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ponder, foi agora obrigado a retirar-se por objecto de serviço, e encarregou-me de responder em seu logar. Felizmente, porém, o Sr. Visconde da Luz, competentissimo a todos os respeitos, sobre tudo nesta materia, preveniu-me no que eu tinha a dizer, e fel-o muito melhor do que eu.

A verdade é que o Governo emprehendendo a obra do atterro, que foi considerada uma obra indispensavel para o melhoramento hygienico da capital, obra a que o Governo pretende dar o desenvolvimento de que é merecedora esta cidade, abrindo algumas ruas com a largura sufficiente para dar um transito mais commodo e facil á circulação do que as ruas actuaes; entretanto não se esqueceu tambem da necessidade de estabelecer um abrigo no Téjo para eventualidades como aquellas por que presentemente estamos passando. N'um plano que o Sr. Ministro do Reino mandou fazer o anno passado, por occasião da febre amarella, lá está designada uma doca para preencher o fim que tem em vista o Digno Par; e, por consequencia, eu o que posso asseverar a S. Ex.ª é que esse objecto não está em esquecimento, e ha de ser attendido.

O Sr. Marques de Ficalho declara-se perfeitamente satisfeito, e chama a attenção dos tachygraphos sobre as notas do que se acaba de dizer, a fim de convenientemente se publicar na sessão, e de certo modo se aliviar o susto em que está a maior parte da gente que tem aquella terrivel vida do mar, por não achar um abrigo no rio.

O Sr. Presidente declara que se passa á primeira parte da ordem do dia, que é a apresentação de pareceres de commissões. (Pausa.)

Como ninguem pede a palavra é obrigado a fazer nova requisição aos Dignos Pares, que são membros das commissões, observando-lhes, que se não derem pareceres sobre os projectos que lhes teem sido remettidos, daqui a uma ou duas sessões, mais a Camara estará inhibida de continuar os seus trabalhos.

Designa as commissões que devem ter pareceres a apresentar.

O Sr. Visconde de Ourem deseja saber quaes são os trabalhos distribuidos á commissão de guerra?

O Sr. Presidente satisfaz ao Digno Par dizendo quaes são.

O Sr. Visconde de Ourem redargue não lhe constar que esteja na commissão de guerra projecto algum.

O Sr. Presidente expõe que os apontamentos a que acaba de se reportar provieram da Secretaria.

O Sr. Visconde de Ourem expõe que tem sido sempre assiduo em perguntar na Secretaria se ha alguma cousa para a commissão de guerra, e ahi se lhe ha respondido que não....

Sobre o projecto a que o Ex.mo Sr. Presidente aludiu dos 60:000$000 para os trabalhos da viação na provincia de Angola, já a commissão de marinha deu o seu parecer, que está na commissão de fazenda, que tambem devia ser ouvida. Assim a commissão de guerra não tem projecto algum sobre que dar parecer

O Sr. Visconde de Athoguia roga ao Sr. Presidente a bondade de lhe indicar quaes os pareceres que a commissão de marinha tenha a dar?

O Sr. Presidente leu a nota que existia sobre a mesa, a qual se reportava ao projecto de lei sobre arrolamento da gente de mar.

O Sr. Visconde de Ourem diz que tal projecto não póde ter andamento, porque no contexto se exara que se regulará pelo modo do recrutamento da gente de terra, e tendo essa Lei do recrutamento de ser alterada qualquer dia. seria por consequencia nullo qualquer trabalho que antes disso se fizesse.

O Sr. Presidente observa ao Digno Par, que não é possivel adivinhar-se na secretaria da Camara o pensamento dos membros da commissão.

O Sr. Conde de Thomar pede a palavra só para fazer sentir que entre os projectos mencionados pelo Sr. Presidente ha alguns que são da iniciativa do Governo, e em vista do que se contém no discurso da Corôa, é natural que os Srs. Ministros não insistam no andamento desses projectos, por isso mesmo que estão annunciadas propostas comprehendendo em grande os objectos a que se referem os mesmos projectos; devendo pois reservarem-se os Dignos Pares para quando chegarem essas propostas. Acha entretanto conveniente que os Srs. Ministros tenham a bondade de verificarem nas commissões aquelles projectos, cuja necessidade SS. Ex.ª entendam deve ser attendida pela Camara, e por consequencia discutidos.

O Sr. Ministro da Fazenda tomará, porém, na consideração que julgar conveniente esta observação, suggerida pelas que apresentou o Sr. Visconde de Ourem.

Mesmo pelo que respeita á Lei do recrutamento, no discurso do Throno promette-se uma medida sobre este objecto; para que é portanto occupar-se agora a Camara desta materia, quando ella ha de ser comprehendida na lei geral?... O Sr. Ministro da Fazenda, repete, tomará isto em consideração, e o communicará aos seus collegas.

O Sr. Presidente como o Sr. Ministro está presente, S. Ex.ª dará as providencias necessarias.

O Sr. Secretario Conde de Mello declarou que os projectos que foram lidos na Mesa, teem todos a direcção que se lhes determinou, e expôz qual era.

O Sr. Visconde de Ourem em vista desta declaração, julga realmente admiravel, que sendo elle orador diariamente assiduo em procurar na secretaria se ha alguma cousa para a commissão de guerra, recebendo sempre resposta negativa, se leia nesta occasião na Mesa os numeros de alguns projectos remettidos á commissão de guerra!

Quanto ao projecto que foi á commissão de marinha, sobre o arrolamento da gente de mar, já disse que o trabalho que se fizesse agora seria inutil.

O Sr. Presidente expõe que a este respeito fica a Mesa inteirada, e que se passa á segunda parte da ordem do dia, que é a interpellação do Sr Conde de Thomar.

O Sr. Conde de Thomar recorda á Camara de que elle orador enviara á Mesa uma nota de interpellação ao Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, sobre o Decreto de 21 de Setembro de 1858, publicado no Diario do Governo de 9 de Novembro, pelo qual se determinou que seis dos canonicatos da Cathedral de Lis boa, sejam exclusivamente destinados para ser providos em seis presbyteros, doutores pela Universidade de Coimbra, em theologia ou direito, que no seminario de Santarem devem exercer o magisterio.

Neste mesmo Decreto se determina que os ditos doutores antes de serem coitados, hajam de assignar um termo pelo qual se obriguem a exercer o magisterio por espaço de quinze annos. e recusando assignar o dito termo, ou mesmo se, de pois de colados no beneficio, e occupados no magisterio, suspenderem o exercicio deste por tempo de um mez consecutivamente, se deve entender então que ipso facto voluntariamente renunciam a cadeira capitular, e será esta declarada competentemente vaga para nova apresentação.

Deve elle orador dizer, que entendeu, depois de reflectir sobre esta materia, que houve alguma precipitação em parte das disposições deste Decreto, e que não se attendeu aos principios de direito canonico estabelecidos entre nós, e pelo contrario se proclamou uma doutrina que não é sustentavel. Foi por este motivo que julgou dever dirigir a respectiva nota de interpellação ao Sr. Ministro; ouviria as respostas de S. Ex.ª. e depois dellas mandaria uma proposta para a Mesa, se o julgasse conveniente, ou então deixaria á consideração da Camara o avaliar o acto praticado pelo Sr. Ministro. Depois de ter formado este plano, foi informado, mas não officialmente, de que já se acha entabolada uma negociação a fim de obter de Sua Santidade uma bulla de sancção, para algumas das irregularidades em que se tivesse incorrido por virtude das disposições deste Decreto. Se este facto é verdadeiro tem o orador conseguido o seu fim, e então cessaram seus escrupulos: no caso, porém, de mal informado, dará as razões que teve para se occupar deste objecto. Se pois o Sr. Ministro tiver a bondade de responder á sua pergunta, essa resposta lhe servirá para saber qual a marcha que deve dar á sua interpellação.

O Sr. Ministro da Fazenda e das Justiças — Sr. Presidente, este negocio é muito grave, e não me parece que a Camara interesse em que elle seja tractado pela maneira por que eu vejo o quer tractar o Digno Par.

S. Ex.ª tinha formado um plano o qual agora entendia não dever levar á execução; mas eu peço a S. Ex.ª, que não desista desse plano, e que o leve a effeito. O Digno Par entende que o Decreto a que alludo offende o direito canonico, e tinha intenção de provar esta proposição; mas S. Ex.ª alterou este seu plano em virtude das informações extra-officiaes, que recebeu. Rogo a S. Ex.ª que dê essas informações como não recebidas, e se occupe de produzir os motivos em que se funda para emittir a sua opinião de que eu no Decreto a que S. Ex.ª se refere feri o direito canonico. Depois de fallar o Digno Par, eu mostrarei com ajuda de Deos, que não tem fundamento esta proposição do Digno Par.

O Sr. Conde de Thomar fez sentir que pela resposta Sr. Ministro elle orador é convidado a dar as razões por que entende que o Decreto offende o direito canonico. Dirá primeiro que as informações extra-officiaes que elle Digno Par recebeu e mencionou, ainda estão em pé, visto que S. Ex.ª não quer ter a bondade de responder á pergunta que lhe dirigira. Não vem á Camara nesta questão ser advogado dos direitos e regalias do Summo Pontífice. S. Santidade tem nesta Côrte o seu representante, e a este compete o apresentar as reclamações que julgar convenientes. Estimará muito elle orador que não haja motivo para tal; e tambem estimará que o Governo não encontre nenhuma difficuldade na execução do Decreto, porque terá prazer em vêr que o Poder temporal exerce grande acção mesmo nos negocios que respeitam á igreja; mas queira Deos que este Decreto no futuro não encontre difficuldades, e se convença então o Governo de que adoptou disposições inexequiveis.

Temos uma Patriarchal erecta em virtude de bulla de Sua Santidade. Temos que essa bulla para ser executada neste reino leve um Juiz executor, que foi o Em.mo Cardeal Patriarcha Saraiva; e neste negocio andou o seu executor em conformidade com os costumes e estylos usados neste reino, procurando para tudo o consentimento e auctorisação de Sua Magestade Fidelissima. Lavrou-se a competente sentença para a organisação da Sé; e sujeitou-se essa organisação á approvação das Côrtes, naquella parte em que della carecia. Temos por consequencia uma Sé organisada conforme os principios de direito canonico, e pela Lei temporal; e um quadro definido tanto por um, como por outro podér. Note a Camara que por esse quadro se estabelece na Sé um certo numero de dignidades, e de conegos, expondo-se na respectiva sentença que esse numero é indispensavel para o serviço e esplendor do culto.

Em vista disto entende elle orador, que se não podem tirar os conegos da Sé Patriarchal, sem necessidade justificada, para não ficar desprovida a cathedral; porque, tirando-se do quadro dos conegos alguns para os Seminários, outro para Vigário geral, outros para commissões, além dos que podem adoecer, resultará disso ficar a Sé sem o numero de conegos sufficiente para funccionar.

Não é este ainda o ponto mais importante de que ora tracta, se bem lhe parece que a prudencia pede ao Governo não desprova a cathedral do numero preciso para o esplendor do culto: a sua questão assenta principalmente no artigo 3.° deste Decreto, pelo qual se determina que os conegos apresentados nestes seis canonicatos, destinados para os doutores que ensinarem theologia ou direito no seminario de Santarem, sejam obrigados a assignar termo de que hão de exercer esse magisterio por espaço de quinze annos, e se durante um mez seguido, sem motivo justificado, deixa rem de exercer o magisterio, fiquem privados ipso facto do beneficio, julgando-se que renunciaram. Isto é que elle orador entende que se não poderá sustentar. Em vista do direito, em vista da sentença da organisação da Sé cathedral, e em vista dos principios geraes que regulam esta materia, os conegos da Sé cathedral de Lisboa ficaram investidos de todos os direitos, e encargos e regalias que, competem aos conegos canonicamente instituidos. Ora, uma das obrigações que competem aos conegos canonicamente instituidos é a de assistir ao coro. Diz o Concilio: in choro ad psallendum instituti hymnis et canticis Dei no men laudare — e pelo Decreto do Governo ficam aquelles conegos exonerados desta obrigação.

Entre os direitos que competem a estes mes mos conegos, é o de participar de todos os effeitos da collação canonica. Quaes são os effeitos dessa collação, ou, antes disso, o que é a collação?... A collação é a concessão do beneficio, conferindo-se ao provido titulo do mesmo beneficio, com todos os direitos espirituaes e temporaes, e vantagens inherentes a esse mesmo beneficio. Qual é a condição essencial da collação? A condição essencial da collação é a perpetuidade. Isto é um principio que não admitte objecção Então, pergunta, poderá dizer-se que se sustenta este principio de direito canonico, e esta provi são do Concilio de Trento, quando o Governo pelo seu Decreto diz, que a collação póde deixar de ser perpetua, em certos casos, quando annulla mesmo completamente os effeitos da collação, porque diz, que ipso facto ella deixará de surtir os seus devidos effeitos? É isto exactamente o que se contém no artigo 3.', e tal disposição, que torna a renuncia obrigatoria, é tanto mais odiosa na opinião delle orador, quanto que ella se converte em uma pena, que não é infligida em virtude de processo, mas ipso facto; e penas assim infligidas, no seculo em que vivemos, estão até banidas do direito civil! Determina o Decreto que um individuo seja privado ipso facto, não de um emprego civil, mas de um emprego ecclesiastico, ou de um beneficio em que está collado, e que tem a condição essencial da perpetuidade: pergunta em que legislação, em que Canon, em que disposição do Concilio de Trento achou o Governo fundamento para a disposição do seu Decreto?... O Sr. Ministro disse que, depois delle orador desenvolver a sua interpellação, S. Ex.ª confiava em Deos, que havia mostrar completamente o direito que tinha o Governo de adoptar esta medida. Tambem elle orador espera em Deos, que lhe dará vida, para ouvir o Sr. Ministro citar a disposição canonica em que o Governo auctorisou esta medida. Diz o direito canonico que a perpetuidade é condição canonica dos beneficios collados, e a collação deve ser feita sem nenhum pacto, condição ou ajuste — absque nullo pacto condilione, aut modo. — A collação que laborar em algum destes.vicios é nulla aliter facto collatio omni robore et validitate distituitur.

Estimará que o Sr. Ministro opponha textos a textos, e desejará que, na fonte onde elle orador foi tomar estas disposições, que regulam a materia, S. Ex.ª encontre Leis que possa oppôr a estas Leis.

Elle orador tambem podia tractar nesta occasião outra questão, e vinha a ser — se na disposição condicional deste Decreto, em que se inverte inteiramente o principio, ou natureza dos beneficios, havia a simonia, que os canonistas chamam convencional, muito embora obtida com o especioso pretexto de meliori bono. Este ponto, porém, não o desenvolve: deixa-o aquelles que forem mais escrupulosos nesta materia; sendo, comtudo, certo que este negocio não deixa, nem deixará de influir nas consciencias mais escrupulosas, para não acceitarem um canonicato que se dá com obrigação de ir exercer um serviço méramente temporal. O Sr. Ministro não póde ignorar, que a proposição de que não ha simonia, quando se impõe uma obrigação temporal em troca de um beneficio espiritual, se o serviço temporal só era motivo de se conferir o beneficio espiritual, foi condemnada no tempo de Innocencio XI, e a condemnação de uma tal proposição fórma hoje a doutrina geral da Igreja. Uma das obrigações principaes dos conegos é a residencia no seu canonicato para o fim já indicado quando referiu o texto concernente á questão. Quaes são porém as causas que o direito estabelece para a não residencia? São, primeira, a doença; segunda, força maior, como a prisão e outros casos identicos; terceira, a evidente utilidade da igreja, e por extensão a utilidade do Estado. Mas note-se que esta terceira é um favor de direito—pôde mesmo dizer-se que é uma graça— e sendo assim não, póde, contra direito, converter-se em obrigação. No Decreto do Governo é rigorosamente convertido em obrigação, e tão odiosa que o faltar a ella durante um mez consecutivo, isto é, o deixar de ensinar durante este periodo, importa a perda do beneficio, que de sua natureza é perpetuo; e o orador deseja que o Sr. Ministro lhe diga, se o podér temporal póde inverter a natureza dos beneficios? No Decreto falia-se em renuncia voluntaria, e a proposito, lembra o orador, ser tão voluntaria como a dos colonos negros serem engajados pelo Governo francez! (riso).

Supponha-se que um dos providos, nos termos do Decreto do Governo, mais tarde verificou que não póde satisfazer aos deveres do magisterio. Poderá elle, fundado nas disposições do direito canonico e do concilio de Trento, vir exercer as obrigações que lhe impõe a collação no canonicato? Este caso, accrescenta o orador, não está previsto no Decreto; mas se este se executar rigorosamente, aquelle conego não pôde julgar-se com direito a assumir as funcções inherentes á cadeira capitular, de que não póde ser privado senão pelos meios estabelecidos em direito, os quaes todos são invertidos no Decreto do Governo.

A renuncia voluntaria é effectivamente uma das cousas pelas quaes se póde annullar a nomeação; e é certo, que segundo o direito canonico, a mesma renuncia não póde ter logar senão por troca, por morte, ou por pena comminada em processo e sentença competentes. No Decreto, porém, são desconhecidas todas estas causas, que são as unicas estabelecidas em direito canonico.

Quando o legislador adopta uma medida deve necessariamente desde logo vêr as difficuldades que podem apparecer na sua execução, porque sem isso a medida será irreflectida, e não produzirá o effeito desejado. Pergunta ao Sr. Ministro como ha de S. Ex.ª providenciar pelo theor do Decreto nas seguintes hypotheses. Um doutor em theologia ou em direito é chamado pelo Governo, e declara-se-lhe que será provido em um canonicato de Lisboa, sujeitando-se a ir ensinar no seminario de Santarem. Este individuo acceita, mas passados alguns annos, não obstante esse termo que o póde obrigar por um principio de honra, mas não em presença do direito, recusa-se continuar a exercer o magisterio no seminario, e apresenta-se no seu canonicato. Pela lettra do Decreto este homem perdeu o seu canonicato, porém elle está na Sé cumprindo os seus deveres de conego, e que Lei terá o Governo para o obrigar a renunciar ao cabido? Será mettendo-o em processo? Qual o tribunal ecclesiastico que, tendo de um lado o concilio de Trento e os canones, e do outro o Decreto do Governo, condemne este individuo? Segunda hypothese, supponha-se que um individuo acceitou na melhor boa fé (porque o outro póde reputar-se de má fé), entendendo que podia exercer aquellas funcções; chegou porém uma época em que as forças phisicas lhe faltaram, abandonou o seminario, e veio para o seu canonicato, que meio ha de castigar este individuo, que em muito boa fé e consciencia entendeu que abandonava devidamente aquelle logar para vir exercer o seu canonicato? O Decreto nesta parte é inexequivel. Em taes circumstancias estes individuos não podem canonicamente ser privados dos seus beneficios, cujas funcções poderão exercer, seja ou não seja isso da vontade do Governo; e este não conseguirá o seu fim de ter seis doutores em theologia ou direito providos em seis canonicatos da cathedral para ensinar no seminario de Santarem. Cumpria por tanto ter andado com mais alguma reflexão neste negocio. E se o Governo não priva este individuo, muito embora violenta e despoticamente, do seu beneficio, ficará neste caso a descuberto o principal defeito que elle orador nota no Decreto, ter o Governo adoptado uma medida que não póde sustentar em presença dos principios de direito, e que por consequencia legisla medidas inuteis.

O pensamento de ter bons professores naquelle seminario é louvavel, e ninguem o póde contestar, a Camara e a nação estão de accôrdo nelle, nem podia deixar de ser assim, porém é necessario empregar meios adequados e convenientes para conseguir esse fim. Nestes termos o caminho a seguir é diverso: em logar de dar desde logo este beneficio com aquelle encargo—o que envolve a destruição dos princípios—era melhor ter dito que o doutor em theologia ou direito que ensinasse tantos annos no seminario de Santarem seria attendido com preferencia para os canonicatos que vagassem na Sé patriarchal. Assim praticava-se pouco mais ou menos como na Universidade. Nesta não se faziam pactos, havia certas cadeiras, cujas funcções eram desempenhadas por doutores em theologia, direito canonico e civil, e quando chegavam a certa altura então compelia-lhes entrar no canonicato; mas isto mesmo não foi feito só pelo podér temporal, houve tambem o concurso do podér espiritual.

O orador não deseja cançar a Camara com a relação das bullas expedidas no tempo da antiga monarchia, nas quaes se concedia estarem annexas as cadeiras de magisterio a canonicatos, e até mesmo a igrejas parochiaes; mas faz sentir que se fazia então isto devida e canonicamente por accôrdo entre os dois poderes. Pôde agora, na Sé de Lisboa, organisada tambem de accôrdo com os dois poderes, o podér temporal só por si separar estes conegos e destinal-os a diverso mister daquelle para que se crearam os canonicatos?... Eis o motivo porque disse que se deveria ter andado com mais reflexão, e neste objecto, e era mais harmonia com os principios estabelecidos. Com que direito se julgou o Governo para de auctoridade propria dispensar da residencia na Sé estes seis conegos e mandal-os para Santarem?! (Apoiados.) Não se diga que ha a auctorisação do Sr. Patriarcha. porque nem este a podia dar, por não ser Papa, nem o Sr. Ministro se póde considerar o imperador da Russia ou a rainha de Inglaterra para reunir em si os dois supremos poderes temporal e espiritual. (Riso.) Só a Santa Sé é que póde dar em taes casos o breve de non residendo; e tudo quanto não fôr de accôrdo com esta disposição, é uma usurpação. Não se infira desta sua exposição que elle orador se torna nesta Camara defensor dos direitos da Santa Sé; só deseja não concorrer para que se faça uma invasão nos seus direitos, porque as invasões mutuas dos dois poderes teem sempre mãos resultados.

De quanto tem dito se conclue que este decreto no artigo 3.º é insustentavel. Accrescenta comtudo que é louvavel o seu pensamento — pensamento que adopta, que sempre adoptou, e que se acha na Lei de 8 de Janeiro de 1845, que elle orador teve a honra de referendar. Nesta, porém, estabelecia-se que se desse a preferencia para os canonicatos aos alumnos que estudassem em Coimbra theologia ou canones, porém de fórma nenhuma estatuía condições como neste decreto. Parece-lhe, portanto, que não ficaria mal ao Governo reconsiderar a disposição deste artigo 3.º pelo que diz respeito á renuncia obrigatoria, e