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N.º 74

SESSÃO DE 2 DE JUNHO DE 1880

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - O sr. conde de Rio Maior chama a attenção do governo para o conflicto que se tem dado entre o juiz de direito da Guiné portugueza e o governador da mesma provincia. - Resposta do sr. ministro da marinha (marquez de Sabugosa). - Approvação do parecer da commissão de fazenda relativo ás contas da gerencia da commissão administrativa da camara no anno economico de 1878-1879. - O sr. presidente da camara agradece, em seu nome e no da commissão administrativa, o voto de louvor proposto pela commissão de fazenda e approvado pela camara. - O sr. visconde de Bivar faz algumas considerações ácerca de não haver lei que regule e permitta as concessões de certos terrenos banhados pelas marés na provincia do Algarve, terrenos que os proprietarios limitrophes desejam adquirir para arredondar as suas propriedades. - Resposta do sr. ministro da marinha. - Continuação da discussão do projecto de lei n.° 107, que estabelece um imposto geral sobre o rendimento. - Discursos dos dignos pares Barros e Sá, Vaz Preto, conde de Bomfim e Simões Margiochi. - Approvação da generalidade do projecto.

Ás duas horas, e um quarto da tarde, sendo presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte.

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a seguinte proposição de lei, que tem por fim approvar os contratos de 12 de junho e de 3 de dezembro de 1878, com o banco ultramarino, ficando o governo relevado da responsabilidade em que tiver incorrido por haver effectuado os mesmos contratos.

Ás commissões de fazenda e marinha.

Outro, do ministerio da marinha, remettendo o authographo do decreto das côrtes geraes, de 7 de maio do anno corrente, que, organisa o quadro de saude da provincia da Guiné portugueza, e designa o pessoal que deve formar o quadro e companhia de saude da provincia de Cabo Verde, depois de sanccionado por Sua Magestade El-Rei.

Para o archivo.

Outro, do ministerio das obras publicas, satisfazendo ao pedido, feito pelo, digno par Luiz de Campos, em sessão de 29 de maio proximo findo.

Para a secretaria.

(Estavam presentes os srs. ministros da fazenda e da marinha, e entraram, durante a sessão os srs. presidente do conselho e ministro da guerra.).

O sr. presidente: - Devo declarar á camara que a deputação, encarregada de apresentar á sancção real alguns decretos das côrtes geraes, foi recebida hoje por El-Rei com a costumada benevolencia.

O sr. Conde de Rio Maior: - Desejo chamar a attenção do sr. ministro da marinha, meu parente e amigo, para um facto importante, occorrido na provincia da Guiné.

Segundo informações já publicadas nos jornaes, e conforme documentos, que tenho aqui presentes, parece que effectivamente n'aquella provincia tem havido conflictos graves entre o governador e o juiz de direito da comarca. De maneira alguma quero entrar na apreciação dos motivos d'essas difficuldades. É possivel que da parte do juiz de direito tenha havido abuso de linguagem por se julgar offendido; é possivel, digo mais, é certo que por parte do governador se tem exorbitado, invadindo attribuições que pertencem ao poder judicial. Segundo documentos, publicados no illustrado Jornal das colonias, parece que effectivamente se procurou coarctar as attribuições, das justiças ordinarias da comarca da Guiné portugueza, não só tirando criminosos da cadeia e prendendo o carcereiro, mas castigando com a prisão um militar, em virtude de ter dado este ao escrivão do juizo dois soldados necessarios para cumprir uma diligencia judiciaria.

Como os interesses da Guiné estão sendo muito considerados pelo governo, como effectivamente a metropole tem feito custosos sacrificios para collocar aquella provincia nas verdadeiras condições em que deve ficar, e sendo certo que, a primeira de taes condições é a boa harmonia entre as auctoridades, representando ali os poderes do estado, chamo a attenção do sr. ministro da marinha para o assumpto a que me referi, esperando que s. exa. fiscalisará as cousas de modo que as auctoridades não continuem a dar um triste exemplo com os conflictos levantados entre ellas.

Sr. presidente, não dou mais desenvolvimento á questão para não impedir o andamento dos projectos indicados para ordem do dia, e por isso termino as minhas reflexões.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Vou responder, como posso, ás observações que o digno par e meu amigo, o sr. conde de Rio Maior, acaba de fazer.

É verdade que existe de ha muito, entre as auctoridades judicial e administrativa da Guiné, conflicto que deu occasião a que o meu antecessor mandasse proceder ali a uma syndicancia. Essa syndicancia não se verificou por motivo de doença comprovada dos dois juizes de Cabo Verde, um dos quaes eu nomeei, no impedimento do primeiro. N'estas circumstancias ordenei que fosse o juiz da provincia de S. Thomé fazer a mesma syndicancia, e persuado-me que a esta hora deve elle estar dando cumprimento ás ordens do governo. Aguardo o resultado d'esta missão para ver qual o procedimento que se ha de seguir, na certeza de que, tanto eu, como todos os meus collegas, desejâmos que exista a melhor harmonia entre as auctoridades de que se trata.

O juiz que recebeu ordem de partir para a Guiné, foi encarregado de conhecer se havia, ou não, exorbitancia da parte do juiz syndicado ou das auctoridades administrativas, porque é necessario que os differentes poderes se respeitem mutuamente.

D. sr. Conde de Rio Maior: - Pedi a palavra unicamente para agradecer ao sr. ministro da marinha as explicações que acaba de dar, e as quaes registro. Espero que das providencias tomadas por s. exa. resulte terminar breve esta triste situação.

O sr. Sequeira Pinto: - Sr. presidente, mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda, que diz respeito á gerencia da commissão administrativa d'esta casa do parlamento no anno economico de 1878-1879.

Peço licença a v. exa. e á camara para ler o parecer.

(Leu.)

Sr. presidente, na qualidade de relator, e em nome da

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commissão de fazenda, proponho que seja consultada a camara sobre se dispensa o regimento para este parecer entrar desde já em discussão, porque não julgo que haja necessidade alguma d'elle ser impresso, nem tão pouco que seja necessario aguardar as demais formalidades regimen taes para entrar em discussão.

Desejo, pois, que v. exa. consulte a camara, a qual espero que estará de accordo com a commissão de fazenda sobre o seguinte:

1.° Que sejam approvadas as contas da commissão administrativa d'esta camara.

2.° Que se lance na acta um voto de louvor á mesma commissão pela maneira intelligente, digna e economica como procedeu na gerencia dos negocios d'esta casa. (Apoiados.)

Leu-se na mesa o parecer.

É o seguinte:

Parecer

Senhores. - Em conformidade com o que determina a carta de lei de 20 de agosto de 1853 e o artigo 89.° do regimento interno, a commissão administrativa da camara dos dignos pares do reino tem a honra de vos apresentar as contas da sua gerencia, relativas ao anno economico de 1878-1879.

A receita e a despeza do exercicio d'esse anno vem descripta no resumo e desenvolvimento juntos a este relatorio.

Pelo primeiro documento vereis que a receita foi de réis 30:607$936, proveniente das verbas que peio ministerio da fazenda foram postas á disposição da commissão.

Pelos primeiro e segundo vereis que a despeza foi de 30:590$427 réis, nos termos seguintes:

Com o pessoal comprehendido nas secções 1.ª, 2,ª e 3.ª, a quantia de 19:989$293 réis.

Com o material comprehendido na secção 4.ª, a quantia de 10:601$134 réis, a saber:

Assignaturas do Diario do governo 695$200 réis;

Diario das sessões da camara e impressões 7:804$431 réis;

Expediente e eventuaes, 1:671$503 réis; e

Com o busto do marechal do exercito duque de Saldanha, 430$000 réis.

Comparando a receita com a despeza, encontrareis um saldo de 17$509 réis, que passa a fazer parte da receita do anno economico seguinte.

Tambem junto a este relatorio vos apresenta a commissão, como documento, uma nota comparativa das quantias votadas no orçamento do estado para o referido anno economico de 1878-1879, e das despendidas pela camara no indicado anno.

Por essa nota vereis que as quantias votadas montaram a réis..... 25:126$000

E a despeza effectuada a réis.......... 30:590$427

Despendendo-se a mais réis ............. 5:464$427

Este augmento de despeza provém do seguinte:

Na 1.ª secção:

Verba votada, réis................. 8:188$000
Despeza effectuada, réis........... 8:373$925

Sendo a mais, réis............. 185$925

Devido ao augmento de 252$000 réis por terem sido elevados os vencimentos de tres continuos com mais 84$000 réis annuaes a cada um, pela carta de lei de 6 de maio de 1878, de que subtrahida a quantia de 66$075 réis proveniente de ter saído d'esta secção um primeiro official que foi aposentado em 1 de abril de 1879, com o vencimento mensal de 58$333 réis, logar que esteve vago um mez e cinco dias, e 7$742 réis de cinco dias que a menos receberam dois empregados promovidos em 6 de maio do mesmo anno, em virtude da mencionada aposentação, deu o augmento effectivo de 185$925 réis.

Na 2.ª secção:

Verba votada, réis..................... 7:200$000
Despeza effectuada, réis............... 7:073$588

Sendo a menos, réis ................... 126$412

Devido á aposentação de um primeiro tachygrapho, em 1 de abril de 1879, com o vencimento mensal de 58$333 réis, logar que esteve vago um mez e vinte e quatro dias, perfazendo a quantia de 108$903 réis que junta á de réis 17$509, importancia de nove dias de ordenado do mez de junho, que a menos venceu o redactor fallecido no dia 21 do referido mez, deu a diminuição effectiva de 126$412 réis.

Para empregados fóra do quadro e complementos de vencimentos:

Verba votada, réis..................... 3:358$000
Despezas effectuadas, réis ............ 3:191$786

Sendo a menos, réis,...................................... 166$214

Devido ao augmento de 252$000 réis, por terem sido elevados os vencimentos de tres continuos, com mais réis é 84$000 annuaes a cada um, pela carta de lei de 6 de maio de 1878, que subtrahida da quantia de 418$214 réis, que a menos se despendeu da verba votada, pelos seguintes motivos:

De um praticante tachygrapho, promovido a aspirante do quadro, antes d'este anno economico, réis................... 200$000

Do complemento do vencimento de um amanuense do quadro, promovido a segundo official em 6 de maio de 1879, réis..... 15$613

De um amanuense, addido, que passou ao quadro em 6 de maio de 1879, réis..... 47$601

De um praticante tachygrapho, addido, promovido a aspirante do quadro em 24 de maio de 1879, réis................... 25$000

Do complemento do vencimento de um aspirante tachygrapho, do antigo quadro, promovido a segundo tachygrapho antes d'este anno economico, réis................. 80$000

Do complemento de vencimento de um correio, do antigo quadro, fallecido antes d'este anno economico, réis............... 50$000 418$214

Deu a diminuição effectiva de réis........ 166$214

Na 3.ª secção:

Verba votada, réis................. 1:000$000
Despeza effectuada, réis ........... 1:349$994

Sendo a mais, réis...................... 349$994

Devido à aposentação de um primeiro official da secretaria e um primeiro tachygrapho, na conformidade da carta de lei de 10 de maio de 1878, tendo cada um d'elles o vencimento mensal de 58$333 réis, aposentação que teve logar no dia 1 de abril de 1879, por conseguinte com respeito a tres mezes, que decorrem desde a aposentação até ao fim do anno economico, o que deu o augmento effectivo de 349$994 réis.

Na 4.ª secção:

Verba votada, réis .................... 5:380$000
Despeza effectuada, réis.............. 10:601$134

Sendo a mais, réis..................... 5:221$134

Devido ao grande excesso de sessões, pois que, estando calculada a verba na hypothese de que a sessão duraria tres mezes, se prolongou até ao dia 19 de junho, dando em resultado o augmento effectivo de 5:221$134 réis.

Recapitulando-se estas differenças, verifica-se:

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[ver valores da tabela na imagem]

A mais A menos

Este excesso está legalisado pelo artigo 3.° da carta de lei de 19 de junho de 1879.

Palacio das côrtes, em 23 de janeiro de d'Avila e de Bolama, presidente = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vice-presidente = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Visconde de Soares Franco = Eduardo Montufar Barreiros.

Resumo da receita e despeza do anno economico de 1878-1879

RECEITA

Recebido do ministerio da fazenda................. 30:607$936

DESPEZA

Secções 1.ª, 2.ª e 3.ª

Ordenados dos empregados (25 documentos da marca A)....... 19:989$293
Assignaturas do Diario do governo (l documento da marca B).. 695$200
Publicações do Diario das sessões da camara e impressões (21 documentos da marca C).................... 7:804$431
Expediente e eventuaes (83 documentos da marca D)........... 1:671$503
Para o busto do marechal duque de Saldanha (l documento da marca E).....430$000
30:590$427

Saldo que passa para o anno economico de 1879-1880. 17$509 30:607$936

Palacio das côrtes, em 23 de janeiro de 1880. = Duque d'Avila e de Bolama, presidente = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vice-presidente = José Joaquim, dos Reis e Vasconcellos = Visconde de Soares Franco = Eduardo Montufar Barreiros.

Desenvolvimento da despeza effectuada no anno economico de 1878-1879

SECÇÃO 1.ª

Direcção geral da secretaria..................... 8:335$451

SECÇÃO 2.ª

Direcção geral da tachygraphia................. 7:073$552
Empregados alem do numero do quadro............ 2:552$159
Complemento dos ordenados de alguns empregados do quadro, na conformidade do decreto de 15 de abril de 1869 678$137

SECÇÃO 3.ª

Empregados aposentados...................... 1:349$994 19:989$293

SECÇÃO 4.ª

Material:

Importancia de 115 assignaturas do Diario do governo, e uma de tres trimestres, a 6$000 réis................. 695$200
Diario das sessões da camara................ 7:503$751
Impressões................................. 300$680 7:804$431

Despezas de expediente e eventuaes:

Expediente (25 documentos)............................. 1:119$450

Eventuaes:

Despezas miudas (12 documentos)......................... 45$745
Trens e convites nos jornaes para funeraes dos dignos pares (4 documentos)....................... 20$780
Combustivel para os caloriferos e fogões (3 documentos)....... 93$000
A companhia pelo gaz consumido e aluguer do contador (12 documentos)... 189$800
Serralheiro (4 documentos)............................................ 32$260
Objectos de limpeza (l documento).................................... 2$120
Vidraceiro (3 documentos)............................................ 4$280
Marceneiro (2 documentos)............................................ 19$500
Funileiro (l documento)................................................ 2$800
Despeza com a remessa de documentos para o consulado de Hespanha (l documento)................ 1$535
Uniforme de um correio (l documento)............................... 48$000
Espada e telim para o correio (l documento)........................ 10$000
Chapéu armado para o correio (l documento)......................... 10$000
Concertos em caixas para o archivo (l documento)................... 7$200
Sapatos e meias para o guarda portão (l documento)................. 4$800
Armador (l documento)............................................. 19$625
Um enxergão para a guarda militar do palacio das côrtes (l documento)..2$500
Toalhas adamascadas, panno de linho e algodão cru para os dignos pares, empregados e limpeza da camara dos dignos pares do reino (3 documentos).................... 14$118
Relojoeiro (l documento)...... 6$000
Concerto nos caloriferos e canalisação no tanque do jardim (3 documentos)........... 13$290
Almofada para o exmo. sr. presidente (l documento)...... 4$700
A A. Nunes, pela execução do busto do fallecido marechal e digno par duque de Saldanha (l documento).................... 430$000 2.101$503 10:601$134 30:590$429

Palacio das côrtes, em 23 de janeiro de 1880. = Duque d'Avila e de Bolama, presidente = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vice-presidente = Visconde de Soares Franco = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Eduardo Montufar Barreiros.

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Nota comparativa das verbas votadas no orçamento do estado e das despendidas pela camara no anno economico de 1878-1879

[ver valores da tabela na imagem]

Designações Verbas Differenças


Palacio das côrtes, em 23 de janeiro de 1880. = Duque d'Avila e de Bolama, presidente = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vice-presidente = José Joaquim dos Reis e Vasconcellos = Visconde de Soares Franco = Eduardo Montufar Barreiros.

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, em 2 de junho de 1880. = O conselheiro secretario geral, Joaquim Hemeterio Luiz de Sequeira.

O sr. Presidente: - Este parecer é muito importante, porque diz respeito ao exame das contas da commissão administrativa d'esta camara.

Segundo as disposições do regimento, este parecer, como todos os outros, devia ser impresso e dado para ordem do dia tres dias depois de ser distribuido pelos dignos pares. No entanto, eu não posso deixar de pôr á votação da camara o requerimento que acaba de ser feito pelo digno par, sr. Sequeira Pinto, em nome da commissão de fazenda. S. exa. pede que seja dispensado o regimento com relação á impressão d'este parecer, a fim de que entre immediatamente em discussão.

A camara é que póde resolver este pedido, porque á mesa só cumpre executar as disposições do regimento; por isso vou consultar a camara no sentido que acaba de requerer o digno par.

Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Sequeira Pinto, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: - Está, portanto, em discussão o parecer da commissão de fazenda mandado para a mesa pelo digno par sr. Sequeira Pinto.

Como nenhum digno par pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.

O sr. Presidente: - Em nome da commissão administrativa agradeço á commissão de fazenda os louvores com que a honrou, e á camara em ter approvado o seu parecer. No entanto, cumpre-me declarar que a commissão administrativa não fez mais do que cumprir o seu dever.

Estimo muito que a maneira como se houve merecesse a approvação da camara. Isto para a commissão é a melhor de todas as recompensas.

O sr. Visconde de Bivar: - Pedi a v. exa. a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da marinha para um negocio urgente.

Nós temos dentro do paiz, e sobretudo na provincia do Algarve, a que pertenço, grande quantidade de terrenos, que estão banhados pelas marés. Varios proprietarios desejam adquirir alguns d'esses terrenos para arredondarem as suas propriedades, e outros para as melhorarem.

Houve tempo em que se entendeu que bastava ser a pretensão acompanhada unica e exclusivamente de uma boa informação por parte do director das obras publicas e do capitão do porto que governasse na area a que aquelles terrenos pertenciam, para que o ministro da marinha podesse deferir essa pretensão.

Mais tarde entendeu-se que o ministro da marinha não podia resolver sobre este negocio sem estar auctorisado por lei.

Eu sei que ha innumeras pretensões a respeito d'este assumpto. Ha muitos requerimentos no ministerio da marinha pedindo terrenos d'esta natureza. Todavia, estas pretensões, aliás de toda a justiça, não têem sido resolvidas, o que é de grandes inconvenientes para a nossa agricultura.

Portanto, desejava que o sr. ministro da marinha me dissesse se estava resolvido ainda n'esta sessão a pedir qualquer providencia legislativa que o auctorisasse a resolver assumpto tão momentoso, e ao qual estão ligados interesses, segundo me parece, de primeira ordem.

O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Na verdade, como disse o digno par que acaba de usar da palavra, houve tempo em que o governo fazia as concessões de terrenos a que s. exa. se referiu, cingindo-se apenas ás informações do capitão do porto e do director das obras publicas; mas na realidade a lei oppunha-se a essas concessões, mesmo que fossem provisorias.

É tambem verdade que existem muitos requerimentos de particulares no sentido a que alludiu o digno par, e decreto convem tomar alguma resolução sobre este assumpto; entretanto não se póde tomar de prompto essa resolução, nem no curto espaço de tempo que ainda resta da actual sessão legislativa me posso comprometter a propor qualquer providencia legislativa, para regular de uma vez este negocio que precisa ser estudado convenientemente.

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O sr. Visconde de Bivar: - Agradeço ao sr. ministro da marinha a resposta que teve a bondade de dar ás palavras que proferi, e a attenção que me dispensou.

Vejo que no ministerio da marinha continua a entender-se, e parece-me que bem, não se poderem resolver as pretensões a que me referi, quando ha pouco fallei, sem haver lei que regule o assumpto de que ellas tratam.

Disse s. exa., que no pouco tempo que poderá haver ainda da sessão legislativa não lhe é possivel propor cousa alguma ás côrtes para resolver esta questão; e n'este caso peço ao illustre ministro que, no intervallo da sessão que vae d'aqui até o proximo janeiro, queira estudar o assumpto que não é para descurar, porque com a concessão dos terrenos a que se referem os requerimentos que existem no ministerio da marinha ha de concorrer muito vantajosamente para o util aproveitamento de terrenos que hoje nada produzem; lucrará com isso a riqueza do paiz, e com ella o thesouro publico; porque a agricultura, tornando fecundos os mesmos terrenos, convertendo-os em propriedades mais ou menos rendosas, augmentará assim a materia collectavel, de modo que aproveitará o particular e o paiz com o desenvolvimento da agricultura, e o thesouro com os impostos que necessariamente ahi hão de ir buscar receita para o estado.

Creio, pois, que é importante em extremo esta questão para que não fique adiada indefinidamente, e que os poderes publicos se devem occupar d'ella, tomando o governo a iniciativa de qualquer proposta tendente a resolvel-a, e não ficando dependente da iniciativa individual, sempre pouco efficaz, e que não é tão conhecedora das circumstancias todas que se deve ter em vista na solução d'este negocio.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para declarar, que o sr. conde da Ribeira Grande não póde comparecer á sessão de hoje, e talvez a mais algumas sessões, por ter gravemente enferma pessoa de sua familia.

O sr. Presidente: - Lançar-se-ha na acta a declaração do digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda a respeito dos emolumentos que se recebem na estação de saude de Belem.

Leu-se na mesa e mandou-se imprimir.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.° 108. Continua com a palavra o digno par o sr. Barros e Sá.

O sr. Barros e Sá: - Continuando com a palavra, que lhe havia sido reservada da sessão anterior, fez largas considerações sobre o projecto em discussão.

(O discurso do digno par será publicado quando s. exa. o devolver.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se um officio e um decreto que acaba de chegar á mesa.

Leram-se na mesa.

Officio

Um officio do ministerio do reino, remettendo o decreto authographo, datado de hoje, pelo qual Sua Magestade El-Rei houve por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 7 do corrente mez de junho inclusivamente.

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § . 4.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 7 do presente mez de junho inclusivamente.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço da Ajuda, em 2 de junho de 1880. = REI. = José Luciano de Castro.

O sr. Quaresma: - Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos pelo ministerio do reinos.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam remettidas a esta camara as informações precisas ácerca do que se assevera no parecer n.° 243 da camara dos senhores deputados, dizendo-se se é ou não exacto o que ali se affirma.

Em sessão de 2 de junho de 1880. = Quaresma de Vasconcellos.

Mandou-se expedir.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, a materia do projecto em discussão está esgotada. Os distinctos oradores que a têem apreciado em ambas as casas do parlamento tem-no feito com a maior proficiencia, verdadeiro estudo e maduro exame.

N'esta conjunctura pouco ou nada teria a acrescentar pró ou contra o projecto, e se uso da palavra é apenas para motivar o meu voto, e explicar as rasões que me determinam a rejeital-o na generalidade e na especialidade.

Sr. presidente, o imposto de renda não é um imposto de agora, é um imposto antiquissimo, muito conhecido dos economistas, e muito discutido por elles. Os philantropos consideram-no o imposto dos ricos, e alguns economistas desejavam-o como imposto unico. Effectivamente em absoluto, em theoria, não haveria nada mais justo, nada mais racional e nada mais acertado, se se podesse conhecer exactamente os haveres e riquezas de cada um, porque d'essa fórma o artigo da carta constitucional, que diz que cada um deve pagar proporcionalmente aos seus teres e haveres, seria uma realidade; mas como a riqueza se esconde quanto póde para evitar a acção do fisco, e a sua manifestação é variada e diversa, d'aqui veiu a necessidade da multiplicidade de impostos, que hoje estão em execução em toda a Europa.

Em todas as nações mais ou menos liberaes, mais ou menos civilisadas, existe a multiplicidade de impostos. Nos systemas financeiros de todas se lança mão tanto do imposto directo como do imposto indirecto.

Sr. presidente, eu poderia fazer uma longa dissertação ácerca de impostos, eu poderia combater a opinião erronea de falsos liberaes, e de democratas de nova data, que julgam que os impostos, indirectos sobrecarregam principalmente as classes proletarias e desvalidas; eu poderia mostrar que tanto em França, como em Inglaterra, como em outras nações que vão na vanguarda da civilisação, os homens os mais liberaes, os mais notaveis estadistas como Thiers, Passy, lord Broougham, etc., se têem pronunciado pelo imposto indirecto; eu poderia sustentar em theoria o imposto de renda como imposto unico; mas nada d'isso farei, o meu intuito é outro, e mais modesta a minha aspiração.

Eu apenas quero em breves considerações motivar o meu voto, e soltar algumas palavras a favor da propriedade tão desfavorecida dos poderes publicos e tão onerada.

Sr. presidente, o imposto sobre o rendimento tem sido introduzido e existe já no systema tributario de varias nações da Europa.

Não obstante, em toda a parte elle é conhecido e reputado como um imposto altamente vexatorio, e se tem sido acceite, tem sido devido ás circumstancias difficilimas, precarias e criticas d'essas nações; tem sido lançado como uma especie de contribuição de guerra. Os homens politicos e notaveis d'essas nações, para lhe aplainar os attrictos, e amaciar-lhe os vexames, têem procurado sustental-o como imposto compensador para corrigir as desigualdades dos outros impostos; e nalguns paizes, como, por exemplo, na Prussia, conserva-se em substituição de outros impostos que foram abolidos, e que eram ainda mais onero-

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sos, como o imposto de moagem, o imposto sobre a matança de rezes.

Sr. presidente, não me parece acertado que sendo este imposto considerado como o imposto das nações ricas, o sr. ministro da fazenda o quizesse implantar em Portugal, que é uma nação pobre, digo mais, pobrissima, e justamente na occasião em que a propria Inglaterra, que é uma das nações mais ricas da Europa, se mostra disposta a acabar com elle.

S. exa., que muito conhece do que lá vae por fóra, sem duvida sabe que o sr. Gladstone, apenas subiu ao poder, mostrou o desejo de substituir este imposto.

Pois é justamente n'esta occasião que s. exa. o quer introduzir no paiz, e de mais a mais acceitando e estabelecendo no projecto distincções impossiveis, que o tornam desigual e injusto.

O projecto como está não é imposto compensador, que corrija os defeitos de outros impostos, é um projecto altamente vexatorio, que não cria receita, mas que a esgota, porque quasi todo o seu producto será despendido na percepção do imposto.

Sr. presidente, o imposto de renda não deve jamais ser implantado em qualquer nação senão depois de experimentados e esgotados todos os outros impostos, senão em situações difficilimas e excepcionaes, e quando se têem empregado todos os meios para fazer com que os impostos existentes sejam bem fiscalisados e produzam o que podem produzir.

Fez isto o sr. ministro da fazenda? Não.

Parece-me que ninguem poderá asseverar que o sr. ministro tenha feito mais do que apresentar projectos de lei sobre projectos de lei, sem procurar fazer entrar nos cofres publicos as contribuições atrazadas, e fiscalisar e aperfeiçoar as existentes.

Este projecto de lei, a meu ver, não vae senão introduzir a confusão no systema tributario, impedir a reforma das matrizes, e difficultar os serviços das outras contribuições.

Parece impossivel que o sr. ministro da fazenda não previsse estes inconvenientes, que hão de advir forçosamente por falta de pessoal, e de pessoal habilitado.

Sr. presidente, eu não posso deixar de me insurgir contra o espirito de imitação que têem os portuguezes; contra o desejo que parece innato n'elles de macaquear as nações estrangeiras.

Se as querem, pois, macaquear, macaqueiem-as em tudo. Macaqueiem-as no seu bom senso, macaqueiem-as na sua actividade, macaqueiem-as na instrucção, macaqueiem-as na regularidade dos serviços, etc. Mas querer implantar em Portugal um systema, porque elle existe lá fóra, sem Portugal se achar nas mesmas condições, nem ter o pessoal proprio e habilitado para aquelle serviço, parece-me pouco acertado, e nada sensato.

Em Inglaterra o income tax e um verdadeiro imposto de guerra, e nos acontecimentos da Criméa não se elevou ainda assim a mais de 3 por cento. Na Italia, depois da sua constituição em reino unido, tambem não tem sido muito elevado.

As situações excepcionaes em que se viram estas duas nações, uma em lucta gigantesca com a Russia, a outra envidando os ultimos esforços para sacudir o jugo estrangeiro e constituir a sua unidade e autonomia, podem comparar-se ás difficuldades em que nós vivemos hoje, devidas á má administração, á falta de juizo e do bom senso? Não, por certo.

Sr. presidente, as circumstancias em que nos achâmos são outras, e bem differentes, e por isso o sr. ministro da fazenda não devia querer importar, permitta-se-me a expressão, para Portugal um tão vexatorio imposto, senão depois de ter aperfeiçoado a administração e fiscalisação dos que já tinhamos, e de ter um pessoal apto e habilitado para o executar.

Só então, e depois de reconhecer que não eram sufficientes os impostos existentes, e que já não havia outros a que recorrer, devia lançar mão d'este ultimo recurso.

A proposito do desleixo com que o actual sr. ministro da fazenda deixa os devedores ao estado continuar no systema de não pagar, perguntarei a s. exa. o que é feito da medida que s. exa. disse ter apresentado na outra casa do parlamento para fazer entrar nos cofres do estado as contribuições em divida?

Sr. presidente, na sua consciencia entende o sr. ministro que deve recorrer a um imposto tão vexatorio, a uma contribuição de guerra pesadissima, quando estão por entrar no erario cerca de 5.000:000$000 réis, ou mais ainda?

Eu desejaria que o sr. ministro, em logar do prurido de reformador de todo o systema financeiro, e de saber tudo que se passa pelo estrangeiro, descesse á realidade, viesse á pratica, e envidasse todos os esforços para vencer os abusos inveterados, e acabar com o systema do calote, obrigando os devedores remissos a cumprirem com o seu dever.

A primeira cousa que o sr. ministro devia fazer era empregar todos os meios, mesmo providencias excepcionaes, para fazer entrar nos cofres do thesouro o que se lhe devo; mas augmentar os encargos aos contribuintes pontuaes, emquanto os remissos parecem ter privilegio, é uma cousa que não se comprehende e que não é admissivel.

Se o governo tivesse empregado meios, e redobrasse em esforços para cobrar os impostos em divida, mostrava ao não só que tinha vontade de cumprir as leis, mas que, melhorando a arrecadação dos impostos, procurava favorecer o contribuinte pela perequação do imposto.

O governo não tem feito cousa alguma do que acabo de indicar, não tem feito as reformas e as economias que devia ter feito, e que prometteu fazer. Como quer, pois, attingir o equilibrio orçamental? Pelo contrario, tem consentido que na outra casa do parlamento se votem, em variados projectos, milhares de contos que augmentam a despeza, e que se fossem approvados n'esta camara, seriam uma torrente caudal, que submergiria o contribuinte e engrossaria consideravelmente o deficit.

Voto, pois, contra a generalidade d'este projecto, porque elle tem por fim estabelecer um imposto desigual, iniquo e altamente vexatorio.

Para ver quanto este imposto é desigual e iniquo, basta olhar para o modo como está redigido o projecto e distribuido o imposto.

Para o effeito do lançamento e cobrança d'esta contribuição, os rendimentos dos contribuintes são divididos em cinco classes - A, B, C, D, E.

A primeira diz respeito á applicação de capitaes, a segunda ao exercicio de algum emprego, a terceira á propriedade immobiliaria, a quarta ao commercio e industria, e a quinta aos rendimentos de qualquer proveniencia quando não produzidos, mas desfructados, no continente do reino e ilhas adjacentes, quer dizer que desfructam em Portugal rendimentos produzidos em paizes estrangeiros.

Este imposto devia recaír sobre todos, sem excepção, para ser justo e equitativo, mas o governo não o entendeu assim, e estabeleceu minimos differentes para tornar palpitante a iniquidade.

Quer que o empregado publico que tem 150$000 réis de ordenado seja exceptuado, mas não quer que o seja aquelle que tem 20$000 ou 30$000 réis de rendimento provenientes de titulos de divida publica. Porque é que o governo exceptua o industrial que tem 150$000 réis, e obriga o proprietario que tem pouco mais de 50$000 réis de renda a pagar o imposto, quando o que elle tem não lhe chega para sustentar a sua familia?

Isto não é só desigual, é repugnante.

Se o sr. ministro da fazenda em logar de viajar tanto no estrangeiro e de nos apresentar os systemas seguidos na Baviera e na Saxonia, não esquecendo a Turquia, via-

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jasse um pouco pelas nossas provincias, e examinasse a constituição da familia, veria que, nas classes laboriosas, marido, mulher e filhos desempenham durante todo o anno um trabalho improbo e duro para agricultar a terra, que o muito que lhes produz são cinco e seis sementes, e que mal chega para o seu sustento, e quando elles obtêem esse rendimento collectavel, é á custa de serviços violentos e de economias reiteradas, limitando-se a, um sustento muito parco, e pouco alimenticio. Basta dizer-se que estes contribuintes de 50$000 réis não comem carne senão nos dias de festa. O sr. ministro da fazenda, está muito enganado emquanto á industria agricola em Portugal.

Sr. presidente, eu vou analysar este imposto, nas diversas classes em que os rendimentos estão divididos.

Tratarei primeiramente da classe A. Este imposto que tem sido discutido n'esta e na outra casa do parlamento, onde se tem mostrado até á evidencia que o governo pretende faltar á fé dos contratos, lançando imposto sobre os titulos da divida interna, pela fórma que o fez, é um imposto que na actualidade revela o pouco tacto politico do governo propondo-o ao parlamento na vespera de fazer um emprestimo.

Não me repugna o imposto sobre os titulos de divida publica, mas o que me repugna é o imposto pela fórma que é lançado e a occasião.

Sr. presidente, sendo principio geral, e inquestionavel, que cada um deve pagar segundo os seus teres e haveres, claro está, que os titulos de divida publica não devem ser isentos n'uma situação normal, quando não haja divida fluctuante, quando não haja deficit, e não seja necessario recorrer ao credito.

Sr. presidente, a rasão, por que agora eu voto contra este imposto, é porque acho da parte do governo um passo arriscadissimo ir lançar um imposto sobre os titulos de divida publica, quando está nas vesperas de contrahir um novo emprestimo.

E porque não propoz o governo n'este imposto sobre-as inscripções tambem o minimo dos 150$000 réis? Pois um creado que faz algumas economias não poderá comprar uma, duas ou tres inscripções de 100$000 réis? Isto parece ser fóra de duvida.

Eu entendo que todos que têem qualquer rendimento devem pagar, mas o que primeiro, era indispensavel para se poder lançar este imposto, era termos o orçamento equilibrado; emquanto tivermos um deficit de 7.000:000$000 réis, emquanto tivermos uma divida fluctuante de 16.000:000$000 réis; emquanto tivermos encargos tão pesados; entendo, repito, que o governo dá um mau passo, um passo errado, em tributar os titulos de divida publica, porque, embora produza alguma cousa o imposto lançado sobre os possuidores d'esses titulos, esse producto será insignificante em virtude das más condições e desvantagens em que for emittido o emprestimo.

N'estas circumstancias a nação é que ha de pagar o imposto.

Sr. presidente, parece estar cego o sr. ministro, não vendo que, desacreditados os titulos que vae emittir fatalmente hão de perder de valor.

Quer v. exa. ver e a camara a situação, em que se acha o governo para emittir o presente emprestimo, e a occasião em que elle pretende tributar os titulos de divida interna?

Enumerarei para esse fim os emprestimos que foram feitos desde 1867 a 1877.

1.° em 1867 no valor de............ 24.750:000$000
2.° em 1869 no valor de............ 54.000:000$000
3.° em 1873 no valor de............ 38.000:000$000
4.° em 1879 no valor de........... 30.000:000$000

Total........ 146.750:000$000

Se juntarmos a estes emprestimos o feito o anno passado, o que se pretende fazer este anno de 15.500:000$000 réis, o de 3.000:000$000 réis para o caminho de ferro da Beira Alta, o que tem de se fazer para o ultramar, e outras, despezas já votadas, teremos cerca de réis 200.000:000$000.

Pois é n'esta occasião, tendo-se recorrido, e continuado á recorrer ao, credito, em tão grande escala, que o governo propõe tributar os titulos de divida, interna!

O argumento de que o emprestimo é feito no estrangeiro, e que os titulos de divida externa estão, isentos do imposto, não tem força. É verdade que o estão agora, mas pela mesma fórma que se não teve contemplação, com os titulos de divida interna, no futuro não se terá tambem com os da divida externa.

Pois quem poderá acreditar nas affirmações dos srs. ministros, quando as declarações feitas nas proprias inscripções não tem valor.

É pois, sr. presidente, quando o governo deseja fazer um emprestimo, importante que vem tributar os titulos de divida publica?! Isto é um erro politico indesculpavel, que não tem precedentes, e que ha de custar, muito caro á nação.

Parece-me que a aprendizagem do sr. ministro da fazenda não sairá muito barata ao paiz.

Passando á classe B, á classe dos empregados publicos, affirmarei que este imposto tem o grande defeito de ser um contrasenso, pois se o governo julga que os empregados publicos estão mal remunerados, a ponto de ser necessario dar-lhes gratificações contra lei, como é que o governo tributa esta classe? Em nome de que idéas e de que principios lança uma contribuição sobre uma classe, que julga mal remunerada e que arbitrariamente e contra lei se está favorecendo por meio de gratificações?

Dar-lhe por, uma parte, sem lei que justifique, esses abonos, é tirar-lhe por outra, indiscretamente eis o systema do governo! Em bom portuguez isto quer dizer, que o governo está illudindo o paiz, é lançando poeira aos olhos do publico.

Este imposto sobre os empregados publicos não ascende a 120:000$000 réis. Pois, mais do que isto está o governo dando em gratificações e ajudas de custo. Basta ler á nota das gratificações, dadas contra lei, que vem publicadas no Diario, para se fazer uma idéa do que assevero.

Pelo ministerio da fazenda dão-se perto de 80:000$000 réis. Note a camara que no Diario ainda não vem publicadas todas as gratificações e ajudas de custo dadas pelo ministerio da fazenda, ao pessoal das alfandegas do serviço externo, ainda não foram enviadas a esta camara, nem publicadas.

Nas obras, publicas o systema continua o mesmo ou peior ainda, como eu já demonstrei.

Como é, pois, que o governo, entendendo que os empregados publicos não podem manter-se com os ordenados que têem, apresenta um artigo no projecto em que os sujeita ao novo imposto?

O governo, por mais que faça, não póde justificar de maneira alguma o seu procedimento. A incoherencia é palpitante, e incontestavel a contradicção.

Quanto ao imposto da classe C sobre a propriedade, considero-o iniquo, desigual e injusto.

O proprio sr. ministro confessou que as matrizes não representavam a expressão da verdade, que havia desigualdades flagrantes de districto para districto, de concelho para concelho, de parochia para parochia.

Sendo assim, lançar um imposto adoptando por base essas matrizes que estão ainda por corrigir, não me parece nem regular, nem acceitavel, nem racional. Isto prova que o sr. ministro da fazenda não leu o Annuario estatistico do sr. Pedro de Carvalho, nem consultou como devia o seu auctor, empregado competentissimo, pelo que sabe e pela posição que occupa.

Se tivesse lido aquelle interessante livro, reconheceria

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que pelo modo, como existem as actuaes contribuições, ellas não dão o que poderiam e deveriam dar.

Reconheceria o estado de imperfeição das matrizes prediaes, as lacunas que existem na contribuição industrial, e veria que na maior parte do paiz a contribuição sumptuaria tem sido e continua a ser illudida.

Reconheceria tambem que sem um pessoal intelligente e habilitado é difficil, e quasi impossivel, aperfeiçoar o systema tributario, e se não tem esse pessoal para as contribuições existentes, muito menos o terá para o imposto do rendimento.

O resultado, pois, será fazer-se o serviço mal feito sem resultado, e o pouco imposto que se perceberá custará quasi tanto como a receita, que em logar de creada para o thesouro será esgotada pelo perceptor.

Sr. presidente, este imposto é muito inconveniente, lançado sobre a propriedade é querer matar a gallinha que põe os ovos de ouro. Vão collocar a propriedade já aggravada por successivos impostos em circumstancias criticas, porque tem de pagar por uma base falsa e desigual o imposto mais vexatorio que se conhece.

Sr. presidente, a propriedade está altamente onerada, porque não paga só os 3.107:000$000 réis para o estado, paga as contribuições districtaes, municipaes e parochiaes, e congruas para os parochos, paga o imposto, de registro predial nas conservatorias; porque, alem das hypothecas, acções de onus reaes, etc. etc., todas as transmissões têem de ser registradas, sem o que não se transmitte a posse; paga as despezas dos inventarios por tabellas elevadissimas, paga os ordenados dos escripturarios de fazenda, paga a confecção das matrizes.

Sobre este ponto perguntei eu ao sr. ministro da fazenda quanto custaria a reforma das matrizes, e s. exa. não me soube dizer. D'este modo a camara votou uma auctorisação que não sabe ainda até onde chegará.

Finalmente a propriedade paga o imposto sumptuario, e paga mais ou menos em todos os impostos indirectos, sobretudo no real de agua. Pois, recaíndo este imposto principalmente sobre objectos agricolas e estando o productor portuguez em pessimas condições para produzir, este imposto recae principalmente sobre elle, pois, como v. exa. sabe e a camara, os impostos indirectos recaem ora sobre o consumidor, ora sobre o productor, que aqui é o proprietario, mas geralmente tendem a equilibrar-se, é esta uma das vantagens, dos impostos indirectos.

Sendo em economia politica assente este principio, é evidente que a propriedade paga mais ou menos os impostos indirectos, e em que condições? Nas condições de pobreza em que se acha. Os proprietarios em Portugal não possuem geralmente grandes fortunas e é raro encontrar um que enriquecesse pela agricultura.

Sr. presidente, a propriedade rustica em Portugal está muito sobrecarregada de contribuições. Se o sr. ministro da fazenda tivesse examinado os factos, descido á pratica, e conhecesse melhor o interior do paiz, reconheceria a verdade do que digo.

A cultura da nossa propriedade póde reduzir-se a cereaes, vinha, olivedo, e montados.

Na cultura dos cereaes acontece que, como a natureza dos nossos terrenos é muito fraca, é necessario deixar descançar as terras annos, para ellas produzirem alguma cousa. Toda a agricultura da Beira Baixa, por exemplo, onde os terrenos são fracos, é necessario que descancem, isto é, ficar de pousio seis e nove annos para poderem produzir. Já se vê que d'este modo o lavrador quasi que não tira para se sustentar e á sua familia, quanto mais para economisar. N'estes terrenos fracos a cultura reduz-se a lavrar, semear e recolher, sujeitando-se ás contingencias das estações.

A cultura das terras fortes, onde ha falta de agua e de estrumes, torna-se dispendiosissima, e ainda n'estas condições ella é cara, e sirva para exemplo a cultura da provincia do Minho. Cada alqueire de milho produz-se ali por um preço bastante elevado, o que é um grande inconveniente, porque elle é o alimento indispensavel para aquella população. Se isto acontece havendo ali abundancia de população, e, portanto, de braços, que succederá onde rarearem os braços.

Sr. presidente, para se poder fazer idéa da pouca fertilidade dos nossos terrenos, e de quanto é elevado o preço das nossas producções agricolas, basta dizer que os cereaes da America e da Australia, apesar de serem remotas essas regiões, e dispendiosos os transportes, concorrem com os nossos generos. Mas não só concorrem com os nossos generos, até fazem concorrencia á industria nova em Portugal da engorda de gados, pois estão mandando carne para a Europa, conservando-a em gelo. A cultura dos cereaes vive na penuria.

A da vinha, como todos sabem, tem sido victima de geraes e continuadas molestias, como oidium, etc.; e ainda ha poucos dias o parlamento votou uma medida para evitar a propagação da phylloxera, em que é preciso fazer não pequena despeza. As molestias têem feito acabar muitas vinhas, e outras encontram-se definhadas.

No Douro tem desapparecido um grande numero de vinhas, de sorte que propriedades de grande valor estão quasi reduzidas a cultura insignificante, e sem valor algum.

N'estas circumstancias parece-me que, havendo outros recursos, o governo fará mal em lançar um imposto novo sobre a propriedade, que está rendendo muito pouco. Os olivedos, em consequencia das ultimas estiagens, têem-se perdido consideravelmente; antes mesmo das estiagens já eram atacados de ferrugem e agora continuam a sel-o em menor escala, e alem d'ella ha outra molestia que faz amarellecer as oliveiras, e tornar gafa a azeitona, e por isso a producção tem sido n'estes ultimos annos escassa e insignificante, exceptuando á borda de agua onde os terrenos são mais fortes e araveis. Na Beira Baixa, porém, onde geralmente o arvoredo povoa as serras e as encostas, onde a sua plantação é já bem difficil, onde um homem planta por dia apenas duas ou tres estacas de oliveira, abrindo covas á picareta em pisarra dura, a cultura d'este genero é dispendiosissima, e a producção tem sido muito diminuia, devido á natureza do terreno e irregularidade das estações.

Como a camara apreciará por esta minha singela mas verdadeira descripção, o proprietario para recolher algum azeite carece de trazer os olivaes n'estes terrenos limpos de mato, muito bem lavrados, mas não semeados; porque, sendo o terreno fraquissimo, qualquer cereal, pouco productivo ali, alem de defecar a terra, escalda-a sobremaneira.

Já se vê, pois, que não são prosperas as circumstancias dos proprietarios de olivaes. Por outro lado a falta de capitaes, para se arrotearem e cultivarem as terras, dá em resultado que os seus donos ou os lavradores não possam agricultal-as com mais desvelo e maior disenvolvimento, e por modo que as tornem mais productivas e dêem um rendimento que corresponda ao onus e trabalho que ha com ellas.

Portanto, estando já os proprietarios sobrecarregados de tributos, não podendo obter capitaes baratos para comprarem machinas, e agricultar os campos em melhores condições, como poderão satisfazer a todos os encargos com o aggravamento que este projecto traz comsigo?

Sr. presidente, não são só as calamidades que enumerei, que affligem o proprietario. Outra fonte de riqueza lhe tem sido ultimamente muito deteriorada: os montados.

Os montados levam quarenta annos e mais a fazer, e os de sobre maior espaço de tampo, e n'aquelles que já estão feitos o seu rendimento tem sido tambem escasso, porque devido ás ultimas estiagens a cortiça resentiu-se em extremo e não leve o desenvolvimento que devia ter, porque a

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sua creação foi pessima, e milhares e milhares de sobreiros morreram.

Não obstante a camara lançou um pesado imposto sobre a cortiça!

Aqui tem a camara um outro imposto que a propriedade paga!

Em similhante conjunctura, e em tão bellas circumstancias, será auspicioso o futuro dos proprietarios?

Como poderão os proprietarios satisfazer a tão pesados encargos, sem que a producção de algum modo compense esses onus?

Se apreciarmos qualquer outro genero de cultura, os resultados a que chegâmos, as consequencias que tiramos, são as mesmas.

Se tivessemos prados artificiaes, se os nossos rios estivessem canalisados, de fórma que fossem faceis as irrigações nos campos adjacentes, poderia desenvolver-se em Portugal em grande escala a industria da engorda em estabulos, pois exceptuando o Minho, onde ella se exerce com difficuldade e trabalho, nas outras provincias, como na Beira e Alemtejo, a engorda faz-se apascentando no campo em manadas e rebanhos o gado a ella destinado.

É o que a natureza dá!

Pois as ultimas estiagens tambem influiram n'este genero de industria, que nada produziu, porque dizimou os rebanhos consideravelmente.

Não é carregado, posto que sombrio, o quadro que deixo descripto.

A camara reconhecerá que as condições em que existe e vive a nossa agricultura são tristes e precarias, e que ás causas physicas que contrariam a producção temos a juntar a falta de capitaes que os emprestimos successivos feitos pelo governo no paiz têem absorvido, distrahindo-os da sua applicação ás industrias, e, por consequencia, á agricultura, que é a industria mãe, a industria principal.

D'ahi resulta que os pequenos lavradores morrem de fome, produzem caro e mal, porque só podem obter capitaes a juros exorbitantes que sobem ás vezes a 50 por cento quando chegam a encontrar esse capital para o amanho das suas terras.

É, pois, n'estas circumstancias que o governo quer que a propriedade pague ainda, maiores tributos?!

Peço de novo ao sr. ministro da fazenda que estude os factos, que observe o paiz madura e circumstanciadamente, examine os acontecimentos e atire com as malditas theorias para longe do parlamento.

Estudo continuado, mas no paiz, pratica constante, analyse successiva e experiencia repetida, é o que é indispensavel para o homem publico, e sobretudo para um ministro.

Talvez o sr. ministro da fazenda não saiba, que essa propriedade, que julga que póde pagar mais e muito mais, nem era compensação das contribuições que paga tem podido obter o respeito e a segurança que lhe é devida.

Toda a gente que vive nas provincias sabe ao que está exposta a propriedade rural pela falta de policia e de providencias que cohibam os assaltos e os roubos.

No districto de Castello Branco, por exemplo, ha proletario que, como se costuma dizer, não tem onde caír morto, e recolhe quinze a vinte e tantos alqueires de azeite roubado, outro tanto succede copa a bolota dos montados e outras producções.

(Interrupção que se não ouviu.)

As auctoridades, ou não fazem caso, ou dão quasi sempre rasão ao que furta, porque dizem que os governos querem deputados, e, portanto, que elles precisam de eleitores.

Sem haver respeito á propriedade, segurança para ella, e para o individuo, o proprietario jamais poderá pôr, em pratica as theorias agricolas e ensaiar os differentes methodos de cultura. Elle limitar-se-ha a semear todos os annos os mesmos cereaes, já que não póde pôr em pratica a cultura alternada, aconselhada pelos homens da sciencia, e confirmada pela pratica.

Pergunto ao sr. ministro da fazenda se entende que, á propriedade que não é respeitada, que não tem segurança, se lhe póde pedir mais imposto?

Eu entendia que o primeiro dever, do governo, era fazer respeitar, o individuo e a propriedade, era manter a ordem por tal fórma que o individuo podesse usar livremente do seu direito, e gosar a seu bello prazer dos seus teres e haveres, e que, d'este serviço que a sociedade lhe prestava é, que vinha para o estado o direito de exigir compensação correspondente, e para o cidadão a obrigação correlativa de pagar para a segurança da propriedade e manutenção da ordem publica. Agora pelo systema e theoria do actual sr. ministro da fazenda reconheço que tudo isto é uma chimera, uma utopia, e que a belleza do systema está em os contribuintes pagarem, sem terem as compensações condignas.

Eu tenho feito á camara uma especie de relatorio do que se passa principalmente no districto de Castello Branco para reconhecer que um governo, que não tem sabido cohibir os abusos, não tem auctoridade para exigir do contribuinte grandes sacrificios.

Se no districto de Castello Branco houvesse respeito á propriedade e segurança dos proprietarios pagariam mais facilmente os impostos, porque sabiam que o que tinham nas suas propriedades lhes pertencia, e que podiam dispor d'essa riqueza livremente. Então podiam sem ser necessario fazer grandes muros estabelecer a cultura alterna nos terrenos fortes e regadios, comprar machinas com o dinheiro poupado, nos muros, e ensaiar os systemas que lá fóra estão dando proficuos resultados.

Sr. presidente, eu fallo com a experiencia e com a observação de todos os dias, e por isso posso contar os factos e acontecimentos que tenho presenciado.

No districto em que eu resido é talvez aquelle onde mais se faz sentir a falta de respeito á propriedade, ali os terrenos estão sujeitos póde-se dizer, ao communismo. Ali não é cada um senhor do que é seu. Se pretende fazer respeitar propriedade sujeita-se a vel-a em pouco tempo incendiada, e o peior é que ha auctoridades judiciaes que se mostram favoraveis e parciaes par a com aquelles que são, accusados de tão graves crimes. A impunidade anima a repetição.

Sr presidente, dizia eu que o communismo, ali existe de facto, e n'um concelho ha até um juiz de direito tão excentrico, que condemna sempre o proprietario nos crimes appellados!

Por tudo que acabo de expor resulta a injustiça ou pelo menos a inpportunidade do projecto. Ao menos deem-lhe uma outra redacção, porque elle está redigido de maneira pouca clara, como por exemplo, nos artigos 6.° e 17.° Eu peço a attenção do sr. ministro para que s. exa. me explique estes artigos; tencionava mesmo apresentar uma moção para que elles fossem redigidos de outra maneira.

O artigo, 6.º diz o seguinte:

«Artigo 6.° Os rendimentos da classe C serão calculados por cada freguezia pela totalidade de rendimento predial collectavel inscripto na respectiva matriz, e para cada proprietario pela justa apreciação relativa do seu rendimento annual pela fórma prescripta n'esta lei.

§ 1.° Do rendimento total da parochia abater-se-hão:

«1.° A importancia da respectiva contribuição predial, tanto geral, como districtal, municipal e parochial;

«2.° Dez por cento do rendimento collectavel dos predios, urbanos para despezas de conservação.»

Segundo a doutrina d'este artigo a matriz para esta contribuição será formada pelo seguinte modo: Vae-se á matriz geral e tira-se toda a materia collectavel da parochia, deduzem-se d'ella todas as contribuições pagas e mais 10 por cento para despezas de conservação e fica completa a matriz; mas, como os proprietarios que têem até 50$000 réis estão isentos de contribuição os outros restantes são os que

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pagam. Quer dizer, que a matriz formada pela materia collectavel de todos é a base do rendimento para alguns, sem excepção.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - A materia collectavel.

O Orador: - Effectivamente aquella matriz assim formada é que fórma a materia collectavel que é a base d'aquella contribuição.

A doutrina d'este artigo alem de iniqua seria um acto de dolo e de má fé dos poderes publicos. Este artigo poderia ficar assim redigido desde o momento que se acrescentasse mais um n.° 3.° ao paragrapho, declarando que do rendimento da parochia se devia deduzir tambem e rendimento collectavel dos proprietarios que não excedessem réis 50$000.

Este additamento é indispensavel, porque a redacção do artigo 17.° tambem está confusa e d'elle não se deduz claramente que o artigo 6.° deve ser interpretado em conformidade com esta declaração, que da matriz parochia é necessario deduzir o rendimento collectavel das propriedades que não excedem 50$000 réis. Eis o que diz o artigo 17.°:

«Artigo 17.° O lançamento da contribuição sobre os rendimentos da classe C effectuar-se-ha pela fórma seguinte:

«Em cada concelho o escrivão de fazenda extrahirá da matriz predial uma relação por freguezias com os nomes dos contribuintes sujeitos a este imposto e respectivo rendimento collectavel, e depois de haver addicionado as verbas d'estes e de ter effectuado os abatimentos prescriptos no § 1.° do artigo 6.° fixará a importancia do imposto a dividir pelos contribuintes da parochia.»

Pela leitura e inspecção d'este artigo se reconhece a sua antinomia com o artigo 6.°

O artigo 17.° é manifestamente contradictorio com o artigo 6.°, e por isso carecem estes dois artigos de serem refundidos de fórma que fiquem harmonicos. Se a sua interpretação é duvidosa, se parlamentares instruidos de ambas as casas do parlamento têem encontrado duvida na sua interpretação, o que acontecerá ás commissões parochiaes, compostas de lavradores e de cidadãos sem curso, e que succederá mesmo aos escrivães de fazenda? As leis devem ser sempre muito claras e precisas para evitarem os conflictos e as repetidas questões.

Sr. presidente, vou concluir por agora as minhas reflexões, acrescentando que, alem d'estes inconvenientes que tenho apontado, se me afigurou sobre todos um que é o que prejudica mais este projecto; refiro me á falta de pessoal para elle ser levado á execução. Esta minha asserção não é gratuita, é confirmada pelo instructivo trabalho publicado pelo sr. Pedro de Carvalho.

Quem lê aquelle interessantissimo estudo, reconhece immediatamente o erro e a inconveniencia do sr. ministro da fazenda de apresentar na actualidade um similhante projecto.

Sr. presidente, não basta votar impostos; para não esgotar receitas, é mister que a sua execução seja facil, e que a percepção não seja cara. Como quer o governo, com o pessoal que tem, que é pequeno, em relação ao serviço da reforma das matrizes, e pouco habilitado, executar satisfactoriamente uma lei que repugna ao paiz, que é altamente vexatoria pelas desigualdades que vae aggravar?

Sr. presidente, este projecto, convertido em lei, para ser executado, precisa gastar-se muito na percepção do imposto, talvez mais de metade.

A rasão é obvia: os serviços por ora acham-se ainda em confusão, e por isso o primeiro trabalho é organisal-os e simplifical-os? alem d'isso os interesses representam desigualdades tão revoltantes, que deve haver grande reluctancia no contribuinte em pagar o imposto, e d'aqui resulta o augmento de despeza na cobrança. Será com as commissões parochiaes que o sr. ministro quererá fazer esse serviço? Ellas não só não quererão trabalhar, sem que lhes paguem, mas ainda que queiram não saberão. Este serviço demanda uma enormissima escripturação; só de conhecimentos serão necessarios mais de um milhão, e poderá com o pessoal actual fazer se tudo de que se carece? Ninguem e affirmará. N'esta conjunctura o que faria o homem pratico, o ministro que descesse das regiões aereas á realidade, em logar do prurido de reformar tudo a torto e a direito; procederia mais cautelosamente: começaria por aperfeiçoar a cobrança das contribuições actuaes, reformaria as matrizes, tiraria todos os recursos dos impostos existentes, cobraria os milhares de contos de contribuições em divida, e se isto não bastasse para occorrer ás necessidades do thesouro, recorreria a outros impostos menos vexatorios, e só na ultima necessidade lançaria não d'este revoltante imposto das nações ricas, para applical-o a Portugal, que é nação pobre.

Nada d'isto fez o sr. ministro, e por isso o projecto que se discute, se for convertido em lei, ou não se executará, ou, se se executar, o resultado será quasi nullo, porque a principal parte do imposto será empregada na sua percepção.

O sr. ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Talvez se podesse ter introduzido na redacção do artigo 6.° alguma phrase explicativa, como se fez mais tarde na redacção do artigo 17.°, mas este esclarece aquelle. A materia collectavel, a que se refere o artigo 6.°, é segundo o que está disposto na lei, e não sobre a contribuição predial.

Não póde, portanto, haver receio de que se de o facto, a que alludiu o sr. conde de Valbom.

O Orador: - Ouvi a explicação do illustre ministro e a interpretação que dá aos artigos 6.° e 17.°, e como ella é conforme com o additamento que eu desejava propor, desisto d'elle, comtanto que a declaração do sr. ministro fique consignada na acta.

Peço tambem a s. exa. que me esclareça sobre um outro ponto, que tambem me parece duvidoso. Refiro-me aos arrendamentos a longo praso, cujos contratos isentam o proprietario de toda a contribuição presente e futura.

Quem paga o imposto nos arrendamentos a longo praso, é o proprietario ou o rendeiro?

Os contratos são claros e expressos, e por consequencia eu desejava saber, á face d'esses contratos, como deve entender-se o § 2.° do artigo 25.°?

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): - Creio que a duvida appareceria se, em logar de tratarmos do imposto sobre o rendimento, tratassemos de um simples addicional.

Supponha-se que estava feito um arrendamento por dez annos, e que entre as clausulas havia uma que isentava o proprietario do pagamento da contribuição predial; durante este espaço de tempo o estado exigia o pagamento ao proprietario, mas a convenção particular subsistia, e o proprietario tratava de rehaver do rendeiro a importancia que tinha pago. O estado só póde exigir o imposto do proprietario, porque a propriedade é que serve de garantia, mas as condições do contrato ficam subsistindo.

O Orador: - O que s. exa. acaba de dizer vae dar origem a muitas questões.

Os arrendamentos feitos por muitos proprietarios são do teor seguinte: «que esta renda é livre para elle, senhorio, de decimas e quaesquer outros tributos ou impostos, presentes eu futuros, seja de que natureza forem, lançados ás propriedades arrendadas, que todos ficam a cargo e por conta do rendeiro.»

Como se entendem pois, estes arrendamentos á face do § 2.º do artigo 25.°, que diz:

«§ 2.° É nulla toda a condição pela qual as pessoas e estabelecimentos particulares, que tenham direito a taes rendimentos, pretendam libertar-se, eximir-se ou indemnisar-se do referido desconto.»

Parece que por este artigo são obrigados totalmente os

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proprietarios a pagarem o imposto. Se assim é o governo praticou um acto iniquo, consignando no projecto esta doutrina, e atacou a carta constitucional que estabelece que as leis não têem effeito retroactivo.

Este artigo devia ser redigido de modo que não tivesse effeito retroactivo. O governo podia fazer vigorar esta doutrina para os contratos que, de futuro se firmarem, pois pelo que respeita aos existentes, se o governo podesse impor aquella clausula, praticaria para com os senhorios uma violenta extorsão e um attentado contra a propriedade individual e o direito de cidadão, que tinha livremente tratado, confiado em que a constituição do estado seria mantida e respeitada.

Sr presidente, é necessario que, visto haver pressa na discussão d'este projecto por não haver tempo de voltar á outra casa do parlamento com as emendas, o sr. ministro faça todas as declarações tendentes a esclarecer os pontos duvidosos, declarações que devem ser lançadas na acta, tendo o valor de interpretação authentica, e que nos regulamentos exponha claramente a doutrina acceite pela camara em vista da discussão.

O que faltava ainda a esta lei para ser completa era ter o effeito retroactivo.

Uma lei com effeito retroactivo, alem de ser contraria á philosophia do direito, ao bom senso e ás garantias concedidas ao cidadão pelo nosso codigo fundamental, prejudica altamente interesses estabelecidos e ataca direitos adquiridos, portanto a doutrina d'este artigo é insustentavel e inconstitucional.

É n'esta camara, onde estão reunidos membros dos tribunaes superiores d'este paiz, appello para a sua esclarecida e auctorisada opinião, e tenho a certeza que não deixarão de concordar que a verdadeira doutrina é a que annunciei, e que, o querer estabelecer por este artigo doutrinas fundadas em principios contrarios á justiça, é estabelecer a iniquidade; e ir ainda lançar mais outro imposto sobre a propriedade já tão aggravada é erro ainda maior, e revela que o sr. ministro da fazenda não profundou a questão.

N'uma palavra, sr. presidente, este projecto é uma verdadeira especulação para agradar ao povinho, para o governo conseguir ter a seu favor as massas, embora seja em troca dos maiores vexames para com as outras classes.

Sr. presidente, para se reconhecerem os altos problemas de estado, é mister que os governos tenham idéas definidas e acentuadas, convicções firmes e arreigadas, e que caminhem livre e desassombradamente ao fito que pretendem attingir.

Não o tem feito este governo porque, rasgando o seu programma, cede a toda a qualidade de pressão estranha ás suas idéas e ás suas doutrinas, e não faz senão aquillo que é obrigado a fazer.

Não supponha a camara que estas minhas affirmativas são asserções vagas e gratuitas, e declamações oratorias. Não o são, os factos e acontecimentos é que fallam alto. Hontem era na presença de um meeting de 3:000 pessoas, em Coimbra, que o sr. ministro das obras publicas fazia promessas, por intervenção do governador civil, promessas que não tinha tenção de cumprir; ao outro dia enchiam-se aquellas galerias (apontando para as galerias} do corpo commercial de Lisboa, e o sr. ministro da fazenda acceitava as emendas á lei do sêllo, que formalmente tinha rejeitado.

Agora é o Porto impondo-se, e o governo cedendo docilmente a essa pressão, fazendo votar á pressa, na outra casa, a ponte pensil, o caminho de ferro do Douro, o porto de Leixões, e não sei que mais.

Poder se-ha por este systema resolver a questão de fazenda?

Será o Messias desejado, para resolver tão importante reforma, um governo que não tem idéas proprias, e que vive com as que lhe impõem?

Sr. presidente, deixo estas considerações geraes e volto ao projecto que se discute. Por elle o governo entende introduzir um novo machinismo na fiscalisação e percepção do novo imposto, estabelecendo as commissões parochiaes. O systema póde ser rasoavel na theoria, o que desde já asseguro pela experiencia e observação, é que essas commissões hão de difficultar o serviço.

Quer v. exa. saber qual é o numero de pessoas necessarias para compor essas commissões? Havendo como ha 4:000 parochias, são necessarias 20:000 pessoas. Desconhece o sr. ministro da fazenda que a instrucção publica ainda está pouco diffundida, e que nas aldeias poucas pessoas ha com habilitações?

E julga o sr. ministro que essas commissões são compostas de pessoas competentes para pôr em execução esta lei, cuja interpretação, tanto n'uma como n'outra camara, tem suscitado grande discussão e tantas duvidas; e julga porventura o sr. ministro que serão estas commissões que hão de fazer o serviço sem lhes pagar?

Crê s. exa. que é por esta fórma que ha de pôr em execução este projecto?

S. exa. parece não se lembrar do resultado que têem dado commissões similhantes para os arrolamentos. Deve ter as informações dos delegados, thesoureiros e escrivães de fazenda que podem esclarecel-o.

S. exa. verá que por esta fórma não obterá o resultado que o governo entende que lhe deve dar; porque os individuos das aldeias, que geralmente não são ricos, não estarão resolvidos a fazer serviços importantes sem se lhes pagar; a commissão, pois, verá mais um obstaculo á execução do projecto.

Sr. presidente, este projecto tem innumeros defeitos, mas na actualidade o que ha de dar peior resultado para o paiz é o imposto sobre os titulos de divida publica na vespera de um emprestimo. Este imposto justificava-se e era rasoavel se houvesse o equilibrio orçamental, mas com um deficit tão importante, e uma divida fluctuante tão avolumada, uma contribuição similhante só aggravará mais as circumstancias difficeis do paiz desprestigiando o credito.

Sr. presidente, nos paizes bem governados tambem ha divida fluctuante, mas a differença é que ella é momentanea, é a antecipação da receita, devida a não coincidir as epochas da cobrança com as epochas de pagamento.

N'esses paizes a divida fluctuante desapparece com uma operação de thesouraria.

Nos paizes governados como o nosso a divida fluctuante é a accumulação de deficits successivos, devida á má administração. Esta accumulação é perigosa, e ás vezes póde ser perigosissima, porque alem de prejudicar as industrias nacionaes póde n'um momento critico abalar profundamente a situação financeira do paiz, e obrigar o ministro a sujeitar-se ás condições onerosissimas que lhe queiram impor os prestamistas e sobretudo os prestamistas estrangeiros.

Não desejo cansar a camara; quiz simplesmente motivar o meu voto.

Vou concluir, declarando que voto contra a generalidade do projecto, mas sem espirito de facciosismo, nem de opposição acintosa.

Calaram no meu animo as rasões apresentadas pelos srs. Fontes e Antonio de Serpa; rasões bastante ponderosas; rasões que, se eu não tivesse a minha convicção formada, ellas me demoveriam, e considerando essas ponderações pela fórma porque o faço, parece-me que sou mais logico do que s. exas., rejeitando o projecto tanto na generalidade como na especialidade.

Se eu procedesse com espirito de facciosismo, poderia demorar a discussão do projecto quanto quizesse, mostrando que o governo tem posto de parte o seu programma, para governar sem idéas nem principios, mas segundo as exigencias, que está todos os dias obedecendo a uma pres-

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são externa, que o obriga a mover-se hoje de uma fórma, ámanhã de outra, apresentando propostas em que é contrariado o systema financeiro proposto pelo sr. ministro da fazenda.

Se eu não quizesse aggravar a situação dolorosa e triste em que se acha o governo, situação que merece mais dó e compaixão, do que censuras e invectivais, eu poderia analysar artigo por artigo, e estabelecer uma discussão circumstanciada sobre cada ponto do importantissimo assumpto que occupa a nossa attenção, eu poderia mostrar a incoherencia das opiniões dos srs. ministros do seu proceder, por isso que, como disse, está cedendo á influencia de pressões externas; mas n'este momento limito-me simplesmente a declarar que voto contra o projecto na sua generalidade.

O sr. Presidente: - A grande deputação d'esta camara, que no templo de Belem ha de assistir á ceremonia a que se refere o officio que foi lido hoje e que está assignado pelo sr. ministro do reino, será composta, alem da mesa, dos dignos pares:

Vicente Ferreira Neto de Paiva.
Duque de Loulé.
Fontes Pereira de Mello.
Marquez de Vallada.
Marquez de Angeja.
Visconde da Praia Grande.
Conde de Valbom.
Francisco Simões Margiochi.
Conde de Rio Maior.
Carlos Maria Eugenio de Almeida.
General Fortunato José Barreiros.
Visconde de S. Januario.
Conde de Castro.

Vão ler-se na mesa tres mensagens que acabam de chegar da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa:

Tres officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo as seguintes proposições de lei:

1.ª Permittindo aos facultativos habilitados com o diploma do curso da escola medico-cirurgica de Goa, o exercicio clinico no reino e ilhas adjacentes, sendo extensivas estas disposições aos pharmaceuticos habilitados com o diploma do respectivo curso da mesma escola.

As commissões de administração publica e instrucção publica.

2.ª Mandando cunhar uma medalha de oiro para ser concedida aos individuos que tenham prestado, ou vierem a prestar, serviços na exploração do continente africano, podendo ser tambem concedida a esses individuos uma pensão cujo decretamento ficará dependente da approvação das côrtes.

As commissões de fazenda e ultramar.

3.ª Rectificando a receita e despeza do estado para o anno de 1879-1880.

A commissão de fazenda.

Um officio da academia real das sciencias, convidando o exmo. sr. presidente da camara dos dignos pares a tomar um dos cordões da urna, que contem os restos mortaes de D. Vasco da Gama, no trajecto que decorre do caes ao D. Fernando até á egreja de Belem.

O sr. Conde de Bomfim: - Sr. presidente, tarde, e em má occasião, me chegou a palavra, porque depois do brilhante discurso que aqui pronunciou um dos nossos mais habeis financeiros e verdadeiro ornamento d'esta camara, o digno par conde de Valbom, e ainda ultimamente do notavel discurso do distincto estadista, digno par Fontes Pereira de Mello, o que poderei eu dizer, que seja agora ouvido, sem que pareça fastidioso e frio!

Porém, o projecto que se discute é tão vulnerarei em todas as suas partes, que ainda me animo a fazer sobre elle algumas considerações; e procurarei, ser laconico e claro na sua analyse, já que me não é dado discutil-o, nem as minhas; forças o permittem, com a mestria, eloquencia e energia, que tivemos occasião de admirar nos dignos pares a que me referi.

O ministerio actual, na intenção de diminuir a divida publica, tem aqui apresentado uma longa serie de leis o impostos, entre estas a do real de agua, imposto do sêllo, do registro, e agora a do imposto de rendimento.

Não pedi a palavra para combater nenhum dos referidos projectos quando aqui se discutiram, apesar de entender que alguns d'elles podeis produzir effeito negativo; contentei-me de os não sanccionar com o meu voto; mas a vista d'aquelle que temos presente eu deixaria de ser coherente commigo mesmo, depois do que disse aqui na sessão de 16 de fevereiro de 1875 sobre as decimas que até então pagavam os officiaes do exercito e da armada, e os outros empregados do estado, se ficasse silencioso, e não tratasse da advogar de novo a causa dos meus antigos camaradas, fazendo ver quanto pesado e injusto se tornará, principalmente para a classe dos servidores do estado, o presente projecto de lei.

Sr. presidente, o imposto do rendimento é em geral o mais vexatorio e arbitrario de todos os tributos. Como tal tem sido impugnado por muitos dos principios economistas, principalmente pela difficuldade de se calcular em justa proporção o rendimento desconhecido de cada cidadão, e mr. Thiers, esse genio luminoso, quando a França se via em graves difficuldades para satisfazer a pesada contribuição de guerra que lhe fôra imposta, recusou tenazmente lançar mão d'este desigual e oneroso tributo. Poucas nações o conservam, e aquellas onde existe tem sido sempre em substituição de outros tributos, e não como addicional aos mais impostos, o que torna mais odioso o presente projecto; e em Inglaterra, com cujo exemplo se argumentava tanto na outra camara, e que nos foi um d'estes dias aqui citado pelo illustre ministro da fazenda, e depois pelo digno par conde de Samodães; em Inglaterra, direi, que terá sido constantemente reclamada a sua extincção, e já uma vez chegou a ser prescripto pelo proprio parlamento, e consta, finalmente, que entra ao programma do novo ministerio britannico acabar de todo esses tributo.

Sr. presidente, este projecto vae ferir desapiedadamente diversas classes da sociedade, e não obstante as muitas isenções, que n'elle se fazem, ha de pesar, principalmente, sobre as mais desprotegidas da fortuna.

Relativamente a estender-se este imposto aos papeis de credito, contra o que tão eloquentemente se têem pronunciado muitos dos principaes talentos d'esta e da outra camara, entre estes os illustres deputados Dias Ferreira e Thomás Ribeiro, e alem de outros os dignos pares Fontes e Valbom, acrescentarei que d'esta medida acontecerá que um pobre homem, ou uma fraca mulher, a quem o governo declara que as inscripções não estão sujeitas a encargo nenhum, se á custa do seu trabalho e sacrificios consegue comprar duas d'essas inscripções, pelas quaes o governo se obrigou a dar-lhe um estipulado juro, terá agora de pagar tambem ao estado um certo juro por essas mesmas inscripções!

Isto, sr. presidente, é por certo um verdadeiro caso de burla, crime severamente punido pelos nossos tribunaes judiciaes, onde se o burlado apresentar tão justa queixa deverá obter sentença a seu favor. Alem d'isto, se passar esta medida, as inscripções e papeis hão de forçosamente perder o seu valor, pelo receio de que aberto este exemplo sejam no futuro repetidas vezes mais multados; e tanto basta para provar quanto o projecto é obnoxio, e até contrario aos interesses do estado.

A este respeito affirmou hoje aqui o digno par Berros e Sá, defendendo o projecto, que já ha exemplos de as inscripções terem sido tributadas, e que o governo está sempre no direito de sujeitar a um imposto tanto este como qual-

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quer outro rendimento; e sem questionar esta affirmativa, direi que talvez assim seja com outras quaesquer inscripções, mas nunca com aquellas que estão emittidas e que contêem a clausula de que serão livres de qualquer onus, etc. o que seria um acto de má fé.

Na parte que se collecta a industria, segundo a esclarecida opinião do illustre deputado Julio de Vilhena, em defeza das classes menos abastadas, direi ainda que, segundo o projecto está redigido, um pobre carpinteiro, pedreiro ou official de officio, que, por não ser vadio ou zangão da sociedade, consegue ganhar mais de 420 réis por dia, isto é, mais de 150$000 réis por anno, fica logo sujeito ao imposto, e áquelle que lhe for arbitrado, se não declarar a tempo qual é o seu rendimento, o que acontecerá a muitos, por descuido ou por ignorancia dos tramites que para isso tem a seguir. É uma verdadeira dureza, e conducente a desanimar as artes e officios, já tão abandonados entre nós.

O mesmo sr. Vilhena fez n'este sentido algumas reflexões na outra camara, que deram em resultado uma explicação do respectivo relator, que nenhum operario fica sujeito ao imposto se não declarar na matriz ter rendimento superior á 150$000 réis; é repito aqui este facto para que conste tambem da presente sessão d'esta camara.

Pouco direi pelo que respeita á propriedade territorial, por quanto o digno par Vaz Preto, que me precedeu, tratou habilmente esta parte no seu discurso, e por isso só direi que alem d'isso é obvio que o tributo será quasi sempre sujeito ao arbitrio, que todos sabemos ha de infelizmente, regular-se pela côr politica do contribuinte.

Sr. presidente, se o projecto é injusto e oppressivo nos pontos que já referi, torna se verdadeiramente injusto para a classe dos officiaes militares e dos mais empregados do estado.

O estado tem um contrato com os seus servidores e obrigou-se a retribuir os seus serviços por uma quantia estipulada; e é de certo uma idéa extravagante e uma excentricidade, exigir que elles concorram com parte dos seus vencimentos para o seu proprio pagamento! Não ha direito para esta exigencia, nem me lembra outro a não ser aquelle que citou aqui ha dias o nosso collega, digno par Carlos Bento, o «direito de callote.»

Os funccionarios publicos contribuem para o estado com o seu trabalho e serviços. Se forem tributados é o seu serviço que se tributa, pois elles não exercem outra industria!

Alem d'isto os vencimentos dos funccionarios publicos e particularmente os soldos militares foram-lhes estabelecidos para poderem prestar os seus respectivos serviços, sem ser necessario occuparem-se de outros negocios, e para se apresentarem sempre com a precisa decencia, e por isso lhes não podem ser penhorados nem obrigados á pagamento de dividas.

Se pretendermos, pois, alguma economia no funccionalismo, simplifique-se esse monstruoso systema de escripturação que se tem introduzido no paiz, para accommodar gente para fins eleitoraes o reduza-se o numero de empregos e esse exercito de empregados desnecessarios; mas não se diminua o vencimento aos que se julgarem indispensaveis, porque é opinião dos mais esclarecidos economistas que um estado bem governado deve ter o menor numero de empregados e o mais bem remunerados possivel.

Sr. presidente, o que é mais aggravante é tributar agora os funccionarios publicos, quando ainda ha pouco o ministerio regenerador e as passadas camaras augmentaram os vencimentos ás classes subalternas em rasão da carestia das casas e dos objectos de primeira necessidade, que de dia para dia se têem tornado mais dispendiosos.

Mais aggravante ainda, como na citada sessão já aqui fiz ver, porque sobre o funccionario publico pesarão alem d'este todos os mais tributos, e com a differença de que quando se lança um imposto sobre a propriedade, o proprietario augmenta a respectiva renda; quando sobre os cereaes ou qualquer industria, o lavrador e o productor elevam o preço dos seus generos e mercadorias; é o empregado publico sobre quem recáem todos estes tributos, quando collectado nos seus vencimentos, é só quem não póde elevar o preço do seu serviço ou industria para fazer face ao imposto: acrescendo ainda que, apesar de todas as exigencias da lei as maiores fortunas nunca serão tributadas por inteiro, ao passo que o empregado publico nada póde occultar do seu rendimento que é patente e sabido.

Tambem não deve esquecer que a classe militar é alem d'isto obrigará ao mais pesado de todos os tributos, e que a nenhuma outra se exige; este e o imposto de sangue!

Sr. presidente, por todas estas rasões, e outras que não apresento, para não tornar o meu discurso o mais extenso, por propria convicção e sem influencia alguma politica, não posso deixar de considerar este projecto do imposto de rendimento, inadmissivel, abnoxio e offensivo, dos direitos dos cidadãos e dos interesses do estado, é por isso não sómente o não approvo, e rejeito mas pela minha parte protesto contra muitas das suas extraordinarias exigencias, e contra as funestas consequencias que poderá ter ha pratica se for approvado, principalmente como se acha redigido.

O sr. Sequeira Pinto: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, approvando o projecto de lei vindo da camara dos senhores deputados com referencia ao orçamento rectificado.

Leu se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Margiochi: - Sr. presidente, tencionando votar contra o projecto n.° 107, que está em discussão, julgo do meu dever declarar quaes são ás rasões que me levam a proceder d'esta fórma.

Esta declaração, estou convencido que ha de ser interpretada desfavoravelmente para mim, porque se diz que, quem se oppõe á approvação d'este imposto, attende principalmente aos seus interesses e desattende os interesses do paiz.

Eu bem sei que se ha de fazer esta idéa a meu respeito, talvez me chamem egoista, mas eu desprezo qualquer interpretação que seja contraria á minha consciencia, é portanto ao modo por que vou votar.

Apesar de ser novo, a minha carreira na vida publica é já um pouco longa, e durante ella tenho dado provas de desinteresse.

Alem d'isso, sr. presidente, quem representa aqui em terceira geração um nome a que sem duvida alguma anda ligado o sentimento do amor do seu paiz e a idéa de que se deve antepor ao interesse, particular o interesse publico, não póde ser realmente classificado de mau cidadão, e de egoista, sobretudo quando se tem a peito manter as tradicções honrosas d'esse nome. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu sinto divergir n'este ponto da opinião de um meu distincto amigo, o sr. ministro da fazenda, por quem sinto a maior consideração.

O projecto apresentado pelo sr. ministro não póde merecer a minha approvação, apesar do grande conceito em que tenho aquelle cavalheiro.

Em mais de uma occasião eu me achei já ao lado do s. exa., desempenhando commissões de serviço publico; mesmo em questão de impostos já auxiliei s. exa., quando s. exa. era, não ministro da fazenda, mas encarregado das finanças da camara municipal de Lisboa.

Acompanhei s. exa. n'uma reforma de systema de impostos municipaes, e sinto não o poder fazer n'esta occasião, porque voto contra este imposto.

Não me alargarei em considerações, por quanto eu pedi a palavra simplesmente para explicar o meu voto.

Não irei agora recapitular as excellentes razões com que se tem combatido este projecto, o qual acho que representa uma falta á fé dos contratos e um aggravamento na desigualdade tributaria.

O estado fez um contrato com os portadores de inscripções, inscrevendo n'esse contrato a clausula de que ficavam os titulos isentos de imposto. Mas agora, por uma lei

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geral, pretende se fazer uma deducção nos rendimentos d'esses titulos.

Entendo que o estado para seu credito não devia lançar este imposto sobre os rendimentos dos seus titulos de divida, que uma lei isenta de toda e qualquer contribuição ou encargo; porque de outro modo haverá quebra de contrato, faltará o estado a um compromisso solemne para com os seus credores.

Supponhamos que certo proprietario, n'um contrato de arrendamento, estipula que incumbe ao rendeiro a obrigação de pagar as contribuições do estado, e chegada a epocha de satisfazer a esse encargo o rendeiro falta a elle. O proprietario exige o cumprimento d'esta clausula, mas o rendeiro não quer pagar, allegando que a obrigação de pagar as contribuições pertence ao senhorio em nome de quem está o conhecimento; havia aqui uma quebra de contrato, e de certo se o proprietario appellasse para os tribunaes a posição do rendeiro não seria boa.

Ora, n'esta questão que se debate, temos um caso analogo, porque ha quebra de contrato, evidentemente no modo de proceder com relação aos credores do estado, aos quaes este dicta a lei.

O imposto sobre o vencimento dos empregados publicos tambem não me parece acceitavel.

Todos sabemos quanto são escassos esses vencimentos e não permittem quaesquer deducções, ainda mesmo em nome das urgencias do estado.

Pelo contrario a carestia da vida está aconselhando que os mesmos funccionarios sejam mais bem remunerados, embora reduzamos o numero d'elles, se é excessivo.

No que toca á propriedade este imposto é altamente injusto, e vae aggravar as desigualdades e injustiças que já existem com o imposto predial.

Tenho presente uma certidão que encerra indicações muito interessantes com referencia a uma freguezia do Alemtejo, onde aliás não tenho propriedade alguma.

Duas herdades tinham ha quatorze annos rendimento collectavel igual; uma d'ellas está collectada hoje sobre um rendimento de mais 260 por cento, emquanto que outra augmentou só mais 10 por cento.

A rasão d'esta desproporção explica-se, porque o dono da herdade que paga mais 260 por cento está ausente da localidade, e o outro reside ali.

Ora, desde o momento, em que se fazem d'estas injustiças na distribuição dos impostos, eu não quero concorrer para aggraval-os votando o addicional que se propõe n'este projecto com relação á propriedade, embora se diga que este novo imposto é compensador; mas a verdade é que nada vae compensar, antes torna mais flagrantes as injustiças e desigualdades.

O mesmo se póde dizer com respeito á industria. Appello para a memoria do sr. ministro da fazenda, e recordo-lhe que, quando s. exa. estava na camara municipal de Lisboa, de que tive a honra de fazer parte, sendo então esta corporação tribunal de recurso para as reclamações sobre a contribuição industrial, s. exa. o sr. Barros Gomes teve occasião de ver quaes as injustiças que se praticavam na distribuição d'aquelle imposto.

Todos reconhecemos a conveniencia da instituição aos gremios, e quanto é liberal este modo de fazer a repartição do imposto, mas é innegavel que se commettem grandes abusos na maneira de fazer essa repartição por parte dos que d'ella são encarregados.

Portanto, e pelo mesmo principio que não approvo o addicional sobre a decima predial, não posso approvar este sobre a contribuição industrial, porque não quero da mesma fórma concorrer com o meu voto para que as injustiças se aggravem.

O imposto que recáe sobre a classe E acho que é muito pouco politico, e que será prejudicial aos interesses geraes do paiz, porque vae recaír sobre as pessoas que vem aqui disfructar dos seus rendimentos provenientes de paizes estrangeiros, e que fazem consumo aos nossos generos, concorrem para o augmento da receita das alfandegas, etc.

E o novo imposto, se for possivel cobral-o, póde afastar da paiz muitas d'essas pessoas.

Parece-me que o sr. ministro da fazenda tinha outras fontes de receita muito importantes a explorar para obter mais recursos, que todos nós reconhecemos que são deficientes e que é necessario augmentar.

E não cuide a camara que eu entendo que os rendimentos publicos não podem e não devem ser augmentados; eu creio que os rendimentos publicos podem ser rasoavelmente elevados se houver mais igualdade no lançamento da contribuição á propriedade, e que ella póde mesmo pagar uma contribuição superior á que paga actualmente.

Dá-se uma outra circumstancia para a qual chamo a attenção do sr. ministro: refiro-me ao modo por que é lançada a contribuição sumptuaria.

Ha pessoas que vivem era Lisboa e que, tendo residencias em concelhos limitrophes, pagam n'esses concelhos a contribuição pelos seus cavallos. Ao mesmo tempo que o industrial que exerce diversas industrias paga pela mais collectada, a lei da contribuição sumptuaria não impede que se pague esta contribuição especial no concelho mais favorecido.

Tenha o sr. ministro da fazenda a certeza de que o estado ha de perder com este modo de cobrar o imposto sumptuario.

Eu não quero cansar mais a camara; o meu fim era unicamente consignar o meu voto ácerca d'este projecto, e dizer que entendo que os rendimentos publicos se podem augmentar, e, sobretudo, manifestar a minha opinião de que entendo que o estado não deve faltar á fé dos contratos, nem lançar impostos que, sem melhorarem notavelmente as condições financeiras do thesouro, aggravam as injustiças da distribuição.

O sr. Presidente: - Acabou a inscripção. Vae votar-se a generalidade do projecto.

Foi approvada a generalidade do projecto de lei n.° 107.

O sr. Presidente: - A primeira sessão será ámanhã (3 do corrente), e a ordem do dia será a discussão da especialidade do projecto que acaba de votar se na generalidade, e os demais que já estavam dados para ordem do dia de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 2 de junho de 1880

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; Duque de Loulé; Marquezes, de Alvito, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Arcebispo de Evora; Condes, de Avilez, de Bomfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, da Louzã, de Podentes, de Rio Maior, da Torre, de Valbom, de Paraty, da Fonte Nova; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Almeidinha, de Alves de Sá, de Asseca, de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, de Ovar, de Portocarrero, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, de Soares Franco, de Valmor, de Villa Maior; Barão de Ancede; Mello e Carvalho, Quaresma, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Costa Lobo, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez Mamede, Braamcamp, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Mello Gouveia, Costa Cardoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Vicente Ferrer, Seiça e Almeida, Ornellas, Mexia Salema, Canto e Castro, Luiz de Campos, Serpa Pimentel.

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