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Peças principaes do processo crime instaurado contra o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, que tem de ser julgado pela camara dos pares constituida em tribunal de justiça

Ordem do quartel general da primeira divisão militar

Quartel general da primeira divisão militar, 10 de maio de 1887. — Ordem. — Constando a s. exa. o general José Paulino de Sá Carneiro, commandante da divisão, que no dia 9 do corrente no edificio da camara dos senhores deputados da nação portugueza, ou nas suas proximidades, se deu um conflicto entre dois officiaes do exercito, determina que immediatamente se proceda ás precisas indagações, e ao levantamento do competente auto de corpo de delicto.

Para desempenho d’este serviço, nomeia o mesmo exmo sr. general o sr. major do regimento de cavallaria n.° 4 José Honorato de Mendonça, que procederá na conformidade do que se acha estabelecido nas respectivas disposições do codigo de justiça militar e seu regulamento. = O sub-chefe d’estado maior, José Cabral Gordilho de Oliveira Miranda, tenente coronel.

PRIMEIRA DIVISÃO MILITAR

Auto de corpo de delicto directo e indirecto

Offensa corporal no superior

Aos 11 dias do mez de maio de 1887, n’esta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, constando a s. exa. o general commandante o sr. José Paulino de Sá Carneiro, que na tarde do dia 9 do corrente mez, dentro ou nas proximidades do edificio da camara dos senhores deputados da nação, tinha havido um grave acontecimento entre dois officiaes do exercito, vim eu José Honorato de Mendonça, major do regimento de cavallaria

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n.° 4, nomeado pelo mesmo exmo general para proceder sem demora a todas as indagações precisas ácerca da gravidade do facto e para proceder immediatamente ao levantamento de auto de corpo de delicto se as circumstancias assim o exigissem.

Requisitando desde logo a presença dó capitão do regimento de infanteria n.° 16, João Augusto de Faria Blanc, commandante da guarda de honra áquella camara no mencionado dia 9 do corrente mez de maio, por elle me foi dito que nada presenciara de extraordinario durante o seu serviço n’aquelle local, mas que ouvira dizer a muitas pessoas que o tenente coronel do regimento de cavallaria, n.° 2. o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, havia recebido offensas corporaes nelle praticadas pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação; que taes offensas tinham consistido em socos ou bofetadas, e que a causa que havia, originado tal conflicto, tinha sido um encontrão dado pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José: de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, para este dar passagem a duas senhoras que o dito cirurgião mór conduzia para a galeria da camara, e o ter-lhe por isso o tenente coronel o sr. Antonio Maria1 Bivar de Sousa dito que não fosse bruto ou mal creado.

Encontrados assim os primeiros elementos para a base: do auto do corpo de delicto, foi o capitão João Augusto de: Faria Blanc intimado a apresentar nota das praças da guarda do seu cominando e de todas as mais pessoas que; lhe contasse que haviam presenciado o facto de que se trata; e acto continuo fiz comparecer perante mira o capitão do regimento de cavallaria n.° 2 João Albino de Figueiredo Soares Serra e por mim nomeado para servir de escrivão, para proceder a auto de corpo de delicto e fazerem-se, como se fizera, as precisas requisições e intimações.

E como não houvesse desde logo mais acto algum a praticar, encerrei por esta fórma o presente auto, o qual vae por mim assignado, pelo capitão declarante e pelo escrivão João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que o escreveu .= O official, José Honor até de Mendonça, .major de cavallaria 4 = O declarante, João Augusto Faria Blanc, capitão de infanteria 16 = O escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

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Auto de corpo de delicto directo e indirecto

Aos 12 dias do mez de maio de 13S7, n’este quartel general da primeira divisão militar em Lisboa, se começou o auto do corpo de delicto instaurado por ordem de s. exa. o sr. general José Paulino de Sá Carneiro, commandante da divisão, ácerca do crime de offensas corporaes no superior.

E logo sendo presentes o agente do ministerio publico; promotor de justiça no primeiro conselho de guerra permanente da primeira divisão militar; o escrivão; o offendido tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa; as testemunhas ao diante nomeadas e peritos João Vicente Barros da Fonseca, cirurgião mór do regimento de cavallaria n.° 2 e Paulo Guedes da Silva e Almeida, cirurgião ajudante do regimento de infanteria n.° l, que eu José Honorato de Mendonça, major do regimento de cavallaria n.° 4, reconheço pelos proprios, e a quem deferi juramento aos Santos Evangelhos em fórma devida, pelo qual os encarreguei de verem e examinarem a pessoa do offendido e de declararem com verdade e exactidão, quaes os ferimentos ou contusões que lhe encontrassem, e qual o instrumento com que notarem ter sido feitos; se d’elles resulta a morte, cortamento, ou privação, ou inhabilitação de algum membro ou orgão do corpo, aleijão, deformidade, vestigio permanente, enfermidade ou incapacidade de trabalhar, e por quanto tempo, e tudo o mais que achassem digno de notar-se; e, recebido por elles o referido juramento, assim o prometteram cumprir.

E passando a fazer o commettido exame com as solemnidades legaes, em resultado declararam: que o examinado, o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, apresenta apenas na parte posterior da região carpica do membro superior direito uma ferida incisa praticada com instrumento cortante, ligeiramente obliqua em relação ao eixo do membro, tendo 2 centimetros de extensão e unida com pontos de sutura, devendo esta ferida ter sido praticada ha vinte e quatro horas approximadamente, e podendo estar curada sem deformidade ou aleijão no fim de quatro dias, pouco mais ou menos, com impossibilidade de movimentos da mão direita, salvo circumstancias imprevistas; e não apresenta, nem na cabeça nem no resto do corpo, vestigio algum de traumatismo recente.

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E logo convidando o offendido tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, a que narrasse as circumstancias do crime de que fôra victima, respondeu: que effectivamente das tres para as quatro horas da tarde do dia 9 do corrente mez de maio, saindo do corredor da camara dos senhores deputados da nação, uniformisado, e desarmado, em virtude das prescripções ali vigentes, teve uma pendencia desagradavel com um individuo, que para elle era completamente desconhecido, e foi tal o estado de exaltação em que ficou, que lhe é completamente impossivel fornecer á justiça militar quaesquer esclarecimentos que em sua consciencia julgue serem a exacta expressão da verdade; que mais tarde soube que o referido individuo se chama José de Azevedo Castello Branco, e é cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 e deputado da nação.

Declarou mais o offendido, tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que posteriormente ao conflicto a que acima se referiu, recebeu do cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, as mais completas satisfações.

Interrogado ácerca da proveniencia do ferimento que apresenta na região carpica da mão direita, declarou que era devido a um pequeno accidente occorrido na manhã do dia 11 do corrente mez de maio e de todo estranho á pendencia da tarde do dia 9 do mesmo mez.

E não podendo ser interrogado o delinquente o sr. José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, deputado da nação, por não ter ainda a respectiva camara concedido a devida licença para que elle venha responder n’este auto, reserva-se o seu depoimento para quando comparecer, para o que foram feitas as devidas requisições.,

Por esta fórma se houve por concluido o presente auto directo, ao qual foram testemunhas Guilherme de Charters Henriques de Azevedo, capitão adjunto ao quartel general da primeira divisão militar, estado solteiro, morador no largo do Carmo n.° 20, primeiro andar e Feliciano da Fonseca de Castro e Solla, tenente do estado maior de infanteria, ajudante de campo de s. exa. o general commandante da primeira divisão, estado viuvo, neste mesmo quartel general morador, que vão assignar no fim, assim como o promotor de justiça, offendido e peritos, depois de lido pelo escrivão.

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E em seguida passei a informar-me das demais circumstancias do delicio, seus antecedentes, modo por que foi commettido, e de quaes seriam os seus auctores ou cumplices, ouvindo as declarações das testemunhas Joaquim da Silva e Bento Nunes, a quem deferi juramento aos Santos Evangelhos, sob o cargo do qual prometteram dizer a verdade e nada mais que a verdade do que soubessem; e sendo chamadas pela ordem respectiva, veiu a primeira, que disse chamar-se Joaquim da Silva, soldado n.° 73, da segunda companhia e n.° 369 de matricula, no segundo batalhão do regimento de infanteria n.° 16, de vinte e tres annos de idade, solteiro, e aos costumes disse nada.

E perguntado ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2

O sr. Antonio Maria de Bivar de Sousa, disse que, estando de sentinella á porta do corredor da camara dos senhores deputados da nação, pelas quatro horas da tarde do dia 9 do corrente mez de maio, presenciou que o sr. tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, Antonio Maria Bivar de Sousa, quando se dirigia para a dita porta para sair foi aggredido com uma bofetada por um individuo trajando á paizana, que elle testemunha não sabe quem seja, tendo apenas ouvido dizer que é deputado da nação; que immediatamente varias pessoas seguraram o aggressor e o conduziram para dentro da camara sendo tambem o sr. tenente coronel Antonio Maria Bivar de Sousa conduzido por outros individuos para dentro do mesmo corredor mas noutra direcção; que não pôde, segundo as instrucções do seu posto, evitar o conflicto nem prender o aggressor porque era muito o povo que occupava o corredor e a escada da camara dos senhores deputados, e porque tudo se passou com grande rapidez; que logo em seguida appareceu o sr. capitão João Augusto de Faria Blanc commandante da guarda de que elle testemunha fazia parte e mandou evacuar os ditos corredor e escada. Disse mais que o sr. tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 Antonio Maria Bivar de Sousa estava uniformisado e desarmado, por não ser permittido ali entrar com armas. Disse finalmente que não conhecia o aggressor ainda mesmo que o apresentassem. E mais não disse, e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim deste auto.

Veiu a segunda testemunha, que disse chamar-se Bento

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Nunes, soldado n.° 44 da quarta companhia e n.° 604 de matricula do segundo batalhão do regimento de infanteria n.° 16 de vinte e um annos de idade, solteiro e aos costumes disse nada.

E perguntado ácerca da offensa corporal no superior praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que no dia 9 do corrente, pelas quatro horas da tarde, estando de sentinella no alto da escada que dá accesso ao corredor da camara dos senhores deputados, viu que um paizano, que não sabe quem seja, mas que mais tarde lhe disseram ser deputado da nação e militar, aggrediu com uma bofetada um sr. tenente coronel, que não póde distinguir se pertencia a artilheria ou a cavallaria, mas que depois ouviu dizer que era de cavallaria n.° 2; que logo em seguida varias pessoas das muitas que enchiam o corredor e a escada seguraram o aggressor e o conduziram para dentro do edificio, sendo o sr. tenente coronel aggredido tambem conduzido n’outra direcção. Disse mais que este sr. tenente coronel estava sem espada e uniformisado, e que elle testemunha não póde intervir no conflicto, não só por este se ter dado muito rapidamente, como tambem por ter tido Jogar fôra do seu posto. Disse finalmente que pela grande confusão de pessoas que havia n’aquelle local áquella hora não poderia dizer quem fosse o aggressor ainda que agora lh’o apresentassem. E mais não disse e lido seu depoimento o achou conforme e ratificou, e não assigna por dizer não saber escrever.

E como não houvesse, por agora, mais testemunhas a inquirir, nem outras investigações a ordenar, encerrei por esta forma o presente auto, o qual vae por mim assignado e pelo escrivão João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2, que o escreveu. = O official, João Honorato de Mendonça, major de. cavallaria n.° 4 = O escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

Continuação do corpo de delicto

Aos 13 dias do mez de maio de 1887, n’esta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, se continuou o corpo de delicto instaurado por ordem de s. exa. o general commandante da divisão, o sr. José Paulino de

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Sá Carneiro, ácerca do crime de offensa corporal no superior.

E logo sendo presentes as testemunhas João Pereira Mousinho de Albuquerque e Antonio Augusto de Sousa, devidamente intimadas, mandei que se recolhessem a uma sala apropriada; e sendo chamadas pela ordem respectiva, veiu a primeira, que disse chamar-se João Pereira Mousinho de Albuquerque, capitão do estado maior de artilheria ajudante de campo do governador da praça de Monsanto, de trinta e dois annos de idade, casado e morador na rua de Santo Antonio dos Capuchos n.° 42, 2.° andar; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada. E perguntada ácerca da offensa corporal no superior praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, na tarde do dia 9 do corrente mez de maio seriam quatro horas, estando no corredor da camara dos senhores deputados notou que entre o tenente coronel de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que se achava a alguma distancia delle testemunha, e um individuo vestido á paizana se trocavam expressões que, pelos gestos que as acompanhavam lhe pareceu que não deveriam ser agradaveis nem para um nem para outro; que logo em seguida o alludido individuo vestido á paizana offendeu o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa com uma bofetada. Immediatamente o aggredido e o aggressor foram separados por algumas das muitas pessoas que estavam proximas á porta que do mesmo corredor dá saida para a escada, logar onde se deu o conflicto, sendo conduzido cada um em direcção diversa. Que indagando logo quem havia sido o aggressor soube que era deputado da nação, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse finalmente que o tenente coronel de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa estava uniformisado, e desarmado por assim ser praxe naquella camara. E mais não disse; e, lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim deste auto.

Veiu a segunda testemunha que disse chamar-se Antonio Augusto de Sousa, primeiro sargento graduado aspirante a official n.° 44 da quinta companhia e n.° 225 de matricula do regimento de cavallaria n.° 2 de vinte e um annos de idade, solteiro e morador na calcada da Ajuda

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n.° 43, 2.° andar em Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa disse que, estando proximo á entrada do corredor da camara dos senhores deputados da nação pelas quatro horas da tarde do dia 9 do corrente, viu que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa questionava com um individuo vestido á paizana, que depois soube que é deputado, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 e que se chama José de Azevedo Castello Branco; que depois de trocadas poucas palavras, viu que o mencionado paizano aggrediu com uma bofetada o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa e que logo em seguida foram separados por algumas das muitas pessoas que enchiam a entrada do mesmo corredor entre as quaes se lembra de ter visto um primeiro sargento da segunda companhia da administração militar que pelos braços segurou o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa. Disse mais que o mesmo sr. tenente coronel estava uniformisado e desarmado; e pela distancia a que elle testemunha se achava não ouviu as expressões trocadas entre o aggressor e o aggredido. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

E como não houvesse, por agora, mais testemunhas a inquirir nem outras investigações a ordenar, encerrei por esta fórma o presente auto, o qual vae por mim assignado e pelo escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que o escreveu.— O official, José Honorato de Mendonça, major de cavallaria n.° 4 = O escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

Continuação do corpo de delicto

Aos 14 dias do mez de maio de 1887, n’esta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, se continuou o corpo de delicto instaurado por ordem de s. exa. o general commandante da divisão o sr. José Paulino de Sá Carneiro, ácerca do crime de offensa corporal no superior.

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E logo sendo presentes as testemunhas, Thomás Simeão Gomes e Pedro Antonio Borges Flores, devidamente intimadas, mandei que se recolhessem a uma sala apropriada; e sendo chamadas pela ordem respectiva, veiu a primeira, que disse chamar-se Thomás Simeão Gomes, primeiro sargento n.° 60 da segunda companhia da administração militar e n.° 1343 de matricula na mesma companhia, de vinte e quatro annos de idade, casado e morador na rua do Sacramento á Pampulha n.° 21, 3.° andar, esquerdo, Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior praticada pelo cirurgião mór de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando no dia 9 do corrente, pelas quatro horas da tarde, proximo á porta que dá entrada para o corredor da camara dos senhores deputados da nação, viu que na occasião em que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa ia para sair pela mesma porta, o sr. José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór de artilheria n.° 2 e deputado da nação, que conduzia tres senhoras, lhe disse: «tem a bondade de se retirar para o lado para me deixar passar»; que chamando a attenção d’elle, testemunha, um facto que se relatava do lado opposto, para ali olhou, e n’essa mesma occasião sentiu estalar uma bofetada e sobre elle cair o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa. Que não póde precisar quem fosse o aggressor, ouviu, porem, dizer a grande numero de pessoas que o aggressor havia sido o cirurgião mór de artilheira n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação; que logo em seguida muitas pessoas gritaram que se prendesse o aggressor sem que tal facto fosse realisado, nem pelas sentinellas que estavam proximas, nem por qualquer das muitas pessoas que ali se achavam. Disse finalmente que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, estava fardado e desarmado, e o cirurgião mór de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, á paiazna. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou e vae assignar no fim d’este auto.

Veiu a segunda testemunha, que disse chamar-se Pedro Antonio Borges Flores, proprietario, de quarenta e cinco annos de idade, solteiro e morador na estrada do Rego

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n.° 7, Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que no dia 9 do corrente, das tres para as quatro horas da tarde, estando no corredor da camara dos senhores deputados da nação, viu que um individuo vestido á paizana conduzia duas senhoras para fóra do corredor,, que, chegado proximo do tenente coronel de cavallaria n.° 2, que tambem ali1 estava, viu elle, testemunha, que os dois trocaram algumas palavras, sendo as do paizano proferidas em tom desabrido e que este logo em seguida aggrediu na cara com bofetadas o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2; que elle, testemunha, se dirigiu rapidamente para o grupo em que se dava o conflicto e segurou o paizano por um braço para evitar a continuação das offensas, dizendo ao mesmo tempo para o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2, que então se achava tambem seguro por outras pessoas, que prendesse o aggressor. A isto respondeu o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2, que não era preciso prender pessoa alguma; e quando o aggressor, voltando-se, perguntou com modos desabridos ao sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2 se mais alguma cousa queria delle, respondeu-lhe o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2 que apenas desejava saber o seu nome, porque o não conhecia. Então o aggressor declarou chamar-se José de Azevedo Castello Branco, nome que o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2 escreveu n’uma carteira. Disse tambem que nenhum dos militares que estavam presentes, nem qualquer auctoridade civil, perseguiu o aggressor para o prender em flagrante delicto, o que era facil; que logo depois soube, por ouvir dizer a muitas pessoas, que o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2 se chama Antonio Maria Bivar de Sousa, e que o aggressor é cirurgião mór de artilheria n.° 2, deputado da nação, e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse finalmente que o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, estava fardado e desarmado, e o aggressor cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, estava em traje civil. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou e vae assignar no fim d’este auto.

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E como não houvesse, por agora, mais testemunhas a inquirir, nem outras investigações a ordenar, encerrei, por esta fórma a presente auto, o qual vae por ruim assignado e pelo escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que o escreveu. = O official, José Honorato de Mendonça, major de cavallaria n.° 4 = 0 escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

Continuação do corpo de delicto

Aos 10 dias do mez de maio de 1887, n’esta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, se continuou o corpo de delicto instaurado por ordem de s. exa. o general commandante da divisão, o sr. José Paulino de Sá Carneiro, ácerca do crime de offensa corporal no superior.

E logo sendo presentes as testemunhas Luiz Candido de Almeida e José Duarte de Carvalho, devidamente intimadas, mandei que se recolhessem a uma sala apropriada; e sendo chamadas pela ordem respectiva, veiu a primeira, que disse chamar-se Luiz Candido de Almeida, capitão do batalhão de caçadores n.° 3 da guarnição da provincia de Moçambique, de trinta e sete annos de idade, casado e morador no beco das Flores n.° 4, 2.° andar, Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal num superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando no dia 9 do corrente, das tres para as quatro horas da tarde, no corredor da camara dos senhores deputados da nação, proximo á porta que dá saida para a escada, viu que um individuo que trajava á paizana, e que conduzia duas senhoras em direcção á mesma porta, quando chegou proximo do tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que tambem estava no mesmo local, lhe deu um encontrão para abrir passagem. Logo em seguida o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, lhe disse que não fosse mal creado, ao que o sobredito paizano respondeu, acto continuo, com duas bofetadas, que lhe originaram alguma expecturação sanguinea. Elle, testemunha, e outras pessoas que estavam proximas, aconselharam immediatamente o aggredido a que prendesse o aggressor, prisão que

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elle, testemunha, não executou porque, estando á paizana, se não julgou com auctoridade para praticar tal acto; que logo ali ouviu dizer que o paizano, aggressor, é cirurgião mór do exercito, deputado da nação, e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse mais que o aggressor não podia ignorar a qualidade de militar do aggredido, porque este trajava o seu uniforme. Disse, finalmente, que tambem se recorda que alguem, sem poder precisar a pessoa, intimou ao aggressor ordem de prisão, mas que o cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, sem ouvir, ou sem querer ouvir, se retirou apressadamente para o interior da camara dos senhores deputados. E mais não disse, e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

Veiu a segunda testemunha, que disse chamar-se José Duarte de Carvalho, major do exercito, sem prejuizo de antiguidade, de quarenta e um annos de idade, casado, morador no largo do Corpo Santo n.° 13, 3.° andar, em Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca dm offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando no dia 9 do corrente mez de maio, das tres para as quatro horas da tarde, no corredor da camara dos senhores deputados da nação, esperando um bilhete de admissão nas galerias da mesma camara, viu que o cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, conduzia senhoras em direcção á porta do mesmo corredor; que chegado ali, onde era grande o ajuntamento de gente, procurou abrir passagem, invocando a sua qualidade de deputado; e dirigindo-se ao tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que tambem ali se achava, afastou-o com a mão, dizendo-lhe: «Retire-se que sou deputado». A isto retorquiu o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa: «O senhor será deputado, mas é muito mal creado». Acto continuo o cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, assentou duas bofetadas no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa. Disse tambem

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que o aggressor não podia ignorar a qualidade de militar do tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, porque este trajava o seu uniforme, e se estava desarmado é porque assim está determinado na policia da camara dos senhores deputados da nação; que muita gente bradou que se prendesse o aggressor, ao que alguem obtemperou que não podia ser preso, attenta a sua qualidade de deputado da nação, rasão esta pela qual elle, testemunha, o não prendeu; que em seguida o cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, se retirou para dentro da sua camara, sem que elle, testemunha, tenha conhecimento de qualquer procedimento havido ulteriormente. Disse, finalmente, que está na intima convicção que, da parte do aggressor, não houve a minima premeditação ou intenção, e que o acto praticado foi unicamente filho da irreflexão e da excitação em que o deputado accusado se encontrava. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

E como não houvesse por agora mais testemunhas a inquirir, nem outras investigações a ordenar, encerrei por esta fórma o presente auto, o qual vae por mim assignado e pelo escrivão João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que o escreveu. = O official, José Honorato de Mendonça, major de cavallaria n.° 4 = O escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

Continuação do corpo de delicto

Aos 17 dias do mez de maio de 1887, n’esta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, se continuou o corpo de delicto, instaurado por ordem de s. exa. o general commandante da divisão, o sr. José Paulino de Sá Carneiro, ácerca do crime de offensa corporal no superior.

E logo sendo presentes as testemunhas Francisco Borja Torres de Macedo, Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, José Rodrigues e Francisco Pedro da Conceição e Carmo, devidamente intimadas, mandei que se recolhessem a uma sala apropriada; e sendo chamadas pela ordem respectiva, veiu a primeira, que disse chamar-se Francisco Borja Torres de Macedo, proprietario, de cincoenta e oito annos de idade, viuvo e morador na travessa da Espera

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n.° 31, 2.° andar, em Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando no dia 9 do corrente, das tres para as quatro horas da tarde, junto á porta do corredor da camara dos senhores deputados da nação, que dá saida para a escada, viu que um individuo, que elle, testemunha, não conhecia, conduzia duas senhoras em direcção á mesma porta, e que chegando proximo do tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, que tambem ali se achava, o quiz afastar, impellindo-o com o braço, acto ao qual o sobredito tenente coronel, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, respondeu, dizendo lhe: «E mal creado». Acto continuo o alludido paizano offendeu o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, com duas bofetadas, de que lhe resultou alguma salivação sanguinea; que aggressor e aggredido foram immediatamente separados, entrando o aggressor para o interior da camara dos senhores deputados da nação. Disse mais que logo ali soube que o aggressor é cirurgião mór do exercito, deputado da nação, e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse tambem que lhe parece não ter havido premeditação da parte do aggressor e ser o acto por elle praticado talvez filho do estado anormal de espirito em que provavelmente se achava, em consequencia dos acontecimentos politicos que tiveram logar nos ultimos dias. Disse, finalmente, que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, estava uniformisado, e desarmado, como é praxe naquelle local. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

Veiu a segunda testemunha, que disse chamar-se Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, chefe de secção da fiscalisação das alfandegas, de quarenta e cinco annos de idade, casado e morador na rua do Carrião n.° 22, 2.° andar, em Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião. mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 27

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o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando proximo á porta do corredor da camara dos senhores deputados da nação, das tres para as quatro horas da tarde do dia 9 do corrente mez de maio, e junto delle, testemunha, o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, que depois soube chamar-se Antonio Maria Bivar de Sousa, viu que um individuo em traje civil conduzia duas senhoras em direcção á mesma porta; que sendo ali grande o ajuntamento de pessoas, e querendo o alludido individuo abrir caminho para as senhoras passarem, se dirigiu ao tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, pondo-lhe a mão no hombro e dizendo: «deixe passar», ao que o mesmo tenente coronel respondeu: «o senhor é mal creado»; acto continuo o sobredito individuo offendeu o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, com bofetadas, sem que possa precisar quantas; que em seguida foram separados, sendo o aggressor segurado por elle testemunha, para que não continuasse com as insolitas offensas que estava praticando. Disse mais que logo ali soube; que o aggressor é cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, deputado da nação, e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse, finalmente, que lhe parece não ter havido premeditação da parte do aggressor; e que elle não poderia ignorar a qualidade do aggredido, porque este se achava revestido com os seus uniformes, embora desarmado, como é praxe no interior daquella camara. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

Veiu a terceira testemunha, que disse chamar-se José Rodrigues, servente da camara dos senhores deputados da nação, de quarenta e nove annos de idade, viuvo e morador na rua Direita da Junqueira n.° 122, loja, em Lisboa; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando no desempenho das suas funcções, que consistem em fazer o serviço da porta do corredor da camara dos senhores deputados da nação, viu que, das tres para as quatro horas da tarde do dia 9 do corrente mez de maio, o sr. tenente coronel de cavallaria n.° 2, que agora sabe chamar-se An-

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tonio Maria Bivar de Sousa, estava encostado á meia porta opposta áquella que elle testemunha abria e fechava para dar passagem a quem entrava ou saia do corredor; que viu que se dirigia para a mesma porta o cirurgião mór do exercito, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, conduzindo duas senhoras; que n’essa occasião, elle testemunha, se voltou para a porta para a abrir, dando assim as costas ao corredor, a fim de evitar que o povo que estava da parte de fóra invadisse o mesmo corredor, e o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco podesse sair; que nesta occasião sentiu um movimento extraordinario dentro do corredor, mas que não póde precisar qual a causa que o originou; que logo depois, a requisição do sr. presidente da camara, fez o sr. commandante da guarda evacuar o corredor e escada, e foi então que elle, testemunha, ouviu dizer que o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, fóra aggredido com uma bofetada pelo cirurgião mór do exercito, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação; que não ouviu dizer qual a causa que tinha motivado uma tal aggressão, nem que ella fosse praticada de caso pensado. Disse, finalmente, que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, estava uniformisado, e desarmado, como determina o regulamento da camara dos senhores deputados. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

Veiu a quarta testemunha, que disse chamar se Francisco Pedro da Conceição e Carmo, official de diligencias do tribunal da relação de Lisboa, de quarenta e tres annos de idade, casado, morador na travessa do Enviado de Inglaterra n.° 5, em Lisboa:; foi ajuramentada em fórma legal, e aos costumes disse nada.

E perguntada ácerca da offensa corporal no superior, praticada pelo cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, no tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2 o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, disse que, estando, das tres para as quatro horas da tarde do dia 9 do corrente mez de maio, no corredor da camara dos senhores deputados da nação, viu que um individuo trajando á paizana, que elle testemunha não conhece, dizia: «não admitto que ninguem me insulte», e que voltando-se para traz offendeu com uma bofetada o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa,

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que estava encostado á porta que dá accesso ao mesmo corredor; que algumas das pessoas que estavam presentes separaram immediatamente o aggredido e o aggressor; que logo ali soube que o aggressor é cirurgião mór do exercito, deputado da nação, e se chama José de Azevedo Castello Branco. Disse mais que lhe parece, em sua consciencia, que no acto praticado não houve premeditação alguma, e que seria do mesmo modo aggredido qualquer outro individuo que ali estivesse, visto o estado de exaltação em que se achava o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco. Disse, finalmente, que o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, estava revestido com os seus uniformes, e desarmado, conforme é praxe na camara dos senhores deputados da nação. E mais não disse; e lido o seu depoimento o achou conforme e ratificou, e vae assignar no fim d’este auto.

E como não houvesse mais testemunhas a inquirir, nem outras investigações a ordenar, encerrei novamente, por esta fórma, o presente auto, o qual vae por mim assignado e pelo escrivão João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que o escreveu. = O officiai, José Honorato de Mendonça, major de cavallaria n.° 4 = O escrivão, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão de cavallaria n.° 2.

Continuação do corpo de delicto

Aos 18 dias do mez de maio de 1887, nesta cidade de Lisboa e quartel general da primeira divisão militar, se continuou o corpo de delicto instaurado por ordem de s. exa. o general commandante da divisão, o sr. José Paulino de Sá Carneiro, ácerca do crime de offensa corporal no superior.

E logo sendo presentes o agente do ministerio publico, promotor de justiça no primeiro conselho de guerra permanente da primeira divisão militar, o offendido o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, o sr. Antonio Maria Bivar de Sousa, e as testemunhas ao diante nomeadas, que foram ajuramentadas em fórma legal e que já haviam assistido ao exame dos peritos e á narração do offendido, mandei entrar o cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, o qual, em presença da requisição feita pelas vias competentes, foi pela sua camara posto á

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minha disposição para ser interrogado: perguntei ao offendido se o reconhecia como o individuo com quem havia tido a pendencia desagradavel a que se referiu no seu depoimento, ao que me respondeu que sim, que era aquelle o proprio.

E perguntando ao delinquente se reconhecia o offendido, tambem respondeu que sim.

Perguntando ao cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, o sr. José de Azevedo Castello Branco, deputado da nação, as causas por que praticara o crime de que é accusado, respondeu, que e certo ter tido com o exmo sr. tenente coronel Antonio Maria Bivar de Sousa um conflicto de palavras, em resultado do qual se julgara aggravado o mesmo sr. tenente coronel. Em consequencia d’isso foram prestados ao mesmo senhor todos os desaggravos exigidos pelo brio e cavalheirismo pessoal.

Perguntado ainda sobre os differentes pontos de accusação que haviam sido confirmados pelos depoimentos das testemunhas, declarou que nem mais uma palavra tinha a acrescentar ao seu depoimento.

E por esta fórma se houve por concluido o interrogatorio ao delinquente, ao qual foram testemunhas Guilherme de Charters Henriques de Azevedo, capitão adjunto ao quartel general da primeira divisão militar, solteiro e morador no largo do Carmo n.° 20, 1.° andar, em Lisboa, e Feliciano da Fonseca de Castro e Solla, tenente do estado maior de infanteria ajudante de campo de s. exa. o general commandante da primeira divisão militar, viuvo, é n’este mesmo quartel general morador, que vão assignar no fim, assim como o promotor de justiça, o offendido e o delinquente, depois de lido paio escrivão.

E por esta fórma, de tudo que narrado fica, fiz lavrar o presente auto, escripto por João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, que serviu de escrivão, e vae por mim assignado com o promotor de justiça, facultativos, offendido, testemunhas e o delinquente, sendo-lhes primeiro lido pelo escrivão. E eu, João Albino de Figueiredo Soares Serrão, capitão do regimento de cavallaria n.° 2, o escrevi e assigno, dando de minha fé de que tudo se passou na verdade conforme n’este auto fica referido. = O official, José Honor até de Mendonça, major de cavallaria n.° 4 = O promotor, José Estevão de Moraes Sarmento, major = Os facultativos, João Vicente Sarros da Fonseca, cirurgião mór de cavallaria n.° 2 = Paulo Guedes da Silva e Almeida, cirurgião ajudante de

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infanteria n.° 1 = O offendido, Antonio Maria Bivar de Sousa, tenente coronel de cavallaria n.° 2.= Testemunhas, Guilherme Charters Henriques de Azevedo, capitão do corpo de estado maior = Feliciano da Fonseca de Castro e Solla, tenente ajudante de campo = Joaquim da Silva, soldado n.ª 73 — João Pereira Mousinho de Albuquerque, capitão de estado maior de artilheria = Antonio Augusto de Sousa, primeiro sargento graduado aspirante a official do regimento de cavallaria n.° 2 = Thomás Simeão Gomes, primeiro sargento da segunda companhia da administração militar = Pedro Antonio Borges Flores = Luiz Candido de Almeida, capitão = José Duarte de Carvalho, major = Francisco de Borja Torres de Macedo = Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, chefe de secção = José Rodrigues = Francisco Pedro da Conceição e Carmo = José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór de artilheria n.° 2 = João Albino de Figueiredo Soares ferrão, capitão de cavallaria n.° 2, que serviu de escrivão.

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Despacho do general commandante da primeira divisão para a formação da culpa

O general commandante da divisão;

Vistos os artigos 247.°, 249.° e 250.° do codigo de justiça militar;

Attendendo a que, pelo presente auto de corpo de delicto, e mais documentos, se verifica a existencia do crime de insubordinação por offensa corporal e falta de respeito a superior, praticada no dia 9 do corrente, pelas quatro horas da tarde, em um corredor na camara dos senhores deputados da nação portugueza, que dá saída para a escada, e a fundada conjectura de que foi seu auctor José de Azeredo Castello Branco, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 (e deputado da mesma camara), crimes previstos pelo artigo 81.º, n.° 3.°, do codigo de justiça militar, e n.° 1.° do artigo 1.° do regulamento disciplinar de 15 de dezembro de 1875;

Vê-se pelo depoimento das testemunhas e mais declarações que o accusado pretendia dar prompta saída do corredor a duas senhoras que acompanhava, e servindo-lhe de obstaculo o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, Antonio Maria Bivar de Sousa, por ser uma das muitas pessoas que seguiam no indicado recinto e se achava mais proximo, o accusado a elle se dirigiu com modos altivos e de pouco respeito, não obstante estar uniformisado, pediu-lhe com auctoridade que lhe cedesse o caminho, ao que o queixoso, vendo-se mal tratado, dirigiu-lhe o epitheto de "mal creado";

Considerando que em acto continuo o accusado offendeu corporalmente o seu legitimo superior com duas pancadas, de mão aberta, na face, a que vulgarmente se chama "bofetada", de que lhe resultou expellir saliva sanguinea;

Considerando que, comquanto os peritos, no exame de sanidade, que passaram ao queixoso no dia 12, não encontraram vestigio d'esta aggressão, porque o ferimento, á que se referem, não tem relação com o facto criminoso de que se está tratando, não ha duvida que o conflicto teve logar como fica explicado;

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Considerando que uma parte das testemunhas não reconheceram immediatamente a pessoa que praticava a aggressão e a sua qualidade militar, mas que em seguida foram geralmente informados de que effectivamente fôra o accusado de quem se está tratando, e que ainda quando não houvessem outras testemunhas, que logo o reconheceram, as declarações das que fazem o objecto de similhante pendencia não deixam a menor duvida do que se tem explicado, isto independente do que o summario tem a apurar:

Determino se proceda á formação da culpa, encarregando o promotor, junto do primeiro conselho de guerra permanente d'esta divisão, a proseguir nos termos do processo.

Quartel general da primeira divisão militar, 24 de maio de 1887. = O general commandante da divisão, José Paulino de Sá Carneiro.

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Promoção

O promotor de justiça, junto do primeiro conselho de guerra permanente na primeira divisão militar, promove que, pelos factos seguidamente mencionados, se proceda a summario contra José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2, e bem assim contra quaesquer outras pessoas que, pelos mesmos, venham a mostrar-se responsaveis, porquanto:

1.° Pelas quatro horas da tarde, pouco mais ou menos, de 9 de maio corrente, no palacio das côrtes, n'esta capital, proximo á porta que dá entrada para o corredor da camara dos senhores deputados, aonde se achavam agglomeradas muitas pessoas e designadamente o tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, Antonio Maria Bivar de Sousa, devidamente uniformisado, appareceu o arguido, trajando á paizana, acompanhado por duas senhoras, para as quaes procurava abrir passagem, e encontrando-se com aquelle legitimo superior se lhe dirigiu com modos e palavras pouco respeitosas; intimando-o a que se afastasse;

2.° Melindrado pelo modo como era tratado, e ignorando quem era o individuo que assim se lhe dirigia, o tenente coronel Bivar de Sousa appellidou-o de "mal creado";

3.° N'esse mesmo acto o referido cirurgião mór José de Azevedo Castello Branco offendeu corporalmente aquelle seu superior militar com duas bofetadas, que não produziram contusão ou ferimento apreciavel e apenas salivação sanguinea;

4.° As pessoas presentes, lançando a sua intervenção no conflicto, não permittiram que elle ali tivesse outro seguimento;

5.° Os factos descriptos importam infracção do n.° 1.° do artigo 1.° do regulamento de 15 de dezembro de 1875, e offensa ao n.° 3.° do artigo 81.° do codigo de justiça militar.

Rol de testemunhas

l.ª Joaquim da Silva, soldado n.° 73 da segunda companhia e n.° 369 de matricula do segundo batalhão do regimento de infanteria n.° 16;

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2.ª Bento Nunes, soldado n.° 44 da quarta companhia e n.° 604 de matricula do mesmo batalhão e regimento;

3.ª João Pereira Mousinho de Albuquerque, capitão do estado maior de artilheria, ajudante de campo do governador de Monsanto;

4.ª Antonio Augusto de Sousa, primeiro sargento graduado, aspirante a official do regimento de cavallaria n.° 2;

5.ª Thomás Simeao Gomes, primeiro sargento da segunda companhia da administração militar;

6.ª Pedro Antonio Borges Flores, proprietario, residente na estrada do Rego n.° 7;

7.ª Luiz Candido de Almeida), capitão do batalhão de caçadores n.° 3 da guarnição da provincia de Moçambique;

8.ª José Duarte de Carvalho, major do exercito, sem prejuizo de antiguidade;

9.ª Francisco Borja Torres de Macedo, proprietario, residente na travessa da Espera n.° 31, 2.° andar;

10.ª Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, chefe de secção da fiscalisação das alfandegas;

ll.ª José Rodrigues, servente da camara dos senhores deputados, residente na rua Direita da Junqueira n.ºs 122, loja;

12.ª Francisco Pedro da Conceição e Carmo, official de diligencias do tribunal da relação de Lisboa.

Estas sem prejuizo de quaesquer outras que depois venham ao meu conhecimento, promovendo que sejam devidamente reperguntadas.

Promotoria do primeiro conselho de guerra permanente na primeira divisão militar, 20 de maio de 1887. = 0 promotor de justiça, José Estevão de Moraes Sarmento, major.

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Interrogatorio do arguido

Aos 30 dias do mez de maio de 1887, n'esta cidade de Lisboa e auditorio do primeiro conselho de guerra permanente da primeira divisão militar, estando presente o doutor Ricardo Xavier de Carvalho Liz Teixeira, auditor junto do mesmo conselho, e commigo Francisco de Matos Soeiro de Avellar Salgado, secretario do referido conselho, procedeu-se ao interrogatorio do arguido abaixo mencionado, com as formalidades legaes e pela fórma que se segue; do que se fez este termo, que eu secretario escrevi e assigno. = Francisco de Matos Soeiro de Avellar Salgado.

Perguntado nos termos do § 3.° do artigo 253.° do codigo de justiça militar.

Respondeu chamar-se: José de Azevedo Castello Branco, natural de Villa Real, filho de Francisco José de Azevedo e de D. Carolina Castello Branco, casado, idade trinta e quatro annos, deputado da nação e cirurgião mór do regimento de artilheria n.° 2 e que nunca esteve preso.

Perguntado nos termos do mesmo § 3.° á culpa que se lhe faz no relatorio a fl. que lhe foi lido.

Respondeu que é exacto ter tido com o sr. tenente coronel do regimento de cavallaria n.° 2, Bivar de Sousa, um conflicto de palavras em resultado do qual se reputára offendido nos seus brios o mesmo sr. tenente coronel. O conflicto deu-se nos corredores da camara dos senhores deputados, na tarde do dia 9 do corrente.

Em consequencia d'esse conflicto trocaram-se entre o aggressor e o aggredido as explicações que o brio e a honra militares exigiam.

E mais não respondeu.

Lidas as suas respostas as confirmou por as achar conformes e assigna com o doutor auditor e commigo secretario, que o escrevi. = Ricardo Xavier de Carvalho Liz Teixeira = José de Azevedo Castello Branco = Francisco de Matos Soeiro de Avellar Salgado.

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Despacho da iniciação

Por os depoimentos das testemunhas inquiridas no corpo de delicto a fl. 3 se acha constatado, com todos os seus elementos constitutivos, o crime de insubordinação por offensa corporal em superior, que teve logar por a fórma descripta na promoção do ministerio publico a fl. 17, porquanto dos depoimentos d'essas mesmas testemunhas resulta prova de que, no palacio das côrtes, n'esta cidade, no dia 9 do passado mez de maio, pelas quatro horas da tarde, junto á porta que dá entrada para o corredor da camara dos senhores deputados, aonde se achavam agglomeradas muitas pessoas, um individuo trajando á paizana e que é cirurgião mór do exercito de terra, e que, como tal, tem a graduação de capitão, offendêra corporalmente o seu legitimo superior, tenente coronel de cavallaria n.° 2, Bivar de Sousa, que ali se achava devidamente uniformisado, mas desarmado, dando-lhe duas bofetadas.

Dos depoimentos d'essas testemunhas inquiridas no summario, resulta ainda prova indiciaria sufficiente de que foi o arguido, José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór de artilheria n.° 2 e deputado da nação, o auctor do mencionado crime, que, por que se não mostra commettido com premeditação, debaixo de armas, em acto de serviço ou em rasão de serviço, é punivel por o artigo 81.° n.° 3.° do codigo de justiça militar.

Por isso entendo que o arguido deve responder criminalmente, por esse facto, no juizo competente para o julgar, que é a camara dos dignos pares do reino, por virtude do que dispõem o artigo 41.° e paragraphos da carta constitucional, a fim de lhe serem impostas as penas da lei violada.

Porém, antes deve dar-se conhecimento do processo á camara dos senhores deputados nos termos e para os effeitos do disposto no artigo 4.° da carta de lei de 24 de junho de 1885.

Entregue o presente processo ao exmo. promotor de justiça.

Lisboa, 2 de junho de 1887. = Liz Teixeira, auditor.

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Termo de data

Em 4 de junho de 1887 recebi este processo do meritissimo doutor auditor com o certificado que vae junto a fl. 34. = Francisco de Matos tioeiro de Avellar Salgado, secretario.

Termo de entrega

Em 4 de junho de 1887 entrego este processo ao meritissimo promotor de justiça, junto deste primeiro conselho de guerra. = Francisco de Matos Soeiro de Avellar Salgado, secretario.

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Officio de remessa do processo u presidencia da camara dos senhores deputados

Illmo. e exmo. sr. - No artigo 4.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, de 24 de julho de 1885, se preceitua que compete ao juiz dar conta á camara do resultado dos processos que forem mandados instaurar; por isso cabe-me a honra de enviar a v. exa., na qualidade de presidente da camara dos senhores deputados, para os devidos effeitos, o processo instaurado ao sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do regimento de artilharia n.° 2.

Deus guarde a v. exa. Quartel general em S. José, 22 de junho de 1887. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos senhores deputados. = O general commandante da divisão, José Paulino de Sá Carneiro.

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Officio da presidencia da camara dos senhores deputados

Illmo. e exmo. sr. - Havendo a camara dos senhores deputados da nação portugueza approvado, em sessão de hontem, o parecer da sua commissão de legislação criminal, sobre o processo instaurado contra o ar. deputado José de Azevedo Castello Branco e dirigido á mesma camara pelo general commandante da primeira divisão militar, e sendo a conclusão do parecer que o dito sr. deputado continue no exercicio das funcções parlamentares e seja julgado no intervallo d'esta para a proxima sessão legislativa, assim tenho a honra de o communicar a v. exa., enviando junto, para os fins legaes, o mencionado processo.

Inclusa envio a v. exa. copia authentica do referido parecer.

Deus guarde a v. exa. Palacio das côrtes, em 6 de agosto de 1887. - Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos dignos pares do reino. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente.

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Parecer da commissão de legislação criminal da camara dos senhores deputados

N.° 232. - Senhores. - Foi presente á vossa commissão de legislação criminal o processo crime instaurado contra o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, e dirigido a esta camara pelo commando da primeira divisão militar. A commissão examinou com toda a attenção este processo; e, visto o artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885; e considerando devidamente a indole e circumstancias do crime: É de parecer que o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco continue no exercicio das funcções parlamentares e seja julgado no intervallo d'esta para a proxima sessão legislativa.

Sala da commissão, 3 de agosto de 1887. - (Assignados) José Maria de Andrade - Marçal Pacheco - Eduardo José Coelho - Firmino J. Lopes - Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco - Antonio Candido, relator.

Está conforme. Direcção geral das repartições da camara dos senhores deputados, em 6 de agosto de 1887. = O director geral interino, Joaquim Pedro Parente.

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Parecer da commissão de legislação da camara dos dignos pares

Aos 11 de agosto de 1887 foi presente á camara dos dignos pares o parecer da commissão de legislação, datado do mesmo dia e relativo a este processo, e, por deliberação da camara, logo submettido á discussão, foi approvado, sendo o referido parecer do teor seguinte:

Parecer n.° 144. - Senhores: - A vossa commissão de legislação foi presente o processo instaurado contra o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, em que a camara dos senhores deputados decidiu que fosse julgado no intervallo d'esta para a proxima sessão legislativa 5 e porque se dá o caso previsto no artigo 15.° do regulamento interno da camara dos pares, constituida em tribunal de justiça, é a vossa commissão de parecer que a instrucção do processo plenario haja logar perante a presidencia da camara, para a final ser julgado quando esta se constituir em tribunal de justiça, nos termos e para o fim do disposto no artigo 2.° da lei de 15 de fevereiro de 1849.

Sala da commissão, em 11 de agosto de 1887. - Barros e Sá - D. A. Sequeira Pinto - Barjona de Freitas - M. Osorio - José Pereira - Fernandes Vaz - Couto Monteiro - Mexia Salema - T. N. da Serra e Moura, relator.

Do que para constar se lavrou o presente termo, que eu, Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira, conselheiro director geral, subscrevo. = Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira,

Em sessão da camara dos dignos pares de 12 de agosto de 1887 foi approvada a acta da sessão do dia anterior, de onde constava ter sido approvado o parecer da commissão de legislação, relativo a este processo.

E para constar fiz lavrar este termo, que eu, Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira, conselheiro director geral, subscrevo. = Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira.

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Intimação

Certifico que, em cumprimento do mandado retro, intimei em sua propria pessoa, o sr. deputado José de Azevedo Castello Branco, de que o processo crime contra elle instaurado vae ser julgado pelo tribunal dos pares no intervallo d'esta á proxima sessão legislativa, e que os termos do processo plenario vão seguir perante o presidente da camara, que fará as suas audiencias nas quintas feiras de cada semana, pelo meio dia, na sala da presidencia. E de como ficou sciente dou fé e assigna commigo, Jayme Ernesto Alegro, official da secretaria da camara.

Lisboa, 13 de agosto de 1887. = José de Azevedo Castello Branco = Jayme Ernesto Alegro.

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Libello aecusatorio

Em libello diz o procurador geral da corôa e fazenda, representante do ministerio publico, contra o sr. deputado da nação portugueza, José de Azeredo Castello Branco, cirurgião mór do exercito.

E. S. N.º

1.°

P. que no dia 9 de maio do corrente anno de 1887, pelas quatro horas da tarde, pouco mais ou menos, no palacio das côrtes e proximo á porta que dá entrada para o corredor da camara dos senhores deputados, se achava o tenente coronel de cavallaria n.° 2, Antonio Maria Bivar de Sousa com outras muitas pessoas ali agglomeradas.

2.°

P. que o réu, querendo abrir passagem para si e para duas senhoras, se dirigiu ao tenente coronel Bivar de Sousa com modos e em termos menos delicados e respeitosos, aos quaes este respondeu com uma phrase severa.

3.°

P. que o réu, ouvida a resposta, deu duas bofetadas no tenente coronel Bivar de Sousa, de que não resultou vestigio e unicamente salivação sanguinea.

4.°

P. que o tenente coronel de cavallaria n.° 2, Antonio Maria Bivar de Sousa, estava uniformisado.

5.°

P. que o réu, José de Azevedo Castello Branco, é cirurgião mór do exercito, tem a graduação de capitão, é deputado da nação portugueza e na occasião dos successos referidos trajava á paisana.

6.°

P. que o réu commetteu o crime de offensa corporal contra um official superior, mas sem premeditação, e não foi em acto de serviço ou em rasão do serviço.

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7.°

P. que a este crime é applicavel o artigo 81.°, n.° 3.°; do codigo de justiça militar.

N'estes termos e nos de direito, sendo provados os factos allegados, deve ser imposta ao réu a pena com que o citado artigo 81.°, n.° 3.°, do codigo de justiça militar manda punir a insubordinação que o mesmo réu commetteu.

Em 5 de outubro de 1887 . = Antonio Cardoso Avelino.

Rol de testemunhas

José Duarte de Carvalho, casado, idade quarenta e um annos, major do exercito, residente n'esta cidade.

Luiz Candido de Almeida, casado, idade trinta e sete annos, capitão da guarnição da provincia de Moçambique, residente n'esta cidade no beco das Flores n.° 4, 2.° andar.

João Pereira Mousinho de Albuquerque, casado, idade trinta e dois annos, capitão do estado maior de artilheria, ajudante de campo do governador da praça de Monsanto, morador na rua de Santo Antonio dos Capuchos n.° 42, 2.° andar.

Antonio Augusto de Sousa, solteiro, idade vinte e um annos, primeiro sargento graduado aspirante a official do regimento de cavallaria n.° 2, residente em Belem.

Pedro Antonio Borges Flores, solteiro, idade quarenta e cinco annos, proprietario e morador na estrada do Rego n.° 7.

Francisco de Borja Torres de Macedo, viuvo, idade cincoenta e oito annos, proprietario, residente na travessa da Espera n.° 31, 3.° andar.

Antonio de Mello Coutinho Mercier de Almeida, casado, idade quarenta e cinco annos, chefe de secção addido á guarda fiscal, residente n'esta cidade.

Francisco Pedro da Conceição e Carmo, casado, idade quarenta e tres annos, residente na travessa do Enviado de Inglaterra n.° 5.

Em 5 de outubro de 1887. = Antonio Cardoso Avelino.

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Nota dos assentamentos e matricula do registo disciplinar

Regimento de artilheria n.° 2. - Nota dos assentos que tem no livro de matricula e ao registo disciplinar o official abaixo mencionado:

Numero de matricula - 85.

Nome - José de Azevedo Castello Branco.

Nasceu a 5 de outubro de 1852, em S. Martinho de Villarinho de Samardã, concelho e districto de Villa Real.

Filho de Francisco José de Azevedo e de D. Carolina Botelho Castello Branco.

Estado - Casado com D. Augusta Amelia Xavier, em 1 de janeiro de 1879.

Applicação litteraria - Bacharel, formado em medicina e cirurgia pela universidade de Coimbra.

Foi augmentado ao effectivo d'este regimento.

Veiu do regimento de cavallaria n.° 10 em 11 de janeiro de 1887.

Graduação correspondente - Cirurgião mór.

Notas biographicas como official - Cirurgião ajudante do exercito, por decreto de 6 de novembro de 1879. Collocado no batalhão de caçadores n.° 10, ordem do exercito n.° 22, de 8 do mesmo mez e anno. Passou ao batalhão de caçadores n.° 11, ordem do exercito n.° 2 de 21 de janeiro de 1881. Passou ao batalhão de caçadores n.° 10, ordem do exercito n.° 16 de 4 de julho do mesmo anno. Passou ao regimento de cavallaria n.° 4, ordem do exercito n.° 18 de 14 de outubro de 1884. Passou ao regimento de engenheria, ordem do exercito n.° 21 de 3 de novembro. Cirurgião mór para o regimento de cavallaria n.° 10, por decreto de 9 de dezembro de 1886, ordem do exercito n.° 34 de 28. Passou ao regimento de artilheria n.° 2, ordem do exercito n.° 1 de 11 de janeiro de 1887.

Tempo de licença registada - 101 dias.

Tempo de licença por motivo de molestia e de tratamento nos hospitaes - 141 dias.

Castigos extrahidos do registo disciplinar - Do registo disciplinar nada consta.

Quartel em Torres Novas, 14 de maio de 1887. = Servindo de tenente coronel, João de Sousa Neves, major.

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Boletim do registo criminal

Comarca de Villa Real. - Certificado. - Certifico em como dos boletins archivados no registo criminal d'esta comarca nada consta contra José de Azevedo Castello Branco, filho de Francisco José de Azevedo e de D. Carolina Botelho Castello Branco, natural da freguezia do Villarinho de Samarda, d'esta comarca.

Registo criminal da comarca de Villa Real, 28 de maio de 1887. = 0 escrivão do registo, Antonio José Alvares de Matos.

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Contestação

O deputado José de Azevedo Castello Branco, cirurgião mór do exercito, protesta deduzir sua defeza verbal em audiencia de julgamento, no processo crime que lhe move o ministerio publico; e allega desde já que foi sempre militar pundonoroso e respeitador da disciplina.

Protesta pela juncção de documentos e nomear testemunhas em tempo, sendo necessario. = O advogado, Afonso Xavier Lopes Vieira.

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Documentos da contestação

Illmo. e exmo. sr. - José de Azevedo Castello Branco pretende juntar os documentos, que este accompanham, ao processo crime que lhe move o M. P. e pendente perante a camara dos dignos pares do reino. - Digne-se v. exa. ordenar se juntem, para os devidos effeitos. - E. R. M.cê = O advogado, Affonso Xavier Lopes Vieira.

Senhor. - O cirurgião mór do exercito José de Azevedo Castello Branco, precisando para bem da sua justiça, que pelo sr. coronel José Maria Moreira Freire Correia Manuel de Aboim lhe seja passado um publico documento do modo como o supplicante serviu sob suas ordens - P. a Vossa Magestade que permitta que o referido official lhe passe o documento pedido. - E. R. M.cê

Lisboa, 12 de novembro de 1887. = José de Azevedo Castello Branco.

Sua Magestade El-Rei permitte que atteste, querendo. - Paço, em 12 de novembro de 1887. = Visconde de S. Januario.

Auctorisado pelo despacho supra, attesto que o exmo. sr. José de Azevedo Castello Branco, durante o tempo que foi cirurgião ajudante do regimento de engenheria, que tive a honra de commandar, poz ao serviço d'este regimento a sua alta competencia e intelligencia, com o maior zêlo e dignidade.

Lisboa, 24 de novembro de 1887. = José Maria Moreira Freire Correia Manuel de Aboim, coronel de engenheria.

Senhor. - O cirurgião mór do exercito José de Azevedo Castello Branco, precisando para bem da sua justiça que o sr. coronel de infanteria n.° 5, Joaquim da Cunha Pinto lhe atteste o modo como serviu sob suas ordens. - P. a Vossa Magestade permitta que o referido coronel passe o attestado pedido. - E. R. M.cê

Lisboa, 12 de novembro de 1887. = José de Azevedo Castello Branco.

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Sua Magestade El-Rei permitte que atteste, querendo, - Paço, em 12 de novembro de 1887. = Visconde de S. Januario.

Joaquim da Cunha Pinto, coronel, commandante do regimento de infanteria n.° 5. commendador da ordem de S. Bento de Aviz, cavalleiro das ordens da Torre e Espada, do valor, lealdade e merito, e da de S. Bento de Aviz, condecorado com as medalhas militares de prata de valor, bons serviços e comportamento exemplar, etc.

Em virtude do despacho retro, attesto que o cirurgião mór do exercito o sr. José de Azevedo Castello Branco, durante todo o tempo que serviu sob as minhas ordens, teve um comportamento exemplar e proprio de um cavalheiro; foi respeitador de todos os seus superiores e desempenhou com assiduidade e zêlo o serviço clinico do regimento de infanteria n.° 5.

Lisboa, 24 de novembro de 1887. = Joaquim da Cunha Pinto, coronel de infanteria n.° 5.

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