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(Tendo-se publicado no Diario de Lisboa de 19 do actual com uma notavel omissão o discurso do digno par, Rebello da Silva, proferido na sessão da camara dos dignos pares de 15 do mesmo, repete-se a sua publicação, restabelecendo-se aparte omittida.)

O sr. Rebello da Silva (relator): — Se algum receio podesse resentir a commissão ácerca dos fundamentos, em que firmou as conclusões do seu parecer, a maneira por que o projecto tem sido apreciado pelos oradores que se inscreveram, e que tão poucas e tão benevolas observações formularam sobre elle, mostra bem que ella não foi exagerada no seu voto. A fórma cortez e benigna por que o digno par, o sr. marquez de Sá, meu antigo amigo, discutiu o assumpto; as concisas reflexões que acaba de expor o digno par que me precedeu; e o discurso tão notavel, como delicado, do meu respeitado mestre e amigo, o sr. Ferrer, provam que as bases do projecto saíram do conflicto quasi incolumes, e mostram que poucos lados vulneraveis offereciam aos seus adversarios. Desejo responder a alguns dos argumentos produzidos, não por vangloria de polemica esteril, mas unicamente para avivar as rasões, que moveram a commissão a approvar a proposta, que está na téla do debate, e que por honra immerecida me coube sustentar na tribuna na qualidade de relator.

Citarei em primeiro logar um ponto, a que se referiu especialmente o sr. marquez de Sá, ponto ácerca do qual já signifiquei a minha opinião ao enviar o parecer para a mesa. Alludo á suppressão do districto de Santarem. Logo apresentarei os motivos em que me fundo, para, n'esta parte, sómente n'ella, não concordar com a opinião dos meus illustres collegas da commissão.

O sr. Menezes Pita: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — O meu nobre amigo, o sr. marquez de Sá, dominado dos melhores desejos, sustenta que a divisão territorial dos districtos deve ser precedida da divisão das parochias e concelhos, e quer que as grandes unidades administrativas fiquem dependentes das petições, e até das queixas que as localidades, mais ou menos aggravadas, podem levantar para escudar a sua autonomia por vezes mais ficticia e apparente, do que real e verdadeira. Se a suppressão dos districtos ficasse subordinada á adhesão doa interesses, que a sua conservação póde suscitar ou estimular, a reforma não daria um passo, e tarde, ou nunca nos approximariamos do alvo a que o projecto aponta.

Mas a nova divisão dos districtos, que muitos capitulam de execução barbara e summaria, e que decerto é um golpe doloroso, mas indispensavel, não se deriva de caprichos, ou de predilecções. Nasce do pensamento gerador da lei, acompanhado em suas manifestações, e completa-o nos fins mais elevados e civilisadores que se propoz. O meu nobre amigo ha de concordar seguramente com esta verdade se quizer deter um pouco o seu espirito, e contemplar o projecto e o systema em que foi concebido.

A lei que discutimos restaura o districto, concedendo-lhe autonomia propria, inoculando-lhe vida nova, e traçando-lhe caminhos, que não estão ainda trilhados entre nós.

Mas a essas vantagens, a esses destinos elevados correspondem obrigações e encargos, que até hoje não existiam.

A sua vida de hoje não é a de ámanhã. As despezas presentes não são nem proximamente as futuras; e, ou havemos de mutilar a idéa do projecto, idéa progressiva e fecunda, ou não podemos por fórma alguma conservar aos antigos districtos os limites restrictos e a area circumscripta, em que até agora vegetavam (apoiados), Póde-se discutir em principio todo o projecto, porém, admittidas as bares essenciaes d'elle, não se póde pôr de lado como vã, ou como superflua a divisão territorial, que preferiu, para arreigar os melhoramentos, que ha tantos annos se appetecem e com tanto ardor se pediram. Sem os districtos como a lei os concebeu não é possivel a applicação da metade mais liberal da proposta. Logo demonstrarei, se souber, a procedencia d'esta proposição.

Aproveitarei o ensejo para me occupar desde já das arguições dirigidas pelo meu nobre amigo, o sr. Ferrer, relativamente, tambem, á circumscripção territorial, buscando conciliar nas replicas a extrema concisão com a clareza de que for susceptivel engenho tão acanhado, como o meu.

Notou s. ex.ª como severa excessivamente em partes a fiscalisação, e quasi a capitulou de centralisação exagerada; e estranhando logo aos primeiros passos, como novidade pouco util, a parochia civil, viu n'ella um embryão perigoso, e peior ainda, uma especie de foco politico, d'onde prophetisou que havia de irradiar, senão a tyrannia, pelo menos demasiada influencia eleitoral.

Antes de estudar de mais perto o projecto, a parochai civil tambem se me não representou, devo confessa-lo, uma creação que justificasse os elogios que lhe ouvira tecer. Para fazer justiça inteira a esta entidade, mal apreciada por muitos, ouso dize-lo, foi necessario que pela analyse eu conseguisse compor uma vista synthetica de todo o systema, e que, estudando-o nas partes e no todo, apercebesse sem confusão o logar e as funcções que a parochia civil ha de exercer n'elle. Não me tinha agradado a entidade, nem a denominação. Parecia-me hybrida, pelo menos! Examinando porém com mais reflexão agora o assumpto, convenci-me de que a parochia civil, longe de merecer as suspeitas dos defensores das doutrinas mais adiantadas, deve desterra-las inteiramente. O que é ella na essencia? Uma pequena communa, nada menos. O que representa na ordem de idéas do projecto? O principio da descentralisação verdadeiramente. Quem se der ao cuidado de comparar as attribuições da junta de parochia actual com as do conselho parochial creado por esta lei, não póde hesitar um momento a este respeito. O que observámos, abrindo n'este capitulo o codigo de 18 de março de 1842, no titulo V. capitulo I e II e suas secções, e a proposta do governo, que estamos debatendo, no capitulo n, secções I, II e III? Que, emquanto á junta de parochia nem sequer se concedia até hoje caracter definido e auctoridade publica, convertido em lei este projecto, ficará pelo contrario o conselho parochial constituindo uma especie de municipio imperfeito, com attribuições assás amplas para a esphera de sua acção (artigo 29.°), com receita constituida para occorrer ás obrigações que lhe incumbem (artigo 37.°), e com orçamento sujeito a regras de boa economia e de vigilante fiscalisação.

A parochia civil, como parte integrante da organisação administrativa, longe, portanto, a meu ver, de representar a centralisação, representa a desagregação, especialmente em presença dos concelhos que se vão estabelecer com o minimo de 3:000 fogos. A centralisação excessiva, e até oppressiva, dar-se-ia se ella não existisse ao lado das circumscripções municipaes, quasi ampliadas ao algarismo da população dos cantões francezas. Mas aggregações de 500 fogos nas povoações ruraes e de 1:000 nas villas e cidades, vivificadas por uma autonomia restricta, mas sufficiente, e e harmonia com as suas necessidades, longe de deverem assustar os partidarios das doutrinas mais liberaes, hão de, imparcialmente apreciadas, satisfazer a suas aspirações, e tranquillisar até a apprehensão dos animos mais suspeitosos (apoiadas).

N'este systema a descentralisação sobe harmoniosa e regulada desde a pequena unidade administrativa, chamada parochia civil, ou concelho imperfeito, até ao grande municipio, ou concelho perfeito, e d'este elevasse sem esfôrço para coroar o edificio com a nova e mais completa organisação do districto, que, de entidade quasi abstracta que era até agora a muitos respeitos, passa a ter vida propria e mais robusta, arreigando nas instituições, com a sua autonomia reconhecida e vigorada, o desenvolvimento de interesses e de iniciativas até hoje sem voz, sem acção, e sem recursos. (Vozes: — -Muito bem. — Apoiados).

Desejo e preciso ser o mais succinto que me for possivel. Não me leve por isso a mal a camara, que me demore pouco em cada um dos assumptos, que foram mais de perto arguidos.

Talvez seja erro do meu espirito pouco perspicaz, mas por maia que indague não vejo n'esta parte do projecto base, ou tendencias para o aniquilamento das instituições municipaes. Ao contrario, se o que acabo de expor é fundado nas provisões do projecto, e não será facil demonstrar que não, creio poder affirmar á assembléa, que a vida local sairá d'este ensaio mais forte, mais animada, e sobre tudo mais fecunda do que dos pequenos e annullados concelhos, em que esmorecia desamparada pela negligencia de muitos, pela ignorancia de outros, e pela incapacidade innata que os não deixava de corresponder aos fins e obrigações do seu instituto. O meu digno e respeitavel amigo o sr. Ferrer é muito justo e sincero para o não reconhecer.

Mas, notou elle, á divisão administrativa convinha antepor n'esta parte a divisão ecclesiastica. Antes da parochia civil estava a parochia propriamente dita. Seguramente. Longe de o contestar affirmo-o. Todos lucrariam immenso com. esse grande passo. Era elle possivel, e podia caber nas forças do governo actual, quando ha tantos annos illudiu os

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desejos - e até os esforços de muitos gabinetes t b. ex.ª sabe-o melhor do que eu, porque já presidiu á administração dá justiça e não costuma soçobrar com os obstaculos, ou levantar mão das difficuldades. Se esperassemos pela divisão ecclesiastica continuariamos não sei até quando no mesmo estado e cairíamos no absurdo de sacrificar o bem exequivel ao optimo em esperança. O governo optou pela annexação das parochias ecclesiasticas á parochia civil, cortando assim indirectamente o nó gordio. Conseguiu o seu fim quanto á administração. É provavel que esta primeira tentativa não fique infructifera, e que mais tarde se chegue ao aperfeiçoamento que o meu antigo amigo recommenda, e que sou o primeiro a confessar como urgente e necessario.

Outra objecção se formou contra o projecto. Foi a do pessoal habilitado para a gerencia dos negocios parochiaes.

Na realidade as funcções conferidas pelo capitulo 2.º da proposta á parochia são importantes; não julgo, comtudo, que em area, que nunca póde descer de 500 fogos nas povoações ruraes e de 1:000 nas villas e cidades, venham a faltar cinco cidadãos habilitados para o exercicio do conselho de parochia. Desgraçado para o nosso se tal acontecesse! E quando digo habilitados, não se entenda que exijo, ou supponho capacidades elevadas, que aliás não escasseam em varias terras. Para não ficar abaixo das modestas funcções creadas pela lei não se carece de grandes rasgos de engenho, ou de sciencia; bastam zêlo, certa aptidão pratica, e probidade. O nosso defeito usual é confiarmos de nós menos do que parece rasoavel, é fazermo-nos sempre mais pequenos do que somos. Nem tanto! Se em 500, se em 1:000 fogos de população não houvesse cinco cidadãos capazes de exercerem o mandato honroso, mas pouco difficil dos eleitores, a abdicação moral e intellectual do paiz estaria provada, e pelo meu lado sem ser convencido pelos factos, nego-me a subscrever essa fatal sentença, que iria muito mais longe, e alcançaria em seus effeitos muito mais do que se cuida até na esphera da representação popular e politica, base do systema que defendemos como escudo de nossas liberdades (apoiados).

Não encontro (e desculpe-se-me a cegueira, se o é) na creação dos magistrados administrativos das parochias, que hão de substituir os actuaes regedores, a semente venenosa que deve atrophear as liberdades publicas. Vejo sorrir o meu nobre amigo, auctor da insinuação, e tomo o sorriso em bom presagio. A suspeita não me inquieta. Afigura-se-me um d'aquelles traços de desconfiança, que sempre acompanham de ordinario as leis administrativas. E usual nunca deixar de ver em propostas similhantes uma machina eleitoral com ò seu apparelho de' alta pressão, e no ministro do reino, não o chefe da administração, mas o engenheiro, o grande eleitor politico votado á educação, e até á aberração dos comicios no sentido das idéas do governo (riso).

As attribuições commettidas ao administrador de parochia pelos artigos 45.°, 46.°, 47.°, 48.°, 49.° e 50.° do projecto não se me representam na fórma, ou na essencia ameaçadoras para a livre manifestação do voto. Nec vultus instantis tyranni! Este tyranno não me aterra. Se depois de investido no mando restricto nem um deputado independente mais ha de saír da urna popular, custa-me a conceber como tão grave desacato possa surgir de tão pequena causa. Será o grao de areia na roda da machina eleitoral? Não me parece. Pela proposta o administrador é filho da eleição como os membros do conselho parochial, e escolhido pelo ministro de entre elles. Esta disposição lembra mais a do artigo 114.° do codigo administrativo de 1838, do que as maximas centralisadoras, que tanto assustam hoje, e com rasão, alguns oradores. N'aquella epocha o administrador do concelho era eleito...

(Interrupção do sr. visconde de Fonte Arcada que não se ouviu.)

Ouviria com todo o gosto a observação do digno par, mas não percebi bem a interrupção. Não me incommodam as interrupções, aceito as com prazer pelo contrario... O digno par reserva-se para o seu discurso? N'esse caso, se for preciso, tomarei a palavra outra vez.

Dizia eu que em 1838 o administrador do concelho era votado em lista popular de alguns nomes, d'onde o governo escolhia um. À experiencia provou que o ensaio fôra precoce, e nos documentos apresentados á camara em 1840 pelo ministerio, os inconvenientes do methodo foram encarecidos por homens cujos principios liberaes nunca ninguem contestou. Hoje, ao cabo de trinta annos, podemos sem perigo renovar na parochia, no concelho imperfeito, a tentativa, e não receio que o exito a condemne. Mas apontando-lhe a, origem laveia-a, julgo, de toda a nodoa de bastardia. E liberal legitima, e se peccou foi por excesso das qualidades proprias (apoiados). Pois bem! Entre o regedor actual, inventado pelos alvarás dos governos civis, e o funccionario administrativo chamado administrador de parochia, filho da eleição, qual, segundo os principios e todas as probabilidades humanas, deve inspirar maior conceito? O homem inventado por um traço de penna, ou o eleito da confiança popular? Quem vive fóra de Lisboa mezes (e appello para o digno par), sabe o que são e o que valem os regedores de parochia, a difficuldade de os ter mesmo mediocres, e a docilidade com que muitos se prestam, com abjecta servidão, a tudo, a tudo o que se quer exigir d'elles. Não acrescentarei mais nada. Sei que a consciencia da camara dirá o resto (apoiados). Não me temo do funccionario eleito pelos seus concidadãos para esse cargo;'mas confesso, que vi sempre com sobresalto, mesmo uma parte minima de auctoridade nas mãos de pessoas ineptas, quasi sempre infimas, e ligadas ao emprego por vinculos, que se tornava urgente desatar. Não havia remedio senão tolera-las, porque, principalmente nas povoações ruraes, era difficil achar individuos habilitados que se quizessem dedicar a este serviço. Repito. Não receio que o administrador venha a converter-se em instrumento dos abusos do governo; pelo contrario, o que ha muito se devia ter terminado era a servidão moral e a incapacidade dos regedores. Falo em geral, entende-se, e ressalvando, como é de rasão, todas as excepções honrosas.

Vem a proposito responder aqui á objecção sobre a antinomia figurada entre a doutrina do artigo 16.°, que declara gratuitas as funcções dos membros dos conselhos de paro chia e a prescripção do artigo 48.° que manda abonar gratificação annual, alem dos emolumentos, ao administrador da circumscripção. Não vejo a contradicção por mais que a busque, porque aonde não ha identidade absoluta de attribuições não póde requerer-se analogia rigorosa de preceitos.

As funcções do conselho não são retribuidas? De accordo. Mas o administrador vence a gratificação como vogal do corpo collectivo, ou como, representante do poder, como funccionario administrativo? E como magistrado. Logo parece obvio que não se lhe applica a generalidade da regra, e por isso a antinomia não existe.

(Interrupção do sr. Ferrer que não se ouviu.)

São os artigos 16.° e 48.° os que referi. Eu os leio (leu).

O texto d'estas disposições confirma o que acabo da dizer. Na minha opinião não se dá a antinomia. As especies são diversas.

Resta-me quanto a esta parte do discurso do meu antigo amigo explicar a palavra anachronica, applicada aos baldios, e por elle estranhada talvez como menos justa e menos exacta.

Mas antes seja-me licito repellir em boa paz, mas com sincero pezar, a suspeita que se me afigurou notar no sr. Ferrer, de que apontando a par do erro de um algarismo, que s. ex.ª indicava, o erro typographico de uma terminação feminina em vez da masculina, tinha de algum modo querido elevar a risada á altura de argumento. Respeitei muito sempre a tribuna para a rebaixar por culpa minha á gymnastica dos gracejos, ou para arrastar com a toga do orador uma cauda de gargalhadas. Se o epigramma fino e delicado é arma licita, a immodesta e grosseira ironia, feia nos modos e na essencia, nunca deve entrar as portas de assembléas graves, porque exauctora o legislador e a camara, e converte em theatro de escarneo publico o acto solemnissimo da formação das leis. Nunca usei, e espero que Deus me terá de sua mão para continuar a nunca empregar os guisos de histrião parlamentar, como meio commodo de attrahir a attenção. Fallo as menos vezes que posso, e prezo-me de o fazer sempre de modo, que não me offenda a mim, faltando ao decóro devido aos meus collegas e á camara. Demais, quando mesmo fôsse inclinado a essas jogralidades, que reprovo, o meu antigo mestre e amigo devia conhecer, que por todos os respeitos elle seria a ultima pessoa em que eu poria o alvo de taes settas (muitos apoiados).

Dada esta explicação, resumirei em breves phrases o sentido do vocábulo anachronico em relação aos baldios, e primeiro que tudo observarei, que o vocábulo alcança e fere só os baldios propriamente ditos, e não os terrenos applicados a usos communs, permanentes, e necessarios dos povos, que o artigo 109.° do projecto exceptua da desamortisação, e nos quaes se incluem seguramente os que o digno par citou para fundar a sua arguição.

A commissão, como todos em geral, considerou, os baldios municipaes assás prejudiciaes e esterilisadores. É sabido que essas terras, que ninguem cultiva, e de que alguns poucos aproveitam mal a vegetação espontanea, produzem em seis kilometros muito menos do que se colheria na quinta ou sexta parte da mesma extensão, amanhado com cuidado. A sciencia economica condemna os baldios em nome da formação da riqueza publica; a economia rural, mais severa ainda, não hesita em asseverar, que nas regiões aonde prevalecem, não é preciso buscar outro testemunho do atrazo das culturas. Os baldios representam idéas e factos, que não são da nossa epocha, e que a historia já sepultou e comemora em suas paginas. Foi por isso que eu (o delicto é meu, se houve delicto!) usei, para os qualificar, da palavra, que, a meu ver, exprimia com mais exactidão os erros e os males que encerram, e que o projecto se propoz destruir successivamente.

Em relação ao modo por que a desamortisação póde e deve operar-se, satisfazem me inteiramente as disposições dos artigos 112.° e seguintes, e com ellas não receio o monopolio dos abastados, nem a ruina dos pequenos cultivadores. As lenhas e os matos dos terrenos não susceptiveis de cultura, de que os povos dos concelhos estão no uso permanente e necessario de se valerem para suas lavouras, não são os baldios extensos, aráveis, e desaproveitados com prejuizo geral, de que trata esta lei.

Convirá, porém, que nos regulamentos que o governo publicar sobre este melindroso ponto, se acautelem cuidadosamente os abusos. E necessario que os terrenos se cultivem, e que não passem da communidade para mãos particulares, ainda sujeitos á condição funesta, que hoje deploramos, e que tão nociva tem sido ao desenvolvimento agricola de algumas regiões.

Percorrendo as notas que tomei rapidamente do discurso, do meu nobre amigo, encontro uma que me pareceu talvez filha de equivoco, e não de doutrina assentada no animo do digno par. Alludo á estranheza com que s. ex.ª viu a prescripção do artigo 276.° quanto ás decisões dos governadores de districto serem tomadas para uns casos em conselho de districto e para outros sem dependencia d'elle. Tão versado como é em todos os conhecimentos de sciencias moraes e politicas o digno par sabe melhor do que eu, que a distincção do projecto se encontra em todos os auctores, desde o compendio de Laferrière até aos tratados de Dufour e Macarel, e que se funda em um principio tão obvio como evidente.

O governador de districto decide sem dependencia do conselho, quando exerce a auctoridade inherente á acção e aos interesses do estado, de que é representante. Decide em conselho, quando delibera sobre interesses collectivos do districto, do municipio, ou de estabelecimentos publicos, por que n'este caso a lei quiz que o voto de homens esclarecidos e habilitados auxiliasse a resolução mais justa, ou mais equitativa, assegurando assim ao mesmo tempo uma garantia mais a essas corporações. Creio que sobre esta questão, que já o não é hoje, não careço de dizer senão o que acabo de expor.

Na primeira hypothese não ha abuso de centralisação mas unicamente se affirma o direito inconcusso da auctoridade administrativa, que seria um instrumento inerte e até nocivo sem a indispensavel liberdade de acção.

Na segunda concilia-se esse mesmo direito com a intervenção de um corpo, que' offerece condições de acerto pela indole e pelo conhecimento pratico das circumstancias especiaes dos negocios, e de plena independencia tambem no modo porque póde aprecia-los e resolve-los.

Finalmente, regulando me pelas notas que tomei, acho uma economia de alguns contos de réis.

Notou-se o augmento dos ordenados dos governadores de districto e dos secretarios geraes, e em nome do espectro assustador do deficit, impoz-se veto a esta, disposição, que em si mesma é um grande melhoramento. A commissão não podiam ser indifferentes os apuros do thesouro, e se na realidade encontrasse no projecto um quadro luxuoso de funccionarios administrativos, remunerados com largueza superior aos nossos meios, teria seguramente opposto tambem a sua opinião á supposta prodigalidade. Mas a despeza longe de augmentar com o projecto diminue desde já, e promette descer com o tempo ainda mais. Esta é a verdade. Hoje gastam-se com a administração civil 106:356$240 réis. Approvada a proposta, mesmo incluidos os empregados addidos para serem convenientemente collocados, a despeza não excederá 101:804$600 réis. A economia real é, portanto, desde já de 4:551$640 réis, economia pequena, mas que esta longe de ser um augmento como se receiava. Demais, as economias não se concentram só no thesouro. O projecto encerra-as geraes e valiosas em beneficio dos povos, e pouco inferiores talvez a 260:000$000 reis nos ordenados e quotas dos administradores dos concelhos supprimidos, na cobrança dos impostos municipaes que não baixa de 6 por cento por conta das camaras, e que avulta a 60:000$000 réis no total, nos governos civis e nos dois bairros, um de Lisboa e outro do Porto encorporados por esta lei nas circumscripções mais proximas.

Já vê, pois, a camara que a divisão territorial, que se propõe, e que faz parte do systema da lei, envolve, alem das vantagens capitaes do seu fim especial, grande allivio para as localidades, e que a parochia civil, alcunhada de novidade centralisadora, não só se justifica pela doutrina opposta, como concorre poderosamente para este resultado.

Alem d'isto a insufficiente retribuição concedida aos magistrados superiores da administração desviava das funcções activas homens de reconhecida capacidade, mas pouco abastados para fazerem á sua custa as despezas de representação, que os logares requeriam. Portanto, não só não corremos o risco de aggravar os encargos publicos, como, deminuindo a despeza do estado, o habilitamos para remunerar melhor os funccionarios, sem oppressão, antes como allivio dos contribuintes (apoiados).

Resta-me ainda tratar de outro assumpto, que tocou o meu digno amigo. Refiro-me ao contencioso administrativo, e se rei muito breve.

(Interrupção do sr. Ferrer, que se não percebeu.)

O digno par sabe muito bem, que esta materia sempre foi reputada difficil, e que preoccupou, especialmente ha vinte annos, o espirito de muitos homens eminentes. Lançados os primeiros traços por Maçarei, elucidados muitos pontos casuísticos por Cormenin, por Dalloz, e por uma serie de estudos dignos de attenção, entrou por ultimo em phase mais clara, de que tratados mais explicitos e profundos esclareceram as principaes difficuldades, embora ellas se não possam considerar desatadas de todo, nem constituida definitivamente a doutrina. O sr. Ferrer collocou-se no campo da sciencia pura, e em nome das theorias condemnou como inexacta e menos juridica a phrase dos artigos 282.° e 283.°, e parece-me que até a formula synthetica do projecto, porque na accepção rigorosa da philosophia do direito, s. ex.ª não vê interesses, e só encontra direitos e obrigações. Permitta-me que lhe observe, que a sua argumentação o leva muito mais longe, do que aparenta. A conclusão rigorosa d'ella seria a negação formal da jurisdicção extraordinaria administrativa, e a victoria completa do direito commum. Mas se as raias, que os separam, são arduas de estremar, a difficuldade nunca foi o impossivel, e a jurisdicção commercial nunca teria existido. Demais, os principios absolutos sempre são perigosos, quando se baixa da theoria ás applicações praticas. Muitas verdades economicas reinam hoje que ha annos se expurgavam quasi como erros de orthodoxia governativa.

Se na esphera altissima da philosophia do direito para uma escola ha só direitos e obrigações, na applicação positiva ao direito administrativo todas apontam interesses e direitos, distinctos entre si, e regulados por fórmas especiaes. Na linguagem da sciencia, porque' esta especialidade pela sua importancia conquistou ha muito os fóros de sciencia, a palavra interesses emprega-se sem heresia, e tem sentido proprio. Vivien, Dufour, Maçarei, Degerando, Adolpho Cheauveau, Solon, Trolley e muitos outros auctores não hesitam em usar d'ella nos mesmos termos que o projecto emprega, e a par d'elles as leis mais recentes, assim como as anteriores das nações cultas da Europa. - A commissão não duvidou seguir os exemplos dos mes

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tres da sciencia e de legisladores respeitados, e fallando a linguagem, que elles fallam, consola-se ao menos com a idéa de que se errasse, erraria em excellente companhia. Não houve porém, nem ha erro. Solon (na sua obra do codigo administrativo annotado — Liv. V) diz o seguinte:

«A administração pratíca um acto, que é de interesse mais, ou menos geral da população. Esse acto indifferente aos interesses de parte d'ella fere os de outra parte, e lesa os direitos adquiridos de alguns individuos. Os que o acto não offendeu nos interesses, ou nos direitos não podem oppor-se-lhe, e a lei não lhes concede nenhum meio de o fazer. Os que feriu nos interesses podem reclamar perante a administração mesma pelo recurso da jurisdicção graciosa; os que foram lesados recorrem ao contencioso.»

Eis em concisas palavras toda a theoria exposta. Ha em administração interesses e direitos, e a cada um d'elles patenteia-se sua fórma peculiar de recurso, fórma que lhe é propria. Para os interesses a jurisdicção graciosa, para os direitos a jurisdicção do contencioso. Não direi mais nada sobre este ponto. Não estou na minha provincia, e as subtilezas da philosophia de direito parece-me, que fóra da esphera dos principios absolutos não triumpharão facilmente das rasões praticas e das doutrinas fundadas na necessidade dos factos, que a sciencia do direito administrativo invoca para defeza e conservação das suas instituições e da sua phraseologia (apoiados).

O digno par, meu amigo, que me precedeu, applicou ao projecto uma censura que elle não merece, accusando-o de deixar os corpos municipaes sem acção e quasi reduzidos á servidão nas mãos do governo. Esta, de todas as arguições feitas no estado em que a lei se offerece á camara, é a que me parece menos fundada. Suas bases talvez podessem ser combatidas, mas não pelos sectarios da escola, que inscreveu a descentralisação em suas bandeiras. Essa vê n'elle attendidas todas as aspirações legitimas e confirmadas todas as conquistas recentes. Em nome do principio opposto, sim, em nome da liberdade de auctoridade é que alguem, com pouca rasão comtudo, poderia assestar contra ella as baterias, porque a harmonia e a superioridade da proposta consiste exactamente em ter sabido conciliar o principio da liberdade com a acção efficaz do poder central. Se esta lei coarcta, ou annulla a acção dos corpos municipaes não sei aonde existe a lei modelo, que as consagra, porque nenhum codigo, nenhuma legislação foi ainda mais longe, do que este no sentido descentralisador. A theoria e a applicação distanciam-se quasi sempre muito; mas o projecto, que discutimos, respira em todas as disposições a maior sinceridade na pratica dos principios invocados. Por isso creio, que poderá ser arguido de tudo menos de conspirar á sombra du promessas mentirosas a morte das instituições, que desenvolveu com maior cuidado (apoiados).

A theoria e o preceito das attribuições concedidas ás juntas geraes encontram se na legislação da Belgica, que não deve ser, nem é suspeita, e em partes ainda se adianta nas concessões a alguns dos codigos mais liberaes da Europa. Não fallei de proposito da França. Se comparássemos as prescripções do projecto com as da sua legislação n'esta parte, as conclusões seriam todas em favor da lei portugueza. A legislação franceza abraça tres periodos distinctos no pensamento e nas tendencias, todos vigorosamente caracterisados. No primeiro dominam os principios severos da tradicção centralisadora da epocha imperial, que imprimiu ainda com força o seu cunho nas leis de 13 de julho de 1837 e 10 de maio de 1838. No segundo os decretos de 25 de março de 1852 e 13 de abril de 1861, se por um lado apparecem descentralisadores para a auctoridade administrativa, não o são ainda seguramente para as localidades.

Finalmente, no ultimo, a opinião formada depois da discussão de grandes escriptores e da luz feita pelos debates da imprensa e da tribuna, dictou os projectos de 1865 sobre as attribuições dos conselhos geraes e communaes, que vieram rasgar nova estrada assignalando no poder idéas mais em harmonia com as aspirações modernas, do que com a austera e intractavel centralisação do primeiro regimen napoleónico. O prejecto, que examinámos, não só concorda com estas tendencias recentes, como as excede com prudencia, mas sem timidez; e tomando para typos a lei belga de 1835, a de Ratazzi e Cavour de 20 de março de 1865, e conhecendo mesmo de perto a lei prussiana de 1862, a nenhuma d'ellas cede na confissão explicita dos principios mais liberaes e mais praticos, e na sua applicação. Esta é a verdade proclamada por todas as suas disposições, e não receio propor qualquer confrontação, seguro de que ha de saír d'ella a victoria das asserções que estou fazendo (apoiados).

A lei proposta, ouso afiança-lo, comparada com as que li de outros paizes, é profundamente descentralisadora, não cede um passo a lei belga, lei citada sempre pelo seu respeito aos principios mais liberaes, e não me parece, portanto, que sendo isto exacto, como é, que mereça ser accusada de coarctar a acção dos corpos municipaes.

Digo mais. Longe d'isso, não se contentando com a largueza concedida ás attribuições dos municipios, cuja esphera ampliou até onde podia ser ampliada sem perigo, desassombrou-os ainda do que havia de excessivo na tutela da auctoridade, porque o digno par sabe perfeitamente, que as nossas communas estavam quasi reduzidas á condição de pupilas obscuras sem acção livre para um só acto importante, porque todos deviam submetter ao [arbitrio supremo do tutor.

O projecto alarga, igualmente, a esphera da representação, dando vida e energia ao principio até hoje quasi inerte da cooperação directa e indirecta. Impõe de certo responsabilidades proporcionadas á importancia das attribuições, mas a fiscalisação salutar e essencial nunca se confundiu com a centralisação, porque se a ultima soffoca, a primeira fortifica e disperta o zêlo e assiduidade das funcções.

A fiscalisação e a responsabilidade nunca foram centralisação.

Não desejo tomar o tempo á camara; mas não podia deixar de expor as reflexões que enunciei, respondendo ao meu nobre amigo o sr. Ferrer. Farei diligencia por ser o mais breve possivel no mais que sou obrigado a acrescentar.

Parece-me pois que a commissão não se illudiu, quando aliançou á camara, que o projecto não encerrava disposição que podesse considerar-se em opposição com as doutrinas hoje recebidas, nem tão pouco se deverá dizer que não fossem tomados por elle em attenção os codigos e a legislação administrativa mais recente e liberal. A commissão lançou, portanto, no parecer asserções exactas, e não lhe será difficil prova-las se forem combatidas. N'este campo aceito o repto, e estou prompto a levantar a luva do mais poderoso contendor, porque sei que a rasão e a verdade pelejam por meu lado.

Resta-me tratar de um assumpto, ligado de certo com a questão geral, porém mais restricto e especial. Alludo á suppressão do districto administrativo de Santarem, e tambem á do districto de Vianna do Castello.

Não ficarei em contradicção sustentando a existencia de ambos por tres annos; porque as rasões que dei ha pouco para defender a divisão territorial, adoptada no projecto, vigoram para todos os districtos, ou não padecem com mais estas duas excepções. O systema da lei aspira, se não me engano, a estabelecer grandes circumscripções mais parecidas ás prefeituras francezas, do que ás unidades dos districtos actuaes. Mas este pensamento por ora é apenas uma tendencia, e ha de correr tempo ainda antes que se chegue a realisar o optimo n'esta parte, que, a meu ver, será a circumscripção provincial.

Não é novo dizer-se, que das pequenas aggregações procede maior descentralisação. Duvido, e contesto até a asserção. As pequenas aggregações muitas vezes, senão todas, produzem o effeito contrario. Entre muitas auctoridades, de que me recordo, invocarei sómente o testemunho de um homem, que não será suspeito pelos seus principios á escola liberal, de que sempre foi strenuo defensor. E o sr. Manuel da Silva Passos, que perdemos todos, como amigo, e como patriota.

O illustrado publicista no codigo elaborado em 1838 declara no exordio, quo se víra obrigado á operação dolorosa de supprimir muitos concelhos, para assim arrancar os outros ás furias da -anarchia e da centralisação. Reputava as pequenas aggregações verdadeiros focos de anarchia e de centralisação. Não é por este lado, pois, que eu hei de sustentar a causa da conservação do districto de Santarem. Se visse mantido com firmeza o principio das grandes divisões para todas as provincias inclinar-me-ia diante da necessidade, e não levantaria a questão. Mas a igualdade não foi observada. Sacrificaram-se districtos pelos mesmos motivos, porque outros são conservados. No § unico do artigo 2.° do projecto concede-se á Guarda o a Portalegre uma moratoria de tres annos, e não vejo rasões que justifiquem a excepção. Se é um favor, a lei não póde e não deve fazer favores. Se é um acto de equidade não póde parar senão aonde acabar a identidade de circumstancias. Não ha em justiça duas medidas e duas sentenças diversas para a mesma causa (apoiados).

Desde que se não julgou essencial para a economia da lei a suppressão da Guarda e Portalegre, que primeiro fôra proposta, tenho direito para não reputar essencial tambem a suppressão do districto de Santarem, ou a do districto de Vianna, muito mais dignos, ouso affirma-lo, de serem conservados.

Ácerca do districto de Vianna não direi mais nada, porque tem aqui os seus defensores naturaes, e esses, muito melhor do que eu, poderão adduzir considerações mais opportunas para sustentarem a suspensão do golpe que o ameaça. Estou certo de que a defeza será completa, e que se o pleito se perder n'este juizo não será por culpa de tão zelosos advogados.

Falla-se muito, e repete-se, que o districto de Santarem deve desapparecer. Mas, pergunto, o que determina a sua suppressão? São as rasões de aggregação de população? É por ser um districto pouco populoso que o condemnam? Mas elle, Santarem, conta 200:000 habitante, segundo o censo de 1864! Não póde ser extincto, portanto, em nome de similhante pretexto, porque a evidencia confunde o sophisma, e muito mais quando se conservam districtos com populações muito menores. Olhemos para os Açores, divididos em tres districtos (o que não contesto): toda a sua população orça apenas por 251:000 almas. Passemos á provincia de Traz os Montes, que conserva os dois districtos de Bragança e Villa Real; conta 385:000 habitantes, e cada um dos districtos 193:000. Notemos a provincia do Alemtejo, com Evora, Béja e Portalegre. Tem 348:000 almas, 116:000 a cada districto. Castello Branco não excede 165:000 almas. - Dizem que os Açores estão separados pelo Occeano e pelas tempestades. Allegam a braveza dos mares e o perigo de suas costas infamadas de naufrágios. Deviam n'esse casa ser n'ellas nove e não tres os districtos. Ponderam a extensão do Alemtejo, a sua pouca povoação, e a largueza das distancias? Mas extinctos Aveiro, Leiria, e Santarem o novo districto de Lisboa medirá 40 leguas de comprimento, e grandes distancias vão separar muitos concelhos da sede da administração. Apontam as más communicações de Traz os Montes, provincia cortada de serros e de passos trabalhosos; mas acaso não se encontram na Extremadura d'esses estorvos com frequencia, e será muito superior em geral a sua viação? De Leiria para baixo não estende um braço e depois o corpo a cordilheira, que de Cintra se dijata e ramifica até á Guarda? Não póde ser esta, pois, a rasão. A equidade não a aceita (apoiados).

É porventura porque uma via ferrea corta a Estremadura, e approxima em alguns pontos as distancias? Se uma só linha de communicações acceleradas resolvesse o problema, muito mais simples ficaria elle o muito mais barato, do que se me representa. As arterias não supprem todos os outros vasos no apparelho da circulação. A viação ordinaria rapida e prompta não é dispensada pela locomotiva. Uma linha lançada quasi sem relações da contiguidade com os territorios, que atravessa, esta longe de cumprir as promessas da civilisação n'esta parte. Mas Santarem existe a duas horas de Lisboa! Que importa? Resta saber a quantas horas estarão d'ella os concelhos, que tem de vir defender e representar á capital do novo districto da Estremadura os seus interesses. A questão é essa, e não póde decidir-se por outros principios. Se não fosse assim como seria Versailles a séde do departamento de Saine et Oise a meia hora de París pila via ferrea? Meluri, capital de Saine e Marne a 40 kilómetros da grande cidade? Em Hespanha, continuariam Toledo, Avila, e Segovia, a ser capitaes de districto situadas a menor distancia de Mardrid, do que Santarem o esta de Lisboa? Estes exemplos são persuasivos. A distancia entre Santarem e Lisboa não é rasão solida, e não póde portanto allegar-se com seriedade. Resistem-lhe a evidencia e todas as considerações que dominam a questão da divisão territorial.

Estará o districto de Santarem tão favorecido, que em viação interna não tenha que pedir, ou que desejar? São faceis, commodas, promptas, e economicas de uns para outros concelhos n'elle as communicações, que deva tornar-se para modelo de actividade official n'este ponto? Pelo contrario! A verdade é que o seu atrazo justifica as queixas repetidas e pouco escutadas de seus habitantes.

Desde 1851, em que foi decretada, a estrada, de Pernes a Torres Novas não couta ainda 20 kilometros concluidos, a a distancia de 7 abre-se o horrivel precipicio da ponte de Valle do Lobos. Alem, d'esta estrada e de 5 kilometros de ramal até á ponte da Asseca, não ha estrada, ou saída que não seja quasi um despinhadeiro. Tem sido tão pouco protegida que nem sequer para a estação da ribeira tem a villa caminho. No resto do districto o desamparo é igual. Existem alguma kilometros de estrada nova do Sardoal para Abrantes; alguns incompletos da Barquinha a Tomar tambem por espaço de 2 leguas; outros por acabar ainda de Rio Maior ao alto do valle; dous pequenos ramaes da Gollegã e de Torres Novas á estação collocada entre ellas; outro do Cartaxo á Ponte de Sant'Anna; e uma pequena legua de Almeirim á margem do Tejo.

Creio que enumerei sem omissão importante todas as riquezas da viação de Santarem! Pergunto agora á camara: possuem acaso menos os districtos da Guarda e de Portalegre? Respondam os que sabem a verdade, e respondam com elles 33 kilometros construidos e 12 1/2 em construcção da Guarda a Vizeu, 75 de Celorico ao Alva, 22 de Trancoso a Gradiz, 20 em construcção de Celorico a Trancoso, ao todo 135 kilometros construidos e 33 em construcção, só no districto da Guarda. Não fallo de Portalegre, que a via ferrea de leste corta, nem do resto do Alemtejo dotado com a via ferrea do sul.

Que igualdade é esta, pois? O territorio do districto de Santarem acha-se por tal modo sulcado de boas com munições, que se possa dizer com justiça que a linha de ferro fez tudo e suppriu tudo n'elle? E os cerros quasi inaccessiveis de Mação, e os de Ferreira de Zezere, e as charnecas de Ourem, e os escalvados outeiros de Thomar, e os pedregosos cabeços de Torres Novas, e as invias e despovoadas charnecas de Corruche? Na realidade se a rasão e a equidade fossem chamadas a decidir, Santarem conservaria a sua autonomia districtal, ou a Guarda e Portalegre perderiam o privilegio que n'este projecto as cobre. Não ha duas faces na justiça (apoiados).

Peço desculpa do calor que tomei.

Uma voz: — Questões de campanario não admira!

O Orador: — Serão! E são. O que vale isso? Mas enganam-se, nem mesmo é campanario. O meu ninho não foi Santarem. Possuo lá propriedades, como as tenho no Alemtejo e na Estremadura. Se defendo esta causa é porque a reputo justa e pouca amparada. Nada mais, e honro-me de o fazer, embora seja vencido, e não convencido pelo numero.

Perguntarei ainda? E a pobreza da terra que faz suppor que Santarem não poderá occorrer ás novas obrigações impostas para a fazenda dos districtos pelo projecto? Tambem não é. Santarem paga de contribuição predial mais de 119:000$000 réis, e de contribuição pessoal 7:000$000 réis. E a terceira terra por este aspecto, depois de Lisboa e Porto. A Guarda e Portalegre estão muito longe d'elle.

Parecia natural e equitativo, por isso, sendo exacto, como é, o que acabo de expor, que Santarem entrasse na excepção, e aproveitasse do favor concedido aos dois districtos beneficiados. Não pedirei, e não peço para elle mais. São tres annos para suas communicações tão atrazadas se melhorarem, e a incorporação lhe saír menos pesada. Mas se os motivos, que alleguei não merecem que o districto seja conservado, desejo ser convencido com provas, com factos da justiça, com que a Guarda e Portalegre ficam exceptuados, com que Traz os Montes tem dois districtos, e o Alemtejo tres. É uma curiosidade estatistica que preciso investigar, a não ser que... se verifique aqui a sentença do proloquio popular.

O meu voto repito, é pela unidade provincial, e se ella fosse proposta e seguida não advogaria a conservação de nenhum districto. Mas estamos longe d'ella, bastante longe ainda, e noto excepções, que tornam parcial uma providencia que devia ser geral. Oxalá que o governo empregue com vigor os seus esforços, e que d'aqui a tres annos a nova base da devisão territorial seja a circumscripção provincial! Ninguem então terá rasão de se queixar.

Por ora os motivos dados parecem-me mais pretexto, do que motivos.

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Santarem é uma terra antiga, cujo explendor decaiu, cujos infortunios datam das duas maiores e mais cruentas lutas da nossa historia recente, a guerra da independencia contra Napoleão e a guerra da liberdade em 1833. Ambas lhe custaram dolorosos sacrificios. Restava-lhe pouco do muito com que se enrequecia; conservava como brasão monumentos venerados demoliram-lhos; era a séde do districto do Ribatejo, séde natural e bem quista, e está imminente o golpe que vae feri-la!

Na epohca do governo absoluto tinha treze conventos, e todos sabem que importancia davam ás terras principaes n'esse tempo os mosteiros, e os da villa eram ricos e povoados. Hoje dos treze apenas conta tres. Tinha vinte e duas varas de jurisdicção; hoje só existem ali duas! Teve quatorze collegiadas possue agora uma! É uma terra no occaso. Por suas recordações, por seus serviços merecia que a protegessem, que não acabassem de a prostrar. Tude se conspira para lhe apressar a declinação e o futuro cobre se de trevas para ella!.. Sinto que esta lei, que ha de ser util a tantas terras, leve comsigo talvez a ruina final d'esta, digna a todos os respeitos de melhor sorte.

Quando o exercito de Massena talou a Estremadura tentou-o a forte posição de Santarem, e recolhido dentro de seus muros oppremiu-a com todos os flagelos da guerra estrangeira. Na luta de 1833 novas desgraças e novos flagicios lhe castigaram a opinião liberal. Forçada a emudecer e a vergar-se ao peso das forças do exercito do Senhor D. Miguel de Bragança só conseguiu respirar pouco antes do ultimo acto d'este drama sanguinolento se desenlançar em Evora Monte. Pois bem, depois de provada por tantos sacrificios, e de vexada de tantos prejuizos esta terra monumental e perseguida desde os principios do seculo pela adversidade, vê-se agora desherdar das ultimas vantagens, que ainda lhe restavam

Disse de proposito que Santarem era uma terra monumental. De feito poucas villas poderão attestar a nobreza de sua remota genealogia historica por mais antigos e mais repetidos vestigios. Quasi a cada passo encontra-se uma lousa, um cippo, um padrão, um templo, um lanço meio derrocado de muralha, uma abobeda rota, e todas essas pedras mudas, desconjunctadas, tostadas dos seculos, tombadas e partidas pelo camartello dos demolidores narram ao viandante uma data, ou um nome notavel, um feito illustre, um rasgo heroico. Até doa estragos recentes conserva vivos os titulos do seu patriotismo nos troncos queimados, ou decepados de seus olvidos, ou nas encostas nuas e escalvadas outr'ora vestidas de luxuosos pampanos. (Apoiados— Vozes: — Muito bem.) Quando uma villa cinge assim a triplice corôa da antiguidade, da gloria, e do infortunio, todas as nações costumara ufanar-se de a possuir, e timbram em avivar os proprios pergaminhos com os pergaminhos d'ella. Santarem pede pouco, pede que a não façam descer mais do que a fortuna e a desgraça a fizeram baixar. Não merecerá em premio da seus padecimentos e sacrificios ao menos que se lhe conserve o seu districto, que não se lhe rasgue d'esta vez a purpura já tão desbotada?

O sr. Visconde de Chancelleiros: — É então um museu?

O Orador: — Se as terras monumentaes são os museus das glorias patrias, Santarem a preço de sangue conquistou esse glorioso nome. É de feito um museu como Guimarães, como Evora, como as antigas villas berço da independencia e dos brios portuguezes. '

Quando se contempla aquella Necropole semeada de tantas ruinas, tradição viva e invejada de tantas acções illustres, a solidão de seus bairros mais antigos, e o espectaculo de seus monumentos profanados contristam o animo, e convidam a meditar. São paginas soltas do livro de pedra da chronica saüdosa de nossos avós. Desde Affonso I até D. João I, desde Ourique até Aljubarrota, e depois desde D. João II até D. Sebastião não houve successo, ou homem distincto, que não deixasse assignalada a sua imagem em algum d'aquelles mármores, que hoje quebra, e dispersa o braço dos demolidores (apoiados).

O digno par, meu amigo, se quizesse distrair-se um dia de outros cuidados, visitando como observador aquellas ruinas tão pouco presadas para o que valem, estou que havia de ser doa primeiros a inspirar-se da poesia melancholica, que infundem, e n'essas pedras caídas e enegrecidas acharia de certo melhores rasões, do que eu, para defender o presente em nome do passado.

Dentro d'aquelles muros desabados ha monumentos que talvez se não encontrem n'outra parte, e os brios patrioticos fallam ali mais alto ao coração, do que os estrondosos hymnos de um enthusiasmo fugas.

Não o ignoro. A sentença de Santarem esta lavrada, não de hoje, mas de ha annos. Sempre que se fallava da suppressão de alguns districtos, apontava se logo Santarem, até mesmo porque era commodo prestar homenagem e preito ao espirito da reforma sem grande sacrificio proprio. Dizia-se: é preciso supprimir diversos districtos, mas acrescentava se logo: o meu não, porque tem condições especiaes; lembramos comtudo Santarem. Esse sim. E-tá tão perto de Lisboa! (Riso.) O sr. ministro do reino homologou o acórdão, e a questão politica deixa-me poucas esperanças, de que o recurso, que estou interpondo, seja attendido.

Pois bem! Se tudo o que disse foi inutil, e deploro-o sinceramente, rogo ao menos que se faça alguma cousa mais, do que destruir. Quero que se edifique tambem.

Santarem faz grandes sacrificios, precisa, merece, e justifica grandes compensações Lembro ao illustra ministro, se for removido o ceminario de Santarem, instituição ali creada com tanto amor o cuidado pelo fallecido cardeal Carvalho, de saúdo-a memoria para a camara, a conveniencia e a opportunidade de o substituir sem demora por uma escola normal com intimado e por outras escólas de instrucção rural e profissional. Aterra não póde ser mais propria, reune todas as condições para ellas prosperarem (apoiados). Estou tão convencido d'esta verdade, que não hesito em afiançar, que poucas localidades serão como Santarem mais aptas para a fundação e progresso de estabelecimentos d'esta indole.

Lembro igualmente ao governo que ha muito deveria existir na villa de Santarem um asylo de caridade, não faltando meios para o dotar, e tendo até hoje faltado só impulso forte, que resolva e desate algumas difficuldades.

Um flagello afflige ha largo tempo os lavradores d'aquelles campos. Refiro-me ás inundações, que lhes alagam, areiam, e esterelisam os campos, e que ás vezes os arruinam tanto quasi como uma guerra, levando uma, duas, e tres sementes.

Para vencer este inimigo terrivel, e que não perdoa, é necessario reformar e consolidar as tapadas de Vallada e do campo de Santarem.

Aquellas estão feitas e com solidez, porém carecem de reparo; n'este as obras começaram mal e não se concluiram.

Um habil engenheiro, o sr. Eça, activo e zeloso, orçou já, e propoz a abertura e limpeza das duas valias na margem direita do Tejo, chamadas de Alvisquer, e este melhoramento de summo interesse, realçado, seria um dos maiores beneficios quo o governo poderia fazer áquelles povos. Não estou orando pro domo mea. Não possuo felizmente propriedades no campo; porém muitos dignos pares as possuem, e sabem que os estragos do Tejo, rompendo todas as barreiras, são immensos o cruéis (apoiados).

É necessario que uma vez se olhe com menos indifferença por este estado insupportavel, e desejaria, já que parece inevitavel a suppressão do districto, que o governo procurasse compensa la e suavisa-la de algum modo, tomando a si esta empreza utilissima, e glorificando-se de a levar ao cabo.

As obras hydraulicas precisas para defender os campos das invasões do Tejo são importantes, e são urgentes. Não creio, porém, que ellas devam desanimar a boa vontade do sr. ministro das obras publicas, que não vejo presente, mas ao qual repetirei na primeira occasião estas mesmas observações, e tenho fé que a resposta de s. ex.ª ha de ser como a desejo..

Por ultimo lembrarei tambem a necessidade de se acabar a estrada de Rio Maior ao alto do valle, assim como a de Pernes para Torres Novas, pondo em communicação aquellas duas povoações importantes com a linha ferrea; concluir o pequeno lanço de estrada que/ainda falta entre o bairro de Marvilla e a estação da Ribeira, e o que falta da estrada de Almeirim a Coruche. Estes beneficios não resgatam de certo para o districto a perda da sua autonomia, mas podem modificar bastante os males, que padece, e é do interesse e do dever do governo minorar por todos os meios as difficuldades, que hão de nascer da execução do projecto n'esta parte, e especialmente quando, concorrendo circumstancias iguaes em alguns districtos, se concedem a uns moratorias de tres annos, e a outros se apressa a suppressão, tendo estes mais rasão de existir do que os privilegiados.

Vou terminar. Demais abusei da benevolencia da camara, e peço-lhe mil desculpas se a demorei por mais tempo, do que devia, com assumpto que alguem reputa talvez de menor vulto; mas eu dei lhe e dou-lhe toda a importancia que na realidade tem, e não temo ser demasiado exigente pedindo ao sr. ministro do reino e ao governo, que tomem era toda a consideração o que acabo de expor. Estou certo até de que s. ex. n'este ponto é do meu voto, e que Santarem ha de dever lhe muito em breve, porque sei que as promessas que fizer aqui não serão palavras perdidas, ou letras prol estadas depois de passada a occasião. Formo elevado conceito do caracter do honrado ministro no qual, alem de todas as outras qualidades, reconheço e louvo a principal, que é a de zelosamente desejar concorrer para o bem do paiz, cumprindo por sua parte, com o dever que é de todos nós, mas que infelizmente nem todos entendem sempre como cumpria que o entendessem (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Discurso proferido na sessão de 15 de junho, e que devia ler-se a pag. 1924, col. 2.ª, lin. 31.º do Diario n.° 137

O sr. Menezes Pitta (sobre a ordem): — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte emenda ao artigo 2.° do projecto que esta em discussão (leu).

Eu, sr. presidente, direi poucas palavras para sustentar a minha proposta, e apenas me limitarei ao objecto que ella trata.

A camara dos senhores deputados fez algumas alterações e modificações ao projecto primordial, apresentado pelo governo; algumas d'essas alterações e modificações foram aceitas pelo sr. ministro do reino, e uma d'essas alterações é a que se acha consignada no § unico do artigo 2.° que concede a moratoria de tres annos aos districtos da Guarda e de Portalegre. As rasões que se apresentaram para o governo aceitar esta alteração, parece-me ter sido a falta de viação que havia nos dois districtos da Guarda e de Portalegre; se houve outras rasões, s. ex.ª o dirá para eu poder responder, mas creio que se concedeu a moratoria, unicamente pela circumstancia da falta de viação n'aquelles dois districtos; porém se este foi o motivo, elle não colhe, porque em relação ao districto de Vianna este tem muito menos kilometros do estradas ordinarias do que nesses a que me estou referindo, da Guarda e Portalegre.

Para mostrar á camara a exactidão do que acabo de dizer, vou-lhe demonstrar com o Diario de Lisboa n.° 126 o numero dos kilometros construidos e em construcção em cada um dos tres districtos. No de Vianna ha construidos 103k,023, e em construcção 11k,520. Na Guarda, 135k,308 e em construcção 33k,264, e em Portalegre ha 135k,524 e em construcção 4k,251, com a circumstancia muito vantajosa d'este ser atravessado do sul ao norte pela via ferrea que abrange não menos de tres estações, a do Crato Portalegre e Elvas.

Por consequencia no districto de Vianna ha muito menos kilometros de estradas do que nos outros districtos, a que se concedeu moratoria por tres annos; logo se esta rasão levou o governo a conservar temporariamente os districtos da Guarda e Portalegre, parece por identidade de rasão que o de Vianna não deve ser extincto, acrescendo mais que no districto de Vianna não ha ainda um unico kilometro de caminho de ferro, nem esperança de o haver, attento o deploravel estado das nossas finanças.

Ora, sr. presidente, o districto de Vianna é um dos districtos mais importantes do reino a todos os respeitos: a população é de 275:000 habitante!?, e poucos districtos ha no reino que tenham um numero maior; n'este districto ha concelhos aonde não ha ainda um unico metro 'de estradas ordinarias, entre estes apontarei o de Melgaço e o de Coura, não obstante serem muito populosos e ricos de productos agricolas. Ora, n'este projecto vejo eu o districto de Vianna ser annexado para Braga, e Braga fica então sendo um dos maiores districtos do reino, porque não fica com menos de 600:000 almas. Ha povoações no districto de Vianna que distam da séde do districto 20 e 30 kilometros, e que sendo annexadas vem a ficar distantes de Braga 60 e 70 kilometros.

Outras rasões se dão pelas quaes o districto de Vianna se não devia supprimir: por exemplo, o districto de Vianna comprehende dois portos, como são os de Caminha e Vianna do Castello; este ultimo é um dos portos mais importantes que ha ao norte do paiz, e até facilita em occasiões de temporaes a entrada a navios que vão acossados pelo tempo. O movimento maritimo de cabotagem e longo curso excede a quatrocentas embarcações que entram n'estes portos annualmente, e a alfandega daquella cidade, com excepção da do Porto e Lisboa, é a mais importante do paiz; e para se saber o movimento d'aquelles portos é sufficiente dizer que é assás consideravel a exportação annual de cereaes, e ainda no presente anno, e talvez ha menos de um mez, que d'aquelles portos saíram para os mercados estrangeiros e nacionaes seguramente mais de 200:000 alqueires de cereaes. Trago isto só para mostrar a importancia d'aquelle districto; alem do que outras circumstancias ha que tambem devem merecer alguma consideração, como é confrontar n'um raio de 60 kilometros com o reino vizinho, o que dará logar a haver constantemente conflictos com as auctoridades hespanholas, e ficando a séde do districto a muito maior distancia, faz com que se não possa providenciar com tanta promptidão como seria para desejar.

Alem d'isto, sr. presidente, o districto de Vianna paga de impostos directos para o thesouro 300:000$000 reis, quantia por carto muito superior ao que pagam muitos outros districtos que têem a felicidade de ficarem subsistindo; alem de que os povos estão no costume, desde seculos talvez, de terem todas as suas relações com Vianna; nem póde deixar de ser, basta haver n'aquella terra muitas mais transacções commerciaes do que em outra qualquer parte, de maneira que a affluencia dos negocios ali é tal que, se porventura for como esta no projecto annexado ao de Braga, a affluencia dos negocios e pendencias administrativas será em tão subido numero, que duvido muito que o pessoal d'aquelle governo civil lhes possa dar o devido expediente com a celeridade que convem em objectos importantes; e nos prasos marcados na lei, como por exemplo, as reclamações sobre recrutamento perante a commissão districtal e junta de revisão, em 1864 houve 847 reclamações; era 1865, 858; e em 1866, 853.

Ora, sendo annexado este districto ao de Braga, que tem ainda maior população, já V. ex.ª e a camara pódem calcular a impossibilidade de um conselho de districto decidir todos esses recursos nos prasos fataes marcados na lei.

Em Vianna, sr. presidente, se algumas estradas existem, é devido a iniciativa particular, e estou que se não estivesse ali uma séde de districto administrativo nada se teria feito, não se teriam formado companhias, como foi a «viannense», que construiu a estrada de Vianna a Caminha na extensão de 22 kilometros, companhia que se formou sendo os seus accionistas exclusivamente do districto de Vianna; outras estradas ha construidas do mesmo modo pela patriotica companhia «utilidade publica», como são as estradas de Villa Nova de Famalicão a Vianna, e de Caminha a Valença, tudo obras de utilidade publica, de maneira que são estradas devidas a iniciativa particular e não do governo; portanto, como disse, se o sr. ministro aceitou na outra camara as modificações que já apontei, e que são em relação a outros districtos, parece que dando-se as mesmas, e ainda maiores rasões, não póde s. ex.ª, para ser consequente, r deixar de convir no que se lhe expõe a este respeito. É manifesto que a rasão que se deu para esta moratoria em relação á Guarda e Portalegre, dá-se do mesmo modo, e com mais força, para Vianna, que tambem o pouco que tem de estradas é devido, como disse, a uma companhia de muitos accionistas, e não aos auxilios do governo. Assim, a minha proposta vê-se claramente que é muito innocente, e como tal não póde de modo algum ser tomada como acto de opposição, que n'este caso a não faria a nenhum ministro, mas muito menos ainda ao actual sr. ministro do reino, que tanto respeito, estimo e considero. Do mesmo accordo espero eu encontrar a illustre commissão, e por isso, e porque sómente tenho a palavra sobre a ordem, deixarei de fazer algumas outras considerações que aliás tinha a fazer sobre differentes disposições do prejecto.

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Concluo portanto esperando que V. ex.ª consulte a camara sobre se admitte á discussão a minha proposta. Leu-se na mesa e foi admittida.

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