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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 895

da emissão do emprestimo concedendo a isenção, como omittil-a recebendo menos. A vantagem recebida pelo estado corresponde á remissão do encargo, a que de contrario os titulos ficariam sujeitos.

S. exa. conhece muito bem a origem da disposição da carta. Antigamente havia muitos individuos e corporações que não pagavam impostos, e por isso a carta estabeleceu essa disposição generica.

S. exa., que se compraz com as recordações universitarias, e que mostra constantemente uma grande predilecção pelo direito romano, que estudámos juntos; permittirá que lhe diga, que a descoberta do § 14.° do artigo 145.° da carta hão tem por certo o valor do descobrimento das celebres Pandectas de Amalphis ou Florentinas, e das institutas de Gaio.

Este artigo vem, desde 1820, em todas as edições da carta, e só agora é que apparece?...

Onde estaria elle escondido quando se fizeram tantos contratos que estabeleceram isenções de impostos?

Quer o digno par saber quantos homens publicos violaram este artigo da lei fundamental?

E uma cousa assombrosa!

Violaram-o os illustres signatarios do decreto de 18 de dezembro de 1852, e os membros do parlamento, que approvaram esse decreto; o actual presidente do conselho de ministres, sr. Anselmo José Braamcamp, em 1870; o meu particular amigo, Sr. José de Mello Gouveia, em 1878; e finalmente o illustre ministro da fazenda, o sr. Henrique de Barros Gomes, em 9 de julho de Ib79.

O que vale a todos estes illustres violadores da carta, a todos estes grandes criminosos, é não ter sido ainda discutido n’esta camara e convertido em lei o projecto do »r. ministro da justiça sobre a responsabilidade ministerial.

Poderia ler aqui algumas peças do corpo de delicio, que havia de servir de., base a este importante processo, mas não desejo cansar a camara com essa leitura, e perguntarei apenas ao sr. Barros e Sá — se são, ou não, contratos condemnaveis aquelles a que me vou referir; a saber:

O contrato celebrado pelo sr. Mello Gouveia, em 1878, com a casa Baring Brothers para a emissão do emprestimo do 6.500$000 libras em que se lê o seguinte:

«Os bonds ou coupons não serão collectados em Portugal com taxa ou imposto algum,, seja elle qual for.»

O contrato de 9 de julho de 1879, em que o actual sr. ministro da fazenda disse assim:

«O governo obriga-se a não lançar imposto, nem fazer deducção alguma tanto nas obrigações como nos respectivos coupons, até completa amortisação d’este emprestimo.»

Poderia citar mais, mas é escusado.

E agora perguntarei: será qualquer d’estes contratos menos privilegiado do que aquelles que se fizeram com as companhias dos caminhos de ferro?

Então como ha de o governo ter o direito de faltar a uns, e ha de ser obrigado a cumprir os outros?

Mais ainda. No mesmo artigo 145.° da carta ha outro §, é o 2.°,. onde se diz que a disposição da lei não terá effeito retroactivo.

Se passar este artigo do projecto vão ser profundamente alterados os contratos anteriormente feitos á sombra da legislação vigente, com manifesta violação N’este importantissiimo preceito constitucional, e dos direitos adquiridos.

A lei até ao presente determinava, que se não fizessem deducções nos juros da divida publica; póde outra lei revogal-a e estabelecer deducções para o futuro, ninguem de certo o contesta, mas o que não póde ser revogado são os contratos anteriormente feitos á sombra da lei vigente. (Apoiados.)

Esses contratos têem de ser religiosamente mantidos na conformidade das leis pelas quaes foram regulados.

Ao mesmo artigo 145.° da carta constitucional foi o meu antigo amigo e condiscipulo buscar um novo argumento, confrontando entre si os dois §§ 21.° e 22.° Pelo primeiro d’estes paragraphos é garantido em toda a sua plenitude o direito de propriedade, e pelo segundo é igualmente garantida a divida publica.

S. exa. deduziu d’aqui, e muito bem, que pelas disposições da lei fundamental tão garantida ficara a divida publica como o direito de propriedade.

Este argumento quero eu para mim, e muito o agradeço ao digno par. Pois se tão bem garantido está é direito de propriedade, como o dos credores do estado, como é que nos poderemos considerar auctorisados a violar os direitos d’estes ultimos?

Se o estado, segundo o citado § 21.°, não póde converter em seu proveito a propriedade particular senão nos casos em que o bem publico legalmente verificado assim o exige, e precedendo a correspondente indemnisação, com que direito vamos nós agora violar e expropriar sem indemnisação os direitos do proprietario dos titulos de divida publica?

Haverá uma garantia para o direito de propriedade e outra menos efficaz para o da divida publica?

Passo agora a occupar-me de outra ordem de argumentos apresentados em defeza do projecto; refiro-me aos exemplos de outras nações, que têem, sujeitado ao imposto os juros dos seus titulos de divida publica.

Começarei por dizer que, não tendo cabal conhecimento das condições com que esses titulos foram emittidos, não posso devidamente apreciar a procedencia e alcance de taes exemplos.

Em todo o caso o procedimento de uma ou de outra nação culta só é digno de imitação quando se ajusta aos dictames da rasão e da justiça.

Mas se no caso presente devemos seguir o exemplo da Inglaterra, da Austria e da Italia, tributando os juros da divida publica, porque parámos a meio caminho?

Por que rasão tributamos sómente os juros da divida interna?

Se o exemplo que nos dão estas nações é digno de imitação aproveitemol-o totalmente, e tributemos tambem ao mesmo tempo os titulos da divida externa. (Apoiados.)

O motivo por que se não segue este exemplo sei eu, e é facil de ver: é por que estamos nas vésperas de um grande emprestimo fóra do paiz.

Disse o sr. Barros e Sá, que não podiamos tributar os juros da nossa divida externa, porque não temos jurisdicção sobre os estrangeiros.

Tel-a-íamos em 26 de agosto de 1848, ou têem acaso as tres nações, que nos citam — Austria, Italia ou Inglaterra jurisdicção sobre os estrangeiros fóra do seu territorio?

A verdadeira rasão pela qual se não tributam os titulos da divida externa é a que já fica dita, e até este momento ainda não ouvi outra que podesse cohonestar a differença de proceder em relação a uns e outros titulos.

Precisamos das praças estrangeiras, e o governo tem receio de as encontrar outra vez hermeticamente fechadas, segundo a phrase de um antigo relatorio.

Sr. presidente, os exemplos das nações estranhas, tornarei a repetil-o, são de muita auctoridade em alguns casos, e podem ser imitados com vantagem, mas só quando não contrariam a indole, os habitos, as tradições, os escrupulos nacionaes, e sobretudo os principios da justiça e da moral.

Um homem de bem, um homem probo e honrado que cumpre religiosamente as suas obrigações, que paga com pontualidade as suas dividas, não se abala em seus principios, não muda de proceder por mais exemplos que lhe apontem de individuos que fazem o contrario. Das nações direi o mesmo.

O nosso velho e honrado Portugal deve manter as suas tradições, como nação briosa e digna dos creditos que tem gosado até hoje, quaesquer que sejam os exemplos que lha

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