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1798

lidade de dois irmãos para tomarem parte no mesmo processo sómente é relativa ao caso de que trata, e que não ha inhabilidade absoluta, entendo comtudo que n'este negocio devem regular os principios geraes de direito e as disposições que as leis estabelecem geralmente para todos os tribunaes. Acho nas nossas leis esta disposição «não podem intervir como julgadores na mesma causa dois irmãos, salvo se as partes expressamente convierem n'isto.» (Leu.) (Decreto de 23 de julho de 1698, aviso de 21 de agosto de 1794.)

Ora, não tendo havido n'este caso consentimento ex presso da parte, e visto ser meu irmão o relator, entendo que existe inhabilidade da minha parte para continuar a ser membro do tribunal, e por isso entendo que devo retirar-me, o que faço pela rasão que acabo de explicar.

O sr. Conde do Sobral: —Os mesmos motivos que se dão a respeito do sr. conde de Thomar, para não poder fazer parte do tribunal, existem a meu respeito, por estar tambem aqui meu irmão o sr. marquez de Ficalho. Escuso pois de repetir o que disse o sr. conde de Thomar, e peço licença para me retirar.

Os dois dignos pares deixam seguidamente os seus logares, descendo para o pavimento da sala.

O sr. Presidente: — O tribunal ouviu as declarações que fizeram os dignos pares, os srs. condes de Thomar e do Sobral, e as tomará na devida consideração.

O sr. Relator: — Peço a palavra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. Silva Cabral (relator): — Cumpre-me, como relator do processo, publicar a decisão que o tribunal acaba de tomar na conferencia; mas antes d'isso, e perfunctoriamente, permitta-se de dizer duas palavras sobre a questão ou duvidas que acabam de ser expostas por dois dignos pares, quanto á sua permanencia aqui, como membros ou juizes do tribunal.

São muito louvaveis os seus escrupulos e Deus me livre de combate-los; mas lembrarei que nós por emquanto estamos nos estreitos limites do processo investigatorio, e que n'este processo não só é doutrina corrente, mas expressa disposição da lei, que não têem logar as suspeições. Bastará consultar os artigos 938.°, 1:001.° e 1:111.° da novissima reforma judiciaria, e respectivas notas, na edição commentada pelo conselheiro Neto, para não restar a menor duvida sobre o assumpto.

Parecia-me portanto que as duvidas propostas poderiam ser resolvidas pelo tribunal, e que d'esta fórma se chegaria a socegar os escrupulos dos dignos pares, se é que esses escrupulos não complicam com motivos que tocam ao seu fôro intimo.

Emquanto ao objecto de que se trata, direi que o tribunal reunido em conferencia, para discutir e tomar deliberação sobre o requerimento do ministerio publico, que promovia e instava que se inquirissem novas testemunhas, indeferiu unanimemente o requerimento, e eis o accordão:

«Acorda a camara dos pares, constituida em tribunal de justiça, que considerando que o requerimento do procurador geral da corôa, exarado a fl. é opposto ás prescripções dos artigos 938.° e 878.° da novissima reforma judiciaria, considerando que as testemunhas apontadas pelo ministerio publico duas d'ellas estão inquiridas no summario, e as outras por serem deputados, que intervieram na decisão do processo de outros co-réus, teriam incompatibilidade para serem inquiridas, desattende o mesmo requerimento, e ordena que o processo progrida nos termos ulteriores.

«Camara dos dignos pares, constituida em tribunal de justiça, 1 de junho de 1867. =(Seguem-se as assignaturas.)»

O sr. "Juiz Presidente: — Sobre as declarações que fizeram os dois dignos pares, condes de Thomar e do Sobral, o tribunal resolvêra o que lhe parecer mais conveniente.

O sr. Conde de Thomar: — Peço a palavra.

O sr. Juiz Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar (retomando o seu logar): — Sr. presidente, não me parece que desde que um -membro d'este tribunal declara ter incompatibilidade legal, e que em sua consciencia entende que não póde ser juiz, não me parece, digo, que o tribunal possa negar-se a aceitar a escusa, mas eu em todo o caso declaro que é tão forte a convicção que tenho da procedencia do que expendo, que, ainda mesmo que se resolva que não póde ter logar a minha escusa, eu nem mesmo assim farei mais parte do tribunal.

(S. ex* retirou se da sala.)

O sr. Conde do Sobral: — Sr. presidente, eu faço as mesmas declarações que fez o sr. conde de Thomar, por me achar em identicas circumstancias;

(S. ex.ª retirou-se da sala.)

O sr. Visconde de Algés;—Fez breves considerações em relação á suspeição dos dois dignos pares referidos.

O sr. Juiz Presidente: — As declarações que fizeram os dois dignos pares, que se ausentaram, foram tão terminantes que não me parece que haja cousa alguma a deliberar sobre ellas, e parecia-me que deviamos continuar os nossos trabalhos, e então tem a palavra o sr. juiz relator para apresentar o seu relatorio; lembrarei n'esta occasião aos dignos pares que a camara se acha constituida em tribunal de justiça, e que por consequencia quaesquer signaes de approvação ou rejeição são completamente prohibidos.

O sr. Juiz Relator (Silva Cabral): — Vou cumprir, senhores, a segunda parte do encargo que me impuzestes, e farei com toda a simplicidade o relatorio a fim de que o vosso juizo seja guiado e inspirado unicamente pela verdade.

Em 29 de março do corrente anno teve logar um duello de morte entre José Julio de Oliveira Pinto, e Miguel de

Sá Nogueira; foram padrinhos d'esse duello os individuos seguintes: por parte do segundo, D. Rodrigo de Almeida e Silva e Eduardo Montufar Barreiros; e por parte do primeiro, José Paulino de Sá Carneiro e Antonio Camillo de Almeida Carvalho.

O duello teve o fatal desenlace da morte de José Julio de Oliveira Pinto. O morto foi conduzido, acompanhado pelo deputado Camillo e do cirurgião ajudante de 7 de infanteria, dentro de uma carruagem até ao sitio do largo da Bibliotheca, d'onde se destacou o sr. Silveira da Mota, que já a esse tempo vinha na mesma carruagem substituindo o deputado Camillo, para dar parte ao governo civil de que ali se achava o morto José Julio de Oliveira Pinto, o qual tinha succumbido no duello, e que assim o governador civil desse as competentes providencias, o que s. ex.ª fez, mandando tirar o morto de dentro da carruagem, e procedendo logo ás diligencias necessarias.

Não se contentou porém só com isto. Immediatamente communicou o facto ao juiz do 2.° districto criminal, expedindo o officio que vou ter; observando eu previamente, por esta occasião, que no decurso do relatorio que estou fazendo não me contentarei só em referir verbalmente aquillo a que a minha memoria me habilitar, mas irei lendo as differentes peças do processo que entendo necessarias para poderdes formar a vossa consciencia (leu).

Este officio foi apresentado ao delegado do procurador regio, o qual lançou a promoção seguinte (leu).

Effectivamente procedeu-se depois ao auto de noticia, que foi lavrado administrativamente, e que diz o seguinte (leu).

Junto ao auto, e em seguida vem a declaração do cocheiro José Miguel que conduziu ao Campo, e trouxe depois do duello, o morto (leu).

Segue-se o exame e corpo de delicto, tanto indirecto, come directo.

O exame directo começou no governo civil; mas os facultativos declararam que não podiam, por falta de instrumentos e de logar proprio, fazer uma autopsia verdadeira para darem o seu juizo, e por isso reclamaram que fosse mandado o cadaver para a casa das dissecções do hospital de S. José. Não cansarei o tribunal com a leitura do primeiro auto, cuja imperfeição, pela rasão exposta, se conhece incompleto, e por isso passarei ao segundo, que diz o seguinte (leu).

Seguiram-se depois differentes diligencias todas tendentes a averiguar a verdade; inquiriram-se differentes testemunhas pelo administrador do bairro do Rocio; apresentou-se o processo e informações obtidas no proprio Campo pelo administrador do concelho dos Olivaes, nas quaes se incluem os depoimentos de cinco mulheres inquiridas como testemunhas, as quaes dizem que, indo para a monda á hora em que teve logar o duello, viram os trens, e viram os individuos que elles conduziam atravessarem por um carreiro de um olival; que não conheciam esses individuos, mas que pouco depois viram que alguns traziam um homem morto, que metteram na carruagem que tinha o n.° 331.

O tribunal deve lembrar se de que o cocheiro declarou que o numero do trem era 351, mas não admira que houvesse o equivoco de referir o n.° 331 por 351, porque quando se passaram os factos mencionados, ou ainda não tinha nascido o sol, ou a distancia impedia que se distinguisse um 3 de um 5, o que me cumpre notar unicamente para que a minima circumstancia não seja preterida para o ver dadeiro conhecimento da verdade.

Tiraram-se ainda outras testemunhas, e todas referem o facto como publico e notorio, não podendo comtudo declarar os nomes dos individuos, porque os não conheciam.

O ministerio publico, ouvido depois do corpo de delicto directo e indirecto sobre o andamento do processo, reque reu e promoveu os termos de justiça a fl. 30 V. como vou ter (leu).

Os dignos pares, membros do tribuna], têem por tanto a considerar se este pontos que o ministerio publico requereu e promoveu foram plenamente satisfeitos, e para o verificar não posso deixar de ter as respectivas peças do processo.

A primeira é a declaração de José Miguel, que é a mesma que acabei de ter, e diz nem mais nem menos do que tinha declarado no governo civil por occasião da conducção do morto, referindo minuciosamente todos os factos que estavam ao seu alcance como cocheiro, e mencionando os nomes de quasi todos os intervenientes, d'entre elles o réu Barreiros.

A segunda, a declaração, feita por termo em juizo, do sr. D. Rodrigo, que é preciso ler (leu); assim como os documentos a que a mesma declaração se refere, que contêem a historia do que se passou no acto do duello, e as condições previas com que tinha sido preparado; documento este assignado pelos quatro padrinhos do facto, e aquelle assignado por trez d'elles com a declaração de não ter assignado Camillo, por se ter ausentado para fóra de Lisboa.

Chamo toda a attenção do tribunal sobre estes instrumentos, competindo-me por agora só dizer que pela rasão de serem apresentados em juizo por um dos co réus, e legitimamente authenticados pelo termo a que me referi, merecem uma particular apreciação. Vou le-los (leu).

Depois d'isto seguem-se as declarações da viuva, de que pela mesma rasão não posso deixar de dar conta ao tribunal (leu).

Resta por tanto, para a completa satisfação do requerimento do ministerio publico, apenas a verificação do depoimento do cocheiro a que ha pouco me referi, e a do cocheiro que levou os outros padrinhos, os quaes depoimentos entendo não ser preciso ter, porque as suas declarações são identicas ás que o tribunal já ouviu. Não conheceram algumas das pessoas que conduziram, não viram o desafio, e não souberam d'elle senão quando os padrinhos vieram chama-los para ajudar a trazer o morto e mette-lo na carruagem. O ministerio publico, depois d'isso, fez novamente o seu requerimento para lhe ser recebida querella contra pessoas designadas e contra todos os que pelo summario se mostrassem culpados, e deferido o requerimento, tomou-se o respectivo aresto, que vou ter (leu).

É o summario o acto immediato que apresenta o processo. Inquiriram-se vinte testemunhas, outras tantas, e as mesmas, que o ministerio publico nomeou no auto de querella; cumprindo notar ao tribunal que entre ellas se vê o depoimento de Manuel Patricio Alvares (duas vezes inquirido n'este processo), e de Henrique O'Neill, sub-director da secretaria da justiça. Não lerei estes depoimentos para não cansar o tribunal; mas d'elles, e do restante das testemunhas, farei um resumo. Patricio Alvares não assistiu ao duello; comtudo soube d'elle na noite antecedente, no theatro de S. Carlos, e sendo amigo particular de José Julio ficára com immenso cuidado. Não sabia todavia, nem o logar, nem o dia e hora do duello, apenas sabia que se bateriam breve, e mais nada. Em consequencia d'isto fôra no dia seguinte, 29 de março, para o largo do Ferregial, por suspeitar de ser n'aquella manhã o duello, e ahi por estar a chover se mettèra n'uma loja de canteiro, de maneira que podesse ver chegar José Julio. Passado um quarto de hora víra chegar a carruagem onde vinham Silveira da Mota e o cirurgião ajudante do 7.° de infanteria. Appareceu n'aquella occasião tambem o sr. procurador regio da relação de Lisboa e o sr. Henrique O'Neill. Então o sr. Silveira da Mota se virara para elles e dissera: «Esta tudo acabado. José Julio esta morto», dando aquellas demonstrações de sentimento que devia ter pela morte do seu amigo; e fôra depois dar parte ao governo civil.

Passando-se depois a inquirir a testemunha O'Neill, esta fallou tambem da confidencia que lhe havia sido feita pelo fallecido José Julio, na vespera do dia em que teve logar o duello, declarando igualmente que não soubera n'aquella occasião da bôca do fallecido, qual era o local, o dia e a hora designados para elle se verificar; e por isso na referida manhã pensara em dirigir-se a casa do prior do Soccorro, contra-parente de Camillo, que elle sabia ser um dos padrinhos, para ver se podia ter noticia do succedido no duello, quando encontrou o morto.

Ha tambem o depoimento dos cocheiros e do dono da cocheira, assim como do prior do Soccorro, o sr. D. Rodrigo de Vasconcellos, das cinco mulheres que tinham sido inquiridas administrativamente, como já mencionei, e todas ellas alem de deporem por ser publico e notorio do facto do duello, e dos intervenientes, no mesmo referem uma ou outra circumstancia tendente a coroborar a prova indiciai necessaria para a pronuncia.

E esta a curta exposição do summario, e do depoimento das testemunhas. Agora segue se o despacho da pronuncia que diz o seguinte (leu).

Aqui tem o tribunal o relatorio acompanhado de todas as peças que julguei conveniente ter, para os srs. juizes formarem a sua opinião ácerca d'este objecto.

Agora, sr. presidente, segue-se nova conferencia para o tribunal decidir se ha ou não rasão para se proceder, declarando procedente ou improcedente a pronuncia como é das nossas attribuições.

O sr. Juiz Presidente: — V. ex.ª não tem mais peça alguma para ler?

O sr. Juiz Relator: — O mais que ha a tratar-se é na sala da conferencia que tem de expender-se.

O sr. Juiz Presidente: — Em vista da disposição do artigo 9.° do regulamento da camara dos pares constituida em supremo tribunal de justiça, convido os dignos pares juizes a passarem á sala das conferências a fim de se votar sobre a procedencia ou improcedencia da pronuncia.

Os membros do tribunal passaram á sala das conferencias. Eram quatro horas.

As quatro horas e tres quartos, tomando novamente a cadeira da presidencia o sr. juiz presidente, e sentando-se nos seus respectivos logares todos os dignos pares juizes, disse

O sr. Juiz Presidente: — Peço ao sr. juiz relator que leia qual foi a resolução tomada na conferencia.

O sr. Juiz Relator: — O tribunal, na conferencia que acaba de ter logar, decidiu unanimemente procedente a pronuncia do digno par do reino Eduardo Montufar Barreiros, para continuar nos termos ulteriores, suspendendo-o de suas funcções até final decisão.

Eu vou ter o accordão. É do theor seguinte:

«Accorda a camara dos pares constituida em tribunal de justiça, que declara procedente a pronuncia feita no despacho retro contra o digno par Eduardo Montufar Barreiros e se proseguirá nos termos devidos, ficando o mesmo digno par suspenso das suas funcções de par até final decisão.

«Lisboa, 1 dê junho de 1867. = (Seguem as assignaturas.)»

Está fechada a sessão do tribunal. Eram quasi cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 1 de junho de 1867

Os ex.mo" srs.: Condes de Lavradio e de Castro; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Ponte de Lima, de Sousa e de Vianna; Condes, de Alva, de Campanhã, do Farrobo, de Fonte Nova, de Fornos, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, do Sobral e de Thomar; Viscondes, de Algés, de Benagazil, de Condeixa, de Gouveia, de Ovar e da Silva Carvalho; Barão de Villa Nova da Foscôa; Moraes Carvalho, Mello e Carvalho, D. Antonio José de Mello, Costa Lobo, Pereira de Magalhães, Silva Ferrão, Margiochi, Braamcamp, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Baldy, Fonseca Magalhães, Canto e Castro, e Fernandes Thomás.