900 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Aqui tem v. exa. como se entendeu por parte de jurisconsultes eminentes o decreto de 1852, e como elles encaravam a isenção de impostos de que falla o titule das inscripções; e estas doutrinas estrio hoje admittidas, repito, por todas as nações europeu.
Mas, sr. presidente, ou não preciso a tal respeito apoiar-me á opinião de mais ninguem; basta-me recorrer á do proprio sr. Antonio de Serpa, e s. exa. já disse o seguinte:
«Esta lei (a que interpretava o decreto de 1852), não quer dizer que no futuro os poderes legitimos mio possam tributar os juros dos titulos da divida publica; nós não podemos atar as mãos dos poderes publicos futuros; qualquer governo (noto a camara bem) pôde, no futuro, propor que se tributem as inscripções; assim como, no futuro, a legislação póde determinar que a camara municipal possa tributar as inscripções; todavia a nossa legislação actual não permitte isso».
S. exa. não fallava então dos contratos, argumento que ainda não existia então; referia-se só ao decreto de 1852, que parecia constituir a unica duvida, e acrescentava, como se não bastasse, o que tinha dito:
«A lei é só para agora e não impede a resolução dos poderes publicos no futuro.»
Chegou o tempo de pedir sacrificios a todos os cidadãos portuguezes, e entendemos que não deviamos excluir uma classe, que, mais que nenhuma outra, vá e lucrar com esses sacrificios, e tanto ella o entendeu tambem assim, que não manifestou um sentimento egoista, recusando a sua parte no desempenho de um dever patriotico.
Tem-se dito e affirmado aqui, que não se podia de modo algum admittir a doutrina de Atributar os juros dos titulos de divida publica possuidos por cidadãos portuguezes, sem que igualmente se tributassem os juros da divida publica externa; mas, é precisamente essa doutrina que eu não admitto. E declaro do modo mais formal, tomando o compromisso por toda a minha vida politica futura, que me opporei sempre a que sejam tributados os juros dos titulos de divida publica portugueza que estejam em mãos de estrangeiros.
Isso é que eu reputarei sempre como uma violação do direitos d’esses credores do estado, e como infracção manifesta dos contratos, um dos quaes tem a minha firma.
Com relação aos nacionaes que são possuidores de titulos de divida publica, as circumstancias são muito differentes, porque nenhum cidadão portuguez deve deixar de concorrer para satisfazer os compromissos da sua nação.
Tanto isto é assim, sr. presidente, que a proposito de uma discussão similhante a esta, na camara franceza, em Bordeus, mr. Devergier de Harran disse:
«O imposto sobre os titulos de divida publica sómente póde considerar-se como bancarrota quando a elle fossem sujeitos os estrangeiros possuidores d’esses titulos. O estado tem o direito de pedir a todos os cidadãos francezes, por tadores de titulos de divida publica, uma parte dos encargos extraordinarios a que hoje necessariamente tem de satisfazer.»
Mas esta doutrina acha-se hoje tão radicada, que e ta livro, muitas vezes citado, e a que mais uma vez alludi o digno par o sr. Couto Monteiro, estabelecendo os verdadeiros principios a este respeito, e declarando que em caso algum devem os estrangeiros ficar sujeitos ao imposto, diz sobre o assumpto o seguinte:
« A divida de um paiz, que esteja na mão de nacionaes póde legitimamente ficar sujeita a todos os impostos geraes (rendimento e transmissão) que affectam no paiz valores analogos. Pelo contrario, a parte d’essa divida que está nas mãos de estrangeiros, deve ficar isenta do imposto. Mas em caso algum deve o estado arrogar-se o direito de lançar um imposto especial sobre a divida publica. É isto o que affirmam o bom senso e a equidade.»
Eis-aqui está o que affirma esse livro, citado de um modo incompleto perante a camara pelo sr. Couto Monteiro no capitulo a que s. exa. alludiu, ha duas partes — a primeira refere-se aos impostos que se abrangem essa ordem de rendimento, e a segunda refere-se á situação infeliz em que um estado [...] muitas vezes, situação que o obriga a entender-se a com os seus credores para salvar um aparte do que lhes pertence.
Em 1802 fez-se isto, e eu louvo o ministro que salvou essa epocha o credito publico, fazendo acceitar pelos nossos credoras um sacrificio que as circumstancia impunham como inadiavel.
Mas n’este ponto não se trata do direito, mas sim da lei fatal da necessidade.
Com relação á primeira, porém, póde haver rasões de importunidade, nascidas da urgencia de se recorrer ao credito, mas nunca argumentos tirados do direito.
Esta questão da isenção plena, absoluta, completa dos juros pagos aos estrangeiros, fica assim bem explicada, o por duas fórmas póde ser attendida.
Podem os titulos de divida de um estado dividir-se em dois grandes grupos, internos e externos.
Na Europa ha apenas dois paizes que tinham a sua divida classificada por essa fórma; são a Hespanha e Portugal.
Para esses é facil, salvo alguns casos isolados, que não imprimem a regra geral, a distincção dos que devem ou não estar sujeitos ao imposto. Quando, porém, essa divisão se não dá é então mister recorrer aos juramentos, o offidavit como em Inglaterra, ou ainda á simples obrigação de apresentar, a par dos coupons pagos em praças estrangeiras, os proprios titulos de divida correspondentes. Esta simples prescripção regulamentar basta em muitos caos para evitar a fraude.
A elle recorre a Italia. Verdade é que n’esse paiz a deducção opera-se com relação aos credores nacionaes e estrangeiros.
(Observação de um digno par que não se ouviu.)
Mas eu por mim, declaro a v. exa., mais uma vez, que mo acceito essa doutrina, que a repillo hoje, como a repellirei sempre.
Voltando, porém, ao que se passa na Italia, notarei que, embora sugeite a imposto os titulos pertencentes a nacionaes ou estrangeiros, como para estes ultimos os pagamentos effectuados em Paris e Londres tenham de realisar-se em metal sonante e não em papel moeda; esse facto, que obrigaria á classificação, é como meio de evitar a fraude; recorria-se pura e simplesmente á exigencia regulamentar a que ha pouco alludi, da apresentação dos titulos a par da dos coupons que se pagavam.
Ora, entre nós não acontece isso. A difficuldade achava-se de antemão resolvida, visto termos estabelecido a distincção entre divida interna o externa; póde dar-se o caso de que alguns nacionaes tenham divida externa, como póde succeder que alguns estrangeiros tenham titulos de divida interna. Acceitemos, porém, os factos como elles são, não desconhecendo que a grande massa de divida interna está nas mãos de nacionaes, e que a externa está hoje, na sua quasi totalidade, como o demonstram as transacções da nossa bolsa, nas mãos de estrangeiros.
N’estes termos, tratando-se pela lei que estamos discutindo, de lançar um imposto geral sobre todos os rendimentos, e não um tributo especial sobre o rendimento das inscripções, creio firmemente que, votada a lei, o credito ha de elevar-se, porque os estrangeiros reconhecerão que todos se reuniram no paiz para manter esse credito e firmar o valor dos titulos do divida publica.
Sr. presidente, eu não desejo alongar-me em mais considerações, e peço desculpa a v. exa. e á camara do ter occupado a sua attenção por algum tempo, mas a natureza do assumpto, em discussão tolhia-me outra maneira de proceder.
O sr. Fontes Pereira de Mello: — Sr. presidente eu penso que o governo não tem pressa em discutir este