O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 851

N.º 72

Presidencia do exmo. sr. Buque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino; - Approvação, depois de breves considerações do digno par Carlos Bento, do projecto n.° 84, que eleva de 4:000$000 a 8:000$000 réis annuaes, a começar do anno economico de 1881-1882 a dotação para as obras do melhoramento da barra e porto da cidade de Vianna do Castello.-Approvação sem discussão dos projectos n.° 95 e 98, o primeiro que determina que o algodão em caroço com a semente, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pague a taxa de 15 réis por kilogramma, e a semente de algodão, que for importada limpa de felpa e separada do caroço, pague a taxa de 25 réis por kilogramma, e o segundo que auctorisa o governo a tornar as providencias necessarias para combater a propagação e desenvolvimento da phylloxera vastatrix, o terrivel hemiptero que ameaça a principal riqueza agricola do paiz -Entrando o sr. ministro da fazenda (Barros Gomes) continua a discussão do parecer n.° 108 sobre o projecto de lei n.° 107 que estabelece um imposto geral do rendimento.-Discurso do sr. Conde de Valbom, e considerações do sr. Carlos Bento.

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 35 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Não houve correspondencia.

(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministros da fazenda, reino e guerra e entrou durante a sessão o sr. ministro da marinha.)

CEDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, e deviamos continuar na discussão do parecer n.° 108; mas como não está presente o sr. ministro da fazenda não sei se o sr. conde de Valbom, que é o primeiro digno par inscripto, quererá usar da palavra na ausencia, do sr. ministro?

O sr. Conde de Valbom: - Desejo usar da palavra na presença do sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente: - Portanto vou escolher entre os projectos dados para ordem do dia alguns que se possam discutir na ausencia do sr. ministro da fazenda. Temos o parecer n.° 105 sobre o projecto de lei n.° 84, elevando de 4:000$000 a 8:000$000 réis a dotação para as obras do melhoramento da barra e porto da cidade de Vianna do Castello.

Não sei se. o sr. presidente do conselho concorda era que entre em discussão este projecto de lei?

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Se v. exa. entende dever submetter á discussão o projecto a que se refere, pela minha parte declaro-me habilitado a responder por parte do governo.

Q sr. Presidente: - Os dignos pares srs. são de opinião que se discuta o parecer n.º 100 tenham a bondade de se levantar.

Resolveu-se affirmativamente.

Leu-se na mesa o parecer n.° 100, sobre o projecto de lei n.° 84, que é do teor seguinte:

Parecer n.° 105

Senhores. - As commissões de fazenda e de obras publicas, tendo examinado o projecto de lei n.° 84, vindo da camara dos senhores deputados, a fim de ser elevada de 4:000$000 a 8:000$000 réis desde 1881-1882 a dotação para as obras da barra e porto de Vianna do Castello, deduzindo-se igualmente no dito anno da verba de 250:000$000 réis 1:000$000 réis com destino a estudos; tendo ouvido a esse respeito o governo; considerando que o melhoramento da barra e porto referido tem muita importancia para a provincia do Minho, e que tem um futuro distincto, quando concluidas as obras do seu melhoramento: são as vossas commissões de parecer, de accordo com o governo, que o referido projecto deve ser approvado e convertido no seguinte

PBOJECTO DE LEI

Artigo 1.° É elevada de 4:000$000 a 8:000$000 réis annuaes, a começar no anno economico de 1881-1882, a dotação para as obras do melhoramento da barra e porto da cidade de Vianna do Castello.

§ unico. No proximo anno economico de 1880-1881 da verba de 250:000$000 réis, votada para estudos e melhoramentos de portos e rios, serão destinados 4:000$000 réis para as obras a que se refere o artigo 1.°

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 21 de maio de 1880. = Caries Bento da Silva Luiz de Campos = Thomás de Carvalho = Marino João Franzini = Visconde de S. Januario = J. J. de Mendonça Cortez = Conde de Samodães = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes = Diogo Antonio- C. de Sequeira, Pinto = Barros e Sá = Conde de Castro = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = Joaquim Gonçalves Mamede = Antonio de Serpa Pimentel (com declaração) = José de Mello Gouveia = Placido de Abreu.

Projecto de lei n.° 84

Artigo 1.° É elevada de 4:000$000 réis a 8:000$000 réis annuaes, a começar no anno economico de 1881-1882, a dotação para as obras do melhoramento da barra e porto da cidade de Vianna do Castello.

§ unico. No proximo anno economico de 1880-1881 da verba de 250:000$000 réis, votada para estudos e melhoramentos de portos e rios, serão destinados 4:000$000 réis para as obras a que se refere o artigo 1.°

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 15 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Projecto de lei n.º 193-D

Senhores. - Quando na presente sessão se discutiu o orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria, tive a honra de submetter á consideração da camara uma proposta para que fosse elevada de 4:000$000 réis a 10:000$000 réis a dotação annual para as obras da barra e porto de Vianna do Castello, consignada nas cartas de lei de 21 de julho de 1852 e 2 de setembro de 1869.

Ácerca d'esta proposta deu a illustre commissão de orçamentos o seguinte parecer, que foi approvado:

"A proposta do deputado por Vianna do Castello deve ser objecto de proposta de lei especial como foi a lei que

72

Página 852

852 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

creou o imposto daquella barra e lhe concedeu o subsidio consignado no capitulo 7.°, artigo 1.°, secção 1.ª

"For estes motivos não póde ser attendida no orçamento da despeza annual, comquanto o objecto seja digno da mais seria attenção da camara e do governo."

Não foi, pois, posta em duvida pela illustre commissão a necessidade de augmentar a dotação para as obras da barra e porto de Vianna do Castello; simplesmente se entendeu que esse augmento deveria ser assumpto de um projecto de lei especial.

Não se podem, em verdade, fazer e levar a cabo obras de tal natureza, segundo os principios de uma prudente e economica administração, com a exigua verba de 11:000$000 réis annuaes, que a tanto monta, em média, a somma da dotação dada pelos cofres do estado com o producto do imposto especial, creado pelas referidas cartas de lei de 1852 e 1869.

Por isso, e porque o commercio e a industria d'aquella importante praça - que na sua alfandega cobra para o estado valor superior a 130:000$000 réis annuaes- reclamam instantemente a conclusão dos melhoramentos da barra e porto, tenho a honra de, escudado com a valiosa opinião da illustre commissão de orçamentes, submetter á vossa esclarecida consideração o seguinte:

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É elevada de 4:000$000 réis a 10:000$000 réis annuaes, a começar no anno economico de 1881-1882, a dotação para as obras de melhoramento do porto e barra da cidade de Vianna do Castello.

§ unico. No proximo anno economico de 1880-1881 da verba de 250:000$000 réis, votada para estudos e melhoramentos de portos e rios, serão destinados 6:000$000 réis para as obras a que se refere o artigo 1.°

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 7 de maio de 1880. = O deputado pelo circulo de Vianna do Castello, E. J. Goes Pinto.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade por ter um só artigo.

O sr. Carlos Bento: - Não desejo impugnar o projecto em discussão, e até no respectivo parecer estou assignado sem declaração. O que pretendo é prevenir casos futuros de virem ao parlamento projectos de igual natureza que destinados a certas obras de utilidade local, podem ter um alcance grave, generalisando-se o principio, por tenderem a affectar os impostos sobre a importação de uma maneira prejudicial aos interesses geraes do paiz.

Se vamos estabelecer como principio que se podem imaginar quaesquer melhoramentos e pagal-os com o producto de um imposto sobre a importação, é possivel chegar-se a consequencias muito graves para os interesses publicos.

Portanto, o que eu não desejo, é que se consagre este principio para que se não venha a generalisar.

Em Hespanha, em 1869, um ministro distincto o sr. Figueirola reduziu consideravelmente os direitos da pauta, e qual foi a consequencia?

A consequencia foi que desde aquelle anno até agora o rendimento das alfandegas quadruplicou em relação ao que era antes d'essa reducção.

Portanto, creio que tenho rasão para não querer que se sanccione a generalisação do principio de se tributar a importação para melhoramentos. E isto é tanto mais essencial que, por exemplo, em Lisboa gastaram-se 400:000$000 réis com melhoramentos para embarques e desembarques, e parece me que posso emittir a opinião de que essa despeza não realisou o pensamento, aliás muito louvavel, que se tinha em vista, porque as cousas ficaram quasi como no estado anterior a esses melhoramentos.

Ora, se taes melhoramentos não correspondem sempre ao seu fim, não se vá a todo o momento, a pretexto do os fazer, augmentar a percentagem dos direitos de importação, para que não vamos fazer um grande desfavor economico ao nosso paiz.

Resumindo, direi que voto o projecto, mas não desejo que se generalise o principio, pelas rasões que acabo de expor.

O sr. Presidente: - Vae votar-se o parecer n.° 100 sobre o projecto n.° 84 na sua generalidade e especialidade.

Poz-se á votação e foi approvado.

O sr. Presidente: - Passamos á discussão do parecer n.° 100 sobre o projecto que tributa a semente do algodão.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Parecer n.° 100

Senhores. - A vossa commissão da fazenda examinou com a devida attenção o projecto do lei n.° 95, que tem por fim sujeitar ao imposto de 15 réis por kilogramma o algodão em caroço com a semente, importado no continente do reino e ilhas adjacentes, e ao de 25 réis por kilogramma a semente de algodão limpa de felpa e separada do caroço; e a vossa commissão:

Considerando que pelo artigo 4.° da lei de 23 de abril do corrente anno paga o direito de 700 réis por decalitro o óleo de sementes de algodão;

Considerando que este imposto foi motivado pela necessidade de pôr termo a uma falsificação que muito prejudicava a nossa agricultura;

Considerando, porém, que este resultado se não poderá obter emquanto se não puzer em harmonia com aquelle direito as taxas estabelecidas na pauta geral das alfandegas sob os n.ºs 46 e 94, pelas quaes a semente do algodão em caroço é isenta de direitos, e a separada paga apenas 1,5 réis por kilogramma;

Considerando que as taxas propostas não offendem interesses alguns legitimes e creados á sombra da lei; e

Attendendo, finalmente, a que foram calculadas por fórma a estabelecer uma justa proporcionalidade entre o direito s o valor do genero sobre que recáem; tendo sido ouvido sobre este assumpto o conselho geral das alfandegas:

É a vossa commissão de parecer que approveis este projecto de lei, a fim de subir á real sancção.

Sala da commissão de fazenda, em 20 de maio de 1880. = Carlos Bento da Silva = J. J. de Mendonça Cortez = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Joaquim Gonçalves Mamede = Barros e Sá = Thomás de Carvalho = Mathias de Carvalho e Vasconcellos = José de Mello Gouveia = Conde de Castro, relator.

Projecto de lei n.° 95

Artigo 1.° O algodão em caroço com a semente, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará a taxa de 15 réis por kilogramma.

Art. 2.° A semente de algodão, que for importada limpa da felpa e separada do caroço, pagará a taxa de 25 réis por kilogramma.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 18 de maio de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Thomás Frederico Pereira Bastos,, deputado secretario = Antonio José d'Avila, deputado secretario.

Proposta de lei n.° 190-A

Senhores. - A lei de 23 de abril do corrente anno tributou com 700 réis por decalitro o oleo de sementes de algodão, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes. Não se conseguiria o fim que a lei teve em vista se não ficassem harmonisados com esta disposição os artigos 46.° e 94.° da pauta geral das alfandegas, no primeiro dos quaes é declarada, livre a semente de algodão em caroço, e no segundo está lançada á mesma semente, quando venha separada, apenas a taxa da 1,5 réis por kilogramma.

Página 853

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 853

Tenho, pois, a honra de submetter á vossa esclarecida apreciação, depois de ter ouvido o conselho geral das alfandegas, a seguinte:

PROPOSTA DE LEI

Artigo l.° O algodão em caroço com a semente, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará a taxa de 15 réis por kilogramma.

Art. 2.° A semente de algodão que for importada limpa da felpa e separada do caroço, pagará a taxa de 25 réis por kilogramma.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda e gabinete do ministro, em 7 de maio de 1880 = Henrique de Barros Gomes.

Posto á discussão, e não tendo pedido a palavra nenhum digno par, foi approvado na sua generalidade e especialidade.

Passou-se ao parecer n.° 92.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Parecer n.° 92

Senhores.- Ao exame da vossa commissão de agricultura foi submettido o projecto de lei n.° 18, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim auctorisar o governo a tomar as providencias necessarias para combater a propagação e desenvolvimento da phylloxera vastatrix, o terrivel hemiptero que ameaça destruir a principal riqueza agricola do paiz.

A vinha, cuja cultura occupa 1/45 da superficie total de Portugal, que produz 3.720:000 hectolitros de vinho num valor superior a 20.000:000$000 réis, isto é, 23 por cento da nossa producção agricola total, a vinha que representa a accumulação do trabalho de tantas gerações durante tantos seculos, está gravemente ameaçada de destruição.

Os agronomos, os entomologistas, os chimicos, todos quantos se occupam das sciencias naturaes, têem-se empenhado porfiadamente em estudar os meios mais efficazes e convenientes para destruir o terrivel hemiptero reconhecido, pelos estudos mais aturados e minuciosos, como causa da morte de tantos milhares de cepas nas vinhas da Allemanha, da Austria, da França, da Hespanha, da Hungria, da Italia, de Portugal e da Suissa.

A região vinhateira do Douro, na qual até agora se tem conservado circumscripta a terrivel acção do flagello, soffre já enormes prejuizos. E não pareça uma vã declamação o que fica escripto ácerca dos desastres, de que está sendo victima aquella riquissima região, porventura a mais opulenta do paiz.

Bastará citar alguns algarismos para dar uma idéa dos enormes prejuizos de que o microscopico hemiptero tem sido a causa.

A producção vinicola do Douro era proximamente de 80:000 pipas; calcula-se que a diminuição animal orça já por 30:000 pipas, no valor approximado de 1.000:000$000 réis; a freguezia de Gavinhas, cuja colheita annual regulava por 1:600 pipas, está reduzida a 120, a quinta da Arreigada, na freguezia de Valença, que produzia 70 pipas, deu ultimamente 16 almudes apenas. 1

Contam-se já por centenares os processos ensaiados para destruir o insecto. Quasi todos, porém, se têem mostrado inefficazea. Em dois estados podem ser empregadas as substancias destinadas a combater o phylloxera: no estado solido ou no estado liquido, as substancias solidas e liquidas, porem, para serem efficazes, devem desenvolver vapores capazes de destruir o insecto, porque, obrando ellas apenas pelo contacto immediato, é quasi impossivel dispor essas substancias por fórma que possa dar-se esse contacto com todas as raizes em que estão alojados os parasitas. Não basta, porém, que essas substancias solidas ou liquidas tenham a faculdade de se volatilisar; para que a sua acção

1 Relatorio da commissão de estudo e tratamento das vinhas do Douro, por Manuel Paulino de Oliveira, 1880.

seja efficaz, é necessario que se mantenha a affinidade chimica entre os elementos componentes d'essas substancias. As combinações chimicas de effeito mais deleterio para as organisações animaes inferiores decompõem-se facilmente ao penetrarem na terra, que representa n'este caso o papel de uma verdadeira pilha voltaica.

Os ingredientes de effeito mais mortifero, assim decompostos, resolvem-se nos seus elementos componentes, que no estado de isolamento são inoffensivos.

Os processos até hoje reconhecidos como efficazes são: a asphyxia do phylloxera por submersão, ou pelos vapores do sulfureto de carbone.

A submersão, processo devido á observação do viticultor francez mr. Faucon, é poucas vezes praticavel no nosso paiz, onde a maior parte das vinhas estão plantadas em encostas e aquellas mesmas que se encontram em terrenos que pela sua configuração, se adaptariam facilmente para a submersão encontram-se em regiões onde a, agua escasseia completamente. -

O destruidor mais energico da phylloxera e o que póde ser mais facilmente applicavel por toda a parte, é o sulphureto de carbone. Com o fim pois de combater efficazmente o terrivel inimigo e de salvar o grande peculio representado pelas vinhas do paiz, o governo apresentou á camara dos senhores deputados o projecto de lei n.° 98, que, depois de soffrer varias emendas, foi submettido á consideração da vossa commissão de agricultura para sobre elle dar o seu parecer.

As disposições do projecto podem classificar-se pela fórma seguinte:

a) As que favorecem a circulação do sulphureto de carbone;

ò) As que habilitam os delegados technicos do governo a examinarem as vinhas suspeitas, a forçar os proprietarios ao .tratamento das. suas vinhas atacadas e a proceder ao seu tratamento immediato quando o proprietario não o fizer, dentro de um praso marcado;

c) As providencias que se referem á indemnisação pelas despezas de tratamento e ás multas, por infracção das disposições do projecto;

d) Finalmente a disposição que auctorisa o governo a despender 25:000$000 réis com os serviços da phylloxera. Parece á commissão que todas as disposições do projecto devem merecer a vossa approvação. Póde uma ou outra disposição parecer rigorosa talvez, e menos respeitadora do direito de propriedade, isto é, da absoluta independencia dos actos do proprietario dentro dos seus dominios, mas quantas leis e quantos regulamentos não cerceiam já esse direito de propriedade de um em beneficio do maior numero?!

Trata-se de salvar a viticultura portugueza, o melhor florão da nossa agricultura e cuja existencia está gravemente compromettida por um mal que tende a alargar os seus dominios e cujos effeitos damnosos podem limitar-se á força de vigilancia, de cautelas e com o auxilio de meios therapeuticos.

Não deve ser licito a qualquer entreter nas suas propriedades um foco de infecção, e inutilisar assim os esforços de todos quantos pelos meios que a sciencia aconselha intentam debellar o maior mal que tem affligido ultimamente a nossa agricultura.

Concluindo, pois, a vossa commissão de agricultura é de parecer que o projecto seja approvado.

Sala da commissão de agricultura, 17 de maio de 1880.= Marquez de Ficalho = José de Mello Gouveia = J. J. de Mendonça Cortez = Conde de Castro = Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos (com declaração) == Conde de Rio Maior = Francisco Simões Margiochi, relator.

Projecto de lei n.° 18

Artigo 1.° É o governo auctorisado, ouvida, a commissão central creada por decreto de 24 de dezembro de 1879,

Página 854

854 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

a conceder o transporte gratuito do sulfuroto de carbone e dos adubos proprios para vinhas nos caminhos de ferro do estado, e a importação livre de direitos das materias primas necessarias para o fabrico de aquella substancia.

§ unico. Iguaes auctorisações são concedidas ao governo em relação a qualquer outro producto insecticida, que de futuro venha a substituir o sulfureto de carbone no tratamento das vinhas.

Art. 2.° A ninguem é licito pôr impedimento de qualquer ordem ao exame e quaesquer trabalhos de investigação, a que o inspector, os agronomos, os intendentes de pecuaria ou chefes de trabalhos práticos, a que se refere o decreto mencionado, procederem a fim de reconhecer a existencia da phylloxera.

Art. 3.° Os agronomos dos districtos, ou nos seus impedimentos os intendentes de pecuaria, são obrigados, sob sua responsabilidade, a proceder immediatamente ao exame directo de qualquer vinha, quando o proprietario, rendeiro ou usufructuario d'ella requisitar essa visita por suspeita de invasão phylloxerica. Dos resultados d'esse exame, sendo affirmativos, darão os agronomos sem perda de tempo conta ao governo.

Art. 4.° O governo, dentro dos limites d'esta lei, tomará as providencias que julgar convenientes para combater os elementos da phylloxera, nas regiões já invadidas, e melhorar a sua situação.

Art. 5.° Verificada a existencia de um novo foco ou nodoa phylloxerica, em qualquer região indemne, até á data da publicação d'esta lei, o proprietario rendeiro ou usufructuario é obrigado, no praso de trinta dias contados da data da intimação administrativa, a proceder ao tratamento da vinha invadida, segundos os processos que lhe forem indicados pelo posto de tratamento no districto.

§ 1.° Quando o interessado não proceder ao tratamento no referido praso, ou seja por falta de meios ou seja por qualquer motivo, e quando se afastar dos processos indicados, a auctoridade competente poderá mandar proceder ao tratamento por conta do proprietario, rendeiro ou usufructuario, o qual ficará sujeito ás multas consignadas no artigo 7.° da presente lei.

§ 2.º Será dispensado o proprietario, rendeiro ou usufructuario do disposto neste artigo, se proceder ao arranque das vinhas invadidas que lhe tenham sido designadas para tratamento e á queima immediata das cepas e bacellos arrancados, seguindo n'estes trabalhos os processos que pele mesmo posto de districto lhe forem indicados.

§ 3.° A plantação e sementeira de videiras americanas, ficam sujeitas a auctorisação previa e á fiscalização das, commissões de vigilancia.

§ 4.° O posto de tratamento no districto é obrigado a fornecer todos os esclarecimentos precisos para a clara comprehensão do processo de tratamento que indicar, logo que estes lhe sejam requisitados pelo interessado, bem como indicar pessoa de sua confiança e habilitada para dirigir ou executar esse tratamento.

Art. 6.° A indemnisação das despezas de tratamento feitas pelo estado por conta do proprietario, rendeiro ou usufructuario, será equiparada para o effeito ca cobrança ás execuções de fazenda, servindo de base a conta documentada da commissão de tratamento.

§ unico. Se o executando não se conformar com a conta da commissão, será a despeza avaliada por dois louvados, cada um nomeado por uma das partes interessadas. No caso de empate será nomeado terceiro louvado pelo juiz de direito da comarca. As custas d'este processo de avaliação sómente serão pagas pelos proprietarios quando se verificar ser injustificada a opposição feita por sua parte á conta a que este artigo se refere.

Art. 7.° Aos individuos que transgredirem as disposições d'esta lei, ou dos seus regulamentos serão impostas correccionalmente multas de 5$000 a 20$000 réis, segundo a gravidade da transgressão, salvo os casos de força maior.

§ unico. Prestando-se o transgressor a pagar o maximo da multa, cessará contra elle todo o procedimento criminal, logo que seja effectuado o pagamento.

Art. 8.° A completa destruição das vinhas pela phylloxera importa a annullação da verba da contribuição predial, conservando-se, porem, o predio na matrize lançando-se-lhe nova collecta no caso de mudar de cultura.

§ unico. Os proprietarios de vinhas infectadas, mas não completamente destruidas peia phylloxera, poderão pedir a annullação da collecta respectiva em conformidade com o disposto no artigo 172.° das instrucções de 7 de agosto de 1860. O facto da annullação trará como consequencia a annullação dos impostos lançados pelos corpos administrativos, correspondentes ás collectas annulladas. No caso de já estarem cobrados os impostos lançados pelas corporações administrativas, é facultado aos interessados o direito de solicitar a restituição.

Art. 9.° O governo poderá annualmente descender até á quantia de 20:000$000 réis com os serviços da phylloxera.

Art. 10.° É o governo auctorisado a publicar os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. ll.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 16 de março de 1880.= José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d'Avila, deputado secretario = D. Miguel ds Noronha, deputado vice-secretario.

Proposta de lei n.° 69-A

Senhores. - A apparição da phylloxera na Europa, ameaçando destruir uma das principaes fontes de riqueza dos paizes vinhateiros, levou ao seio d'elles a perturbação e o susto, e obrigou os governos a adoptarem energicas providencias e a coordenarem os seus esforços para neutralisar os effeitos d'aquelle terrivel flagello. D'esta necessidade nasceu a convenção internacional de Berne, celebrada em 1878.

Em cumprimento do disposto n'esta convenção e no uso dos poderes que lhe foram confiados, adoptou o governo varias providencias tendentes a estabelecer um systema de vigilancia das vinhas, que fosse quanto possivel efficaz.

A sciencia e a experiencia dão hoje testemunho de ser o sulfureto de carbone um antidoto poderoso contra a phylloxera; mas o alio preço d'este producto difficultava a sua applicação. Para attenuar este inconveniente o governo ordenou a fundação na cidade do Porto da fabrica de sulfureto a que se refere a portaria de 10 de dezembro ultimo.

Ainda por igual motivo vem hoje sujeitar á apreciação das côrtes o artigo da seguinte proposta de lei, em que são dispensadas de pagamento de direitos as materias primas necessarias para o fabrico d'aquella substancia insecticida, ou de outra que de futuro vantajosamente a substitua, bem como o seu transporte gratuito nos caminhos de ferro do estado.

Facilitada a acquisição do sulfureto de carbone urgia adoptar outras providencias destinadas a evitar a propagação do mal.

O decreto citado, implantando no paiz o systema de vigilancia e tratamento das vinhas em harmonia com os nossos recursos e com as indicações da sciencia, approximou dos focos da infecção os meios prophylacticos e curativos, e, quando completado pelas disposições da presente proposta, dispensará o recurso extremo e violento, por muitos recommendado, do arranque e queima nas cepas phylloxeradas.

Como complemento conviria decretar o tratamento obrigatorio das vinhas, se nas attribuições do executivo coubesse esta faculdade,

A riqueza e prosperidade publicas não podem estar á mercê da improvidencia ou da ignorancia. Bastaria que um só proprietario mal avisado descurasse as suas vinhas para

Página 855

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 855

inutilisar os esforços com que se procura embargar os progressos do mal.

Em taes circumstancias não devem eximir-se os poderes publicos a exercer a sua acção tutelar. A satisfação desse dever são- destinados os artigos 2.°, 3.°, 4.°, 5.° e 6.° da proposta.

Finalmente cumpre ponderar que se estas providencias podem bastar para a salvação das vinhas invadidas ou ameaçadas pela phylloxera não têem todavia a virtude de restaurar aquellas, cuja ruina é quasi completa.

N'esta situação é justo alliviar do onus tributario os que com as suas vinhas perderam a materia collectavel. A sancção d'este principio está consignada no artigo 7.°

Taes são, senhores, os motivos que determinaram o governo de Sua Magestade a submetter á vossa esclarecida apreciação a seguinte

PROPOSTA DE LEI

Artigo 1.° É o governo auctorisado, ouvida a commissão central creada por decreto de 24 de dezembro de 1879, a conceder o transporte gratuito de sulfureto de carbone nos caminhos de ferro do estado, e a importação livre de direitos das materias primas necessarias para o fabrico d'aquella substancia.

§ unico. Iguaes auctorisações são concedidas ao governo em relação a qualquer outro producto insecticida, que de futuro venha a substituir o sulfureto de carbone no tratamento das vinhas.

Art. 2.° A ninguem é licito pôr impedimento de qualquer ordem ao exame e quaesquer trabalhos de investigação, a que o inspector, os agrónomos, os intendentes de pecuaria ou chefes de trabalhos praticos, a que se refere o decreto mencionado, procederem a fim de reconhecer a existencia da phylloxera.

Art. 3.° Os agronomos dos districtos, ou nos seus impedimentos os intendentes de pecuaria, são obrigados sob sua responsabilidade a proceder immediatamente ao exame directo da qualquer vinha, quando o proprietario, rendeiro ou usufrctuario d'ella requisitar essa visita por suspeita de invasão phylloxerica. Dos resultados d'esse exame, sendo affirmativos, darão os agronomos sem perda de tempo conta ao governo.

Art. 4.° Verificada a existencia de um foco ou nódoa phylloxerica o proprietario, rendeiro ou usufructuario é obrigado no praso de trinta dias, contados da data de intimação administrativa, a proceder ao tratamento da vinha invadida, segundo os processos que lhe forem indicados pelo posto de tratamento no districto.

§ 1.° Quando o interessado não proceder ao tratamento no referido praso, ou seja por falta de meios ou seja por outro qualquer motivo, e quando se afastar dos processos indicados, a auctoridade competente mandará proceder ao tratamento por conta do proprietario, rendeiro ou usufructuario, o qual ficará sujeito ás multas consignadas no artigo 6.° da presente lei.

§ 2.° Será dispensado o proprietario, rendeiro ou usufructuario, do disposto n'este artigo, se proceder, ao arranque das vinhas invadidas, que lhe tenham sido designadas para tratamento, o á queima immediata das cepas e bacellos arrancados.

§ 3.° A plantação e sementeira de videiras americanas ficam sujeitas a auctorisação previa e á fiscalisação das commissões de vigilancia.

Art. 5.° A indemnisação das despezas de tratamento feitas pelo estado por conta do proprietario, rendeiro ou usufructuario, será equiparada para o effeito da cobrança ás execuções de fazenda, servindo de base a conta documentada da commissão de tratamento.

§ unico. Se o executando não se conformar com a conta da commissão será a despeza avaliada por dois louvados, cada um nomeado por uma das partes interessadas. No caso de empate será nomeado terceiro louvado pelo juiz de direito da comarca.

Art. 6.° Aos individuos que transgredirem as disposições d'esta lei, ou dos seus regulamentos, serão impostas correccionalmente multas de 5$000 a 20$000 réis, segundo a gravidade da transgressão.

Art. 7.° A completa destruição das vinhas pela phylloxera importa a annullação da verba da contribuição predial, conservando-se, porém, o predio na matriz e lançando-se-lhe nova collecta no caso de mudar de cultura.

Art. 8.° O governo poderá annualmente despender até á quantia de 25:000$000 réis com os serviços da phylloxera.

Art. 9.° É o governo auctorisado a publicar os regulamentos necessarios para a execução d'esta lei.

Art. 10.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio das obras publicas, commercio e industria, em 19 de janeiro de 1880.= Henrique de Barros Gomes = Augusto Saraiva de Carvalho.

Parecer n.° 92-A

A commissão de fazenda, a cujo exame foi submettido o projecto de lei n.° 18, conforma-se com a disposição do artigo 9.°, que se refere á auctorisação pedida pelo governo para despender até á quantia de 20:000$000 réis com os serviços do tratamento da phylloxera.

Sala da commissão, 17 de maio de 1880.= Conde de Castro = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = José de Mello Gouveia = Sarros e Sá = Antonio de Serpa = Pimentel = Thomás de Carvalho = Mathias de Carvalho e Vasconcellos. = Carlos Bento da Silva.

Poz-se em discussão, e foi approvado na sua generalidade e em seguida em todos os seus artigos sem nenhum digno par ter pedido palavra.

(Entraram os srs. ministros da fazenda e da guerra.)

O sr. Presidente: - Continua a discussão do parecer n.° 108.

Tem a palavra o sr. conde de Valbom.

O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, não. discutirei de novo, a proposito do projecto do imposto de rendimento, a questão de fazenda. Já me referi a essa questão e fiz sobre ella differentes ponderações á camara, na occasião em que tomei a palavra a respeito da arrematação do real de agua e quando se tratou do orçamento do estado, nem julgo que o adiantado da sessão permitia que se façam digressões, que, com quanto não sejam muito, alheias ao assumpto que se debate, não são absolutamente necessarias.

Todavia não posso deixar de alludir aos tres meios que se têem alvitrado para resolver as nossas difficuldades financeiras, com o fim de demonstrar que nenhum d'elles tem sido empregado efficazmente pelo governo, nas medidas que tem proposto. (Apoiados.)

Quanto ao primeiro, reducção das despezas, já, quando se discutiu o orçamento provei que, em vez de se reduzir as despezas, estas têem sido augmentadas; pelo que respeita ao segundo meio a empregar, o de aperfeiçoar a administração dos impostos existentes de maneira a tornal-os mais productivos, assim como com relação a qualquer das nossas fontes de receita, algumas propostas se têem votado n'esse sentido, mas das quaes se não poderá tirar grande resultado. Não digo que essas propostas podessem ter sido tão perfeitas que bastasse a sua adopção para estabelecer o equilibrio entre a receita e a despeza; mas entendo que, se este meio tivesse sido mais cuidadosamente estudado pelo governo, se poderiam ter apresentado propostas d'esta ordem que tivessem ao menos diminuido o nosso deficit n'uma somma rasoavel. (Apoiados.}

Restava o terceiro expediente, que era o de crear nova receita. N'esta parte permitta-se-me dizer que o governo tambem não foi feliz, e o exemplo está n'este imposto de rendimento que propõe e que se está discutindo. (Apoiados.)

Eu não posso comtudo deixar de reconhecer que é indispensavel augmentarmos a nossa receita, porque as des-

Página 856

856 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

pezas se não podem reduzir tento quanto seria para desejar, e as circumstancias desfavoraveis da nossa fazenda exigem que olhemos seriamente para ella; mas, se a pressão da necessidade nos obriga a adoptar o expediente os augmentar a receita, não quer isto dizer que aos dispensemos de ser o mais escrupulosos possivel na escolha das medidas a adoptar, e que lancemos mão de todas as que possam conduzir a esse resultado, ou ellas sejam justas e rasoaveis, ou não, e sem nos preoccuparmos mesmo de que essas medidas possam produzir notaveis perturbações na nossa economia em geral.

Tudo isto devemos ter em vista, examinando este projecto que se discute. (Apoiados.)

O digno relator, que não está presente, alludiu á reconhecida necessidade de se augmentar a receita publica.

Disse que votava este imposto, embora lhe encontrasse alguns inconvenientes, e que votava todos e qualquer meios de obter receita para debellar o deficit.

Esta argumentação, como disse, não me parece concludente, porque importaria a abdicação da nossa rasão e indica tambem que da parte de um homem tão esclarecido, tão proficiente d'estes assumptos, havia a convicção de que este imposto não tinha uma grande defeza.

r. presidente, uma das arguições, que se faz aos que combatem qualquer systema de imposto, é que não apresentam outro que deva substituil-o com vantagem, o que, reconhecida a necessidade de crear receita, quando se reprova o meio de o conseguir, é necessario substituil-o por outro. Sobre mim não poderá recair esta arguição, porque tenciono apresentar á camara, antes de terminar o meu discurso, meios de obter resultados mais proficuos para vencer as difficuldades, do que aquelles que podem advir da approvação d'este imposto.

O projecto que se apresenta á apreciação da camara não é o primitivo do sr. ministro da fazenda. O do nobre ministro era todo allemão, essencialmente prussiano; este é principalmente italiano, tem o caracter mais suave, proprio da raça latina. O outro era um imposto de renda absolutamente fundido n'uma só peça, ia attingir todos es rendimentos sem excepção alguma, pequenos ou grandes, do qualquer proveniencia, e exigia para conhecimento da base sobre que devia assentar, isto é, para conhecimento da renda de cada um, um systema de inquirição e de exame, que seria uma verdadeira inquisição. (Apoiados,}

Folgo que este systema, ao qual o sr. ministro mostrou entranhado affecto, quando fallou pela primeira vez n'esta casa, a proposito das suas medidas de fazenda, fosse abandonado, e que s. exa. acceitasse de preferencia as idéas da commissão de fazenda da outra casa do parlamento, que estão consignadas no projecto que hoje se discute.

Effectivamente procurou graduar-se este imposto, tendo até certo ponto em linha de conta a origem do rendimento, e arbitrou-se a taxa que se julgou mais proporcional a cada um; mas, se esse foi o intuito, longe está o projecto de o haver conseguido, porque este systema, comquanto em geral, no seu complexo, seja menos violento do que o proposto pelo sr. ministro da fazenda, offerece todavia graves irregularidades; flagrantes desigualdades e injustiças. (Apoiados.)

O principio de que o rendimento de proveniencia de capital permanente não deve ter a fixação do minimo, como é doutrina corrente a respeito d'esta especie de imposto, não se adoptou aqui de um modo generico; fizeram-se-lhe excepções. O de não taxar os productos do trabalho do homem e as rendas variaveis senão do modo mais [...] e com justiça relativa, tambem se não adoptou .O principio de não duplicar os impostos, de não aggravar [...] nova taxa os individuos que, pela mesma fonte de [...], já pagavam contribuição, igualmente deixou de ser attendido. Portanto, nenhum dos principios que regem esta especie de imposto foi aqui devidamente observado. (Apoiados.)

Disse e sr. ministro da fazenda que o imposto de rendimento estava estabelecido em quasi todas as nações, que era um imposto compensador, correctivo e complementar. A verdade é que não está adoptado por todas as nações em geral, não está adoptado por nenhuma em especial como elle se apresenta entre nós; nem é correctivo, nem compensador, nem complementar. s. exa. enganou-se, emittiu uma opinião menos fundada, como eu espero provar.

Este imposto não existe em todas as nações, porque o imposto na Prussia era o que s. exa. propoz: uma taxa sobre todos os rendimentos, dividindo os cidadãos em diversas classes, comprehendendo os de pequeno e de grande rendimento. Mas esse imposto, quando foi creado na Prussia, foi em substituição de dois impostos gravosos, de origem feudal: o imposto de moagem e o imposto sobre a matança do gado. Portanto, quando se admittiu ali aquelle imposto, supprimiram-se outros mais vexatorios, e o caracter que se lhe deu não é o que tem n'este projecto. Já se vê, pois, que este imposto, como se propõe, não existe na Prussia. (Apoiados.)

O sr. ministro da fazenda não supprime aqui imposto algum para compensar o aggravamento que resulta do estabelecimento d'esta nova taxa.

Nós temos, como todos sabem, a contribuição predial, a contribuição industrial, os 4 por cento de renda de casas, a contribuição sumptuaria, o imposto do sêllo, o imposto de registro e o imposto de consumo, a decima de juros e a contribuição bancaria. Ternos uma nomenclatura completa de impostos, que procuram, ferem, attingem todas as manifestações da riqueza. Qual é, no nosso systema tributario, a fonte de receita que não está sujeita ao imposto e seja comprehendida n'este projecto? Não ha senão os ordenados dos empregados publicos, os papeis de credito, e as rendas que desfructarem os individuos que residam no paiz e tenham as suas fortunas lá fóra. São estes os unicos rendimentos que são comprehendidos n'este imposto e que não estivessem já sujeitos aos impostos existentes.

Portanto, nós já cá tinhamos correctivo. Se o individuo que tinha mais renda não pagava, por exemplo, um ião grande imposto industrial ou predial, pagava a contribuição sumptuaria, os 4 por cento da renda de casas e o imposto de consumo, porque o seu consumo é mais avultado. Para os capitães já cá temos tambem o imposto bancario de 10 por cento. Portanto, estes rendimentos já estão
affectados pelas contribuições existentes. (Apoiados.)

Comparando este novo imposto com o da Prussia, vê-se que aqui não se supprime nenhum imposto e aggravam-se todos, porque este imposto não é mais do que um r addicional, essencialmente um addicional, aos impostos que existem, o que importa uma duplicação. (Apoiados.) Do que se trata é de ver o meio de o repartir,, procurando por esse meio corrigir as desigualdades.

Pois o governo que combatei1, o imposto de repartição, por iniquo, porque a base sobre que assentava era inexacta, porque havia n'elle gravames e desigualdades, é elle proprio que torna por base d'este imposto a mesma matriz, e para corrigir as desigualdades adopta a repartição na localidade?! N'esta applicação ss. exas. renegam todos os seus principios, principios que não têem só proclamado e sustentado theoricamente, mas que têem consignado n'outros projectos para os applicarem á administração da fazenda publica. É incrivel esta contradicção!

A Baviera e a Saxonia, quando introduziram esto imposto, para o tornar verdadeiramente productivo, aboliram outros impostos. Na Baviera, se não me engano, aboliram-se o imposto chamado de familia e outros; na Saxonia aboliu-se o imposto pessoal.

Desenganamo-nos; para este imposto se distribuir equitativamente, para não aggravar as desigualdades, para não tomar o caracter de imposto progressivo e odioso, é necessario que ele fira as grandes e pequenas rendas; só assim póde ser productivo nos paizes onde as fortunas não estão

Página 857

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 857

muito accumuladas. Em Inglaterra este imposto é correctivo, é compensador, por isso que elle fere de preferencia as grandes rendas. As fortunas estão ali muito accumuladas, tanto a mobiliaria, como a immobiliaria. Como todos sabem, n'aquelle paiz ha a liberdade de testar, o que equivale quasi á vinculação, porque as fortunas conservam-se assim accumuladas, e d'aqui resulta que o numero de proprietarios em Inglaterra, apesar de nos ultimos annos se ter tornado um pouco maior, é pequeno em proporção do que ha nos outros paizes, onde não existe similhante legislação. Ali, pois, o imposto de renda é productivo, ainda que assenta n'uma taxa que só fira rendimentos elevados, porque ali ha muitos individuos que disfructam esse rendimento; mas, no nosso paiz, onde a divisão da propriedade é grande, onde abundam principalmente as pequenas fortunas, onde a quota media tributaria, segundo um trabalho estatistico publicado ultimamente anda por 1$300 réis, ou pouco mais, onde, de 263 concelhos que a nação tem, ha 150 em que predomina a quota media de 700 a 1$300 réis, onde apenas a quarta parte dos proprietarios tem rendimento superior a 50$000 réis, num paiz constituido n'estas condições economicas, é evidente que o imposto de renda, para ser equitativo e justo, ha de produzir pouco, porque o minimo do rendimento deixa muito reduzida a classe sobre que elle póde recair, e portanto ha de ser muito exiguo o seu producto. (Apoiados.} É preciso saber que mais de metade da população, dois milhões quatrocentos e tantos mil habitantes, são comprehendidos nos 150 concelhos em que predomina a quota media de 700 a l$300 réis.

Foi por causas analogas ás que se dão no nosso paiz, que em França nunca se póde estabelecer aquelle imposto, e eu direi o motivo por que, se se torna mais rendoso, maiores são os vexames que d'ahi resultam para os proprietario que tem de renda de 50$000 réis para cima.

Digo, portanto, que este imposto não está estabelecido em paiz algum, nas condições que se pretende introduzir entre nós 5 e que, na propria Inglaterra, elle existe transitoriamente, e sendo sempre mais ou menos combatido por todos os seus economistas mais distinctos. (Apoiados.}

Alem d'isso, um dos actuaes srs. ministros, o sr. Saraiva de Carvalho, condemnou o imposto de rendimento em 1870, "por iniquo, opposto á formação de capitaes, inquisitorial, sem base possivel, inapplicavel á raça latina", citando a auctoridade de Stuart Mill, a quem chamou principe dos economistas ou cousa similhante.

Mas, voltando á Inglaterra, lá todos são contrarios ao income tax; Mac Culloch combate-o, e o proprio Grladstone, que hoje está á testa da administração britannica, manifesta a idéa de acabar com elle, logo que lhe seja possivel, e tem-no, conservado para aliviar o povo de outros impostos.

Dizem tambem os defensores do projecto que este imposto existe em Italia; não é completamente exacto, o que lá existe é o imposto mobiliario.

Na Italia havia diversidade de impostos directos que se supprimiram, ficando só a contribuição predial e o imposto mobiliario.

Não ha senão estes dois tributos directos, se exceptuarmos o sello e o registro, que têem um outro caracter e assentam noutras bases. Não ha ali ao lado do imposto mobiliario o imposto sumptuario, o da renda das casas, o industrial e o bancario, como acontece entre nós com a creação do imposto de rendimento, que, alem de se accumular com aquelles, peza igualmente sobre a renda predial, já tributada, quando na Italia é isenta da contribuição mobiliaria, e não paga nenhuma taxa do imposto de rendimento. Portanto, em Italia não se lançou este imposto sobre o que já pagava outros impostos.

Este imposto, como lá existe, affecta só os capitaes mobiliarios e o producto do trabalho do homem, mas não vae ferir materia nenhuma que já esteja collectada.

Não se queira, portanto, estabelecer paridade entre o imposto de renda que existe em Italia e o imposto que aqui se propõe agora; isso só se poderia admittir se se abolissem outros impostos para então os substituir por este. (Apoiados.)

Quando em 1870 o sr. Braamcamp propoz a alteração da contribuição pessoal, dava-lhe uma outra fórma, no intuito de a tornar mais rendosa, mas supprimia a percentagem complementar d'aquella contribuição, creada pela lei de 10 de junho de 1860.

Na Italia, repito, não existe o que aqui se propõe. (Apoiados.)

Ali não se tratou de estabelecer uma taxa compensadora nem correctiva, mas sim de dar unidade ao systema financeiro do novo reino, acabando com a diversidade de tributos que havia nos differentes estados que se reuniram para a formar, fundindo no imposto, mobiliario muitos outros impostos que deixaram de existir, e tendo o cuidado de não comprehender n'elle as manifestações de riqueza que já eram ou ficavam tributadas por outro modo.

Na Baviera e na Saxonia, como já disse, supprimiram-se outros impostos para estabelecer este. Nos Estados Unidos, emquanto durou a guerra, tambem se estabeleceu o imposto sobre a renda; mas, apenas se fez a paz, logo o supprimiram.

Portanto, de duas uma: ou este imposto junto com o directo, fórma um systema differente, e é necessario alterar o nosso systema. tributario; ou então não se póde admittir, sobrepondo-se aos que já temos, porque vem perturbar a economia financeira do nosso systema, (Apoiados.) systema que não se deve tão facilmente votar ao desprezo, porque é muito nacional, e tem a vantagem de estar encarnado nos habitos do povo, porque entra ha muito tempo em todas as relações da nossa economia publica.

Era, pois, muito mais conveniente que se procurasse melhorar os impostos que já existem, do que introduzir um systema novo. (Apoiados.}

Estes principios são os que sustentam todos os auctores, e que praticam os homens de estado que governam as nações.

São as doutrinas proclamadas por sir Robert Peel, Gladstone, Thiers, e por todos os homens que conhecem praticamente o modo de governar as nações. (Apoiados.)

Não se muda de impostos sem que tenham sido aperfeiçoados os que existem, sem se lhes terem corrigido as imperfeições e desigualdades; e o modo de as corrigir e aperfeiçoar, não é introduzindo um novo imposto, que vae aggravar os que já existem e lançar novas perturbações no mechanismo fiscal, e no modo de ser economico. (Apoiados.)

Não é, pois, exacta, a proposição estabelecida pelo sr. ministro da fazenda, de que este imposto existe nas outras nações, porque em parte alguma ha cousa analoga a esta.

Citou s. exa. o tantas vezes citado Beaulieu, que parece ser o evangelho de todos os financeiros. (Riso.)

Este escriptor é na realidade muitissimo distincto, estudou profundamente estas questões e tratou-as com muita proficiencia em dois grossos volumes; mas, emfim, não é infallivel e unico, nem a gente deve acreditar piamente e sem exame tudo que elle diz e escreve.

Beaulieu diz, é verdade, que se póde admittir este imposto como correctivo e compensador, porém não como o quer apresentar o sr. ministro da fazenda; isto é, como ponto de apoio, eixo ou quicio, sobre o qual deva girar d'aqui em diante todo o systema financeiro entre nós.

Mr. Le Roy Beaulieu diz que todos aquelles que formam esta idéa do imposto de renda estão completamente illudidos.

Este economista diz tambem que esse imposto, sendo applicado a paizes onde a fortuna está muito dividida, tem graves inconvenientes, porque, ou ha de ir affectar o pequeno rendimento, ou aliás é pouco productivo.

Se o sr. ministro quer soccorrer-se á auctoridade de

Página 858

858 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Beaulien para sustentar o seu systema, parece-me que essa auctoridade lhe falha completamente, e, se quizer soccorrer-se á de outros economistas ha de encontrar que a maior parte, d'elles, tanto da escola franceza como da escola ingleza, se oppõem a similhante tributo.

Quando em França mr. Passy, que era um economista distincto e foi um ministro muito illustrado, quiz introduzir este systema, encontrou todas as difficuldades que ponderei, e teve de recuar diante da sua idéa.

N'essa occasião, alem de outros homens muito distinctos que lhe fizeram opposição, appareceu mr. Léon Faucher, habil economista, que escreveu especialmente sobre este imposto, combatendo-o, bem como mais tarde mr. Du Puy-node na sua excellente obra sobre estas materias.

Por consequencia, não póde o sr. ministro soccorrer-se aos exemplos de outras nações, nem á auctoridade dos economistas ou auctores de boa nota que tenham escripto sobre o assumpto, para sustentar que é vantajosa a introducção do systema. que s. exa. propõe. (Apoiados.)

Alem de outros inconvenientes que todos apontam a esta especie de imposto, ha dois muitissimo graves.

O primeiro é o de atacar a formação do capital, ferir o principio da economia, de que resulta a accumulação d'elle; porque, quanto mais morigerado é o cidadão, quanto mais zela a sua economia, quanto mais trabalha para produzir e accumular rendimento, tanto mais vae ser onerado e perseguido pelo imposto.

Portanto, longe de excitar a actividade, pelo contrario tende a attenual-a; e tendendo a attenual-a, concorre tambem para diminuir o capital, difficultar a creação d'elle; e todos sabem que sem capital não ha industria.

O capital é essencialissimo para todas as applicações do trabalho productivo. Mas acresce ainda que este imposto tem outro gravissimo inconveniente na pratica, que é a difficuldade de obter a base justa sobre que deve assentar.

Como se ha de conhecer o rendimento verdadeiro, liquido, de cada um, para sobre elle lançar o imposto?

Apresentam-se tres systemas: o da declaração do proprio contribuinte, o da investigação directa da auctoridade, e o da apreciação por indicadores; mas todos esses systemas falham na pratica. Nós sabemos o que significam as declarações dos contribuintes; e mesmo em nações em que ha uma grande subordinação á auctoridade, e um respeito tradicional á lei, como, por exemplo, é na Prussia, ou na Baviera, na Allemanha em geral, e mesmo na Austria; apesar d'isso? ali não se confia nas declarações, e recorre-se ao principio auctoritario, á informação directa, ao exame administrativo.

Na Italia, todos sabem as difficuldades com que se tem luctado. E o sr. ministro da fazenda, que mandou imprimir o notavel relatorio do sr. Sella, que se refere ao anno de 1871, devia ter tambem mandado imprimir o relatorio do sr. Depretis, presidente do conselho, que foi ministro da fazenda d'aquelle paiz, o qual relatorio se refere a 1877.

Por esse relatorio, e pelo exame dos factos que ali se têem passado, sabe-se as difficuldades com que se tem luctado.

Têem-se empregado sete systemas differentes, para ver se se obtem o conhecimento approximado do rendimento collectavel. E sabe v. exa., ainda hoje, as falhas que ali ha?

Pia 24 por cento; isto é, a quarta parte d'esse rendimento desapparece pela difficuldade de o fiscalisar, pela pouca confiança que merecem as declarações, e pela pouca efficacia que tem a acção administrativa, a qual não dá resultado senão quando é bem acceite pelos habitos do povo.

Ora, se isto acontece em Italia, o que succederá aqui com este imposto?

Só nos paizes habituados a um regimen auctoritario e de obediencia passiva, como é a Prussia, é que esse esforço auctoritario póde dar convenientes resultados.

Por consequencia, vamos transplantar para Portugal um systema que exige meios taes para se pôr em execução, que são em regra deficientes, e entre nós odiosos inefficazes, para se conhecer a base em que deve assentar. (Apoiados.)

Emquanto aos indicadores da riqueza, já vi um economista, que foi citado pelo sr. Saraiva de Carvalho, em 1870, da referencia de Stuart Mill, a esse respeito - mr. C. Revans, - o qual propoz que o imposto do rendimento, em logar de se lançar sobre o conhecimento directo da renda dos contribuintes, por informação ou por declaração, fosse sobre o conhecimento da despeza de cada um, pois por ella se presume o rendimento. Isso ainda seria mais difficil e mais fallivel, como observa acertadamente Stuart Mill.

Gente ha que tem maior fortuna, e não é a que gasta mais dinheiro, emquanto outros dispendem muito mais em manifestações externas de luxo, e todavia tem fortuna e rendimento muito menor do que os primeiros. Por consequencia, esta apreciação tambem era falsa.

Mas, entre nós, as fortunas cujo rendimento se póde avaliar pelos indicadores externos, lá estão já tributadas, porquanto temos o imposto sumptuario que recáe nos que têem carruagens, cavalgaduras, criados, etc., e temos alem d'isso os chamados 4 por cento sobre a renda das casas. Tambem está já tributado o consumo que assenta em outros indicadores, isto é, no que cada um gasta. Temos; portanto, o tributo que recáe sobre estas manifestações externas da riqueza e do rendimento; logo ir estabelecer um systema que deve estribar-se em bases muito mais difficeis de obter do que aquellas em que assentam as matrizes, quando se diz que é quasi impossivel corrigil-as de modo que haja n'ellas uma grande confiança, é querer remediar estas difficuldades indo procurar outras maiores. (Apoiados.)

Argumenta-se assim: se nós não podemos obter com exactidão o conhecimento de um rendimento, vamos procurar obter o conhecimento de todos os rendimentos que ha de ir ferir o imposto de renda; não podemos conhecer com exacção o rendimento ca propriedade; pois vamos tratar de conhecer o rendimento não só d'ella, mas de tudo o mais, porque ha de ser isso mais facil do que aperfeiçoar e corrigir unicamente as matrizes da contribuição predial! (Riso.)

Isto é incrivel! mas é curioso.

Ora, estas rasões não me parece que sejam acceitaveis. (Apoiados.)

Chegar a resultados praticos mais faceis aggravando as difficuldades, não julgo que seja logico. (Apoiados.)

Por conseguinte, e em conclusão, este imposto do rendimento, como alteração do nosso systema tributario, não vem senão perturbal-o e complical-o sem vantagem alguma; não é justo, nem equitativo; não é compensador, nem é correctivo, ferindo desigualmente differentes classes, como provarei. Por exemplo, uns ficam pagando 4 por cento, e outros passam a pagar 13 por cento. Uma propriedade que tem n'um concelho 50$000 réis de rendimento não paga nada; e a que tem 51$000 réis de rendimento paga logo 1$020 réis de imposto! Porque convem saber que esta lei, no que respeita á contribuição predial, não estabelece differença nas rendas de 50£000 réis para cima, como faz noutros rendimentos em que até 150$000 réis nada se paga, e d'essa quantia até 450$000 réis se paga só a differença entre estas duas importancias.

De não se estabelecer distincção nenhuma quanto á propriedade, segue-se que o individuo que tem apenas l$000 réis mais sobre o minimo da renda que não está sujeita ao imposto, paga, como disse, 1$020 réis.

Pergunto: isto é igualdade?

Na contribuição bancaria, que hoje é de 10 por cento,

Página 859

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 859

um individuo paga por 1:000$000 réis 100$000 réis, e vae pagar por este imposto mais 3 por cento, ou seja 30$000 réis, que juntos aos 100$000 réis perfaz a quantia do réis 130$000. Por outro lado, o individuo possuidor de titulos de divida publica, que não paga mais alguma contribuição, está sujeito unicamente ao imposto de 3 por cento. De modo que o primeiro pagará 130$000 réis por 1:000$000 réis, e o segundo pela mesma quantia só 30$000 réis; será isto igualdade?

Eu admitto o direito soberano que tem uma nação de sujeitar o rendimento de qualquer cidadão ao imposto; por isso não nego esse direito em relação á renda proveniente das inscripções, mas não reputo conveniente estabelecer esse imposto quando se tem de recorrer ao credito em larga escala.

Será, porém, justo e igual que, para outras classes, os rendimentos inferiores a 150$000 réis fiquem isentos do novo imposto, ao passo que por menor que seja o juro que se recebe das inscripções esse carrega com elle?

Para os pequenos proprietarios aquelle minimo é de réis 50$000, e para os juristas não ha minimo algum; quem tem uma inscripção de 100$000 réis, e recebe 3$000 réis de juro annual, paga o novo imposto de renda.

Pois não pediria, pelo menos a justiça relativa, que fosse igualmente poupado o pequeno possuidor de titulos de divida publica?

E porque ha de ser só comprehendido o possuidor de titulos de divida publica interna, e exceptuado o de titulos de divida publica externa?

Não será toda esta divida portugueza paga pelo nosso thesouro?

Não acontece, porém, assim; e, se este projecto passar como está, o operario que tiver empregado as suas economias em inscripções que lhe rendam ao todo 30$000 réis, por exemplo, fica pagando imposto por esse rendimento, emquanto que o industrial e o commerciante não o paga por um rendimento inferior a 150$000 réis, e o proprietario não o paga tambem quando o seu predio urbano ou rural rende menos de 50$000 réis.

Isto não é justiça nem igualdade. (Apoiados.)

Parece-me tambem que ainda se não mediu todo o alcance das disposições d'este projecto. E na parte que diz respeito á propriedade, o sr. ministro tem sido muito parco em contestar os calculos que se tem apresentado; nem ao menos se teem firmado nos que s. exa. fez no seu relatorio financeiro, nos quaes, ainda assim, s. exa. não faz deducção alguma, e aprecia o rendimento do imposto em globo; reduzem-se a simples indicações.

Ora, as commissões parlamentares quando trataram de estudar este assumpto não deram tambem nenhum esclarecimento para basear o seu calculo.

Eu não trato aqui de examinar o que se passou na outra casa do parlamento, do que trato é de examinar se ha documentos que esclareçam.

Sinto que negocios d'esta ordem não venham aqui convenientemente elucidados, porque não são os membros avulsos d'esta casa que hão de fornecer os esclarecimentos; essa obrigação incumbe ao governo e ás commissões encarregadas de dar parecer sobre estes negocios.

Esse serviço é que podiam e deviam prestar ao parlamento as commissões, colligindo as informações, documentos e dados estatisticos, que instruissem os seus relatorios e justificassem os seus pareceres, habilitando assim a camara a formar um juizo consciencioso sobre as diversas questões que são submettidas ao seu exame e ao seu voto. Vamos adiante.

Segundo o disposto no artigo 6.°, os rendimentos da classe C, ou da propriedade immobiliaria, são calculados sobre a base das matrizes actuaes.

Para achar o rendimento liquido sobre o qual deve recair o imposto de renda, ordena o § 1.° do citado artigo que se deduza o que se paga pela contribuição predial, tanto geral, como districtal, municipal e parochial, alem de 10 por cento do rendimento collectavel dos predios urbanos, para despezas de conservação.

Ha uma matriz numa parochia, que representa, supponhamos, 100:000$000 réis, e calculando a importancia dos tributos geraes e locaes, e dos 10 por cento dos predios urbanos na quantia de 10:000$000 réis, fica o valor representado na matriz em 90:000$000 réis, que é aquelle sobre que se lança a taxa de 2 por cento, do novo imposto de renda.

Portanto, aquella parochia paga 2 por cento sobre o rendimento collectavel, unicamente com esta deducção.

Quando se vae para a collecta individual, então é differente, porque se abatem os onus hypothecarios, segundo o disposto no § 2.° do referido artigo 6.°

É preciso fazer bem esta distincção.

Para estabelecer os 2 por cento sobre o rendimento collectavel da parochia, toma-se a matriz por base, e não se deduz d'esse rendimento senão o que paga já e os 10 por cento, e quando se quer repartir pelos individuos, para apurar a quota individual que cada um tem a pagar, deduz-se então a importancia dos encargos hypothecarios que oneram assuas propriedades; deducção que, por este modo, tem de ir recair sobre os outros contribuintes da parochia, aggravando-lhes as suas quotas.

É isto o que prescreve a lei, artigo 6.°, para calcular os rendimentos da classe C, propriedade immobiliaria, embora n'outro artigo, o 17.°, quando trata do lançamento do imposto, deixe duvida sobre a verdadeira significação das palavras respectivos rendimentos collectaveis que emprega.

Com relação aos individuos ainda se póde dar outro caso.

Uma pessoa tem, por exemplo, de rendimento 60$000 réis, quantia superior ao minimo que exceptua do pagamento d'este imposto, mas tem, de ónus hypothecario e juros que paga, um encargo de 40$000 réis annuaes.

Rendimento verdadeiramente liquido não tem senão a differença entre os 40$000 e os 60$000 réis, quer dizer, tem 20$000 réis, e, todavia, paga contribuição; porque, para ella se fixar, vae-se ao minimo de 5O$000 réis sem lhe deduzir os onus hypothecarios.

Se o imposto deve recair sobre o rendimento liquido de cada um, superior a 50$000 réis, é evidente que todo o cidadão que tiver menos de 50$000 réis de renda liquida não deve pagar; e, comtudo, ha casos, como o exemplo que indicámos, em que esse cidadão, segundo o projecto, não está isento do imposto.

Isto é uma desigualdade, uma contradicção do espirito correctivo, que se diz presidir, a esta medida. (Apoiados.)

Mas ha mais.

Do modo rudimental por que se faz a distribuição da collecta que pertence á parochia, se póde concluir como se faz para o geral da contribuição.

Analysemos a questão por este lado, recorrendo aos escassos documentos officiaes de que é dado dispor.

A ultima estatistica que ha publicada sobre este assumpto é a do sr. Pedro de Carvalho, director geral das contribuições directas, a quem folgo de tecer n'esta occasião os devidos encomios por aquelle excellente trabalho, sentindo só que não houvesse tempo de fazer um calculo, que era indispensavel para se poderem utilisar completamente os esclarecimentos, que se encontram n'esse estudo.

Refiro-me ao calculo do numero de contribuintes, com as differentes quotas que cada um paga. Isto faz-se na Italia, em França, na Inglaterra e n'outros paizes.

Por exemplo: na Italia vê-se pelas estatisticas que o numero total dos contribuintes sujeitos ao imposto mobiliario, ou de renda, é de 639:000; d'estes, com rendimento superior a 2:000 liras, ou 360$000 réis, ha só 30:000; d'estes, ha 8:000 com renda superior a 5:000 liras, ou réis 900$000; não ha senão 78:000 com um rendimento acima de 1:000 liras, ou 180$000 réis.

Página 860

860 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Dada esta base e a taxa do imposto, ou a sua percentagem, facil é calcular o seu producto.

Assim, para podermos calcular a receita do novo imposto de rendimento que se propõe, precisavamos saber qual é o numero de contribuintes que têem rendimento acima do minimo marcado no projecto, que para a propriedade immovel é de 50$000 réis.

Aqui está o que se não sabe pela estatistica do sr. Pedro de Carvalho.

Recorri por isso á estatistica feita por Fradesso da Silveira, em que ao menos vem o numero de conhecimentos, e, por ahi, comquanto seja mais exacto referir aos contribuintes do que aos conhecimentos, estabeleci o meu calculo.

Não posso contar que elle seja absolutamente certo como seria se eu conhecesse o numero exacto dos contribuintes, as suas quotas tributarias e o respectivo rendimento collectavel de cada um.

Escrevi a esse respeito ao sr. Pedro de Carvalho, e elle comprehendeu todo o alcance d'essa indicação; mas respondeu-me que lhe faltou o tempo para a obter.

Persuado-me, porém, que qualquer outra publicação que elle faça n'este sentido, ha de ser completa, porque aquelle cavalheiro é um homem competentissimo, intelligente e zeloso. (Apoiados.)

Mas, como eu ia dizendo, do modo rudimental como se faz a distribuição da collecta que pertence a cada parochia, se conclue que temos a fazer a mesma apreciarão em referencia á somma dos rendimentos prediaes collectaveis de todas as parochias, isto é, o rendimento total collectavel de iodo o paiz, segundo as matrizes, para calcularmos o que os contribuintes têem a pagar, e qual será o producto do novo imposto.

Partindo da estatistica do sr. Pedro de Carvalho, o rendimento total collectavel da propriedade é de 25.900:000$000 réis, dos quaes 7.100:000$000 réis de predios urbanos.

Ha a abater, como vimos, as contribuições que 53 pagam, quer para o estado, quer para as localidades, e os 10 por cento do rendimento dos predios urbanos para despezas de conservação.

A contribuição predial paga ao estado é de 2.900:000$000 réis; os 10 por cento sobre 7.100:000$000 réis importam em 710:000$000 réis. A contribuição districtal é de réis 170:000$000; a municipal directa de 508:000$000 réis; a derrama parochial é de 322:000$000 réis, segundo as ultimas estatisticas de que tenho conhecimento.

Temos pois:

Rendimento das matrizes 25.900:000$000

A abater:

Contribuição predial 2.900:000$000
Contribuição local 1.000:000$000
10 por cento dos réis 7.100:000$000 4.610:000$000
Liquido 21.290:000$000

É sobre esta quantia que teem de assentar os 2 por cento do imposto do rendimento, o que dá 425:000$000 réis. É esta a verba que a propriedade tem de pagar a mais, pela nova contribuição, segundo o modo por que o artigo 6,° da lei a manda calcular.

Vamos a ver quem ha de pagar estes 425:000$000 réis. Hão de ser, segundo o disposto no § 3.° do artigo 6.°, os proprietarios que tenham de rendimento acima de 50$000 réis. Quantos são?

Pelo estudo das taes estatisticas a que me referi, cheguei á conclusão de que o numero de proprietarios que têem rendimento acima de 50$000 réis, é de 215:000, entre os 860:000 cidadãos que pagam contribuirão predial. Quer dizer, a quarta parte dos contribuintes é que ha de carregar com todo o peso d'este imposto.

Quanto vem a competir a cada um? Já se vê que dividindo 425:000$000 réis pelo numero dos contribuintes, sáe a 2$000 réis por cabeça; é esta a quota media que tem de pagar cada proprietario.

Qual é a quota media actualmente? São 3$255 réis, quer dizer, cada proprietario que tem de renda acima de 50$000 réis vem a pagar mais 60 por cento do que paga actualmente. Este computo é exacto, resulta dos termos em que estão redigidos os artigos citados.

Mas quanto renderá este imposto? Já se vê que, com esta base de 425:000$000 réis, deve render uns 1.000:000$000 réis, e talvez mais alguma cousa; porque temos a taxa sobre a renda predial, sobre os fundos publicos, que produzirá cerca de 200:000$000 réis, sobre os lucros industriaes, que andará tambem por 200:000$000 réis; sobre es ordenados dos empregados do estado, que dará 120:000$000 réis; e tudo isto sommado sobe a 1.000:000$000 réis, pouco mais ou menos. Se se restringir a base do lançamento, formando a só pela somma das rendas superiores a 50$000 réis, então o producto do imposto deve ser menor.

Observa-se que quem carrega verdadeiramente com esta contribuição são os proprietarios que têem rendimento acima de 50$000 réis, são os empregados publicos, são os possuidores de titulos de divida publica interna, e aquelles que vem desfructar aqui o rendimento dos bens que possuem fóra do reino.

Esta ultima classe não vejo que figure nas cedulas do imposto de renda que existe n'outros paizes, como na Inglaterra, na Austria e na Italia. Não direi que é uma invenção nossa fazer incidir o imposto no rendimento dos individuos que têem os seus capitaes empregados fóra do paiz; mas o facto é que não existe em parte alguma, que eu saiba, uma similhante imposição, que vae duplicar, ou pelo menos aggravar o imposto que esses rendimentos pagam já nos paizes onde se produzem.

Um individuo que se retirou do Brazil, por exemplo, e deixou lá parte dos seus capitaes empregados em casas, no commercio, na industria ou n'uma cousa qualquer, naturalmente ali paga o seu tributo; se tem aqui os seus capitaes em bancos, lá paga o tributo bancario. Portanto, alem de ser iniquo, é contrario á boa politica, porque póde afugentar do paiz muitos capitaes que vem aqui entrar em circulação e activar o trabalho nacional. (Apoiados.)

O income tax não fere esta classe. N'uma occasião de afflicção, uma unica vez, teve Pitt a idéa de adoptar esta base de imposto a que me estou referindo; ia fazendo uma revolução, e teve de recuar.

Este imposto não póde dar nada, porque ha de ser difficil saber o que cada um tem. Ou os individuos é que hão de dar as declarações, ou as commissões de parochia é que hão de ir saber a casa de cada um o que tem, porque os indicadores externos estão já tributados, e por consequencia têem que investigar o modo de viver de cada um. Ou é inquisitorial, ou não produz nada. É absurdo e vexatorio.

Mas como quer o governo lançar esta contribuição; como quer repartil-a? Por meio de uma commissão parochial. É este o expediente milagroso pelo qual se espera obter optimos resultados? Oh! senhores, este systema das commissões de parochia existe ha muito tempo, e eu tenho aqui toda a legislação que ha a este respeito; não estou para a analysar agora, mas estudei-a, e conclui, pela experiencia feita, que estas commissões parochiaes são inuteis e despendiosas. Consulte se a lei de 24 de abril de 1835 e o respectivo regulamento, em que se dão mais largas ao elemento popular; o decreto de 9 de janeiro de 1837, onde se admitte maior ingerencia dos agentes fiscaes; a lei de 19 de abril de 1845; o decreto de 31 de dezembro de 1852; a lei de 30 de junho de 1860; as leis de 24 e 30 de agosto de 1869, 25 de outubro de 1870 e 30 de outubro de 1874, e ver-se-ha, depois de estudar esta historia, a ineffi-

Página 861

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 861

cacia da panacêa que agora se propõe, como uma novidade. (Apoiados.)

As commissões parochiaes não corrigiram as irregularidades na applicação das contribuições, nem suppriram a falta de uma base bem conhecida para o lançamento, nem obviaram ao desleixo ou infidelidade das informações; e como eu não creio que ellas, resuscitadas agora, vão corrigir as matrizes, entendo que sendo desnecessarias podem ser prejudiciaes. (Apoiados.)

Alem d'isto, se quizerem obrigar estas commissões a cumprir todas as suas obrigações hão de pagar-lhes convenientemente.

Já o sr. Pedro de Carvalho, no seu relatorio, disse que quando se trata d'este, ou de um serviço analogo, se é gratuito todos se esquivam. Esse é o facto.

A percentagem de 6 por cento, que se calcula para despender com a execução d'esta lei, não dá mais que réis 60:000$000, os quaes divididos pelas 3:977 parochias, suppondo um agente em cada uma, dá uma media de réis l5$000 por parochia, o que é insufficientissimo; só as despezas de expediente exigem maior somma. Não se póde arbitrar menos de 50$000 réis por parochia, e só isso absorveria 200:000$000 réis, ou 20 por cento do rendimento do imposto em vez de 6 por cento que se imagina. (Apoiados.) 200:000$000 réis que devem abater-se no rendimento d'este imposto, e o resultado é nenhum, porque como aperfeiçoamento da matriz este processo é provadamente inefficaz. (Apoiados.)

Para fazer a derrama equitativa, vão introduzir nesta lei, aquelles senhores que eram oppostos ao systema de repartição, este mesmo systema, entregando essa derrama ao arbitrio da commissão local. Que contradicção tão flagrante!

A junta de parochia podia fazer esta derrama com pouca despeza, mas tirar d'ahi esclarecimentos para a formação das matrizes, não é possivel, podem perder similhante idéa, porque eu examinei a derrama das congruas em todo o paiz, e vi que em muitas partes a derrama está feita por accordo, e ignora-se a percentagem que representa em relação á contribuição predial; e n'outras essa percentagem eleva-se a 314 por cento em referencia á quota que paga o contribuinte para o estado.

Portanto, essas juntas ou commissões parochiaes podem fazer a derrama equitativa entre os habitantes da sua parochia, mas o que não dão é esclarecimentos para melhorar a matriz, porque não querem informar.

Diz o sr. Pedro de Carvalho, no seu relatorio, que na localidade não ha nenhum vizinho que se queira ir indispor com outro visinho. A rasão é obvia, ali é a vida de todos os dias, e precisam estar em harmonia para viverem socegados.

Se hoje se perguntar ás juntas de parochia, como se faz este serviço da derrama das congruas, dizem que não sabem, e que é feito por accordo.

Sr. presidente, já estou cansado, e naturalmente a camara não o estará menos de me ouvir.

Vozes: - Não, senhor.

O Orador: - Vou, portanto, procurar restringir as considerações que tenho ainda a fazer.

Eu disse, quando principiei o meu discurso, que uma das accusações que se fazia áquelles que criticavam um systema de contrbuição, era dizer-se que, reconhecendo elles a necessidade de crear receita para attenuar o deficit, não apresentavam meio algum de substituir esse systema.

Em primeiro logar, seja-me licito dizer que um dos graves inconvenientes que eu encontro n'este tributo, alem dos outros que tenho já ponderado, é não resolver a questão financeira, conserval-a quasi no mesmo pé; a receita, que se cria, ainda deixa a descoberto um grande deficit no futuro anno economico, reduzido sim, mas um deficit com que é necessario acabar. (Apoiados.)

Este mesmo grave inconveniente notou o sr. relator da commissão.

O sr. ministro da fazenda não defendeu a perfeição do systema que pretende inaugurar, pois lhe reconheceu defeitos; o que defendeu foi a opportunidade de o introduzir, na esperança de que no futuro, aperfeiçoado esse systema, podesse dar grandes resultados.

Um imposto que tem os inconvenientes que ponderei; que aggrava as desigualdades existentes, que as estabelece de novo, que toma por base uma matriz, que os sr. ministro reputa imperfeita, e para a corrigir recorre a expedientes já gastos e de comprovada inefficacia; similhante imposto, que vae exclusivamente carregar sobre 200:000 dos 860:000 proprietarios do paiz; que vae onerar os empregados publicos, cujos vencimentos são já escassos para elles poderem viver; que vae recaír tambem sobre as inscripções, prejudicando o nosso credito; que vae crear a duplicação de tributos, sobrecarregando fontes de receita que já pagam; que vae complicar e transtornar o nosso systema tributario; um similhante imposto, repito, não deve ser adoptado. (Apoiados.)

A circumstancia do imposto sobre os titules de divida do estado ha de concorrer para a depreciação d'esses titulos e produzir maiores encargos para os emprestimos que só pretendam levantar. Ganha-se por um lado o que por outro se perde. Isto é tirar com a mão direita o que se dá com a esquerda.

Não ha economista nenhum que, a respeito de um paiz nas circumstancias de recorrer ao credito em larga escala, aconselhe como medida conveniente tributar os titulos de divida publica. (Apoiados.)

Em principio eu reconheço o direito soberano que tem uma nação de tributar o rendimento dos seus subditos, seja qual for a proveniencia; mas não posso reconhecer a conveniencia da applicação d'este principio nas circumstancias em que se acha o nosso paiz. Compromette-se o nosso, credito, e o thesouro a final nada lucra.

Pelas considerações que tenho feito, e por outras que omitto para não cansar mais a attenção com que a camara me tem honrado, parece-me fóra de duvida que este systema de imposto não ha de dar resultados proficuos ao paiz, e receio mesmo que quando for applicado encontro taes resistencias por parte dos contribuintes, que não chegue a ter execução. Oxalá que me engane.

Que futuro se póde, porém, esperar de aggravar as iniquidades de duplicar os impostos, tornando mais flagrante a desigualdade? Um systema assim não tem futuro, não póde senão ser eliminado, logo que haja outro governo que pense do modo mais conveniente e mais conforme aos bons principios e aos interesses publicos. (Apoiados.)

Mas o que se havia de adoptar se não se fizesse isto? Eu já o disse, e repito, muita providencia melhor, mais rendosa, menos vexatoria e menos desigual.

Comecemos pelo imposto de consumo. Pois este imposto não póde tornar-se mais rendoso? E não se diga que elle vae principalmente affectar as classes pobres. É um erro. Elle affecta todas as classes, diffunde-se por toda a sociedade, e lá tem um compensador que attinge de preferencia as classes mais abastadas, como é o imposto sumptuario.

Do nosso imposto de consumo póde tirar-se muito mais sem aggravar o pobre, fazendo-se pagar o consumo por grosso, o consumo do rico, que hoje não paga; porque só paga a venda a retalho. (Apoiados.)

Organise-se a lei e os regulamentos de modo mais acertado, entregando a exploração da elasticidade que esse tributo offerece ao estado, e restringindo a faculdade indefinida que a localidades tem de tributar.

O que não podemos o extrahir tributos por dois modos diversos da mesma fonte de receita. Isso não é possivel. É necessario que as localidades tenham as faculdades, limitadas e definidas no que respeita a impostos. O que é necessario é harmonisar a fazenda local com a fazenda do estado, (Apoiados.) porque muitas despezas que a locali-

Página 862

862 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

dade se habilitasse a fazer podiam alliviar o nosso orçamento e diminuir as nossas difficuldades financeiras. Mas para isso era necessario habilitar as localidades a fazer essas despezas.

Para que esta distribuição fie encargos se faça do modo mais conveniente é necessario attender ao que eu ha pouco me referi, isto é, ao que pagam as localidades. Quanto pagam ellas? l.000:000$000 réis de contribuições directas para os seus negocios parochiaes, para o municipio, para o districto.

O que é isto em referencia á nossa receita total de réis 26.000:000$000? Não chega a 4 por cento.

O que paga, por exemplo, a Inglaterra de tributos para o estado? Mais de 80 milhões de libras esterlinas. Quanto paga para as localidades? Mais de 40 milhões esterlinos, sendo quasi tudo de imposto directo. Quer dizer, o seu orçamento local representa 50 por cento do orçamento geral. Que differença para a proporção que existe entre nós!

Estará bem distribuida a nossa fazenda local e a geral? O resultado dos encargos que pesam sobre o paiz estarão repartidos do modo mais conveniente entre as localidades e o estado? Não creio. Se essa divisão fosse feita como devia ser, deixando ás localidades o explorar certos impostos, e ao estado o explorar outros, muitas difficuldades se aplanariam para se chegar depressa á resolução da questão financeira. (Apoiados.)

Os impostos directos na Inglaterra dão para as localidades 30 milhões de libras esterlinas, emquanto para o estado dão apenas 2 milhões. Se entre nós se habilitassem as localidades a occorrer ás suas despezas, dotando-as com os meios necessarios, provenientes da exploração por ellas feita em mais larga escala, dos impostos directos, deixando a seu cargo o pagar a sua instrucção, a feitura das suas estradas, os melhoramentos de que carecem; emfim, todas as suas obras e todas as suas necessidades de civilisição de indole local, alliviar-se ía d'este modo o orçamento geral do estado de muitas despezas que o thesouro faz, e deixaria então de fazer, e creava-se uma robusta vida local, fio reconhecidamente util e necessaria sob todos os aspectos.

Portanto, a primeira cousa que o governo devia estudar era o modo de harmonisar as receitas locaes com as receitas do estado; isto era o que o sr. ministro da fazenda de via ter tratado primeiro que tudo, habilitando, como disse, as localidades com os meios necessarios para occorrer ás despezas dos seus serviços proprios, deixando que ellas recorressem a certos impostos e procurassem na sua elasticidade natural obter esses meios; mas isto, já se vê, sob a fiscalisação do estado, para que não se estabelecesse a anarchia que existe hoje n'este serviço de impostos locaes, ao ponto de se tributar a torto e a direito em alguns concelhos, e tanto assim que ha municipios que têem 300 e tantos artigos tributados!

Se o sr. ministro da fazenda, antes de emprehender o commettimento, que teve em vista, de resolver a questão de fazenda com as medidas que apresentou ao parlamento, houvesse tratado de fazer o que acabo de indicar com relação a fazenda local e á do estado, isto é, estudar o systema de as harmonisar, o depois procurasse levar á pratica esse systema grande beneficio teria provindo d'ahi para as nossas finanças, e assim obteria mais facilmente a diminuição do deficit. (Apoiados.)

Bem sei que sr. exa. está apenas ha um anno no governo, porem, se logo que entrou no ministerio tivesse pensado nisto, se tivesse idéas amadurecidas e fixas, como devem ter todos os homens que aspiram a subir ao poder, se isto succedesse, de certo muitos erros e contradicções se não notariam no procedimento dos governos.

Se o sr. ministro da fazenda, digo, começasse desde logo a proceder á revisão das matrizes, e a estabelecer a este respeito as regras que são mais adequadas, estou certo que teria tirado melhores resultados do que com o seu systema de impostos á prussiana ou á turca. (Apoiados.)

Entendo que a revisão annual, successiva e parcial das matrizes, é a que se deve adoptar. A revisão geral, periodica, trienna1, feita em poucos mezes, de todas as matrizes, não traz senão inconvenientes, destruindo muitas vozes o que nas matrizes ha de bom o deixando e que ellas têem de mau.

Não é possivel n'um espaço de tempo tão curto, e com intervallos largos, fazer um trabalho que corresponda ao fim que se deseja. A revisão deve, até certo ponto, ter um caracter quasi de permanencia, de trato successivo, de modo que as matrizes sejam uma especie de cadastro, e para isso é necessario que essa revisão seja annual, com caracter de correcção e aperfeiçoamento gradual e não de refundicção de um jacto. (Apoiados.)

Só assim se poderá chegar a ter boas matrizes. (Apoiados.)

Era isto o que devia ter feito desde o principio o sr. ministro da fazenda, e se, no entretanto, precisasse de recursos immediatos, podia estabelecer os addicionaes, e para não aggravar as desigualdades lá tinha as commissões locaes, que lançam as derramas, para fazerem equitativamente a repartição d'esses addicionaes, mas não para fazerem matrizes, que para isso não prestam, nem prestaram nunca.

Parece-me, pois, que havia um melhor methodo para augmentar a receita do que o proposto; seria o lançamento de alguns addicionaes ás contribuições directas existentes, o que era mais justo, equitativo e de immediato resultado. Outro alvitre era proceder-se á reforma das pautas, racionalmente feita, tendo em vista o principio protector, não exagerado, mas buscando não ferir as nossas industrias proprias e naturaes.

Pois não se póde estudar e realisar n'este sentido uma reforma, e tornar as alfandegas mais productivas?

O que é necessario é não tributar as materias primas, nem aggravar os objectos que não temos as condições proprias para produzir, e cujo consumo convenha ampliar. É sobretudo necessario que se acabe com todas as injustiças relativas. (Apoiados.)

O sr. ministro, tão contrario aos addicionaes ás contribuições directas, por uma injustificavel contradicção admitte-os onde elles teem mais graves inconvenientes, como é na pauta das alfandegas, em vez de estudar a reforma no sentido racional que acabo de indicar.

Veiu assim perturbar o systema, tal ou qual, da nossa pauta, sobrecarregar indistintamente todos os seus artigos creando ou conservando complicações no serviço, onerando as materias primas, e aggravando as desigualdades. (Apoiados.)

Pelas reformas da contribuição directa, de consumo da pauta das alfandegas e da organisação da fazenda geral e local, teria o sr. ministro aperfeiçoado o nosso systema tributario e creado maiores recursos ao thesouro, do que pela adopção dos expedientes contradictorios e contra producentes a que irreflectidamente recorreu.

Seria melhor isso do que introduzir no paiz um imposto que é desigual e que vae atacar a creação do capital, um imposto que, politica e economicamente, tem todos os defeitos que o tornam improprio para resolver as nossas difficuldades financeiras.

Affirmo que estas se conjurariam de um modo mais efficaz e proficuo, reformando as contribuições existentes, e aporfeiçoando-as de modo, que se tornassem mais rendosas e mais equitativas, assumindo um caracter moral e economico á altura das necessidades publicas e das nobres aspirações do paiz.

(O orador foi cumprimentado por grande numero dignos pares, e alguns srs. deputados,)

O sr. Presidente: - Vão-se ler umas mensagens que chegaram agora da camara dos senhores deputados.

O sr. 1.º secretario leu os seguintes officios:

Quatro officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes preposições de lei:

Página 863

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 863

1.° Considerando como fazendo parte da rede dos caminhos de ferro portuguezes de primeira ordem o prolongamento da linha ferrea do Douro, do Pinhão á Barca de Alva, auctorisando o governo a construir o prolongamento d'aquella linha, e bem assim um ramal que ligue a estação do Pinheiro, na cidade do Porto, em a margem do Douro.

As commissões de fazenda e de obras publicas.

2.° Reformando o tribunal de contas.

A commissão de fazenda.

3.° Creando e dotando uma escola agricola.

As commissões de administração publica, legislação e fazenda.

4.° Auctorisando o governo a abrir no ministerio da fazenda, em favor do da guerra, um credito extraordinario na importancia de 56:000$000 réis, para pagamento de quinze torpedos moveis, auctomaticos, de grande velocidade, systema Whiteheor, e material correlativo.

As commissões de guerra e fazenda.

O sr. Carlos Bento: - Esta questão é muito vasta, entretanto limitarei, o mais que poder, as minhas observações aos pontos que me parecem mais importantes.

Reconheço a necessidade que este e todos os governos teem de recorrer ao imposto; todavia, creio que para ninguem será uma surpreza a affirmativa de que as necessidades da nossa fazenda precisam, algumas modificações, alem do augmento do imposto.

É preciso modificar o systema constantemente seguido de augmentar a despeza, ficando a dever os melhoramentos que se fazem; é preciso ver que nova creação de rendimentos é esta, que nunca chega para satisfazer os encargos que resultam do fomento.

Com relação ao projecto que está em discussão, direi que não é necessario grande força de estudo para que se possam encontrar inconvenientes em qualquer imposto; entretanto, associo-me ás idéas do orador, que abriu este debate, e declaro, como elle, que não duvido votar este projecto com uma unica excepção.

O facto de se ter sido ministro da fazenda sempre faz, qualquer que seja a posição que depois se occupe, com que se apreciem as difficuldades de quem está n'aquelle logar.

Esta circumstancia imprime um certo caracter, e deve-se por isso não exigir mais dos outros do que de nós se poderia obter.

Não basta, quando se trata de despezas, affirmar sem maior exame que são uteis e que se não faz mais do que semear para colher. Todos conhecera a parabola do semeador do novo testamento, que mostra que se póde semear muito e colher pouco, estragando a semeadura.

Por consequencia, eu entendo que é muito bom semear, despeza, mas é tambem necessario ir colhendo alguma receita pelo caminho, sem o que estou convencido que, seja quem for o ministro da fazenda, dotado das faculdades mais brilhantes, faculdades modelo, mal poderá occorrer-se ás circumstancias difficeis d'esta situação financeira em que nos temos encontrado ha bastante tempo.

É preciso fazer justiça a todos. Eu entendo que a administração de 1833 estava dominada por um verdadeiro espirito de renovação social d'este paiz.

Se não fossem as difficuldades politicas que resultaram das perturbações da ordem, tinham-se conhecido praticamente ainda mais todas as vantagens das importantes medidas economicas d'aquella administração.

Mais tarde entrou uma outra administração, e vendo que o paiz estava completamente desprovido de todos os melhoramentos indispensaveis para a existencia de uma nação na epocha actual, emprehendeu em larga escala os melhoramentos materiaes, os quaes, geralmente fallando, foram de uma vantagem incontestavel; comtudo essa vantagem, que é incontestavel, por se ter durante uma longa epocha desviado a actividade nacional de estereis agitações politicas, é certo que ella, importante como é? Não conseguiu que as difficuldades financeiras podessem desaparecer e não nos affrontem ainda tanto.

Pergunto eu se não seria já tempo de nós suppormos que um dos maiores melhoramentos que nos falta é a reorganisação da nossa fazenda?

Que vantagem ha em saber quem commetteu mais erros? A dizer a verdade, essa informação é util para ã historia, mas a administração do paiz nada lucra com as referencias a quaesquer defeitos politicos, que nós attribuimos aos outros, e que os outros nos attribuem a nós.

Eu já disse que approvava a generalidade d'este projecto; no entanto estou de accordo com as observações feitas por aquelles dignos pares que o impugnam quanto a um ponto.

É inconveniente sempre applicar empiricamente o que se faz nas outras nações ás circumstancias em que se acha um paiz differente.

O relatorio da commissão, elaborado, por um homem a quem é necessario fazer justiça, porque o sr. conde de Samodães é muito intelligente e muito trabalhador, e como ministro da fazenda cumpriu o seu dever, aproveitou a occasião, e sem programma deixou no seu ministerio recordações bastante favoraveis, por isso que, aproveitando a circumstancia de se haverem realisado importantes reducções na despeza, indicou a necessidade de crear receita, propondo as medidas necessarias para chegar a esse fim, medidas que se não poderam ser realisadas pela administração a que pertenciamos, o foram quasi nos mesmos termos pela administração immediata.

Este projecto não ha de servir para a nossa futura reorganisação financeira. Essa não é a minha idéa. Voto este projecto mais como uma necessidade de momento do que como base completa dos melhoramentos financeiros.

Na Inglaterra o systema relativo ao imposto de renda foi renovado em 1842; tem a desculpa de ser temporario. É bem verdade que tendo sido decretado só por tres annos subsiste ainda ha perto de quarenta annos. Deve-se, porém, advertir que em Inglaterra o imposto da renda, em relação á propriedade territorial, era indicado por circumstancias particulares, pois n'aquelle paiz a propriedade nada ou mui pouco contribuiu para o rendimento geral do estado.

Em Inglaterra ainda mais succede que em quinze annos se diminuiram os outros impostos em perto de 30.000:000 libras esterlinas, e que nos ultimos vinte annos a divida se reduziu em perto de 80.000:000 libras.

Eu não quero tomar muito tempo á camara; mas não posso deixar de accentuar bem a parte em que eu discordo um pouco d'este projecto.

Realmente, a maior apprehensão apresentada a este respeito, se eu a manifestar com muita insistencia, pela circumstancia das nossas posições, o sr. ministro da fazenda ha de responder tambem com muita insistencia. Por isso, sinto desejos de sacrificar um pouco a minha argumentação a este respeito; mas, no entanto, não posso deixar de pedir ao sr. ministro da fazenda que, nos seus projectos, modifique o imposto sobre a divida fundada.

A mim agradava-me muito mais o projecto originario da governo do que o que foi apresentado com as modificações feitas na outra casa do parlamento.

Não sei a rasão, por exemplo, por que se fez uma excepção aos titulos de divida fundada, sujeitando-os a maior percentagem e não fixando o minimo de rendimento para isenção do imposto, como se fez para os outros rendimentos. No projecto inicial do governo, ao menos, não havia similhantes desigualdades.

Qual é a rasão por que se impõe 3 por cento a uma especie de propriedade, e a outra 2 por cento, distincção que se não fazia na proposta originaria do sr. ministro da fazenda? Qual é a rasão por que se estabelece um minimo para a propriedade, e não se estabelece tambem um minimo para as inscripções? Pois as inscripções, como disse

Página 864

864 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

já aqui um digno par, não estão hoje só nas mãos dos grandes capitalistas; ha um grande numero de pessoas, que se não póde dizer que são abastadas, que são possuidoras de titulos de divida publica, em muito pequena escala, das chamadas pequenas inscripções de 100$000 réis, e parece-me que, para este caso, tambem devia haver um minimo, como creio estava na proposta primitiva do sr. ministro.

Em França, em circumstancias analogas ás nossas, na vespera de realisar um grande emprestimo, e conforme a opinião do sr. Grambetta, que fallava em nome da democracia, segundo a qual nem a conversão da divida se devia fazer, não foram sujeitos ao imposto os titulos de divida fundada. É este o exemplo da França.

Vamos agora ao sr. Paul Beaulieu. Este publicista, depois de sustentar, como justo, o principio de tributar os rendimentos do estado, faz uma excepção a esta regra, dizendo o seguinte.

(Leu.)

Ora, nós vamos agora levantar um emprestimo de réis 15.500:000$000, emprestimo a que se seguirão outros, e n'estas circumstancias é nos applicavel a excepção que estabelece o sr. Beaulieu.

E então, sr. presidente, esta excepção estabelecida pelo sr. Beaulieu não nos é applicavel? Não vale ella como a regra?

Ora, eu chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para um facto a que me vou referir.

Eu vejo que nos titulos de um paiz pequeno, que ha pouco tempo tem a sua independencia (e que vae agora celebrar o meio centenario d'essa independencia), não ha nenhuma imposição d'esta natureza: os titulos de 3 por cento da Belgica não são tributados. E o que succede? Acontece que os fundos de 3 por cento belgas valem hoje tanto como os 5 por cento italianos.

Não quer isto dizer que na Italia se tenha procedido mal; a Italia, para fundar a sua independencia, teve de sustentar recentes guerras mui despendiosas, e o curso forçado que decretou livrava da necessidade de recorrer á emissão de novos titulos de divida. Os bancos poderam fornecer-lhe, graças ao curso forçado, 1.000.000:000 francos, e ainda assim o preço dos titulos da divida apresentam a differença que notei em relação aos da Belgica.

Na Austria a mesma cousa; a Austria teve tambem o recurso da circulação forçada das notas.

Mas nós, que tantas despezas temos creado e continuamos a crear, e a recorrer ao credito para todos melhoramentos, não podemos proceder assim. E quando a melhoramentos, não deviamos nós ter em vista só os melhoramentos materiaes, porque ha melhoramentos de outra ordem, de que nós muito carecemos, na administração.

Como, porém, é preciso pagar os melhoramentos que se têem feito e que se estão fazendo, e o governo julga ter o direito de reduzir os encargos presentes tomando encargos futuros, não me parece conveniente que se imponha tributo nos titulos de divida, porque os capitalistas e todos aquelles a quem formos pedir de emprestimo novos fundos, tomam muito sentido em que se lhes vae tributar os titulos, e, ou querem muito caro, ou não emprestam, porque estão muito attentos ao que se passa, tomam muito sentido.

Ainda me quero lisongear de que este meio de atravessar as difficuldades não é permanente, e ainda bem que o sr. conde de Samodães disse que era propheta na sua terra, o que quer dizer que se não ha de verificar a sua prophecia de que e actual systema será permanente; porque eu, como expediente, voto a maior parte das disposições d'este projecto, mas como systema permanente não as votaria.

Falla-se em que se vae lançar sobre a propriedade um addicional, porém deve-se confessar que muito mais pesado foi o que se estabeleceu em 1861, porque não era inferior a 40 por cento, e n'aquella occasião não havia nenhum dos elementos de progresso em acção, porque os caminhos de ferro só estavam completos em [....]

Por consequencia, entendo que a propriedade se quer melhoramentos precisa pagal-os.

Fallando d'este modo não posso ser suspeito, porque se doto o imposto que se refere á propriedade, voto tambem o que vae pesar sobre os empregados, e eu tambem sou empregado publico.

O que não posso votar, embora não possua um unico titulo, é e imposto sobre as inscripções. Não me parece que este procedimento deva ser considerado egoista.

Uma vez que estamos tratando de applicar ao nosso paiz o mesmo que se faz em Inglaterra, é bom que se saiba o que ali se pensa a respeito das nossas cousas; permitta-me, pois, a camara que leia o que diz o sr. Morior.

(Leu.)

Diz bem como entende que devemos occorrer aos melhoramentos para chegar a um melhor futuro.

O sr. Morior, fazendo justiça ao sr. Fontes, não deixa de a fazer tambem ao sr. Barros Gomes peia exposição que fez, porque mostrou assim que tinha vontade de remediar as difficuldades que existiam.

Vou concluir, porque não desejo cansar a camara, nem tanto desejo cansar-me a mim; mas, antes d'isso, direi que me parece, que não ficava mal á camara dos pares se não approvasse este imposto sobre as inscripções; porque, alem dos motivos que deixo ponderados, acresce a grande probabilidade da elevação d'este imposto, com o pretexto de que é muito diminuto e não está em relação com todos os outros, (Apoiados.) e as inscripções ficarão muito sobrecarregadas.

Como actualmente se pagam os juros das inscripções era Lisboa, e só em Lisboa, com tres mezes de antecipação, o reduzir essa antecipação forneceria ao governo um meio de receita muito superior ao que pretende obter pelo imposto sobre as inscripções, e não atacava o direito da satisfação integral dos encargos da divida.

Uma caixa de depositos, que se estabeleceu ultimamente, foi auctorisada a fazer adiantamentos aos juristas, o que facilitava ainda o não antecipar tanto o pagamento dos juros em Lisboa.

As obrigações dos caminhos de ferro pagam-se já, e a divida no estrangeiro e nas provincias depois do juro vencido.

Faço justiça ás qualidades pessoaes do sr. ministro da fazenda, qualidades que são herança de familia, a qual tem contado sempre entre os seus membros altas intelligencias e grandes capacidades de trabalho.

Não desejo que o sr. ministro veja nas minhas observações mais do que um sentimento sincero de querer cooperar com s. exa. para que seja resolvida de melhor medo uma questão que tem demonstrado tamanho interesse em resolver.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Quaresma de Vasconcellos: - Mando para a mesa um parecer.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

O sr. Presidente: - A ordem do dia de ámanhã, 1.° de junho, é a mesma que estava dada para hoje.

Ficam inscriptos os srs. Fontes Pereira de Mello, Vaz Preto, conde de Bomfim, Barros e Sá.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 31 de maio de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Boloma; duque de Loulé; marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Vallada, de Sabugosa; arcebispo do Evora; condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Fonte Nova, de Gouveia, de Podentes, de Rio Maior, da Torre,

Página 865

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 865

de Valbom; viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, de Seisal, de Soares Franco, de Villa Maior, de Valmor, da Praia Grande; Barão de Ancede; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mancos de Faria, Mello e Gouveia, Costa Cardoso, Mexia Salema, Mattoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Eugenio de Almeida.

Página 866

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×