por elle aggredido com uma ou duas bofetadas, de que lhe resultou salivação sanguinea, sendo ambos afastados para direcções oppostas, havendo comtudo a manifestação de que o aggressor devia ser preso.

As sentinellas declaram que, pelas instrucções do seu posto, agglomeração de pessoas e rapidez do conflicto, não poderam evital-o nem proceder á prisão. Ha, porém, uma testemunha que affirma que, segurando por um braço o aggressor para evitar a continuação das offensas, dissera ao tenente coronel offendido que o prendesse, e que este lhe respondera que não era preciso prender pessoa alguma; e que perguntando-lhe o aggressor se mais alguma cousa queria d'elle, o aggredido respondera que apenas desejava saber o seu nome, do qual tomara nota na sua carteira.

Interrogados posteriormente o offendido e o aggressor, que havia sido competentemente requisitado se mutuamente se reconheciam, responderam affirmativamente; e perguntado o delinquente sobre as causas do crime, respondeu que era certo ter tido com o sr. tenente coronel Antonio Maria Bivar de Sousa um conflicto de palavras, em resultado do qual se julgara aggravado o mesmo sr. tenente coronel, sendo-lhe por isso prestados tidos os desagravos exigidos pelo brio e cavalheirismo pessoal e pelo brio e honra militares.

Com estes elementos de prova proferiu o sr. general commandante da primeira divisão militar o despacho, declarando verificada contra o arguido a existencia de crime de insubordinação por offensa corporal e falta de respeito ao superior, crimes previstos, pelo artigo 81.°, n.º 3.° do codigo de justiça militar, e n.° 1.° do artigo 1.° do regulamento disciplinar de 15 de dezembro de 1875; e determinando que se procedesse á formação da culpa.

Continuados os autos com vista ao sr. promotor, deduziu elle á sua promoção, em harmonia com o precedente despacho.

Interrogado o arguido, que sustentou a sua anterior resposta, in juiridas no summario as testemunhas dó corpo de delicio, que sustentaram os seus anteriores depoimentos,

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foi proferido o despacho de indiciarão, declarando o arguido auctor do crime que lhe é imputado, e incurso na sancção penal do artigo 81.°, n.° 3.° do codigo de justiça militar, por se não mostrar commettido o crime com premediação, debaixo de armas, em acto de serviço ou em rasão de serviço.

Remettido o processo á presidencia da camara dos senhores deputadas a respectiva commissão do legislação criminal considerando detidamente a indole e circumstancias do crime, fui de parecer que o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco continuasse no exercicio das funcções parlamentares e fosse julgado no intervallo d'essa para a proxima sessão legislativa.

Approvado o parecer, foi o processo enviado á presidencia da camara dos pares, que approvou igualmente o parecer da sua commissão de legislação; sendo a sua conclusão, que, dando-se o caso previsto no artigo 15.° do regulamento interno da camara dos pares, constituida em tribunal de justiça, a instrucção do processo plenario houvesse logar perante a presidencia da camara, para a final ser julgado, quando esta se constituisse em tribunal de justiça, nos termos e para o fim do disposto no artigo 2.° da lei de 15 de fevereiro de 1849.

Intimado o indiciado da conclusão dos dois pareceres e da designação dos dias das audiencias da presidencia, e continuados os autos com vista ao sr. procurador geral da corôa o fazenda, como representante do ministerio publico, deduziu este magistrado o seu libello, em que, expondo os factos em harmonia com a promoção e summario, conclue por pedir que, sendo provados os factos allegados, deve ser imposta ao réu a pena do artigo 81.° n.º 3.° do codigo de justiça militar, que manda punir a insubordinação que o mesmo réu commetteu, indicando para testemunhas, a 3.ª, 5.ª, 6.ª,.7.ª, 8.ª, 9.ª, 10.ª e 11.ª do summario, que já Haviam deposto no corpo de delicio.

Entregue ao réu a copia do libello e do rol das testemunhas, foi-lhe designado o praso legal para apresentar a contestação. N'esta protestou o réu deduzir sua defeza na audiencia do julgamento, e juntar documentos e nomear testemunhas em tempo, sendo necessario e allegou sómente que foi sempre militar pundonoroso é respeitador da disciplina.

Entregue ao sr. procurador geral da corôa a copia da contestação, foram-lhe os autos continuados com vista, recebendo posteriormente a copia dos dois documentos offerecidos em defeza, documentos muito honrosos para o réu, porque attestam que elle, em dois regimentos onde serviu, teve um comportamento exemplar, o foi respeitador dos seus superiores, desempenhando, com alta competencia, intelligencia e assiduidade e com o maior zêlo e dignidade o serviço a seu cargo, mostrando-se tambem das suas notas biographicas, como official, extrahidas do registo disciplinar, que nunca soifreu castigo algum.

Concluso o processo a final, foi polo sr. presidente designado o dia de hoje para a audiencia do julgamento.

Segue se agora a leitura das peças principaes do processo, que, impressas, foram distribuidas pelos dignos pares, juizes do tribunal em continuação, a inquirição das teste munhas da accusação interrogatorio do réu, as allegações oraes da accusação e da defeza e por ultimo, a conferencia, onde eu darei o meu voto e prestarei outros quaesquer esclarecimentos que se julguem indispensaveis para uma justa decisão.

O sr. Presidente: - Vão ler-se agora algumas peças do processo:

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino): - Peço a v. exa. que consulte o tribunal sobre se prescinde da leitura dos depoimentos das testemunhas que se acharem presentes; lendo-se apenas, na sua respectiva altura o depoimento da testemunha que falta.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o pedido que acaba de fazer o sr. procurador geral da corôa tenham a bondade de se levantar.

Fui approvado.

O sr. Juiz Relator: - Tenha a bondade o sr. escrivão de ler o corpo do delicto a fl. 6 e o despacho de indiciação que se acha a fl. 33 do processo.

(O sr. Conselheiro escrivão do processo leu.)

O sr. Juiz Relator: - Agora queira ler o parecer da commissão de legislação criminal da camara dos senhores deputados e bem assim o da commissão de legislação da camara dos dignos pares, os quaes pareceres se encontram a fl. 3 e 44 do processo

(O sr. conselheiro escrivão do processo leu.)

O sr. Juiz Relator: - Vae ler-se agora o libello accusatorio e o rol das testemunhas.

(O sr. conselheiro escrivão do processo leu.)

O sr. Juiz Relator: - Segue-se a leitura da contestação ao libello e dos documentos offerecidos em defeza.

(O sr. conselheiro escrivão do processo leu.)

O sr. Presidente: - Como acabam de ser lidas todas as peças do processo indicadas pelo sr. juiz relator, pergunto ao sr. procurador geral da corôa, ao sr. advogado e ao accusado se requerem a leitura de mais alguma peça do respectivo processo.

Responderam negativamente.

O sr. Presidente: - Vae então proceder-se á inquirição das testemunhas.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso, Avelino):- Eu requeiro que seja convidado o sr. advogado defensor do réu a apresentar e deduzir os artigos de defeza especial, conforme protestou fazer quando apresentou a sua contestação.

O sr. Presidente: - O sr. advogado tem alguma cousa que allegar?

O sr. Advogado: - Não apresento agora nenhuma contestação especial. Limito me, como é do meu direito, á allegação verbal, depois de inquiridas as testemunhas.

O sr. Presidente: - Vae ser introduzida na sala a testemunha João Pereira Mousinho de Albuquerque.

Fui introduzida na sala.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino):- Eu não tenho duvida em interrogara testemunha que acaba do ser chamada entretanto, como no rol das testemunhas vem mencionado em primeiro logar o sr. José Duarte de Carvalho, desejo que se saiba com certeza se esta testemunha está ou não presente, e se não está, como é que se leu por presente quando se procedeu á chamada.

O sr. Presidente: - Os continuos verifiquem se está ou não no edificio a testemunha à que acaba de se referir o sr. procurador geral da corôa.

Verificando-se que se achava no edificio a testemunha José Duarte de Carvalho, foi introduzida na sala.

1.ª José Dum te do Carvalho prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosso perguntado e soubesse, e disse ter quarenta e um annos de idade ser major do exercito sem prejuizo de antiguidade, casado e morador no largo do Corpo Santo n.° 13, 3.° andar, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa. .

O defensor do e causado prescindiu de interrogada.

O sr. Presidente: - Vão agora ler-se o depoimento da testemunha, que falta, Luiz Candido de Almeida, a que se refere o officio do conselheiro director geral dos negocios do ultramar.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino): - V. exa. de certo não me acha impertinente e por isso eu pedia que a leitura d'esse depoimento se fizesse de modo que o tribunal ouvisse distinciamente o que n'elle se contem.

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O conselheiro escrivão dó processo no o depoimento da testemunha Luiz Candido de Almeida.

Q sr. Presidente: - Vae proceder-se á inquirição das outras testemunhas.

Foram successivamente introduzidas na sala ás seguintes testemunhas:

2.ª João Pereira Mousinho de Albuquerque, prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade é só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse, e disse ter trinta e dois annos de idade, ser capitão do estado maior de artilheria, ajudante de campo do governador da praça de Monsanto casado e morador na rua do Santo Antonio dos Capuchos n.° 42, 2.° andar, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do accusado prescindiu de interrogal-a.

3.ª Antonio Augusto de Sousa prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse, e disse ter vinte e um annos de idade, ser primeiro sargento graduado a aspirante a official, n.° 44 da 5.ª companhia e n.°225 de matricula do regimento de cavallaria n.° 2, ser solteiro e morador na calçada da Ajuda n.º, 43, 2.º andar, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do accusado prescindiu de interrogai a 4.ª Pedro Antonio Borges Flores, prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse, e d'isso ter quarenta e cinco annos de idade, ser proprietario, solteiro e morador na estrada do Rego n.° 7, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do accusado prescindiu de interrogal a.

5.ª Francisco de Borja Torres de Macedo, prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse e disse ler cincoenta e oito annos de idade, sor proprietario, viuvo e morador na travessa da Espera n.° 31, 3.° andar, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do accusado prescindiu de interrogal a.

6.ª Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse1, e disse ter quarenta e cinco annos de idade, ser chefe de secção addido á guarda fiscal, casado e morador na rua do Carmo n.° 22, 2.° andar, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do accusado prescindiu de interrogal-a.

7.ª Francisco Pedro da Conceição e Carmo, prestou juramento aos Santos Evangelhos de dizer a verdade e só a verdade sobre o que lhe fosse perguntado e soubesse, e disse ter quarenta e tres annos do idade, ser official de diligencias do tribunal da relação de Lisboa, casado, morador na travessa do Enviado do Inglaterra n.° 5, respondendo em seguida ao interrogatorio que lhe foi feito pelo conselheiro procurador geral da corôa.

O defensor do acendido prescindiu de interrogal-a.

O sr. Presidente: - Vae proceder-se ao interrogatorio do accusado.

O sr. Juiz Relator (dirigindo-se, ao accusado):-- Como se chama?

Accusado: - José de Azevedo Castello Branco.

O sr. Juiz Relator: - A sua idade?

Accusado: - Trinta e cinco annos.

O sr. Juiz Relator -- D'onde é natural?

Accusado: - De S. Martinho de Villarinho da Samardã, concelho e distrito de Villa Real.

O sr. Juiz Relator: - A sua filiação?,

Accusado: - Sou filho de Francisco José de Azevedo s de D. Carolina Botelho Castello Branco.

O sr. Juiz Relator: - É solteiro, casado ou viuvo?

Accusado: - Casado.

O sr. Juiz Relator:- Qual à sua occupação?

Accusado:- Cirurgião mor do exercito.

O sr. Juiz Relator: - A sua ultima morada?

Accusado:- Rua Anchieta, n.° 5.

O sr. Juiz Relator:- Sabe qual é o crime de que é accusado no processo de que se trata.

Tem alguma cousa que allegar em sua defeza, alem do, que já allegou o seu advogado?

Accusado: - Sr. presidente, incumbi a minha defeza ao meu advogado, a cujos talentos me confiei; no emtanto entendo em minha, consciencia que é do meu, dever explicar aos dignos pares, com a lealdade e a franqueza de que sou capaz, o facto de que sou accusado.

No dia 9 de maio do corrente anno, pelas tres horas, da tarde, approximadamente, estando na sala da camara dos senhores deputados, á qual tenho a honra de pertencer, fui avisado de que me procuravam pessoas da minha familia. Sai da sala, reconheci as pessoas que me procuravam, as quaes desejavam ir para a galeria, e dei o braço a uma d'ellas. Pela grande quantidade de povo que se encontrava nos corredores, que circumdam a sala, tive muita difficuldade em chegar á porta, que dá para a escada que conduz á galeria. Mas, chegando ali, quando disse ao continuo que abrisse a porta, gesticulei com o braço esquerdo, porque o direito estava occupado e no momento em que a porta foi aberta, um cavalheiro que estava quasi ao meu = lado disse-me, talvez pela difficuldade que tambem tinha encontrado para attingir aquele ponto, que eu não podia passar e que o não empurasse. Retorqui-lhe sem azedume que precisava de passar tambem com aquellas senhoras. Ai que me respondeu que precisava tambem passar. Retorqui lhe de novo que tinha necessidade de passar por causa das senhoras que me acompanhavam, e n'este sentido tentei romper a mó de povo que se agglomerava á saida. Seguiu-se um dialogo vivo, mas breve, do qual resultou um conflicto desagradabilissimo.

Antes de proseguir, devo protestar, perante o tribunal, contra a ai legação da primeira testemunha que depoz n'esta audiencia. Essa testemunha affirma que eu dissera: Retire-se porque sou deputado" Tenho a consciencia absoluta de que não pronunciei similhante phrase, nem isso é conforme ao meu caracter. Similhante depoimento offende menos a verdade pela sua inexactidão que a minha dignidade pessoal.

Proseguindo a minha narrativa, direi que as senhoras que eu acompanhava não furam para a galeria, e eu, pouco depois de verificar onde se tinham, refugiado depois, do incidente, entrei novamente na sala das sessões da camara, bastantemente impressionado com a scena violenta que tinha cccorrido.

Affirmo ainda, mantendo plenamente a exactidão das minhas palavras, que na occasião, em que teve logar aquelle incidente não reparei na graduação que tinha o cavalheiro com quem dialoguei, nem isso me era possivel, verificar, tão enorme e compacta, era a quantidade de gente que nos rodeava. Vi, sim, que era um official mas só depois pude verificar a sua patente.

Preoccupando-me intensamente a situação moral de cavalheiro a quem tenho alludido, mandei dizer-lhe que estava prompto a dar-lhe todas as explicações compativeis com a minha honra, de que precisasse para regular a sua situação militar e para a sua desaffronta.

Os factos posteriores são por demais conhecidos de todos os que me escutam, e eu creio que todos devem estar convencidos de que esses factos foram de rehabilitação completa para aquelle cavalheiro, porque no seu depoimento

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declara que de mira recebeu as mais completas satisfações e com ellas ficara satisfeito.

Nada mais tenho a dizer.

O sr. Procurador Geral da Corôa (Conselheiro Cardoso Avelino): - Sr. presidente, poucas palavras tenho que dizer em desempenho do encargo que a lei me impõe. Não cansarei tambem a attenção do tribunal em referir-lhe a historia do desagradavel acontecimento que trouxe o réu ao logar em que está sentado.

O sr. juiz relator fez um minucioso e lucidissimo relatorio dos factos que constam do processo, e seria, portanto, fastidioso repetir esse relatorio, porque, em verdade, nada tenho a acrescentar ao que s. exa. disse.

Não necessito de justificar a accusação; não necessito de referir miudamente os factos basta-me pedir ao tribunal que só lembre d'elles, como foram expostos, e que, quando tratar de se reunir para decidir qual a sentença que ha de proferir neste processo, para o que tem todos os documentos, escriptos que o podem esclarecer, se precisar ser esclarecido, e mesmo para tirar do seu espirito qualquer duvida que possa influenciar no seu accordão, ou seja condemnatorio ou absolutorio, que esse accordão não deixe de ter o cunho de sentença imparcial e justa, como é proprio de todo o tribunal, e muito mais d'este em que a camara dos dignos pares está constituida.

Em vista do processo eu accusei e accuso o réu, o sr. José de Azevedo Castello Branco, de ter offendido corporalmente um official do exercito que estava uniformisado com o distinctivo de tenente coronel, sendo o réu tambem official do exercito com a graduação de capitão. Accuso-o d'esse facto.

E esse facto está plenamente provado por todos os depoimentos que o tribunal acabou de ouvir, depoimentos que são a repetição do que já se acha escripto.

Na minha qualidade de agente do ministerio publico, eu não represento aqui nenhum individuo particular.

Faço esta observação porque o réu, na sua, resposta digna e levantada, como é proprio de um official do exercito, como é proprio e exigido pela dignidadede deputado, se referiu a um facto posterior áquelle que faz objecto da accusação e objecto d'este processo, facto a que não quero nem preciso dar nome.

Esse facto póde significar perante a sociedade uma reparação individual; mas como eu não represento o individuo offendido mas sim a sociedade, tenho que me decidir conforme a lei manda que me decida, e em nome da mesma sociedade e ao mesmo tempo em nome da disciplinado exercito, não tenho que me referir a esse facto, não, tenho que o apreciar nem avaliar para nenhum effeito n'este processo.

No meu libello refiro o facto exactamente como elle constava do processo.

Não occultei nenhuma circumstancia, nem as circumstancias que constituiam o crime militar de que é accusado, nem as circumstancias que o réu póde invocar ou o seu advogado, nem ainda a circumstancia attenuante do procedimento anterior do réu.

O tribunal conhece o libello e pravavelmente vê bem que eu no artigo 2.° digo:

"Provará que o réu, quando abriu passagem para si e para duas senhoras, se dirigiu ao tenente coronel Bivar de Sousa com modos e em termos menos delicados e respeitosos, aos quaes este respondeu com uma phrase severa."

As testemunhas affirmara, umas que houve por parte do réu uma phrase menos delicada, e outras que houve um empurrão ou mau gesto, que deu a entender áquelle militar que não era tratado com a delicadeza com que devia ser tratado, respondendo por isso com uma phrase severa, a qual, como disse a primeira testemunha, foi que o senhor será deputado, mas é muito mal creado.

Houvesse porém essa phrase ou não houvesse, o que é certo que houve uma divisão pouco agradavel entre aquelles dois cavalheiros, discussão que deu em resultado o sr. tenente coronel Bivar de Sousa julgar-se, com justa rasão, ou sem justa rasão, offendido e chamar mal creado ao sr. Castello Branco, o qual, para se desaggravar, deu uma ou fluas bofetadas no sr. Bivar de Sousa.

A discussão verbal anterior ás bofetadas póde o tribunal consideral-a ou como uma provocação, ou como uma justa defeza.

Eu no exercicio das minhas attribuições, e no cumprimento das obrigações que me impõe o regulamento do ministerio publico, devo no tribunal accusar com a verdade, e portanto não tenho escrupulos, nem hesitações de especie alguma em tirar d'este facto as consequencias juridicas que se podem tirar.

As palavras que as testemunhas attribuem ao réu do arrede-se ou deixe-me passar que sou deputado, ou o facto de pôr a mão em cima das costas do sr. tenente coronel Bivar de Sousa para remover d'ali áquelle obstaculo, essa phrase, ou esse facto, podem ser ou uma provocação ou um acto de indelicadeza para com o official do exercito a quem foram dirigidos, e ainda que o réu diz que não poude ver qual era a patente d'aquelle official, no emtanto elle estava fardado, e o réu, que tambem é militar, sabe que o regulamento de disciplina militar lhe impõe o respeito e a consideração para com todos os seus camaradas;

É verdade tambem que a phrase que se attribue ao sr. tenente coronel Bivar de Sousa é uma phrase dura e severa, e que de alguma maneira deve influir no animo do tribunal para ser menos rigoroso na pena a applicar ao réu.

Mas se a phrase do tenente coronel foi resposta em desforço á outra phrase anterior do réu, então o facto, sem perderia igualidade de circumstancia attenuante, passa a ser uma circumstancia que o tribunal sabe perfeitamente, constitue um acto de justa defeza até onde póde ser levada.

Mas seja o que for, sem mesmo me querer demorar n'este ponto, porque não é preciso perante um tribunal tão illustrado a injuria póde ser allegada pelo réu- ou attendida pelo tribunal como provocação para offensas reaes.

0 que Acerto é que quaesquer que fossem os factos que antecederam o acto da bofetada, a offensa corporal é um crime que o réu praticou e que deve ser classificado coma insubordinação segundo o codigo de justiça militar, visto que a victima d'esse crime estava uniformisada e n'esse uniforme havia os distinctivos necessarios para se reconhecer a sua patente; e o réu, que é capitão devia tambem saber que tinha diante de si um superior.

Ora a lei, como v. exa. sabem diz.

(Leu.)

Não accuso o réu de ter commettido esta offensa com premeditação, não o accuso de a ter praticado debaixo do armas nem em acto nem por occasião de serviço, mas accuso-o de ter commettido um acto de insubordinação offendendo corporalmente um superior legitimo.

0 facto é tão simples, as provas deduzidas são tão claras e incontestaveis, que eu não tenho necessidade de prolongar esta mal alinhavada allegação para provar a procedencia do libello, e seria na verdade offender a illustração d'este tribunal se eu tratasse de encarecer a importancia a gravidade do facto.

A bofetada é considerada como uma injuria grave, roas não se trata apenas de um crime militar ou de um crime de offensa corporal.

Todos sabem que a força publica é essencialmente obediente e depende, para produzir os seus naturaes effeitos, da disciplina. Sem disciplina não ha força nem exercito sem aquella condição, este grande instrumento social da ordem publica e da segurança geral, desapparece. Em virtude d'isto, é dever de todas as auctoridades, de todos os tribunaes, cada um na esphera das suas attribuições, manter com firmeza a disciplina do Exercito, sem contempla-

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1020 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

ções, sem tolerancia nem desigualdade que desmoralisem, e tambem sem excessiva, severidade que revolte.

Concluindo, espero, que o tribunal applique ao réu a pena do codigo.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu.)

O Advogado (Sr. Lopes Vieira): -Disse que o dignissimo procurador geral da corôa, terminando o sou discurso; pedia a condemnação do réu, mas que elle protestava contra tal, conclusão, que ia de encontro aos bons principios de direito criminal.

Que a accusação se esforçara por demonstrar a existencia do crime previsto e punido no artigo 81.° do codigo de justiça militar, mas só conseguira pôr em evidencia que se tratava de um incidente meramente pessoal e particular em cujo desaggravo a, sociedade não tinha que intervir.

Que elle, advogado, muito intencionalmente nem produzira testemunhas, nem perguntara as da accusação, porque à esta é que cumpria provar o que allegava no libello e tal prova se não fizera.

Que se abstinha por isso de apreciar os depoimentos, nem mesmo nas deploraveis contradicções de alguns, tão deploraveis e tão infelizes que provocaram o protesto nobilissimo, franco é leal, que o seu constituinte acabava de fazer perante o tribunal.

Abstinha-se de o fazer porque acceitando, mesmo na generalidade, os depoimentos que produzira a accusação, esta não conseguira demonstrar o, crime de insubordinação, offensa á disciplina militar e ataque a um superior hierarchico, mas apenas um incidente, e emquanto profundamente lamentavel, estranho todavia ao fôro militar e á intervenção do ministerio publico.

Que para avaliar da responsabilidade criminal de um facto declarado punivel pela lei penal, é impreterivel consideral-o em todas as minuciosidades, em todas as circumstancias que o precederam, acompanharam e seguiram.

Não se póde destacar uma só, como se destaca a folha solta de um livro.

Só assim o julgador poderá corresponder aos altos deveres da sua missão nobilissima; só assim poderá chegar a avaliar da intenção do agente, da sua voluntariedade, sem a qual não ha responsabilidade criminal, como prescreve o artigo 1.° do codigo penal.

(Leu.)

Por isso, admittindo que os factos, na sua generalidade, sé passaram taes como os apresenta a accusação, cumpre lembrar as circunstancias que o precederam e acompanharam, para aquilatar a sua responsabilidade.

Que essas circumstancias eram tão graves e tão recentes, que não carecia de as recordar minuciosamente. Que um deploravel incidente acontecido na camara dos, senhores deputados no dia anterior ao do que se discute, acabava de preoccupar todos os espiritos, ainda os mais alheios aos acontecimentos politicos do paiz.

D'esse incidente surgira uma questão constitucional, pois que muitos consideravam violados os principios consignados na constituição do reino por um ataque ás immunidades parlamentares.

Entre aquelles que pela sua missão especial, de eleitos do povo repercutiam lá dentro as paixões que tumultuavam cá fóra, encontrava-se o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco.

Como que uma atmosphera irritante pairava então no recinto do parlamento.

Os corredores da camara eram invadidos por uma multidão naturalmente a vida e curiosa.

Que foi n'essas circumstancias, no meio d'esse tumultuar de paixões, e de individuos que se acotovelavam para abrir caminho, que se diz ter tido logar incidente, que se discute.

Que estas circumstancias são assim moral e physicamente as mais excepcipnaes.

Que assim o seu cliente, cegos naturalmente os olhos do entendimento pela exaltação do proprio animo, perdendo a serenidade entre a multidão que atravessava, nem viu nem podia ver insignias militares no supposto offendido, só tendo conhecimento mais tarde da sua qualidade e graduação.

Que crê impossivel que alguem, no intimo da sua consciencia, possa sentir o contrario, e appella para cada um dos membros do tribunal e para todos os que o escutam.

Que assim, evidentemente, n'aquele momento, não assistia ao réu a precisa liberdade sem a qual não ha voluntariedade, como sem esta não ha intenção criminosa.

Que este principio que constitue o criterio pelo qual o julgador, ha de proferir sua decisão, está consignado expressamente no artigo 1155.° da nova reforma judicial, no qual se prescreve que, se ao julgador parecer, que o réu foi o auctor do facto mas n'elle não ourou com intenção criminosa, responderá que o crime não está provado.

(Lê o artigo e outros dá nova reforma e codigo penal).

Que estes preceitos são os que regulam aquelle tribunal, que é juiz de facto e de direito.

Que em taes circumstancias é inevitavel a absolvição do accusado por falta de intenção criminosa, tanto mais que repugnava admittir que a similhante incidente podesse competir a penalidade do artigo 81.° do codigo de justiça, invocado no libello, e que, por mais attenuada que seja, nunca poderia ser inferior a demissão com tres annos de prisão!

Passando ao exame do processo disse que não podia deixar de arguir, em nome dos preceitos de direito criminal, a nullidade insanavel de todo o processo pela manifesta deficiencia, senão ausencia de corpo de delicto, base de todo o procedimento criminal.

Entre outras faltas que mencionou, disse que sendo, nos factos d'aquella natureza, indispensavel a queixa do offendido, dos autos se mostrava pelas declarações do sr. Bivar de Sousa que nem havia queixa nem offensa. Antes este terminantemente affirmava que o accusado nenhuma reparação lhe devia.

Que foram violados os artigos 901.° o seguintes da nova reforma judicial, e que as formulas de processo sendo de direito publico, como suprema garantia dos direitos e da liberdade individual, não podiam ser preteridas como foram, ferindo de nullidade tudo quanto se processou.

Leu diversas disposições legaes concluindo por dizer que o processo era acephalo e tumultuario.

Passou depois a examinar as circumstancias que se seguiram ao incidente, sustentando que ainda estas impunham ao tribunal a absolvição do accusado, como acto de impreterivel justiça.

Que as palavras com que o digno procurador geral da corôa iniciara o seu discurso, declarando que não estava ali em nome de um individuo mas da sociedade, manifestavam bem que alguma cousa de singular e excepcional se havia passado.

Que não queria melindrar a modéstia do seu constituinte, alludindo ás suas qualidades e ao seu caracter; mas que podiam attestal-o todos os que, como ello advogado, o conheciam desde os bancos da universidade, onde fôra uma das glorias da academia do seu tempo, bem como os que o têem seguido atravez da sua vida publica irnpondo-se1 á estima e consideração de todos.

Que, como militar, fallavam bem alto os documentos honrosissimos juntos ao processo, firmados por dois dos officiaes mais distinctos do exercito, o coronel José de Aboim, commandante do regimento de engenheiros e do coronel Cunha Pinto, commandante de infanteria n.º 5.

(Leu os attestados.}

Que tão honrosos póde havel-os, mais de certo não; que na vida militar não ha attestados de favor e aquelles impõem-se ainda pela respeitabilidade de quem os subscreve.

Todos sabem que o accusado é homem incapaz de fugir á, responsabilidade dos seus actos, ou mesmo pretender

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SESSÃO DE 19 DE DEZEMBRO DE 1887 1021

attenual-a sob uma negativa humilhante. E todavia basta ler as suas declarações no processo para evidenciar que alguma cousa mais grave se passou.

Que ao mesmo tempo ninguem ignora que o supposto offendido o sr. tenente coronel Antonio Maria Bivar de Sousa é um caracter illibado, um official distinctissimo, um militar de rija tempera de antes quebrar que torcer. E todavia as suas declarações nos autos são terminantes e categoricas, dizendo-se plenamente satisfeito.

(Leu.}

O que significava isto?

C) que todos sabiam que elle não duvidava invocar ali, desde que as peças d'esse outro processo tinham corrido aos quatro ventos da publicidade.

Que era bem sabido que aquella mesma causa se achava já finda e liquidada n'outro tribunal, que por não ter existencia na lei se chamava da honra.

Que não queria comparal-os nem disputar-lhes preferencias: mas se este se impõe á nossa veneração pela respeitabilidade dos seus membros e pela magestade da lei que representa, o outro tem no nosso animo o culto que merece o seu nome.

Que este regula-se pelos preceitos consignados no codigo penal ou no codigo de justiça; aquelle pelos principies consagrados atra vez de dezenas de gerações de todos os povos cultos num outro livro a que chamaria codigo social.

Aquelles tiveram a sancção do Rei e a referenda ministerial; o codigo social tem a suprema sancção da consciencia publica.

Que ambos aquelles tribunaes julgam e ambos extinguem responsabilidades.

Que, assim, no cumprimento dos deveres do patrocinio, offerecia um favor do accusado a excepção de caso julgado, visto que por mais respeitavel que fosse aquelle tribunal, e por certo nenhum outro é poderia exceder ou mesmo igualar, e certo que, em vista do caso julgado, carecia de jurisdicção para conhecer ao feito.

Que inspirando-se o tribunal apenas nos motivos da propria consciencia e não estando adstricto ás provas de facto, a excepção de caso julgado devia ser attendida no fôro intimo de cada um como já o tora na consciencia publica.

Que, effectivamente, julgado estava ha muito por essa grande jury anonymo, que se chama opinião publica, o incidente que ali se estava discutindo, e que d'esse julgamento saira illeso e honrado tanto o accusado como o supposto offendido

Que haveria o que quer que e de repugnante e violento na collisão de duas sentenças sobre o mesmo facto, e que mais este motivo deveria imperar na consciencia dos julgadores.

Concluiu dizendo que se o digno general commandante, da primeira divisão militar, conforme a sua promoção nos autos, mandara instaurar aquelle processo em vista do artigo 1.º do regulamento disciplinar do exercito de 15 de dezembro de 1875, era ainda esse artigo l.° que elle advogado invocava em defeza de seu constituinte, visto que, prescrevendo elle (Leu.) que todo o militar deve regular em geral o seu procedimento poios dictames da religião, da virtude e da honra, deixava demonstrado que o accusado se conformara como sempre, absolutamente com elles.

O sr. Presidente: - Estão terminados os debates. Nenhum digno par pede a palavra para dirigir qualquer pergunta ao accusado?

(Pausa.)

O sr. Presidente: - Pergunto ao accusado se tem mais alguma cousa que allegar era sua defeza.

Accusado: - Nada mais tenho que allegar.

O sr. Presidente: - Convido, portanto, os srs. Juiz e a reunirem se na sala das conferencias para deliberarem.

Os dignos pares retiraram-se da sala das sessões e reuniram-se secretamente em conferencia.

Eram quatro horas e quinze minutos da tarde.

Ás seis horas e quinze minutos voltaram os dignos pares á sala das sessões. Tendo occupado os seus respectivos logares disse

O sr. Presidente: - Vae continuar a sessão publica do julgamento e ler-se o accordão. Tem a palavra o sr, juiz relator para ler o accordão ou sentença do tribunal.

O sr. juiz relator, Serra e Moura, procedeu á leitura do accordão, que é o seguinte:

" Accordam os do tribunal dos pares: que não tendo o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco obrado com intenção criminosa no facto de que é accusado do libello do ministerio publico; por isso o absolvem da accusação.

"Lisboa e sala das sessões do tribunal de justiça dos pares, em 19 de dezembro de 1887.= João Chrysostomo de Abreu e Sousa (vencido) = Thomás Nunes da Serra, e Moura, relator (vencido) = João de Andrade Corvo = Marquez de Vallada - Conde de Linhares = Duque de Palmella = Marquez de Sabugosa = Eduardo Montufar Barreiros = Antonio de Serpa Pimentel == Marquez de Rio Maior =! Conde da Ribeira Grande - Sequeira Pinto (vencido) = Augusto Cesar Cau da Costa = Agostinho de Ornellas = Visconde de Bivar = Conde de Gouveia = Duque de Loulé - Conde da Praia e de Monforte = Conde de Bertiandos (vencido) = Francisco Simões Margiochi = Conde de Castro João José de Mendonça Cortez = José Baptista de Andrade = Thomás de Carvalho = Antonio Egypcio Quaresma = Marquez de Pomares = Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco = Francisco Maria da Cunha (vencido) = Joaquim de Vasconcellos Gusmão (vencido) = Thomás Antonio Ribeiro Ferreira == José Vicente Barbosa du Bocage = Francisco Joaquim da Costa e Silva = José Antonio Gomes Lages - Conde de Alte = Visconde da Arriaga = Conde do Bomfim - Visconde de Moreira de Rey (vencido) = José de Castro Guimarães = Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro = Visconde da Silva Carvalho =Visconde de Soares Franco =. João Ignacio Holbeche = Frederico Ressano Garcia = José Pereira (vencido) = José Bandeira Coelho de Mello (vencido) = Francisco de Almeida Cardoso de Albuquerque = Francisco Van Zller = Miguel Osorio Cabral (vencido) == Jayme Constantino de Freitas Moniz = Visconde de Carnide = Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = Anselmo Braamcamp Freire = Conde da Folgosa joão Candido da Moraes (vencido)"

O sr. Presidente: - Está encerrada a audiencia. Eram seis horas e vinte e cinco minutos.

Redactor = Alberto Pimentel.

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