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1945

tres da sciencia e de legisladores respeitados, e fallando a linguagem, que elles fallam, consola-se ao menos com a idéa de que se errasse, erraria em excellente companhia. Não houve porém, nem ha erro. Solon (na sua obra do codigo administrativo annotado — Liv. V) diz o seguinte:

«A administração pratíca um acto, que é de interesse mais, ou menos geral da população. Esse acto indifferente aos interesses de parte d'ella fere os de outra parte, e lesa os direitos adquiridos de alguns individuos. Os que o acto não offendeu nos interesses, ou nos direitos não podem oppor-se-lhe, e a lei não lhes concede nenhum meio de o fazer. Os que feriu nos interesses podem reclamar perante a administração mesma pelo recurso da jurisdicção graciosa; os que foram lesados recorrem ao contencioso.»

Eis em concisas palavras toda a theoria exposta. Ha em administração interesses e direitos, e a cada um d'elles patenteia-se sua fórma peculiar de recurso, fórma que lhe é propria. Para os interesses a jurisdicção graciosa, para os direitos a jurisdicção do contencioso. Não direi mais nada sobre este ponto. Não estou na minha provincia, e as subtilezas da philosophia de direito parece-me, que fóra da esphera dos principios absolutos não triumpharão facilmente das rasões praticas e das doutrinas fundadas na necessidade dos factos, que a sciencia do direito administrativo invoca para defeza e conservação das suas instituições e da sua phraseologia (apoiados).

O digno par, meu amigo, que me precedeu, applicou ao projecto uma censura que elle não merece, accusando-o de deixar os corpos municipaes sem acção e quasi reduzidos á servidão nas mãos do governo. Esta, de todas as arguições feitas no estado em que a lei se offerece á camara, é a que me parece menos fundada. Suas bases talvez podessem ser combatidas, mas não pelos sectarios da escola, que inscreveu a descentralisação em suas bandeiras. Essa vê n'elle attendidas todas as aspirações legitimas e confirmadas todas as conquistas recentes. Em nome do principio opposto, sim, em nome da liberdade de auctoridade é que alguem, com pouca rasão comtudo, poderia assestar contra ella as baterias, porque a harmonia e a superioridade da proposta consiste exactamente em ter sabido conciliar o principio da liberdade com a acção efficaz do poder central. Se esta lei coarcta, ou annulla a acção dos corpos municipaes não sei aonde existe a lei modelo, que as consagra, porque nenhum codigo, nenhuma legislação foi ainda mais longe, do que este no sentido descentralisador. A theoria e a applicação distanciam-se quasi sempre muito; mas o projecto, que discutimos, respira em todas as disposições a maior sinceridade na pratica dos principios invocados. Por isso creio, que poderá ser arguido de tudo menos de conspirar á sombra du promessas mentirosas a morte das instituições, que desenvolveu com maior cuidado (apoiados).

A theoria e o preceito das attribuições concedidas ás juntas geraes encontram se na legislação da Belgica, que não deve ser, nem é suspeita, e em partes ainda se adianta nas concessões a alguns dos codigos mais liberaes da Europa. Não fallei de proposito da França. Se comparássemos as prescripções do projecto com as da sua legislação n'esta parte, as conclusões seriam todas em favor da lei portugueza. A legislação franceza abraça tres periodos distinctos no pensamento e nas tendencias, todos vigorosamente caracterisados. No primeiro dominam os principios severos da tradicção centralisadora da epocha imperial, que imprimiu ainda com força o seu cunho nas leis de 13 de julho de 1837 e 10 de maio de 1838. No segundo os decretos de 25 de março de 1852 e 13 de abril de 1861, se por um lado apparecem descentralisadores para a auctoridade administrativa, não o são ainda seguramente para as localidades.

Finalmente, no ultimo, a opinião formada depois da discussão de grandes escriptores e da luz feita pelos debates da imprensa e da tribuna, dictou os projectos de 1865 sobre as attribuições dos conselhos geraes e communaes, que vieram rasgar nova estrada assignalando no poder idéas mais em harmonia com as aspirações modernas, do que com a austera e intractavel centralisação do primeiro regimen napoleónico. O prejecto, que examinámos, não só concorda com estas tendencias recentes, como as excede com prudencia, mas sem timidez; e tomando para typos a lei belga de 1835, a de Ratazzi e Cavour de 20 de março de 1865, e conhecendo mesmo de perto a lei prussiana de 1862, a nenhuma d'ellas cede na confissão explicita dos principios mais liberaes e mais praticos, e na sua applicação. Esta é a verdade proclamada por todas as suas disposições, e não receio propor qualquer confrontação, seguro de que ha de saír d'ella a victoria das asserções que estou fazendo (apoiados).

A lei proposta, ouso afiança-lo, comparada com as que li de outros paizes, é profundamente descentralisadora, não cede um passo a lei belga, lei citada sempre pelo seu respeito aos principios mais liberaes, e não me parece, portanto, que sendo isto exacto, como é, que mereça ser accusada de coarctar a acção dos corpos municipaes.

Digo mais. Longe d'isso, não se contentando com a largueza concedida ás attribuições dos municipios, cuja esphera ampliou até onde podia ser ampliada sem perigo, desassombrou-os ainda do que havia de excessivo na tutela da auctoridade, porque o digno par sabe perfeitamente, que as nossas communas estavam quasi reduzidas á condição de pupilas obscuras sem acção livre para um só acto importante, porque todos deviam submetter ao [arbitrio supremo do tutor.

O projecto alarga, igualmente, a esphera da representação, dando vida e energia ao principio até hoje quasi inerte da cooperação directa e indirecta. Impõe de certo responsabilidades proporcionadas á importancia das attribuições, mas a fiscalisação salutar e essencial nunca se confundiu com a centralisação, porque se a ultima soffoca, a primeira fortifica e disperta o zêlo e assiduidade das funcções.

A fiscalisação e a responsabilidade nunca foram centralisação.

Não desejo tomar o tempo á camara; mas não podia deixar de expor as reflexões que enunciei, respondendo ao meu nobre amigo o sr. Ferrer. Farei diligencia por ser o mais breve possivel no mais que sou obrigado a acrescentar.

Parece-me pois que a commissão não se illudiu, quando aliançou á camara, que o projecto não encerrava disposição que podesse considerar-se em opposição com as doutrinas hoje recebidas, nem tão pouco se deverá dizer que não fossem tomados por elle em attenção os codigos e a legislação administrativa mais recente e liberal. A commissão lançou, portanto, no parecer asserções exactas, e não lhe será difficil prova-las se forem combatidas. N'este campo aceito o repto, e estou prompto a levantar a luva do mais poderoso contendor, porque sei que a rasão e a verdade pelejam por meu lado.

Resta-me tratar de um assumpto, ligado de certo com a questão geral, porém mais restricto e especial. Alludo á suppressão do districto administrativo de Santarem, e tambem á do districto de Vianna do Castello.

Não ficarei em contradicção sustentando a existencia de ambos por tres annos; porque as rasões que dei ha pouco para defender a divisão territorial, adoptada no projecto, vigoram para todos os districtos, ou não padecem com mais estas duas excepções. O systema da lei aspira, se não me engano, a estabelecer grandes circumscripções mais parecidas ás prefeituras francezas, do que ás unidades dos districtos actuaes. Mas este pensamento por ora é apenas uma tendencia, e ha de correr tempo ainda antes que se chegue a realisar o optimo n'esta parte, que, a meu ver, será a circumscripção provincial.

Não é novo dizer-se, que das pequenas aggregações procede maior descentralisação. Duvido, e contesto até a asserção. As pequenas aggregações muitas vezes, senão todas, produzem o effeito contrario. Entre muitas auctoridades, de que me recordo, invocarei sómente o testemunho de um homem, que não será suspeito pelos seus principios á escola liberal, de que sempre foi strenuo defensor. E o sr. Manuel da Silva Passos, que perdemos todos, como amigo, e como patriota.

O illustrado publicista no codigo elaborado em 1838 declara no exordio, quo se víra obrigado á operação dolorosa de supprimir muitos concelhos, para assim arrancar os outros ás furias da -anarchia e da centralisação. Reputava as pequenas aggregações verdadeiros focos de anarchia e de centralisação. Não é por este lado, pois, que eu hei de sustentar a causa da conservação do districto de Santarem. Se visse mantido com firmeza o principio das grandes divisões para todas as provincias inclinar-me-ia diante da necessidade, e não levantaria a questão. Mas a igualdade não foi observada. Sacrificaram-se districtos pelos mesmos motivos, porque outros são conservados. No § unico do artigo 2.° do projecto concede-se á Guarda o a Portalegre uma moratoria de tres annos, e não vejo rasões que justifiquem a excepção. Se é um favor, a lei não póde e não deve fazer favores. Se é um acto de equidade não póde parar senão aonde acabar a identidade de circumstancias. Não ha em justiça duas medidas e duas sentenças diversas para a mesma causa (apoiados).

Desde que se não julgou essencial para a economia da lei a suppressão da Guarda e Portalegre, que primeiro fôra proposta, tenho direito para não reputar essencial tambem a suppressão do districto de Santarem, ou a do districto de Vianna, muito mais dignos, ouso affirma-lo, de serem conservados.

Ácerca do districto de Vianna não direi mais nada, porque tem aqui os seus defensores naturaes, e esses, muito melhor do que eu, poderão adduzir considerações mais opportunas para sustentarem a suspensão do golpe que o ameaça. Estou certo de que a defeza será completa, e que se o pleito se perder n'este juizo não será por culpa de tão zelosos advogados.

Falla-se muito, e repete-se, que o districto de Santarem deve desapparecer. Mas, pergunto, o que determina a sua suppressão? São as rasões de aggregação de população? É por ser um districto pouco populoso que o condemnam? Mas elle, Santarem, conta 200:000 habitante, segundo o censo de 1864! Não póde ser extincto, portanto, em nome de similhante pretexto, porque a evidencia confunde o sophisma, e muito mais quando se conservam districtos com populações muito menores. Olhemos para os Açores, divididos em tres districtos (o que não contesto): toda a sua população orça apenas por 251:000 almas. Passemos á provincia de Traz os Montes, que conserva os dois districtos de Bragança e Villa Real; conta 385:000 habitantes, e cada um dos districtos 193:000. Notemos a provincia do Alemtejo, com Evora, Béja e Portalegre. Tem 348:000 almas, 116:000 a cada districto. Castello Branco não excede 165:000 almas. - Dizem que os Açores estão separados pelo Occeano e pelas tempestades. Allegam a braveza dos mares e o perigo de suas costas infamadas de naufrágios. Deviam n'esse casa ser n'ellas nove e não tres os districtos. Ponderam a extensão do Alemtejo, a sua pouca povoação, e a largueza das distancias? Mas extinctos Aveiro, Leiria, e Santarem o novo districto de Lisboa medirá 40 leguas de comprimento, e grandes distancias vão separar muitos concelhos da sede da administração. Apontam as más communicações de Traz os Montes, provincia cortada de serros e de passos trabalhosos; mas acaso não se encontram na Extremadura d'esses estorvos com frequencia, e será muito superior em geral a sua viação? De Leiria para baixo não estende um braço e depois o corpo a cordilheira, que de Cintra se dijata e ramifica até á Guarda? Não póde ser esta, pois, a rasão. A equidade não a aceita (apoiados).

É porventura porque uma via ferrea corta a Estremadura, e approxima em alguns pontos as distancias? Se uma só linha de communicações acceleradas resolvesse o problema, muito mais simples ficaria elle o muito mais barato, do que se me representa. As arterias não supprem todos os outros vasos no apparelho da circulação. A viação ordinaria rapida e prompta não é dispensada pela locomotiva. Uma linha lançada quasi sem relações da contiguidade com os territorios, que atravessa, esta longe de cumprir as promessas da civilisação n'esta parte. Mas Santarem existe a duas horas de Lisboa! Que importa? Resta saber a quantas horas estarão d'ella os concelhos, que tem de vir defender e representar á capital do novo districto da Estremadura os seus interesses. A questão é essa, e não póde decidir-se por outros principios. Se não fosse assim como seria Versailles a séde do departamento de Saine et Oise a meia hora de París pila via ferrea? Meluri, capital de Saine e Marne a 40 kilómetros da grande cidade? Em Hespanha, continuariam Toledo, Avila, e Segovia, a ser capitaes de districto situadas a menor distancia de Mardrid, do que Santarem o esta de Lisboa? Estes exemplos são persuasivos. A distancia entre Santarem e Lisboa não é rasão solida, e não póde portanto allegar-se com seriedade. Resistem-lhe a evidencia e todas as considerações que dominam a questão da divisão territorial.

Estará o districto de Santarem tão favorecido, que em viação interna não tenha que pedir, ou que desejar? São faceis, commodas, promptas, e economicas de uns para outros concelhos n'elle as communicações, que deva tornar-se para modelo de actividade official n'este ponto? Pelo contrario! A verdade é que o seu atrazo justifica as queixas repetidas e pouco escutadas de seus habitantes.

Desde 1851, em que foi decretada, a estrada, de Pernes a Torres Novas não couta ainda 20 kilometros concluidos, a a distancia de 7 abre-se o horrivel precipicio da ponte de Valle do Lobos. Alem, d'esta estrada e de 5 kilometros de ramal até á ponte da Asseca, não ha estrada, ou saída que não seja quasi um despinhadeiro. Tem sido tão pouco protegida que nem sequer para a estação da ribeira tem a villa caminho. No resto do districto o desamparo é igual. Existem alguma kilometros de estrada nova do Sardoal para Abrantes; alguns incompletos da Barquinha a Tomar tambem por espaço de 2 leguas; outros por acabar ainda de Rio Maior ao alto do valle; dous pequenos ramaes da Gollegã e de Torres Novas á estação collocada entre ellas; outro do Cartaxo á Ponte de Sant'Anna; e uma pequena legua de Almeirim á margem do Tejo.

Creio que enumerei sem omissão importante todas as riquezas da viação de Santarem! Pergunto agora á camara: possuem acaso menos os districtos da Guarda e de Portalegre? Respondam os que sabem a verdade, e respondam com elles 33 kilometros construidos e 12 1/2 em construcção da Guarda a Vizeu, 75 de Celorico ao Alva, 22 de Trancoso a Gradiz, 20 em construcção de Celorico a Trancoso, ao todo 135 kilometros construidos e 33 em construcção, só no districto da Guarda. Não fallo de Portalegre, que a via ferrea de leste corta, nem do resto do Alemtejo dotado com a via ferrea do sul.

Que igualdade é esta, pois? O territorio do districto de Santarem acha-se por tal modo sulcado de boas com munições, que se possa dizer com justiça que a linha de ferro fez tudo e suppriu tudo n'elle? E os cerros quasi inaccessiveis de Mação, e os de Ferreira de Zezere, e as charnecas de Ourem, e os escalvados outeiros de Thomar, e os pedregosos cabeços de Torres Novas, e as invias e despovoadas charnecas de Corruche? Na realidade se a rasão e a equidade fossem chamadas a decidir, Santarem conservaria a sua autonomia districtal, ou a Guarda e Portalegre perderiam o privilegio que n'este projecto as cobre. Não ha duas faces na justiça (apoiados).

Peço desculpa do calor que tomei.

Uma voz: — Questões de campanario não admira!

O Orador: — Serão! E são. O que vale isso? Mas enganam-se, nem mesmo é campanario. O meu ninho não foi Santarem. Possuo lá propriedades, como as tenho no Alemtejo e na Estremadura. Se defendo esta causa é porque a reputo justa e pouca amparada. Nada mais, e honro-me de o fazer, embora seja vencido, e não convencido pelo numero.

Perguntarei ainda? E a pobreza da terra que faz suppor que Santarem não poderá occorrer ás novas obrigações impostas para a fazenda dos districtos pelo projecto? Tambem não é. Santarem paga de contribuição predial mais de 119:000$000 réis, e de contribuição pessoal 7:000$000 réis. E a terceira terra por este aspecto, depois de Lisboa e Porto. A Guarda e Portalegre estão muito longe d'elle.

Parecia natural e equitativo, por isso, sendo exacto, como é, o que acabo de expor, que Santarem entrasse na excepção, e aproveitasse do favor concedido aos dois districtos beneficiados. Não pedirei, e não peço para elle mais. São tres annos para suas communicações tão atrazadas se melhorarem, e a incorporação lhe saír menos pesada. Mas se os motivos, que alleguei não merecem que o districto seja conservado, desejo ser convencido com provas, com factos da justiça, com que a Guarda e Portalegre ficam exceptuados, com que Traz os Montes tem dois districtos, e o Alemtejo tres. É uma curiosidade estatistica que preciso investigar, a não ser que... se verifique aqui a sentença do proloquio popular.

O meu voto repito, é pela unidade provincial, e se ella fosse proposta e seguida não advogaria a conservação de nenhum districto. Mas estamos longe d'ella, bastante longe ainda, e noto excepções, que tornam parcial uma providencia que devia ser geral. Oxalá que o governo empregue com vigor os seus esforços, e que d'aqui a tres annos a nova base da devisão territorial seja a circumscripção provincial! Ninguem então terá rasão de se queixar.

Por ora os motivos dados parecem-me mais pretexto, do que motivos.