O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1504

CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 19 DE NOVEMBRO DE 1858.

Presidencia do ex.mo Sr. Visconde de Laborim,

Vice-presidente.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

D. Pedro do Rio.

(Assistem os Srs. Ministros, da Fazenda, e das

Obras Publicas.)

Pelas duas horas e meia da tarde, tendo-se verificado a presença de 29 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu conta da seguinte correspondencia:

Um officio do Ministerio do Reino enviando para serem archivados os autographos dos Decretos das Côrtes Geraes n.º 16, 18, 19, 23 e 25. Mandaram-se para o archivo. —da Presidencia da Camara dos Srs. Deputados enviando uma proposição de lei sobre o abono de sessenta mil réis para falhas ao Thesoureiro da Escóla Polytechnica em quanto durarem os effeitos do emprestimo destinado á reconstrucção daquelle edificio.

O mesmo Sr. Secretario deu parte de que os Dignos Pares Duque da Terceira e Macedo não compareciam a esta sessão por incommodo de saude.

O Sr. Marquez de Vallada disse que não pertendia fazer uma censura á Mesa, e só pedir ao Sr. Presidente que tivesse a bondade de lhe dar algumas explicações relativamente ao facto de que ia fallar. Que n'uma das sessões do anno passado dirigira uma interpellação ao Sr. Presidente do Conselho, a que S. Ex.ª veio responder, fazendo-o de um modo claro, terminante, e cathegorico. Entendia o orador, e assim o esperava vêr, que a resposta do Sr. Marquez de Loulé appareceria publicada na sessão que foi impressa no Diario do Governo, porque ella não era para envergonhar a S. Ex.ª Com pasmo porém viu, que não se publicou, e que no logar em que devia achar-se o discurso de S. Ex.ª, appareceram tres pontinhos. Alguém fez tambem esse reparo, e com maior razão o fez o orador por ter sido o interpellante. Pensa-se, continuou o orador, que o motivo de se não ter publicado a resposta do Sr. Presidente do Conselho, foi o não ter ella agradado a certos homens que teem imperio sobre os actos dos Srs. Ministros, e governam a situação.

Por esta occasião disse mais o nobre orador, que sentia não vêr no seu logar o Digno Par Sr. Marquez de Ficalho, que na occasião em que teve logar a dita interpellação julgou-o a elle interpellante demasiadamente exigente; pois se S. Ex.ª estivesse presente neste momento, reconheceria, em presença dos factos, que não tinha sido nada exigente. É provavel que houvesse culpa de alguem, culpa que o orador não quer attribuir a este ou aquelle individuo; mas como interpellante que foi, desejaria saber, se da parte da Secretaria se mandou buscar, como é costume, o discurso do Sr. Presidente do Conselho, e se se fez vêr a S. Ex.ª que era conveniente o desse para se publicar? Espera da benevolencia do Sr. Presidente haja de o informar a tal respeito. E tambem do Sr. Ministro da Fazenda, que responde por tudo, e por todos os seus collegas, que diga alguma cousa, se póde, sobre a falta que acabava de notar: e concluiu dizendo, que desde já pedia a palavra para produzir outras observações.

O Sr. Conde de Mello—V. Ex.ª preveniu no fim do seu discurso a resposta, que eu, em nome da Mesa, teria a dar á pergunta que lhe dirigiu, porque V. Ex.ª disse, que se deviam ter mandado os discursos ao Sr. Presidente do Conselho, como era costume tambem mandarem-se aos membros desta Camara. Effectivamente mandaram-se a S. Ex.ª; e o motivo porque na respectiva sessão apparecem os pontinhos no logar em que devia estar o discurso, é porque o Sr. Marquez de Loulé o não mandou. É esta a informação que posso dar ao Digno Par.

O Sr. Ministro da Fazenda — Eu sinto não estar habilitado para podér responder ao Digno Par o Sr. Marquez de Vallada, relativamente á falta da publicação do discurso a que S. Ex.ª alludiu: mas permitta S. Ex.ª que eu pondere, que, segundo as informações que eu tenho de membros desta Camara, a resposta que o meu collega o Sr. Presidente do Conselho deu á interpellação do Digno Par o Sr. Marquez de Vallada não envergonhava o Sr. Marquez de Loulé. Peço pois ao Digno Par que não julgue que a falta desse discurso é filha dos motivos a que S. Ex.ª alludiu, e que são improprios do caracter do Sr. Presidente do Conselho. Eu não sei, Sr. Presidente, qual é o andamento que teem os trabalhos da publicação das sessões desta Camara; mas sei, e disso posso dar testimunho, que se teem publicado sessões nas quaes eu usei da palavra, sem se me mandarem os meus discursos para os revêr, com quanto me tenha dado por satisfeito com os extractos delles que se teem publicado. Ora, póde acontecer que esta circumstancia que comigo se tem dado por vezes, acontecesse similhantemente no caso em questão, ao meu collega o Sr. Presidente do Conselho. Por esta occasião direi, Sr. Presidente, que o Sr. Marquez de Loulé tem o trabalho de duas pastas, e importantes, e esta circumstancia é bastante attendivel para se ter com S. Ex.ª toda a benevolencia, e não o inculpar tanto pela falta da remessa do discurso a que alludiu o Digno Par, se esse discurso foi effectivamente mandado ao meu collega.

O Sr. Marquez de Vallada ouviu com toda a attenção o que acaba de dizer o Sr. Ministro da Fazenda; e agora observará, que é costume da Secretaria mandarem-se os discursos no dia seguinte aos oradores que os proferiram na vespera; isto mesmo tem acontecido com elle orador: mas que, quando o orador não póde revêr o seu discurso, por qualquer impedimento que para isso tenha, remette-o ao Chefe da redacção para que faça o extracto, ou substancia delle, e o publique: e se o orador não entrega o discurso que recebeu, então põem-se pontinhos adiante do seu nome. É esta a pratica usada nesta casa. Agora com relação ao discurso do Sr. Presidente do Conselho, observou que foi elle a resposta á interpellação que elle Sr. Marquez dirigira a S. Ex.ª sobre a liberdade de associação, e nessa occasião fallou das irmãs da caridade, tendo antes offerecido ao Sr. Presidente do Conselho um papel com 19 perguntas, dizendo-lhe nessa occasião que não queria apanhar de surpreza o Ministerio, e por isso desejava antes de formular a sua interpellação, que S. Ex.ª visse a base em que tinha de assental-a: que o Sr. Presidente do Conselho agradecera essa lealdade e delicadeza como S. Ex.ª então lhe chamou, e respondeu depois bem até certo ponto, com quanto no todo o não satisfizesse. Que, porém, a resposta de S. Ex.ª era importante, e convinha publicar-se.

Declarou alli, que em occasião opportuna se propõe amostrar as ilegalidades praticadas pelo Sr. Presidente de Conselho, e Ministro do Reino, com relação a este assumpto; que essa occasião seria a da discussão da resposta ao Discurso da Corôa; observando desde já ao que ouviu dizer ha pouco, que se o Sr. Marquez de Loulé não póde com o trabalho das duas Secretarias a seu cargo, tracte-se de remediar isso, pois é incrivel suppôr que no partido historico não ha já quem seja apto para Governo; será crível que não haja homens de talento nesse partido? ¡0 Sr. Ministro da Fazenda—Então é necessario crear um Ministerio mais...) E acontece o mesmo com a pasta das Justiças que occupa interinamente o Sr. Ministro que fez o áparte: o que o orador sente muito mais, porque vê que o Sr. Ministro das Obras Publicas chorava constantemente durante o Ministerio chamado da Regeneração por o Sr. Fontes accumular duas pastas. E o que acontece? Entra S. Ex.ª para Ministro, e não tem dó do seu collega e amigo!.... Isto serve para se vêr o que os homens são na opposição, e o que são depois no Governo!

Mas o Sr. Marquez de Loulé tem tanto que fazer que não póde revêr os discursos; e apesar de S. Ex.ª ter assim tanto trabalho, o publico julga que S. Ex.ª não faz nada, porque nada vê: S. Ex.ª promette uma refórma na instrucção publica, e nada apparece... Esta é que é a verdade, confessada pelos proprios amigos do Ministerio, e pelos jornaes que o defendem. Até o Portuguez já disse que o Ministerio ia curar-se da passada indolencia. Todos confessam este mal; e o Sr. Ministro da Fazenda vem dizer todos os annos que o Sr. Marquez de Loulé está na Secretaria occupado de negocios muito graves!...

O orador pede ao Sr. Presidente que mande aviso ao Sr. Marquez de Loulé destas considerações, e que de as suas ordens para que lhe seja pedido o discurso, e para o mesmo ser impresso; pois o publico deve ter conhecimento de um discurso que mereceu os applausos de todos, e mesmo do Sr. Marquez de Ficalho, que o tachou a elle orador de exigente; e assim isto mostrará a S. Ex.ª que foi menos justo do que costuma para com o orador.

Disse o orador que passava a cumprir uma promessa que fez ao Sr. Ministro da Fazenda, quando aqui fallou relativamente a um livro que se publicou nesta capital. Entrega-lhe agora esse livro visto que o prometteu; e dirá a S. Ex.ª que, procedendo contra o auctor do livro, não faz mais do que cumprir a lei. Aqui está o Código Penal no artigo 130 que diz:

«Aquelle que faltar ao respeito á religião do reino, catholica. apostolica, romana, será condemnado na pena de prisão correcional desde um até tres annos, e na multa, conforme a sua renda, de tres mezes até tres annos em cada um dos casos seguintes:

1.° Injuriando a mesma religião publicamente em qualquer dogma, acto, ou objecto do seu culto, por factos ou palavras, ou por escripto publicado, ou por qualquer meio de publicação.

2.° Tentando pelos mesmos meios propagar doutrinas contrarias aos dogmas catholicos definidos pela igreja.»

Fundando-se nestas disposições, e especialmente no § 1.° deste artigo, dirije-se a S. Ex.ª pedindo a execução da lei. Vão notados com differentes signaes os logares mais importantes do livro; mas limitar-se-ha a lêr algumas linhas, de que o Sr. Aguiar ficou espantado. Vem logo no principio (leu):

«N'um estado, onde é livre a cada cidadão seguir a religião que lhe parece melhor, ha grande contradição nos termos, em querer que cada um delles respeite a religião do estado. Qual é pois a religião dominante de um estado, onde cada individuo que o compõe póde ter a sua religião particular?!»

O orador não quer fazer-se cargo nem das herezias, nem dos erros historicos, que transbordam deste livro; mas não póde callar que elle põe o Papa S. Gregorio vn a viajar para França, e a excommungar alli réis, uns poucos de annos depois da sua morte (riso). Disse mais que este livro tinha-se espalhado por entre o povo, e que ninguem póde deixar de dizer que não faz damno uma cousa tão descocada; porque elle orador perguntaria se se publicasse ahi um livro em que abertamente se ensinassem as doutrinas de roubo, sustentadas por Proudhon e outros, havia de dizer-se que o Governo não deveria tolher essas publicações pelos meios que as leis lhes pozeram nas mãos? Isto não são cousas que se lancem ao desprezo. (Deu o livro ao Sr. Ministro.)

Estimará muito que S. Ex.ª proceda contra o auctor como lhe compete, e reserva-se para pedir a palavra sobre o que fizer a este respeito. Em quanto á censura que hontem fez a S. Ex.ª, quando disse que a acção do prelado da diocese era tolhida pelo Governo, porque assim como o Sr. Bispo de Porto prohibiu a leitura da traducção de uma obra de Aimé Martin, tambem o Sr. Patriarcha de Lisboa podia ter feito o mesmo ao livro portuguez de que acabara de tractar; e por isso podia parecer que o Sr. Ministro tinha procedido para com o Sr. Patriarcha como o Marquez de Pombal para com o Bispo de Coimbra, comtudo esperava de S. Ex.ª que ha de proceder como é do seu dever.

Que tambem pedia a S. Ex.ª que fizesse constar ao Sr. Ministro do Reino que elle orador tem uma interpellação que lhe deseja dirigir sobre as sociedades secretas, e lojas maçónicas; e que deseja tambem a presença do Sr. Ministro da Guerra por causa dos militares que nellas se acham iniciados; assim como desejaria muito que o Sr. Patriarcha podesse assistir a essa sessão, porque carece dirigir-se respeitosamente a S. Em.ª sobre algumas circumstancias importantes.

O Sr. Presidente— Queira V. Ex.ª mandar pari a mesa a nota de interpellação.

O Sr. Marquez de Vallada—Vou tractar defa-zel-a.

O Sr. Ministro da Fazenda — Sr. Presidente, parece-me que é inutil affiançar á Camara e ao Digno Par o Sr. Marquez de Vallada que não é por meu prazer que accumulo as duas pastas de Fazenda e de Justiça; S. Ex.ª sabe que nisto não ha nenhum interesse, nem accumulação de vencimento, nem cousa nenhuma de que resulte proveito, e só uma maior somma de trabalho que pésa sobre mim; e tão depressa seja possivel procurarei livrar-me delle. Todavia, S. Ex.ª hade permittir-me que lhe diga, que a hypothese que apresentou é muito diversa daquella em que me acho, porque em 14 de Março houve um Ministro nomeado especialmente para a pasta da Justiça; os Dignos Pares sabem os motivos que deram logar a pedir aquelle cavalheiro a sua demissão, e por essa occasião expliquei á Camara os motivos que levaram o Ministerio a não convidar para essa pasta, n'uma occasião tão difficil, qualquer outro cavalheiro, porque era possivel que o Ministerio tivesse de se retirar diante dessa questão, e então não era digno de nós ir convidar para assumir a responsabilidade de uma questão de alta importancia um homem alheio a ella, e que nos podia substituir. Passaram-se alguns mezes, e o Ministerio encontrou um cavalheiro que quiz occupar essa pasta, mas foi tambem por pouco tempo, e pela sua retirada sujeitei-me de novo a tomar esse encargo; mas assevero ao D. Par, que desejo que esta situação acabe quanto antes, porque reconheço a minha incapacidade para esta pasta, assim como para a da Fazenda; comtudo faço quanto posso para desempenhal-a o melhor que me seja possivel.

Agora vou desempenhar uma promessa que fiz á Camara, e desempenho-a, porque o Sr. Presidente do Conselho, a quem pertencia tomar a iniciativa sobre este objecto, não póde vir agora a esta Camara por motivos de serviço; esta promessa foi a de mandar hoje para a mesa os documentos principaes, que dizem respeito á questão da barca Charles et Georges, a fim de habilitar a Camara a formar o seu juizo sobre esta questão, em quanto não póde ser distribuida a collecção que se tem preparado desses documentos, e cuja impressão o Governo promove. Os documentos que mando para a mesa comprehendem a Portaria de 30 de Julho de 1856. que mandou executar a Portaria de 1855. expedida ainda pelo Sr. Visconde de Athoguia, que tinha prohibido a exportação dos chamados colonos livres; o relatorio do Commandante do cruzeiro dando conta de ter apprehendido a barca Charles et Georges, e referindo as circumstancias que deram motivo a essa apprehensão; a Portaria do Governador geral de Moçambique nomeando uma commissão de inquerito para examinar se effectivamente aquelle navio estava nas circumstancias descriptas no relatorio do Commandante da estação naval; o relatorio dessa commissão; a acta do Conselho do Governo, que resolveu que o navio fosse entregue aos Tribunaes, porque estava fazendo commercio n'um porto prohibido ao commercio estrangeiro, e porque se achava em contravenção com as disposições do Decreto de 10 de Dezembro de 1836; o depoimento do Capitão do navio em Moçambique, e do Delegado nomeado pelo Governador da ilha da Reunião; ha tambem a sentença do Juiz de primeira instancia, e a correspondencia que teve logar entre o Ministro de França nesta corte e o Sr. Marquez de Loulé, como Ministro dos Negocios Estrangeiros; ha as informações que forneceu o Ministerio da Marinhe e Ultramar ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros sobre esta questão; ha tambem algumas das correspondencias com o nosso Ministro em París, assim como a proposta que o Governo fez da mediação no caso que o Governo imperial se não convencesse do direito que temos nesta questão, auctorisando o nosso Ministro para propôr ao Governo imperial que esta questão fosse julgada por uma Potencia á escolha da França; ha a recusa dessa mediação; e ha, finalmente, a nota de 23 de Outubro, por virtude da qual o Governo resolveu, da maneira que entendeu que devia resolver, esta questão, e dando conhecimento desta resolução ao Ministro de França.

O Governo desejava juntar a esta collecção de documentos a nota do Ministro dos Negocios Estrangeiros do Imperio, de que o Ministro de França nesta corte deu confidencialmente conhecimento ao Governo portuguez; mas tendo sido perguntado ao Ministro de França se consentia que essa nota fizesse parte dos documentos sobre este assumpto, elle declarou—que, sendo aquella nota confidencial, não podia ser publicada, e esta é a razão porque este documento não vem aqui: mas o extracto delle está na nota em que o Governo respondeu. São estes os documentos que mando para a Mesa, e que julgo que dão uma idéa exacta deste negocio; entretanto os Digno! Pares depois de verem estes documentos acharão talvez algumas lacunas; mas eu declaro, em nome do meu collega o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que esses documentos não dispensam a apresentação da collecção completa, para a prompta impressão da qual se empregam todos os meios possiveis, a fim de que as doai casas do Parlamento e o publico possam ter conhecimento quanto antes de tudo o que tem havido sobre esta questão.

O Sr. Visconde de Athoguia—Sr. Presidente, eu faço minhas as expressões do Digno Par e meu amigo o Sr. Conde de Thomar, quando declarou hontem, que todos os membros desta Camara desejavam achar motivos para louvar o Governo; e faço votos sinceros para que assim aconteça.

Senti não ouvir mencionar na enumeração dos documentos, que acaba de mandar para a Mesa o nobre Ministro da Justiça, cópia alguma das notas trocadas entre o nosso Governo e o Governo de Sua Magestade Britannica, e o seu representante nesta corte sobre a questão do navio