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1944

desejos - e até os esforços de muitos gabinetes t b. ex.ª sabe-o melhor do que eu, porque já presidiu á administração dá justiça e não costuma soçobrar com os obstaculos, ou levantar mão das difficuldades. Se esperassemos pela divisão ecclesiastica continuariamos não sei até quando no mesmo estado e cairíamos no absurdo de sacrificar o bem exequivel ao optimo em esperança. O governo optou pela annexação das parochias ecclesiasticas á parochia civil, cortando assim indirectamente o nó gordio. Conseguiu o seu fim quanto á administração. É provavel que esta primeira tentativa não fique infructifera, e que mais tarde se chegue ao aperfeiçoamento que o meu antigo amigo recommenda, e que sou o primeiro a confessar como urgente e necessario.

Outra objecção se formou contra o projecto. Foi a do pessoal habilitado para a gerencia dos negocios parochiaes.

Na realidade as funcções conferidas pelo capitulo 2.º da proposta á parochia são importantes; não julgo, comtudo, que em area, que nunca póde descer de 500 fogos nas povoações ruraes e de 1:000 nas villas e cidades, venham a faltar cinco cidadãos habilitados para o exercicio do conselho de parochia. Desgraçado para o nosso se tal acontecesse! E quando digo habilitados, não se entenda que exijo, ou supponho capacidades elevadas, que aliás não escasseam em varias terras. Para não ficar abaixo das modestas funcções creadas pela lei não se carece de grandes rasgos de engenho, ou de sciencia; bastam zêlo, certa aptidão pratica, e probidade. O nosso defeito usual é confiarmos de nós menos do que parece rasoavel, é fazermo-nos sempre mais pequenos do que somos. Nem tanto! Se em 500, se em 1:000 fogos de população não houvesse cinco cidadãos capazes de exercerem o mandato honroso, mas pouco difficil dos eleitores, a abdicação moral e intellectual do paiz estaria provada, e pelo meu lado sem ser convencido pelos factos, nego-me a subscrever essa fatal sentença, que iria muito mais longe, e alcançaria em seus effeitos muito mais do que se cuida até na esphera da representação popular e politica, base do systema que defendemos como escudo de nossas liberdades (apoiados).

Não encontro (e desculpe-se-me a cegueira, se o é) na creação dos magistrados administrativos das parochias, que hão de substituir os actuaes regedores, a semente venenosa que deve atrophear as liberdades publicas. Vejo sorrir o meu nobre amigo, auctor da insinuação, e tomo o sorriso em bom presagio. A suspeita não me inquieta. Afigura-se-me um d'aquelles traços de desconfiança, que sempre acompanham de ordinario as leis administrativas. E usual nunca deixar de ver em propostas similhantes uma machina eleitoral com ò seu apparelho de' alta pressão, e no ministro do reino, não o chefe da administração, mas o engenheiro, o grande eleitor politico votado á educação, e até á aberração dos comicios no sentido das idéas do governo (riso).

As attribuições commettidas ao administrador de parochia pelos artigos 45.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.° e 50.° do projecto não se me representam na fórma, ou na essencia ameaçadoras para a livre manifestação do voto. Nec vultus instantis tyranni! Este tyranno não me aterra. Se depois de investido no mando restricto nem um deputado independente mais ha de saír da urna popular, custa-me a conceber como tão grave desacato possa surgir de tão pequena causa. Será o grao de areia na roda da machina eleitoral? Não me parece. Pela proposta o administrador é filho da eleição como os membros do conselho parochial, e escolhido pelo ministro de entre elles. Esta disposição lembra mais a do artigo 114.° do codigo administrativo de 1838, do que as maximas centralisadoras, que tanto assustam hoje, e com rasão, alguns oradores. N'aquella epocha o administrador do concelho era eleito...

(Interrupção do sr. visconde de Fonte Arcada que não se ouviu.)

Ouviria com todo o gosto a observação do digno par, mas não percebi bem a interrupção. Não me incommodam as interrupções, aceito as com prazer pelo contrario... O digno par reserva-se para o seu discurso? N'esse caso, se for preciso, tomarei a palavra outra vez.

Dizia eu que em 1838 o administrador do concelho era votado em lista popular de alguns nomes, d'onde o governo escolhia um. À experiencia provou que o ensaio fôra precoce, e nos documentos apresentados á camara em 1840 pelo ministerio, os inconvenientes do methodo foram encarecidos por homens cujos principios liberaes nunca ninguem contestou. Hoje, ao cabo de trinta annos, podemos sem perigo renovar na parochia, no concelho imperfeito, a tentativa, e não receio que o exito a condemne. Mas apontando-lhe a, origem laveia-a, julgo, de toda a nodoa de bastardia. E liberal legitima, e se peccou foi por excesso das qualidades proprias (apoiados). Pois bem! Entre o regedor actual, inventado pelos alvarás dos governos civis, e o funccionario administrativo chamado administrador de parochia, filho da eleição, qual, segundo os principios e todas as probabilidades humanas, deve inspirar maior conceito? O homem inventado por um traço de penna, ou o eleito da confiança popular? Quem vive fóra de Lisboa mezes (e appello para o digno par), sabe o que são e o que valem os regedores de parochia, a difficuldade de os ter mesmo mediocres, e a docilidade com que muitos se prestam, com abjecta servidão, a tudo, a tudo o que se quer exigir d'elles. Não acrescentarei mais nada. Sei que a consciencia da camara dirá o resto (apoiados). Não me temo do funccionario eleito pelos seus concidadãos para esse cargo;'mas confesso, que vi sempre com sobresalto, mesmo uma parte minima de auctoridade nas mãos de pessoas ineptas, quasi sempre infimas, e ligadas ao emprego por vinculos, que se tornava urgente desatar. Não havia remedio senão tolera-las, porque, principalmente nas povoações ruraes, era difficil achar individuos habilitados que se quizessem dedicar a este serviço. Repito. Não receio que o administrador venha a converter-se em instrumento dos abusos do governo; pelo contrario, o que ha muito se devia ter terminado era a servidão moral e a incapacidade dos regedores. Falo em geral, entende-se, e ressalvando, como é de rasão, todas as excepções honrosas.

Vem a proposito responder aqui á objecção sobre a antinomia figurada entre a doutrina do artigo 16.°, que declara gratuitas as funcções dos membros dos conselhos de paro chia e a prescripção do artigo 48.° que manda abonar gratificação annual, alem dos emolumentos, ao administrador da circumscripção. Não vejo a contradicção por mais que a busque, porque aonde não ha identidade absoluta de attribuições não póde requerer-se analogia rigorosa de preceitos.

As funcções do conselho não são retribuidas? De accordo. Mas o administrador vence a gratificação como vogal do corpo collectivo, ou como, representante do poder, como funccionario administrativo? E como magistrado. Logo parece obvio que não se lhe applica a generalidade da regra, e por isso a antinomia não existe.

(Interrupção do sr. Ferrer que não se ouviu.)

São os artigos 16.° e 48.° os que referi. Eu os leio (leu).

O texto d'estas disposições confirma o que acabo da dizer. Na minha opinião não se dá a antinomia. As especies são diversas.

Resta-me quanto a esta parte do discurso do meu antigo amigo explicar a palavra anachronica, applicada aos baldios, e por elle estranhada talvez como menos justa e menos exacta.

Mas antes seja-me licito repellir em boa paz, mas com sincero pezar, a suspeita que se me afigurou notar no sr. Ferrer, de que apontando a par do erro de um algarismo, que s. ex.ª indicava, o erro typographico de uma terminação feminina em vez da masculina, tinha de algum modo querido elevar a risada á altura de argumento. Respeitei muito sempre a tribuna para a rebaixar por culpa minha á gymnastica dos gracejos, ou para arrastar com a toga do orador uma cauda de gargalhadas. Se o epigramma fino e delicado é arma licita, a immodesta e grosseira ironia, feia nos modos e na essencia, nunca deve entrar as portas de assembléas graves, porque exauctora o legislador e a camara, e converte em theatro de escarneo publico o acto solemnissimo da formação das leis. Nunca usei, e espero que Deus me terá de sua mão para continuar a nunca empregar os guisos de histrião parlamentar, como meio commodo de attrahir a attenção. Fallo as menos vezes que posso, e prezo-me de o fazer sempre de modo, que não me offenda a mim, faltando ao decóro devido aos meus collegas e á camara. Demais, quando mesmo fôsse inclinado a essas jogralidades, que reprovo, o meu antigo mestre e amigo devia conhecer, que por todos os respeitos elle seria a ultima pessoa em que eu poria o alvo de taes settas (muitos apoiados).

Dada esta explicação, resumirei em breves phrases o sentido do vocábulo anachronico em relação aos baldios, e primeiro que tudo observarei, que o vocábulo alcança e fere só os baldios propriamente ditos, e não os terrenos applicados a usos communs, permanentes, e necessarios dos povos, que o artigo 109.° do projecto exceptua da desamortisação, e nos quaes se incluem seguramente os que o digno par citou para fundar a sua arguição.

A commissão, como todos em geral, considerou, os baldios municipaes assás prejudiciaes e esterilisadores. É sabido que essas terras, que ninguem cultiva, e de que alguns poucos aproveitam mal a vegetação espontanea, produzem em seis kilometros muito menos do que se colheria na quinta ou sexta parte da mesma extensão, amanhado com cuidado. A sciencia economica condemna os baldios em nome da formação da riqueza publica; a economia rural, mais severa ainda, não hesita em asseverar, que nas regiões aonde prevalecem, não é preciso buscar outro testemunho do atrazo das culturas. Os baldios representam idéas e factos, que não são da nossa epocha, e que a historia já sepultou e comemora em suas paginas. Foi por isso que eu (o delicto é meu, se houve delicto!) usei, para os qualificar, da palavra, que, a meu ver, exprimia com mais exactidão os erros e os males que encerram, e que o projecto se propoz destruir successivamente.

Em relação ao modo por que a desamortisação póde e deve operar-se, satisfazem me inteiramente as disposições dos artigos 112.° e seguintes, e com ellas não receio o monopolio dos abastados, nem a ruina dos pequenos cultivadores. As lenhas e os matos dos terrenos não susceptiveis de cultura, de que os povos dos concelhos estão no uso permanente e necessario de se valerem para suas lavouras, não são os baldios extensos, aráveis, e desaproveitados com prejuizo geral, de que trata esta lei.

Convirá, porém, que nos regulamentos que o governo publicar sobre este melindroso ponto, se acautelem cuidadosamente os abusos. E necessario que os terrenos se cultivem, e que não passem da communidade para mãos particulares, ainda sujeitos á condição funesta, que hoje deploramos, e que tão nociva tem sido ao desenvolvimento agricola de algumas regiões.

Percorrendo as notas que tomei rapidamente do discurso, do meu nobre amigo, encontro uma que me pareceu talvez filha de equivoco, e não de doutrina assentada no animo do digno par. Alludo á estranheza com que s. ex.ª viu a prescripção do artigo 276.° quanto ás decisões dos governadores de districto serem tomadas para uns casos em conselho de districto e para outros sem dependencia d'elle. Tão versado como é em todos os conhecimentos de sciencias moraes e politicas o digno par sabe melhor do que eu, que a distincção do projecto se encontra em todos os auctores, desde o compendio de Laferrière até aos tratados de Dufour e Macarel, e que se funda em um principio tão obvio como evidente.

O governador de districto decide sem dependencia do conselho, quando exerce a auctoridade inherente á acção e aos interesses do estado, de que é representante. Decide em conselho, quando delibera sobre interesses collectivos do districto, do municipio, ou de estabelecimentos publicos, por que n'este caso a lei quiz que o voto de homens esclarecidos e habilitados auxiliasse a resolução mais justa, ou mais equitativa, assegurando assim ao mesmo tempo uma garantia mais a essas corporações. Creio que sobre esta questão, que já o não é hoje, não careço de dizer senão o que acabo de expor.

Na primeira hypothese não ha abuso de centralisação mas unicamente se affirma o direito inconcusso da auctoridade administrativa, que seria um instrumento inerte e até nocivo sem a indispensavel liberdade de acção.

Na segunda concilia-se esse mesmo direito com a intervenção de um corpo, que' offerece condições de acerto pela indole e pelo conhecimento pratico das circumstancias especiaes dos negocios, e de plena independencia tambem no modo porque póde aprecia-los e resolve-los.

Finalmente, regulando me pelas notas que tomei, acho uma economia de alguns contos de réis.

Notou-se o augmento dos ordenados dos governadores de districto e dos secretarios geraes, e em nome do espectro assustador do deficit, impoz-se veto a esta, disposição, que em si mesma é um grande melhoramento. A commissão não podiam ser indifferentes os apuros do thesouro, e se na realidade encontrasse no projecto um quadro luxuoso de funccionarios administrativos, remunerados com largueza superior aos nossos meios, teria seguramente opposto tambem a sua opinião á supposta prodigalidade. Mas a despeza longe de augmentar com o projecto diminue desde já, e promette descer com o tempo ainda mais. Esta é a verdade. Hoje gastam-se com a administração civil 106:356$240 réis. Approvada a proposta, mesmo incluidos os empregados addidos para serem convenientemente collocados, a despeza não excederá 101:804$600 réis. A economia real é, portanto, desde já de 4:551$640 réis, economia pequena, mas que esta longe de ser um augmento como se receiava. Demais, as economias não se concentram só no thesouro. O projecto encerra-as geraes e valiosas em beneficio dos povos, e pouco inferiores talvez a 260:000$000 reis nos ordenados e quotas dos administradores dos concelhos supprimidos, na cobrança dos impostos municipaes que não baixa de 6 por cento por conta das camaras, e que avulta a 60:000$000 réis no total, nos governos civis e nos dois bairros, um de Lisboa e outro do Porto encorporados por esta lei nas circumscripções mais proximas.

Já vê, pois, a camara que a divisão territorial, que se propõe, e que faz parte do systema da lei, envolve, alem das vantagens capitaes do seu fim especial, grande allivio para as localidades, e que a parochia civil, alcunhada de novidade centralisadora, não só se justifica pela doutrina opposta, como concorre poderosamente para este resultado.

Alem d'isto a insufficiente retribuição concedida aos magistrados superiores da administração desviava das funcções activas homens de reconhecida capacidade, mas pouco abastados para fazerem á sua custa as despezas de representação, que os logares requeriam. Portanto, não só não corremos o risco de aggravar os encargos publicos, como, deminuindo a despeza do estado, o habilitamos para remunerar melhor os funccionarios, sem oppressão, antes como allivio dos contribuintes (apoiados).

Resta-me ainda tratar de outro assumpto, que tocou o meu digno amigo. Refiro-me ao contencioso administrativo, e se rei muito breve.

(Interrupção do sr. Ferrer, que se não percebeu.)

O digno par sabe muito bem, que esta materia sempre foi reputada difficil, e que preoccupou, especialmente ha vinte annos, o espirito de muitos homens eminentes. Lançados os primeiros traços por Maçarei, elucidados muitos pontos casuísticos por Cormenin, por Dalloz, e por uma serie de estudos dignos de attenção, entrou por ultimo em phase mais clara, de que tratados mais explicitos e profundos esclareceram as principaes difficuldades, embora ellas se não possam considerar desatadas de todo, nem constituida definitivamente a doutrina. O sr. Ferrer collocou-se no campo da sciencia pura, e em nome das theorias condemnou como inexacta e menos juridica a phrase dos artigos 282.° e 283.°, e parece-me que até a formula synthetica do projecto, porque na accepção rigorosa da philosophia do direito, s. ex.ª não vê interesses, e só encontra direitos e obrigações. Permitta-me que lhe observe, que a sua argumentação o leva muito mais longe, do que aparenta. A conclusão rigorosa d'ella seria a negação formal da jurisdicção extraordinaria administrativa, e a victoria completa do direito commum. Mas se as raias, que os separam, são arduas de estremar, a difficuldade nunca foi o impossivel, e a jurisdicção commercial nunca teria existido. Demais, os principios absolutos sempre são perigosos, quando se baixa da theoria ás applicações praticas. Muitas verdades economicas reinam hoje que ha annos se expurgavam quasi como erros de orthodoxia governativa.

Se na esphera altissima da philosophia do direito para uma escola ha só direitos e obrigações, na applicação positiva ao direito administrativo todas apontam interesses e direitos, distinctos entre si, e regulados por fórmas especiaes. Na linguagem da sciencia, porque' esta especialidade pela sua importancia conquistou ha muito os fóros de sciencia, a palavra interesses emprega-se sem heresia, e tem sentido proprio. Vivien, Dufour, Maçarei, Degerando, Adolpho Cheauveau, Solon, Trolley e muitos outros auctores não hesitam em usar d'ella nos mesmos termos que o projecto emprega, e a par d'elles as leis mais recentes, assim como as anteriores das nações cultas da Europa. - A commissão não duvidou seguir os exemplos dos mes