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do adro do Loreto, seguindo depois, a pé, para o restaurant Tavares, donde saiu para uma casa de pessoas das suas relações, onde ás nove e meia o procurou um individuo para o avisar de que se tinha expedido ordem de prisão contra elle.
Que, saíndo d’essa casa, seguira a pé, por diversas ruas, nomeadamente pela das Gaveas e praça de Camões, encontrando no seu trajecto varios cavalheiros, como os srs. Lopo Vaz, Julio de Vilhena e Luciano Cordeiro, a quem declarou a natureza do aviso que acabava de receber, e a resolução em que estava, não só de não fugir, mas de seu motu proprio se entregar á prisão, embora a reputasse illegal e attentatoria das suas immunidades de deputado.
Que recolhendo de novo, a pé, e sem incidente algum á casa donde, havia pouco, saíra, mandara pedir a um amigo e parente seu que procurasse algum official de terra ou mar que se quizesse encarregar de o acompanhar, porque queria apresentar-se preso, mas airosamente, a qualquer auctoridade civil ou militar, visto que era essa a vontade do governo, contra a qual continuava protestando.
Disse mais que, em vista da natureza do acto, das circumstancias que o acompanharam, da sua qualidade de deputado em funcções, de se ter originado o incidente a proposito do exercicio d’essas mesmas funccões, de ser apenas funccionario civil o sr. ministro da marinha, pois que não é official militar nem pertence aos quadros da armada real portugueza e de que elle, embora primeiro tenente da armada; não estava em exercicio de qualquer funcção ou commissão militar nem antes, nem durante, nem depois do incidente, porque nem sequer accumula quaesquer funccões de outra especie com as de deputado, protestava contra a classificação que o governo pretende attribuir ao conflicto em que se achou envolvido.
Que mal comprehende como se invoca a situação ou categoria transitoria mais elevada de ministro para uma das partes e se não invoca tambem para elle, arguido, a sua categoria, igualmente mais elevada e transitoria, de deputado.
Mais declarou que, qualquer que seja a classificação que se de ao conflicto occorrido na sala das sessões da camara dos senhores deputados, não prescinde nem póde prescindir de um fôro privilegiado em toda a sua plenitude, como deputado que é, e na fórma da constituição do reino.
Pede mais que se mencione que se apresentou ao conselho vestido á paizana, de casaca e com facha distinctiva da sua qualidade de deputado da nação, e que procedeu assim: primeiro para frizar bem o seu protesto, por se não attender ao seu fôro privilegiado de deputado; em segundo logar, porque tinha os seus uniformes no Porto, a bordo do navio onde, antes da abertura d’esta sessão annual, exercia funccões militares; terceiro, porque o vice-almirante commandante geral da armada, nas suas communicações assignadas pelo seu proprio punho e dirigidas a elle accusado, demonstrava com este proceder que o não reconhecia como preso militar; quarto, porque, não tendo sido solicitada á camara pelo governo a auctorisação para o accusado accumular funcções, e estabelecendo claramente a carta constitucional que diante das funccões de deputado cessam todas as outras, excepto a concessão especial, que se não deu, e prescrevendo os regulamentos de marinha só a exigencia do uniforme em actos de serviço, e não estando o áccusado, porque não póde estar, no exercicio de funccões do serviço militar, por isso tambem se apresentara pela fórma já indicada, não devendo disso deprehender-se que elle tivesse ou quizesse mostrar menos consideração pela farda e insignias da corporação a que se honra de pertencer, mas tão sómente que elle quizera accentuar que não era na sua qualidade de official da armada que lhe cumpria responder perante este conselho.
Rectificando a parte do seu interrogatorio, em que se refere que saíra do corredor da camara em companhia dos srs. Lopes Navarro e Ribeiro da Cunha, pretende accentuar que a reminiscencia mais positiva que tem é a de ter sido acompanhado pelos mencionados cavalheiros, conjunctamente, desde o atrio da camara e depois no trem em que seguira e durante todo o percurso indicado.
Perguntado se tinha mais alguma cousa que allegar em sua defeza e testemunhas a produzir, respondeu que nada tinha a allegar, e deu como testemunhas os srs. deputados Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Teixeira de Vasconcellos, João Marcellino Arrojo, Alexandre Serpa Pinto, João Franco Castello Branco e Augusto Fuschini. E sendo lhe lido o seu interrogatorio o ratificou e assigna commigo e o official interrogante. = Carlos Maria Pereira Vianna, primeiro tenente, interrogante = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario = José Bento Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92 e primeiro tenente da armada.
Quinta sessão
Aos 18 dias do mez de maio de 1887, na sala das sessões do conselho de guerra em Alcantara, estando reunido o conselho, e não tendo comparecido nenhuma das testemunhas que foram apresentadas pelo accusado para sua defeza, resolveu o mesmo conselho que se levantasse a sessão. = Carlos Augusto de Magalhães e Silva, primeiro tenente, secretario.
Sexta sessão
Aos 20 de maio de 1887, na sala das sessões dos conselhos de guerra em Alcantara, estando reunido o conselho, se procedeu ao inquerito das testemunhas de defeza pela forma seguinte:
l.ª testemunha
Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, major de infanteria e deputado da nação, natural de Sinfães, de idade quarenta e dois annos, casado, morador no hotel Borges, testemunha jurada aos Santos Evangelhos; ao costume disse nada. E sendo-lhe lidos os interrogatorios do accusado, disse:
Que durante a sessão da camara dos senhores deputados, do dia 7 do corrente, o sr. deputado Ferreira de Almeida, usando da palavra, criticou alguns actos da administração do sr. ministro da marinha, o qual, replicando-lhe, disse que era uma questão pessoal do sr. Ferreira de Almeida a que o obrigára a fallar d’aquella fórma. Então o accusado pediu a palavra para replicar, e sendo-lhe concedida antes de fechar a sessão, atacou o ministro com um facto tambem pessoal e que, elle testemunha, suppõe que poderia melindrar o ministro.
Immediatamente depois deste incidente encerrou-se a sessão e o sr. ministro encaminhou-se para o lado da carteira do sr. deputado Ferreira de Almeida, junto da qual estava elle, testemunha, pelo lado de traz.
Quando viu o ministro dirigir-se para aquelle lado, a testemunha ia a levantar-se para sair, quando ouviu que elle proferia estas palavras: «Não me poupe; não lhe tenho medo nem aqui, nem lá fóra», e então, receiando que ellas podessem originar um conflicto, tornou a sentar-se.
O sr. Ferreira de Almeida respondeu a estas palavras, dizendo estas ou outras palavras similhantes que elle não póde precisar bem qual fossem, mas cujo sentido affirma: a que o não provocasse»; a que o ministro redarguiu: «Repito, não lhe tenho medo, nem aqui, nem lá fóra».
Então o sr. Ferreira de Almeida disse lhe que lhe mandasse as suas testemunhas, ao que o ministro replicou com uma phrase muito curta, que elle não póde ouvir, porque ao proferil-a, o ministro ía-se voltando, e foi n’este momento que elle viu o accusado dirigir ao sr. Henrique de Macedo um murro que o attingiu na cara, apesar delle testemunha lhe ter lançado a mão ao braço para o deter. O sr. ministro levantou immediatamente a mão para tirar um desforço immediato e identico, mas interpozeram-se varios deputados, que separaram a ambos os contendores, impedindo-os de proseguir na lucta.