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1993

essa auctoridade protegida pelo governo a quem cegamente obedece? De certo que não. Â camara não ha de querer que o governo se demitta por uma cousa tão insignificante, como é uma offensa a qualquer cidadão, e por consequencia fecha os olhos, e quem soffre, que soffra.

D'est'arte, sr. presidente, se acha infelizmente a sociedade portugueza sem defeza contra os excessos da administração!

Alem d'isto, sr. presidente, como o artigo 145.°, § 11.º da carta constitucional determina que nenhuma auctoridade possa avocar causas pendentes ou susta-las, é contra este importantissimo artigo, verdadeira garantia constitucional, a garantia administrativa ou a necessidade, depois da pronuncia, de pedir licença ao governo para que qualquer processo ou causa intentada contra qualquer auctoridade administrativa possa continuar; porque isto é conceder o direito ao governo, não só de avocar as causas, mas até de embaraçar que ellas continuem, o que é contra o citado artigo e contra a carta, e annulla os direitos que pertencem ao poder judicial, que é o unico que póde julgar quaesquer causas pendentes.

Sr. presidente, eu considero o poder judicial como a salva-guarda da liberdade, da honra e da propriedade do cidadão, desejo que tenha toda a independencia, de que ainda esta longe, que a constituição do estado lhe garante; mas quando será isso?

Este poder é o que mais afastado deve estar da politica, que a maior parte das vezes é muito má conselheira.

Sr. presidente, na Belgica não existe a garantia administrativa desde que se constituiu em reino separado; a Prussia aboliu-a em 1850; nos Estados Unidos e na Inglaterra não existe, e estes paizes são eminentemente policiados e bem administrados.

A garantia administrativa é a impunidade; não é outra cousa; quando dará o governo licença para que sejam processadas auctoridades que ao executarem as suas ordens, ou procederem pela sua influencia, praticaram actos reprehensiveis contra os cidadãos?

Mr. Toulier, no seu decreto civil francez, n.° 216, diz o seguinte: «São illusorias as leis protectoras da liberdade, toda a vez que o governo, ou os seus agentes as possam violar ¿inpunemente». E preciso que nos convençamos de que a conservação da liberdade em um paiz depende de certas condições, sem as quaes é impossivel que exista; e quando qualquer auctoridade, como diz mr. Toulier, póde infringir as leis impunemente, a liberdade desapparece.

Sr. presidente, acontece agora um facto em Inglaterra, que mostra a maneira por que qualquer cidadão póde obter justiça de qualquer auctoridade, por mais elevada que seja, que offenda os seus direitos. Refiro me ao processo intentado contra sir Eyze, governador da Jamaica. O lord chefe da justiça de Inglaterra pronunciou-se contra a doutrina seguida pelos defensores d'aquelle governador, que sustentavam que podia ser justificada a morte de qualquer individuo, sem attenção á sua culpabilidade legal, quando se julgasse que a salvação publica assim o pedia para evitar o perigo por meio do terror. Eu vou ter á camara a opinião do lord chefe da justiça de Inglaterra no processo intentado pela familia de um individuo que o governador mandou enforcar (leu).

Disse pois o lord chefe de justiça de Inglaterra, combatendo a doutrina dos defensores do governador da Jamaica, e que eu já referi, o seguinte, sobre a morte do preto Gordon, mandado enforcar pelo governador: «O que eu posso dizer é que se na occasião em que estiver proclamada a lei marcial, qualquer individuo póde assim ser condemnado e sacrificado (sem processo, como foi o referido preto) isto é um escandalo, e uma censura feita ás instituições d'este paiz grande e livre: profundamente convencido pela maior de todas as obrigações do mundo, e como ministro da justiça, protesto emphatica e solemnemente contra a maneira por que a vida dos homens seja para o futuro avaliada por esta maneira.»

Tal é a opposição do illustre magistrado inglez; mas pergunto eu agora: se em Inglaterra existisse a garantia administrativa, poderia a familia do preto Gordon intentar uma acção de perdas e damnos contra o governador da Jamaica, que mandou enforcar o seu chefe? Estou convencido que não.

Não trato agora de actos similhantes aos que referi, comtudo com as garantias administrativas poder-se-hão dar casos analogos.

A verdade é que as garantias administrativas conduzem á impunidade e esta á falta de segurança do cidadão contra a prepotencia das auctoridades.

Seria injusto, e desconheceria a muita illustração, independencia e conhecimentos do sr. dr. Couto Monteiro, se por esta occasião deixasse de mencionar a sua erudita memoria sobre garantias administrativas, na qual s. ex.ª mostrou com toda a clareza e rasões que não podem ser combatidas, a inconstitucionalidade da garantia administrativa, cujo resultado é a impunidade dos empregados administrativos, ficando á sua mercê a liberdade, a honra e a propriedade do cidadão.

Peço licença á camara para ter as conclusões que o sabio jurisconsulto tira do expendido no seu importantissimo trabalho, as quaes eu adopto e faço minhas.

1.º Que o privilegio do artigo 357.° do codigo administrativo illegalmente importado do paiz em que fôra estabelecido por causas especiaes, e ad odium de instituições e entidades que entre nós nunca existiam, não tem aqui rasão de ser, nem póde conciliar-se com os principios em que assenta a constituição do estado.

2.º Que a desejada separação e independencia da auctoridade administrativa em relação ao podér judicial, esta sobejamente afiançada pela disposição do artigo 356.° do mesmo codigo, e pelo meio efficaz de levantamento dos conflictos, que habilita a mesma auctoridade a reivindicar o conhecimento dos negocios da sua competencia, quer sejam contenciosos, quer de pura administração, de que o poder judicial se pretende apropriar.

3.º Que o referido privilegio, alem de inconstitucional, é desnecessario, é altamente perigoso, pondo em risco permanente os direitos mais sagrados, e animando com a esperança da impunidade, as demasias d'aquelles que pela sua posição official mais gravemente os podem violar.

4.º Que finalmente a falta absoluta de preceitos definidos, que regulem a applicação da garantia, deixa entregue ao puro arbitrio do governo a solução das questões em que mais podem soffrer as liberdades publicas.

Como já deu a hora, vou terminar, e peço perdão á camara de ter sido tão extenso.

Concluindo, vou mandar para a mesa uma proposta, e apesar de reconhecer que será inutil, não posso deixar de a propor. E a seguinte:

Proponho a eliminação da secção 4.ª do projecto em discussão, relativa á garantia dos magistrados administrativos. = Visconde de Fonte Arcada.

Tenho concluido.

Leu-se na mesa a proposta e foi admittida.