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1922

CAMARA DOS DIGNOS PARES

SESSÃO DE 15 DE JUNHO DE 1867

PRESIDENCIA DO Ex.mo SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios os dignos pares

Conde da Ponte

Visconde de Soares Franco

(Assistem as srs. ministros do reino e dos negocios estrangeiros.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se, verificado a presença de 30 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.

Não houve correspondencia.

O sr. Visconde de Almeidinha: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma representação dos habitantes de Aveiro, pedindo que não seja approvado o projecto sobre a reforma administrativa que esta em discussão. Esta representação esta assignada por 552 cidadãos. Peço que fique sobre a mesa, como V. ex.ª ultimamente tem determinado a respeito de outras.

Aproveito a occasião para fazer sciente a V. ex.ª e á camara de que o digno par, o sr. Barreto Ferraz, não tem comparecido, nem poderá por ora comparecer ás sessões da camara, por se achar gravemente enfermo.

O sr. Presidente: — A representação que o digno par acaba de apresentar terá o competente destino, e ficará sobre a mesa para poder ser examinada pelos dignos pares que d'ella queiram tomar conhecimento (apoiados).

Como mais nenhum digno par pede a palavra, passa-se á

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO N.° 164

O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par, o sr. Mello e Carvalho.

O sr. Mello e Carvalho: — Sr. presidente, em desempenho de um dever que reputo indeclinavel, vou usar da palavra 'que me ficou reservada da sessão de hontem por estar quasi a soar a hora de encerrar-se a mesma sessão, segundo V. ex.ª e alguns dignos pares me observaram, quando eu começava a fallar. Mas faço-o debaixo de uma bem desagradavel impressão, motivada por uma grave enfermidade de que de hontem para hoje foi acommettida minha mulher, causando-me serios cuidados e grandes attribulações ao meu espirito o seu estado.

Se em quaesquer outras circumstancias menos penosas eu não podia pela inopia das minhas faculdades, por mim proprio reconhecida, ter aspirações a fazer um discurso, muito menos as posso ter hoje.

Peço pois desculpa a V. ex.ª e á camara por occupar a sua attenção com ss desalinhadas e desconnexas reflexões que ouso apresentar para fazer ver a inconveniencia de ser approvado o projecto que esta em discussão.. Assevero po rém a V. ex.ª e á camara, que na impugnação que faço a este prejecto, não sou impellido por sentimento algum hostil á pessoa do nobre ministro, por isso que tenho por b. ex.ª a maior estima e consideração, aprecio as suas grandes qualidades, e estou convencido que os maiores desejos de s. ex.ª são os de ser util ao seu paiz.

Feita esta declaração, espero que a camara acreditará, pois que sou sincero, e passarei a expor mui succintamente as rasões que levam o meu espirito a não approvar por ora o projecto da reforma administrativa. Esta reforma tão radical como se apresenta parece-me inopportuna, anti economica, ainda muito centralisadora, não obstante as modificações que recebeu na camara dos, senhores deputados, repressiva das franquias municipaes e inexquivel por largo periodo de tempo.

E inopportuna porque tende a mudar subitamente o modo de ser dos povos, seus habitos e costumes, arreigados por assim dizer desde o principio da monarchia; melhor seria talvez que o governo propozesse ao codigo administrativo aquellas alterações e addicionamentos que as necessidades publicas fossem reclamando, e tratasse de por meio de reformas parciaes ir melhorando a administração publica, pois não me parece muito prudente querer mudar tão depressa e repentinamente o systema que ha tantos annos vigora. Creio tambem, sr. presidente, que o projecto é anti-economico, porque traz augmento de ordenados e creação de outros para funccionarios que os não exigiam e que desempenhavam dignamente as funcções inherentes aos seus cargos; uns com a retribuição que recebiam, e outros sem retribuição alguma. E centralisadora esta reforma e contradiz a doutrina que o sr. ministro do reino proclamou no seu relatorio, porque tira quasi toda a liberdade de acção aos corpos municipaes, os quaes ficam nimiamente dependentes do poder central que aqui se manifesta impressionado, de um espirito de desconfiança contra as administrações locaes; d'aqui resultará que nenhum negocio será resolvido senão pelo poder central, o que redundará em prejuizo dos interessados pela demora e inopportunidade da resolução.

Repito pois que este projecto ha de encontrar grandes difficuldades na pratica, porque esta reforma é prematura, em vista da maneira radical 'por que logo se apresenta (apoiados). Devo comtudo confessar que o projecto tem algumas disposições muito aceitáveis, e principalmente uma, que é a que diz respeito á desamortisação dos baldios, medida que é de grande alcance e que póde considerar se um manancial de riqueza para as respectivas localidades; o que estava era completamente inutil. Mas nada d'isto obsta a que eu esteja no mesmo convencimento de que o projecto ha de ser inexequivel por largo espaço de tempo, sendo uma das principaes rasões da sua inexequibilidade a desharmonia que na projectada divisão administrativa se ha de daí com a judicial, ecclesiastica e militar.

Sr. presidente, esta reforma, seja-me permittido dizer isto sem a minima idéa de offensa ao auctor d'ella, que como já disse considero com acrisolado zêlo pelo bem publico; esta reforma, Como ía dizendo, pareceme que não tem bondade, nem absoluta, nem relativa: não tem bondade absoluta, porque não é fundada sobre os immutaveis principios da justiça; é não tem bondade relativa, porque não attende ás circumstancias peculiares do paiz. Esta reforma, tal como se acha elaborada, produz no meu espirito serias apprehensões", e n'este caso não a posso approvar; mas se j porventura estas minhas apprehensões forem desvanecidas j

por argumentos solidos, não terei duvida em dar o meu voto em favor do projecto, porque entrei n'esta questão completamente despido de preoccupações ou paixões politicas.

Por agora não quero fatigar mais a attenção da camara e agradeço-lhe a benevolencia com que ouviu as breves reflexões que tive a honra de apresentar á sua apreciação. Só me limitarei a mandar para a mesa uma proposta quê comprehende diversas emendas e suppressões de artigos.

Não farei consideração alguma sobre as parochias civis sobre as attribuições das camaras municipaes, nem sobre o contencioso, porque muito bem tratou hontem estes diversos pontos o meu mestre e amigo, o sr. Ferrer, que me preveniu sobre o que eu tinha a dizer a tal respeito; e ainda bem, porque s. ex.ª o fez muito melhor do que eu o podia fazer, e peço licença para fazer tambem meus os seus argumentos. Tenho concluido.

(O orador não reviu este discurso.)

O digno par manda para a mesa a sua proposta, é ali lida e depois admittida á discussão.

Proponho: proposta

1.° Que se conservem os districtos existentes. 2.° Que o artigo 3.° seja substituido pelo seguinte: Art. 2.° Para a determinação, divisão e circumscripção dos districtos, dos concelhos e das parochias sejam ouvidas: § 1.° Pelo governo as juntas geraes dos districtos, extraordinariamente convocadas depois da promulgação da presente lei, e os governadores civis.

§ 2.° Pelas juntas geraes as camaras municipaes ácerca da divisão e circumscripção dos concelhos, e tambem as juntas de parochia ácerca da divisão e circumscripção das parochias.

§ 3.° Pelo governador civil os administradores de concelho.

3.° A eliminação do artigo 5.°

4.° Que a designação, divisão e circumscripção dos districtos, concelhos e parochias, bem como a designação das capitaes dos districtos sejam feitas por lei.

Proponho mais:

5.° Que no § 2.° do artigo 28.°, no n.° 1.° do § unico do artigo 82.°, nos artigos 85.°, 240.°, 242.° e 259.°, se substituam as palavras = governador do districto = pelas = conselho de districto =.

6.° A eliminação do artigo 80.°

7.° Que no artigo 101.° se supprimam as palavras =sem necessidade de ser =.

8.° A eliminação do artigo 106.°

9.° Que o artigo 133.° seja redigido de modo que não imponha ao contribuinte a obrigação impreterivel de pagar simultaneamente todas as contribuições e addicionaes.

10.° A eliminação do n.° 1.° do artigo 281.°

11.° A eliminação das palavras = nos seus interesses ou = no artigo 283.°

12.° Que do § 2.º do artigo 300.° se cortem as palavras desde = quando forem - até = dias =.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, 15 de junho de 1867. =Mello e Carvalho.

O sr. Rebello da Silva (relator): — Se algum receio podesse sentir a commissão ácerca dos fundamentos em que firmou as conclusões do seu parecer, a maneira por que o projecto tem sido apreciado pelos oradores que se inscreveram, e que tão poucas e tão benevolas observações formularam, mostra bem que ella não foi exagerada no seu voto. A fórma cortez e benigna por que o digno par, o sr. marquez de Sá, meu antigo amigo, discutiu o assumpto; as concisas reflexões que acaba de expor o digno par que me precedeu; e o discurso tão notavel, como delicado, do meu respeitado mestre e amigo, o sr. Ferrer, provam que as bases do projecto saíram do conflicto quasi incolumes, o que mostra que poucos lados vulneraveis offereciam aos seus adversarios. Desejo responder a alguns dos argumentos produzidos, não por vangloria de polemica esteril, mas unicamente para avivar as rasões que moveram a commissão a approvar a proposta que esta na téla do debate, e que por honra immerecida me coube sustentar na tribuna na qualidade de relator.

Citarei em primeiro logar um ponto, a que se referiu especialmente o sr. marquez de Sá, ponto ácerca do qual já signifiquei a minha opinião ao enviar o parecer para a mesa. Alludo á suppressão do districto de Santarem, e logo apresentarei os motivos em que me fundo para n'esta parte, e só n'ella, não concordar com a opinião dos meus illustres collegas da commissão.

O sr. Menezes Pita: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — O meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá, dominado dos melhores desejos, sustenta que a divisão territorial dos districtos deve ser precedida da divisão das parochias e concelhos, e quer que as grandes unidades administrativas fiquem dependentes das petições e até das queixas que as localidades, mais ou menos aggravadas, pódem levantar para escudarem a sua autonomia, por vezes mais ficticia e apparente do que real e verdadeira. Se a suppressão dos districtos ficasse subordinada á adhesão dos interesses, que a sua conservação anima ou suscita, a reforma não daria um passo e tarde ou nunca nos approximariamos d» alvo a que e projecto aponta.

Mas a nova divisão dos districtos, que muitos capitulam de execução barbara e summaria, e que de certo é um golpe doloroso, mas indispensavel, não se deriva de caprichos ou de predilecções. Nasce do pensamento gerador da lei, acompanha o em suas manifestações, e completa-o nos fins mais elevados e civilisadoras que se propoz. O meu nobre amigo ha de concordar seguramente com esta verdade se quizer deter um pouco o seu espirito para contemplar o projecto e o systema em que esta concebido.