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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO DE 19 DE DEZEMBRO DE 1865
PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO
Secretarios, os dignos pares
Marquez de Vallada
Visconde de Algés
(Assistiu o sr. ministro dos negocios das obras publicas.)
Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 22 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.
O sr. Secretario: — Leu a acta da precedente sessão.
O sr. Marquez de Sabugosa (sobre a acta): — Vi hontem publicada no Diario de Lisboa, uma representação dirigida a esta camara -a respeito da qual tencionava fazer algumas observações; mas pela leitura da acta conheci que essa publicação tinha sido auctorisada pela camara; cumpre-me portanto respeitar a resolução por ella tomada; comtudo devo declarar que, teria votado contra a publicação, se tivesse estado presente e a ouvisse ler, visto os termos inconvenientes em que a mesma representação se acha concebida.
O sr. Presidente: — Eu devo declarar ao digno par, que foi a camara que resolveu que se fizesse a publicação a que s. ex.ª allude.
O sr. Marquez de Sabugosa: — Eu declarei que acatava a resolução da camara, não tenho portanto, nada mais a dizer.
Posta a acta á votação, foi approvada. Deu-se conta da seguinte correspondencia: Uma officio da secretaria da camara dos srs. deputados, enviando, para ser presente á camara dos dignos pares do
reino a proposição sobre a concessão do usufructo de umas propriedades nacionaes em Elvas á camara municipal d'aquella cidade, para hospedaria militar de officiaes era serviço.
- da secretaria da camara do srs. deputados, enviando para ser presente a camara dos dignos pares, a proposição sobre a prorogação dos prasos estabelecidos para a troca e giro das moedas de oiro e prata mandadas retirar da circulação.
— da secretaria da camara dos srs. deputados, enviando para ser presente a camara dos dignos pares, a proposição sobre a approvação da convenção celebrada entre Portugal e diversas potencias para facilitar a permutação de correspondencias telegraphicas entre os differentes paizes.
- da secretaria da camara dos srs. deputados, enviando para ser presente á camara dos dignos pares, a proposição sobre a approvação da convenção celebrada entre Portugal e os ducados de Saxonia Coburgo Gotha, para abolição do direito de albinagio de detracção e outros similhantes.
O sr. Marquez de Sá: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma petição que o sr. conde de Farrobo me encarregou de apresentar a esta camara; escuso de a ler, porque a camara tem sufficiente conhecimento do negocio de que se trata, não só pelo muito que sobre elle já se tem escripto, mas tambem por um folheto que nos foi distribuido. Limitar-me-hei portanto a ler o final da petição (leu).
Eu não sei a que commissão deve ir este negocio, talvez a mais competente seja a de legislação, a camara porém mandará a petição á que julgar mais competente.
Tendo sido publicado e distribuido um impresso sobre o objecto em questão, e invocando nelle o meu testemunho, julgo do meu dever dar alguns esclarecimentos sobre o objecto. Estando eu no Porto durante o sitio e sendo ministro da marinha, tratou-se d'este negocio em Lisboa com o sr. barão de Quintella e fez-se um accordo sobre a entrega ao governo de uma somma consideravel de dinheiro sob promessa da concessão do contrato do tabaco. A opportunidade d'este auxilio foi o que deu logar a eu escrever o bilhete a que se allude no impresso publicado.
N'aquelle tempo os meios que havia para sustentar a nossa causa eram mais do que deficientes; as tripulações da nossa esquadra tinham-se sublevado por falta de pagamento, e queriam levar os navios para os Estados Unidos, para os venderem, a fim de serem pagas da sua divida. Se isto tivesse tido logar a nossa causa estava perdida completamente, porque a barra do Douro seria logo bloqueada pelo inimigo, e privados nós de recursos não poderia triumphar a causa da Rainha. O almirante Sartorius fez n'esta occasião os maiores serviços, contendo os marinheiros pelos seus esforços, e mantendo por isso aberta a communicação do Porto com o mar.
No principio de dezembro de 1832 estavamos em taes circumstancias, que o sr. Mousinho da Silveira expoz ao Imperador que não podia continuar a ser ministro da fazenda, porque apenas tinha dinheiro para pagar uma quinzena de pret, não tendo meios para a immediata.
Foi com repugnancia que Sua Magestade lhe concedeu a demissão; mas como o ministro da fazenda declarava que não tinha recursos, era necessario dar-lh'a; e foi por essa occasião chamado para o substituir o sr. José da Silva Carvalho, e tambem o sr. Joaquim Antonio de Magalhães entrou no ministerio. Dos outros ministros, o sr. Freire estava nó Porto, e estavam em Inglaterra os srs. marquez de Palmella e Mousinho de Albuquerque.
O almirante Sartorius naquelle tempo tinha ponderado que, sendo o mar da costa de Portugal mui difficil nos mezes de inverno, teriam os nossos navios talvez de se retirar para um porto afastado, se o governo hespanhol os fizesse saír de Vigo; e suscitou por essa occasião que nos apossássemos da peninsula de Sagres, para que os nossos navios podessem ter um abrigo na proxima bahia. Esta idéa foi apresentada pelo conselho de ministros a Sua Magestade, mas não foi logo adoptada. Dias depois decidiu o Imperador que se fizesse esta operação, e sendo o segredo n'este caso extremamente importante, fui eu mesmo encarregado por Sua Magestade de ir a Vigo concertar com o almirante o modo de a executar.
Chegado a Vigo, a 18 de dezembro de 1832, achei o almirante n'uma situação deploravel, isto é, as tripulações tinham-se sublevado, e tendo-lhes elle promettido que haviam de ser pagas dentro de poucas semanas, contiveram-se com esta promessa. Quando voltei ao Porto tinha-se sabido que o general Solignac devia chegar d'ali a poucos dias, e o Imperador achou conveniente que até á sua chegada se demorasse a partida da expedição para o Algarve. Aquelle general, nomeado por Sua Magestade seu major general, foi de opinião contraria a essa partida, e por isso ella não se effectuou então. O que deixo dito tem por fim ponderar a conveniencia que trouxe á causa da Rainha e da liberdade o auxilio que em tão difficil conjunctura prestou o sr. conde do Farrobo com o emprestimo ou adiantamento de dinheiro que fez por conta do pagamento do contrato do tabaco, porque com este recurso as guarnições da esquadra foram pagas, o perigo de a perdermos cessou e puderam-se depois tentar as operações com o triumpho das quaes obtivemos o estabelecimento do throno e das instituições liberaes.
O papel moeda foi extincto por decreto de 23 de julho de 1834, determinando-se que desde certo dia todos os pagamentos deveriam ser feitos em moeda metalica; mas depois publicou-se a lei que, entre outras disposições, auctorisou o governo a estabelecer de accordo com os arrematantes ou contratadores de rendas publicas, aquellas providencias que julgasse necessarias para conciliar a boa fé dos contratos com os interesses nacionaes e dos arrematantes, em consequencia do que o sr. conde de Farrobo ou os seus sublocatários os srs. Lino da Silveira e Pimenta julgaram-
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se com direito a uma indemnisação governo, em virtude do contrato do tabaco haver sido feito com a condição, do pagamento por parte do arrematante dever, ser effectuado na moeda então corrente nas duas especies de papel e metal.
Em 1838 fazia eu parte do ministerio quando se tratou e resolveu esta questão. Houve uma reunião de ministros em que estiveram presentes o procurador da corôa, que era O sr. Otolini, e o procurador da fazenda, o sr. Silva Ferrão; e creio que o sublocatário do contrato tambem assistiu a ella. Então eram ministros os srs. Manuel Antonio de Carvalho, da fazenda, Antonio Fernandes Coelho, do reino, Manuel Duarte Leitão, da justiça, e o sr. conde de Bomfim, da guerra, e eu da marinha e estrangeiros. Todos foram de opinião que estando o governo auctorisado a contrataria indemnisação se poderia esta fazer concedendo-se até 28 por cento, concordando todos n'isto. Quando porém ficámos sós os ministros, eu fiz a reflexão de que não tinha duvida, quanto ao direito que tinhamos de concluir o accordo comtudo me parecia melhor que este se fizesse com a condição de ficar subjeito á approvação das côrtes, e que se isso não era preciso parecia-me comtudo prudente que assim se praticasse; Os meus collegas concordaram. E a prova de que fizemos bem está no que se passou depois nas côrtes que não approvaram o accordo.
Apresentei esta petição e, achei conveniente dar estas explicações, porque, em duas occasiões, a saber, a de se fazer o contrato primitivo, e depois na do accordo sobre a indemnisação eu tive uma parte activa nesta questão.
(Entrou o sr. Ministro da marinha)
O sr. Presidente: — O requerimento que acaba de apresentar o digno par, o sr. marquez de Sá, vae ser remettido á commissão de petições.
O sr. Conde de Linhares:: — Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para rogar á illustre commissão de marinha o favor de dar, quanto antes o seu parecer sobre o projecto que ha poucos dias tive a honra de mandar para a mesa. Como porém acabo de ouvir com grande prazer, como sempre, o nobre marquez de Sá, presidenta da commissão de marinha, aproveito, esta occasião para pedir a s. ex." o favor de fazer reunir a commissão, a fim de, que ella dê, com brevidade, o seu parecer a respeito daquelle projecto a que alludo, e que, como disse, tive a honra daqui apresentar com o fim de serem abolidas as varadas na armada real.
Já que me acho em pé aproveito esta occasião para observar a V. ex.ª, que se eu tenho insistido sobre este projecto é porque creio não ser possivel que n'esta sessão seja ainda approvado o, codigo, penal que s. ex.ª o sr. ministro da marinha apresentou na camara dos senhores deputados. E sendo os marinheiros da armada portugueza cidadãos que provêm exactamente da mesma origem que os soldados que formam o exercito, isto é, do recrutamento, parece-me uma grande injustiça que estes individuos, igualmente recrutados para servirem na armada, soffram penas que não são iguaes áquellas que soffrem as praças do exercito, pois que para estas já foram abolidos os castigos corporaes, assim como o têem sido em quasi todos os exercitos e marinhas do mundo.
Ha poucos dias ainda li nos jornaes que a Austria tambem trata de abolir estes castigos corporaes no seu exercito; em Italia estão abolidos; a França não os quer nem os admitte de ha muitos annos; e a não ser em Hespanha, em Portugal e na marinha ingleza, onde se conservam ainda, com grandes restricções, estes castigos, creio que não existem já em marinha alguma do mundo.
Não acredito que resulte grande inconveniente para a disciplina da marinha portugueza com a abolição d'esta penalidade; temos já o exemplo no exercito portuguez, onde elles foram abolidos, o qual se não tornou por esta rasão mais indisciplinado; e, alem d'isto, temos este argumento muito forte, nós, que desejamos abolir as varadas, isto é, que marinheiros e soldados provêem da mesma origem, do recrutamento, e que, se para uns existem certas penalidades, parece justo que para outros as penalidades sejam similhantes e nunca mais severas ou inflamantes para crimes iguaes, taes como indisciplinas, faltas no serviço, embriaguez, etc... etc... Movido por estas rasões é que me dirijo ao nobre marquez, presidente da commissão de marinha, para lhe rogar a reunião da commissão, a fim d'ella dar, com a urgencia possivel, um parecer qualquer sobre este meu projecto.
Eu não insistiria com tanto calor e tantas vezes sobre este assumpto se não estivesse persuadido de que o codigo penal não poderá ser ainda approvado este anno, e acreditei que em uma questão d'estas em que se trata de salvar, protegidas pela lei e pela justiça, as costas dos pobres marinheiros que soffrem as varadas, de certo não é indifferente o ser approvado o projecto do codigo, este anno ou sómente para o anno seguinte, em favor d'estes individuos recrutados á similhança dos soldados, e que ainda soffrem hoje aquelle castigo infamante e cruel, inteiramente reprovado e anachronico á nossa epocha e costumes.
Aproveitarei a occasião, já que me acho de pé, para dizer que, se o sr. ministro da marinha quizesse responder agora á pergunta que "desejo fazer-lhe ha dias, e para a qual lhe annunciei uma interpellação muito simples, talvez assim evitasse que em outra occasião elle sr. ministro aqui comparecesse com incommodo seu. A minha pergunta é a respeito dos vapores de reboques no Tejo, e eu não lhe teria dado a fórma do interpellação, se não tivesse aqui já sido censurado uma vez, era então ministro da marinha o sr. João Chrysostomo, por dirigir uma pergunta tambem muito simples a s. ex.ª sem a haver previamente annunciado como interpellação. Se não fosse pois este precedente teria esperado uma occasião qualquer para dirigir
Como agora dirijo esta minha pergunta a s. ex.ª o que julgo podér fazer n'este momento se s. ex.ª annuir. Sr. presidente, s. ex.ª e acamara sabem todos quanto fomos favorecidos pela natureza com o nosso, bello, porto de Lisboa, resta-nos comtudo arada alguma cousa a fazer, antes que o tornemos não só um refugio seguro para os navios que o demandam, mas tambem dotado de todos os recursos necessarios ao fabrico das embarcações que a elle arribam com avarias, já nos seus cascos, já nas suas machinas.
Muita gente acredita que nem todos os melhoramentos devem ser da iniciativa do governo, e eu, sou, d'estes, porque entendo que a iniciativa particular, convem muito e deve ser aproveitada em beneficio geral; infelizmente entre nós as companhias não têem sido muito felizes e algumas que desejaram estabelecer-se era o fim muito justificavel de procurar um bom emprego para os seus capitaes, proporcionando ao mesmo tempo certas commodidades para o publico, a sorte não as tem favorecido. Temos por exemplo a companhia dos planos inclinados que pareceria pela sua utilidade dever prospear, o que na realidade não acontece, e outras que não menciono aqui, cujo final tem sido triste..Porém antes de reparar os navios, que soffrem avaria na nossa costa é necessario tratar de lhes garantir primeiro a sua salvação, e para fim tão attendivel e humanitario é justo que o governo gaste algum dinheiro ou proteja qualquer empreza estabelecida para esse fim. Organizou-se ha alguns annos uma companhia de vapores de reboque a qual não se poude sustentar e foi obrigada a liquidar, depois de fazer o serviço durante certo templo no anno, creio eu de 1862 liquidando era 1863.
Como em circumstancias de bom tempo os navios do commercio preferissem perder tempo a pagar as despezas do reboque, apenas em occasiões criticas appellava para a dita empreza que por consequencia não obteve bom resultado da sua industria e liquidou, perdendo alguns contos de réis; acrescia a esperança que tinham os particulares de que em circumstancias de verdadeiro perigo o governo não deixaria de os soccorrer com qualquer dos vapores de guerra surtos no Tejo, e por consequencia não fizeram esforço nem sacrificio algum para sustentarem a dita companhia dos vapores de reboque, certos que a humanidade seria attendida com proveito ou economia para os seus interesses, sendo salvos os seus navios pelos vapores de guerra, isto muita vez com perigo e despezas para o estado. Tendo pois liquidado a companhia vendeu o seu vapor para o Porto e o rio de Lisboa ficou privado de rebocadores durante o periodo de oito mezes.
Decorrido este espaço de tempo em que sómente se poderia acudir a qualquer sinistro com um dos navios de guerra surtos no Tejo, creou se uma empreza na qual figura o mesmo concessionario da primeira companhia Luiz Burnay, o qual estabeleceu novo serviço com o vapor de reboques que hoje existe no Tejo; a proposito d'esta empreza é que desejei interpellar hoje o sr. ministro da marinha. Vi e tive em meu poder as contas da mencionada empreza, as quaes não trago hoje á camara porque não esperava que se verificasse esta interpellação. Observei pelas mencionadas contas que a dita empreza do vapor de reboque não se póde sustentar porque perde, e por consequencia desejo saber se s. ex.ª tenciona subvenciona-la, caso ella se não possa sustentar e prove cabalmente uma perda real.
Bem sei que se me póde responder, que sendo principalmente interessado na existencia d'estes vapores de reboque o corpo de commercio de Lisboa, seria justo que sobre elle recaísse o onus, e que elle, corpo do commercio, se não limita-se a esperar pelo auxilio do governo, em caso de sinistro, fiado nos sentimentos humanitarios do mesmo governo, que lhe não permittem recusa a taes pedidos, quando nelles interessara a vida e a propriedade de muitos individuos, e comtudo póde ser esta condescendencia, aliàs muito justificada, de grave prejuizo material para o estado.
Estando por consequencia eu convencido de que ao corpo commercial pertence fazer algum sacrificio para a conservação d'estes vapores de reboque, a segunda parte da minha pergunta ao sr. ministro é a seguinte: Se no caso de se dar um subsidio á empreza s. ex.ª tenciona entender-se com os seus collegas e propor ás camaras um novo imposto sobre os navios que entram a barra, á similhança do que se faz em outros paizes para pharolagens etc.. e empregar o seu producto para o mencionado subsidio.
A terceira parte da minha pergunta é, para no caso de s. ex.ª entender que não póde nem deve subsidiar a companhia de maneira alguma, saber se esta resolvido a comprar um ou mais vapores de reboque, habilitando assim o governo a ser elle mesmo empreza d'este utilissimo serviço. Se s. ex.ª me responder affirmativamente, hei de satisfazer-me com esta resposta visto que o meu fim principal é que não fique o porto de Lisboa privado de rebocadores, porém declaro desde já que me parece este o peior dos expedientes que se póde tomar ou adoptar, porque em principio reprovo que o governo se encarregue de emprezas industriaes, o que faz sempre com perda sua e não grande vantagem para o publico, (acho muito preferivel o systema de subsidiar), porém repito que sendo o meu fim aquelle que acabei de mencionar, isto é, a existencia d'estes vapores de reboque, me hei de satisfazer com a certeza de ser a empreza substituida pelo governo, embora não seja elle o meio que eu escolheria se fosse consultado. Deve considerar-se em favor e como prova de utilidade d'estes reboques, os importantes serviços que a empreza prestou este anno na barra de Lisboa, serviços que não foram ainda convenientemente remunerados e que são importantissimos, visto que por elles foram salvas muitas vidas. Todos os dignos pares tiveram conhecimento pelo jornaes dos factos, aos quaes me refiro.
Sr. presidente, muitas vezes tenho visto sentado naquella cadeira (apontando para a cadeira do sr. ministro), muitos cavalheiros recommendaveis pela sua intelligencia e serviços; porém menos habilitados na especialidade maritima do que o actual sr. ministro, do qual estamos em direito de exigir muito, porque d'elle muito devemos esperar em favor da marinha, portugueza. S. ex.ª foi durante muitos annos governador de, uma das nossas importantes possessões, é um distincto official da armada portugueza, ultimamente foi, e creio que ainda é chefe do mais importante estabelecimento da marinha (o arsenal de Lisboa), negocios das colonias e da marinha devera pois ser e são familiares a s. ex.ª, que tendo, tambem sido, membro da commissão consultiva muitas vezes e tem examinado e estudado; não tenho pois nem terei nunca escrupulo algum em dirigir, sem previo annuncio, qualquer pergunta a s. ex.ª, que certamente esta sempre prompto e habilitado convenientemente para dar qualquer explicação que se deseje a respeito dos negocios das colonias ou da marinha portugueza; aguardo pois, sr. presidente, pela resposta de s. ex.ª, que desde já estou persuadido não deixará de satisfazer-me.
O sr. Presidente: — Tinha pedido a palavra sobre a ordem o digno par o sr. visconde de Soares Franco, mas tendo s. ex.ª o sr. ministro da marinha pedido a palavra por parte do governo parece-me que deve ser preferido, e mesmo o nosso regimento assim o determina.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu cedo da palavra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. ministro da marinha.
O sr. Ministro da Marinha (Visconde da Praia Grande): — Sr. presidente devo começar por agradecer ao digno par o sr. conde de Linhares não só as expressões benevolas de que s. ex.ª se serviu fallando a meu respeito, como ter-me proporcionado a occasião de fallar pela primeira vez perante a camara dos dignos pares do reino.
Sr. presidente, seria inutil seguir o discurso do digno par o sr. conde de Linhares nas considerações que s. ex.ª fez sobre a conveniencia da navegação a vapor, economia de tempo a proposito das embarcações de reboque no porto de Lisboa, sobre estes assumptos não ha questão, temos todos a mesma opinião, e felizmente para o progresso da nossa epocha tudo o que hoje se diz sobre a vantagem do vapor applicado á navegação é quasi reputado como logares communs. Podemos portanto passar ao objecto da interpellação do digno par.
Deseja s. ex.ª saber se o governo de que faço parte, na qualidade de ministro da marinha, tem tenção de subsidiar a companhia de vapores de reboque do Tejo, que s. ex.ª descreve em más circumstancias, para a habilitar a continuar a exercer este ramo de industria. Creio que foi esta a pergunta de s. ex.ª S. ex.ª sabe por certo que o governo não póde, subsidiar empreza de qualidade alguma sem que para isso seja auctorisado por uma lei approvada em ambas as casas do parlamento, sanccionada pelo Rei, e referendada por um dos seus ministros responsaveis.
O digno par sabe tambem que não ha essa auctorisação para a empreza de que se trata, e devo dizer a s. ex." que existe o contrario d'isso; existe um contrato approvado por um decreto revestido de todas essas circumstancias que apontei como necessarias para ser como lei do estado, o qual diz no artigo 8.° (leu).
Por consequencia esta o governo por este contrato inhibido de fornecer á companhia subsidio algum. Da leitura quo fiz do artigo 8.° a camara veria que estipulando-se que a companhia não seria subsidiada, se lhe garantem comtudo outras vantagens, e posso asseverar á camara que o governo pela sua parte tem Cumprido religiosamente com todas as condições a que se obrigou pelo contrato sanccionado pela lei de 3 de abril de 1861.
Não entrarei agora na analyse do que tem feito a companhia, isto é, se tem cumprido exactamente tudo aquillo a que esta obrigada; mas é occasião de não deixar passar sem reparo uma asserção do digno par; dizendo s. ex.ª que a primeira empreza liquidara, e que actualmente ha outra proxima a fazer o mesmo. Não duvido que houvesse liquidação, e mesmo mudança de socios, creio mesmo que houve. Que seja outro cessionário foi para mim uma novidade, não tendo conhecimento se não de uma só empreza, porque ainda não ha muitos dias que recebi um officio a respeito dos vapores de reboque, assignado pelo sr. Luiz Burnay, que é o mesmo nome que se acha no contrato feito em 1861. Isto porém não faz differença, é questão de nome, e de mais ou menos regularidade nos negocios da empreza.
Declaro portanto ao digno par e á camara que o governo não póde dar subsidio á empreza dos vapores de reboque, porque não esta auctorisado a faze-lo, havendo alem d'isso um contrato que declara expressamente que nenhum subsidio lhe seja concedido.
Talvez, sr. presidente, eu podesse parar aqui e considerar que tinha respondido ao digno par, o sr. conde de Linhares; porém eu desejo satisfazer a s. ex.ª o mais cabalmente que podér. Talvez s. ex.ª não formulasse a sua interpellação do modo que pretendia; talvez s. ex.ª quizesse perguntar se o governo tem tenção de apresentar ás côrtes um projecto de lei para auxiliar esta empreza dos reboques (O sr. Conde de Linhares: — Apoiado); isso é outra cousa, e se essa é a pergunta de s. ex.ª respondo com a maior franqueza, como ministro da corôa, que não estou disposto a apresenta-la.
Sr. presidente, já disse que não me farei cargo de seguir o digno par na sua dissertação a respeito da excellencia do porto de Lisboa, vantagens da navegação a vapor e conveniencia de haver no Tejo um barco de reboques; mas não é porque divirja da opinião de s. ex.ª, e abundo tanto nas suas idéas que já na qualidade de inspector do arsenal pro-
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puz nos relatorios que dirigi ao ministerio da marinha como uma conveniencia, se não como uma necessidade a acquisição de um barco de vapor de reboques que servisse para occorrer a todas as exigencias do serviço do arsenal. Para isto tenho mesmo tomado algumas medidas, e tenho já na secretaria da marinha o risco de um vapor que mandei construir em Inglaterra no caso de que a actual empreza a que se refere s. ex.ª rescinda o seu contrato. S. ex.ª disse-nos que, no caso de falhar a empreza, sé devia comprar um d'esses barcos para a marinha; já vê s. ex.ª que as suas indicações foram antecipadas pelo cuidado que me merece este ramo de serviço; entendo porém que emquanto a companhia existir e tiver o seu vapor não se deve mandar comprar nenhum para o estado, porque seria fazer-lhe concorrencia, seria pelo menos fazer-lhe perder um freguez.
Quando se dê o caso da empreza faltar, parece-me que tudo se ha de remediar e sem grande despeza, porque o vapor, alem de fazer o serviço que precisar o arsenal, prestará ao commercio o auxilio de que careça mediante o pagamento fixado em tabellas proprias, assim como succede com o dique, cábreas e fainas do mesmo arsenal. Deste modo não soffre o commercio os transtornos e delongas que, pela falta de um vapor de reboques, lhe receia o digno par.
Porém, sr. presidente, a empreza dos vapores não pretende subsidio, pretendeu-o é verdade, porém depressa conheceu que á sua concessão se oppõe o artigo 8.° do contrato que celebrou com o governo, e mudando de systema fez uma proposta, a qual teve logar já depois que eu tenho a honra de fazer parte do governo, com data de 20 de outubro de 1865, e que é a seguinte (leu).
Por aqui já vê a camara que a empreza o que deseja é que o governo lhe pague por uma quantia certa annual os serviços que tem de prestar á marinha de guerra, e não tenho duvida em declarar a V. ex.ª e á camara, que até certo ponto não haveria difficuldade em acceder aos seus desejos, porque não é um subsidio que pede, é uma locação; mas para que essa fosse aceitavel, era necessario que a somma pedida estivesse em relação com o serviço a prestar e com o que se houvesse gasto nos annos antecedentes com o mesmo serviço: não acontece porém assim, e vejamos o que propõe a empreza.
A empreza quer 10:000$000 réis annuaes pelo serviço que propõe fazer, e que divide em quatro verbas; por uma dellas a empreza offerece-se, por exemplo, a fazer os reboques dos navios de guerra por 3:600$000 réis annuaes, ao passo que a repartição da marinha desde 1861, data em que foi creada esta empreza, tem gasto em reboques apenas 713$500 réis. Alem d'isto era preciso para aceitar a terceira verba da proposta da empreza, que fosse tambem reboques para as embarcações que vão fornecer navios de mantimentos, carvão, etc.. isto é, deviam-se crear necessidades que não existem, sómente para beneficiar a empreza. Este systema, sr. presidente, não esta de accordo com as minhas idéas economicas nem com os meus principios administrativo?. Não ha necessidade d'esses reboques para as embarcações miudas; tanto os nossos navios como as esquadras estrangeiras se fornecem do que lhes é preciso por meio das embarcações ordinarias do Tejo, que o fazem com a necessaria celeridade como bem o experimentam os vapores da carreira do Brazil, que em poucas horas se refazem do carvão preciso para tão longas viagens como aquellas que fazem estes barcos. Em vista d'isto era necessario que o governo não estivesse em seu juizo para dar, não 3:600$000 réis, que a empreza pede pelo reboque dos envios, mas 10:000$000 réis annuaes por um serviço que se fez em tres ou quatro annos por 713$500 réis, porque os outros serviços pelos quaes a empreza pretende dividir estes 10:000$000 réis não hão necessarios, é mister inventa-los para a beneficiar.
Como a companhia viu que o governo não estava inclinado a uma proposta, annunciou-me em 3 de novembro passado o seguinte (leu).
Respondi-lhe que não lhe dava subsidio, e que se o vapor se retirasse do Tejo o governo consideraria o contrato como rescindido. O vapor não saíu, ainda esta no Tejo continuando a rebocar. Se comtudo elle saír, o governo manda vir um vapor para o arsenal, que prestará ao commercio os serviços de que carecer, nos termos que já indiquei.
Parece-me que tenho dado ao digno par as explicações convenientes, e que s. ex.ª deve ficar tranquillo e certo de que, se a empreza cessar, ha de haver vapor para prestar soccorro aos navios de commercio.
Sr. presidente, eu muito sympathiso com as emprezas commerciaes, desejo ardentemente que prosperem todas as que se fundarem em Portugal, quer nacionaes, quer estrangeiras; desejo as prosperidades de todas as industrias da nossa terra, porque d'essa prosperidade depende a do paiz, e quando o paiz for rico o governo não será pobre; mas d'estes desejos, d'esta sympathia a estipular subsidios a todas as emprezas que se formarem, bem ou mal administradas, prudentes ou arriscadas, vae uma immensa distancia; se concedermos subsidios a todas aquellas que perderem ou allegarem que perdem, se adoptarmos esse systema como regra, teremos companhias e emprezas para tudo, teremos docas fixas e fluctuantes, planos inclinados, construcções de predios, tudo quanto quizerem; nada nos faltará senão o dinheiro para lhes pagar.
O sr. Presidente: — Em consequencia da disposição do artigo 20.° do nosso regimento, não póde continuar a discussão sobre este objecto, e por consequencia depois de dar a palavra ainda ao digno par, visconde de Soares Franco, vamos passar á ordem do dia.
Tem a palavra o digno par.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu desejava fallar n'esta questão, mas como a camara quer passar á ordem do dia, limitar-me-hei a dizer ao digno par, o sr. conde de Linhares, que, sendo s. ex.ª membro da commissão de marinha, deve saber que, quando ella se tem reunido, só se tem occupado de um objecto de grande importancia e da mais alta transcendencia para as nossas provincias ultramarinas, já se vê que se trata da abolição da escravatura. E por isso que a commissão ainda não tratou do projecto do digno par, que tem por fim abolir os castigos corporaes, mas seja dito em abono da verdade, que actualmente estes castigos rarissimas vezes se infligem, e nunca, sem ter procedido um conselho; para quem conhecer a nossa marinhagem, e a lei do recrutamento maritimo deve saber, que este projecto encerra materia grave e de grande alcance, é facil, custa pouco a dizer-se — extinga-se uma pena, um castigo; mas comove deve substituir, e isto só pertence ao parlamento.
E indispensavel quando um navio saír para fóra da barra, e convem muito á disciplina, que se saiba que, quem governa a' bordo tem o direito de applicar o castigo das varadas, isto é, convem que não esteja abolido de direito (O sr. Visconde de Ribamar: — Apoiado.), e basta que se possa dizer, como é verdade, que esta quasi de facto (apoiados), isto emquanto hão se applicar á marinha o codigo penal naval.
O sr. Casal Ribeiro: — E unicamente para declarar a V. ex.ª e á camara, que a commissão dos negocios externos nomeou para seu presidente o sr. duque de Loulé, e Casal Ribeiro para secretario, reservando-se para nomear relatores especiaes sobre os diversos negocios que lhe forem submettidos.
Acha-se pois constituida a commissão.
Julguei urgente fazer esta declaração, porque já alguns negocios se acham affectas a esta commissão.
O sr. Presidente: — Passamos á ordem do dia. Convido os illustres relatores das commissões, que tiverem pareceres promptos, que os apresentem.
O sr. Rebello da Silva: — Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de agricultura e de fazenda sobre o projecto do governo, vindo da outra camara, a respeito da substituição do imposto de consumo dos vinhos do Douro.
E do teor seguinte:
parecer n.° 7
Senhores. — As commissões reunidas de fazenda e agricultura examinaram a proposição de lei enviada da camara dos senhores deputados para o imposto de consumo dos vinhos cobrado na cidade do Porto e em Villa Nova de Gaia, ser substituido por um imposto unico e geral de 1$000 réis por pipa, legalmente passada, quer se destine ao consumo, quer se destine a exportação.
A providencia proposta é o complemento necessario do principio que produziu á formação da lei de 9 d'este mez, abolindo o exclusivo da barra do Porto e as restricções do commercio dos vinhos. Ditada pelas circumstancias, e puramente de transicção, a substituição do imposto de que se trata, não póde representar nem representa mais do que a satisfação de uma grande necessidade local e um beneficio devido aos productores da industria vinicola da Douro. Aliviando os consumidores por via de um imposto modico do peso de um tributo oneroso, e aliviando-os, mais que tudo, do jugo de uma cobrança vexatoria, facilita o commercio dos productos vinicolos, revogando o direito differencial dos vinhos consumidos no Porto e Villa Nova de Gaia, destruindo os embaraços que as medidas de fiscalisão oppoem sempre a livre e vantajosa circulação dos generos.
Não é de esperar que o rendimento diminua em virtude da modicidade do novo imposto. A compensação do maior augmento de materia collectavel nos vinhos destinados á exportação, e da ausencia do contrabando, que os direitos moderados excluem, promette seguros resultados á reforma. Auxiliando efficazmente a liberdade do commercio dos vinhos não devemos receiar, que ella desfalque de um modo sensivel, nem os rendimentos municipaes da cidade do Porto e de Villa Nova de Gaia, nem os rendimentos do estado.
Por estas rasões são as duas commissões de parecer que a proposição enviada da camara dos senhores deputados póde ser approvada e convertida no seguinte
projecto de lei
Artigo 1.° O vinho, a geropiga, a aguardente e o vinagre que derem entrada pelas barreiras seccas e molhadas da cidade do Porto e de Villa Nova de Gaia, pagarão qualquer que seja a sua procedencia ou destino o imposto de 1$000 réis por pipa, legalmente pareada, emquanto se não determinar para o commercio o uso das novas medidas de capacidade.
§ unico. O producto do referido imposto será dividido pela fórma seguinte: para a camara municipal do Porto réis 40:000$000, para a camara municipal de Villa Nova de Gaia 3:000$000 réis, e o resto para o thesouro.
Art. 2.° Esta lei principiará a ter execução em todo o reino tres dias depois da sua publicação no Diario de Lisboa.
Art. 3.° Fica revogado o decreto de 14 de julho de 1832, as cartas de lei de 5 de maio de 1837, 7 de abril de 1838 e 12 de agosto 1853, e mais legislação contraria á presente lei.
Sala da commissão, em 19 de dezembro de 1865. = Conde d’Avila = José Bernardo da Silva Cabral = José Maria do Casal Ribeiro = Luiz Augusto Rebello da Silva = Barão de Villa Nova de Foscôa — Tem voto dos, dignos pares, Marquez de Niza = Marquez de Alvito = Conde de Peniche.
O sr. Visconde de Gouveia: — Antes de se dar destino a este parecer desejava fazer um requerimento.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o digno par.
O sr. Visconde de Gouveia: — A materia de que trata este parecer é tão corrente e é de uma consequencia tão necessaria, tão immediata, como a commissão declara, que me parece não haverá duvida em dispensar o regimento para que entre já em discussão; O commercio dos vinhos da cidade do Porto soffre bastante com á menor demora na resolução d'este negocio; e por isso, attendendo a estas considerações e a ser esta materia muito conhecida, porque tem sido tratada ha muitos annos, pedia que o parecer entrasse desde já em discussão.
Mando portanto para o meu requerimento.
Leu-se, e era do teor seguinte:
«Requeiro que, dispensando o regimento, entre já em discussão este projecto. = Visconde de Gouveia.» Foi approvado.
O sr. Casal Ribeiro: — Não pedi a palavra para impugnar este parecer, nem para lhe demorar a discussão; e a prova é que o assignei; pedi-a só para declarar o sentido era que lhe dou o meu voto.
Voto o projecto como lei de circumstancia, de occasião e de urgencia, para levar promptamente á pratica o pensamento fundamental da lei de 7 de dezembro, pela qual foi estabelecida a liberdade de exportação para todos os vinhos pela barra do Porto, d'essa lei na qual as camaras, com grande fortuna para o governo e melhor para o paiz, aboliram um privilegio secular, que por tantos tempos resistiu ás boas rasões com que era combatido. Chegou o tempo em que a opinião se achava de tal modo preparada, que o governo teve occasião de levar a cabo sem difficuldades uma reforma que muitos governos tinham tentado com menor fortuna. Prova é esta da excellencia dos governos de discussão, e a sã doutrina acaba sempre mais cedo ou mais tarde por abrir brecha entre obstaculos e preconceitos.
Votei pois com pleno assentimento a lei de liberdade; e tanto amor lhe tenho, e, tanto n'ella confio, que para não pôr o menor estorvo á sua facil e prompta applicação, dou agora o meu voto a este projecto. Este porém aceito-o apenas como medida transitória, e assignaria com declaração o parecer, se esta idéa não se achasse consignada no relatorio que o precede. Dou-lhe o meu voto porque entendo que o governo o propoz levado por uma necessidade de momento; mas acredito que esta medida não póde ser permanente, e não dispensa o governo de estudar ainda a questão, para que possa vir a ter solução que melhor combine os interesses do commercio com os do thesouro publico e do thesouro municipal, e todos com as boas regras da administração. Direi summariamente o porque.
A lei que revogámos estabelecia um direito excepcional e pesado sobre a exportação dos vinhos do Douro. Era má a excepção, mas comprehendia-se como compensação de outra excepção tambem o privilegio da barra para os vinhos da demarcação. A lei de 7 de dezembro acabou o privilegio, e com elle o imposto excepcional; proclamou completo o direito commum para todas as exportações pelo Porto.
Mas o direito commum é agora novamente alterado, porque o imposto que se propõe recáe não só sobre os vinhos de consumo, mas tambem sobre os de exportação. Os vinhos exportados por Lisboa e por outro qualquer porto do paiz ficam pagando 300 réis por pipa, emquanto que os que se exportarem pela barra do Porto ficam pagando 1$300 réis. Deste modo fica alterado e modificado o que se quiz estabelecer pela lei de 7 de dezembro — a igualdade nos direitos de exportação. E quanto á exportação de qualquer genero do paiz, eu não comprehendo nem aceito senão direitos minimos, direitos estatisticos.
Quanto aos direitos de consumo bom seria tambem que não existissem. Essa é porém uma questão de receita geral ou municipal, que não póde resolver-se facilmente pela abolição, sem pensar detidamente nos meios de supprir o desfalque. O que porém accusa á primeira vista grave defeito n'essa parte da legislação tributaria é a Mutação excepcional creada contra os habitantes da capital, que pagam, não para o municipio só, mas na maxima parte para o estado, enormes direitos de consumo. O vinho paga aqui 13$000 réis por pipa. direito que muitas vezes excede a 50 por cento do valor, emquanto que no Porto, onde pagava 8$000 réis o maduro e 4$000 réis o verde, fica um e outro reduzido por este projecto a 1$000 réis por pipa de qualquer qualidade.
O projecto actual não attende á natureza diversíssima dos direitos de exportação e dos de consumo; reequipara-os, e do producto de uns e outros englobado dá parte á administração municipal, reservando o governo outra parte para si.
Não me parece rasoavel o systema. Estabelece-se assim uma especie de imposto de transito, que o codigo administrativo reprova com rasão, e prohibe ás camaras de lançar. E aos municipios que compete pagar as despezas municipaes pelo imposto directo ou indirecto; não devem constituir para elles materia tributavel os productos que apenas lhe atravessam o territorio para ir buscar outros mercados. E de feito, por esta lei grande parte da dotação das camaras estabelecida em 43:000$000 réis sairá dos direitos de transito lançados sobre os vinhos de exportação.
Os direitos de consumo no Porto renderam em 1863-1864 90:000$000 réis proximamente. As quantidades introduzidas para consumo sommariam 14:000 a 15:000 pipas. Ora ainda que o consumo augmente agora, como é natural, ainda que diminua o contrabando, como é provavel tambem; ainda que a exportação se desenvolva consideravelmente, como espero, alem das 30:000 a 40:000 pipas, a que se achava limitada nos ultimos annos; ainda que os vinhos entrados no Porto e Villa Nova de Gaia, tanto para consumo como para exportação, subam promptamente a 80:000 ou 100:000 pipas, o producto dos direitos não passará na totalidade de 80:000$000 ou 100:000$000 réis.
Deduzida a parte que deve ser distribuida á camara municipal do Porto e á de Villa Nova de Gaia, e a despeza com a fiscalisação que o governo tem de exercer, a parte que fica para o estado é de tal sorte diminuta, que não va-
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leria de certo a pena de estabelecer um importo excepcional de exportação e uma tutella tambem excepcional ás camaras.
Se se tratasse de considerar esta lei como definitiva, preferiria que acabassem completamente as barreiras do Porto por conta do estado, que o direito de exportação ficasse reduzido á taxa commum, ficando ás camaras do Porto e Villa Nova de Gaia a faculdade de tributar o vinho na vendagem, como fazem as outras camaras do reino.
Limito-me, sr. presidente, a estas simples considerações, sem impugnar pelos motivos que já expendi a lei que se discute; mas unicamente no intuito de chamar a attenção do governo sobre o assumpto, para que, examinando-o mais pausadamente, procure chegar a uma solução mais completa e que se possa considerar definitiva.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Castro): — Sr. presidente, eu respeito tambem os bons principios. S. ex.ª, o sr. Casal Ribeiro, diz muito bem, emquanto lhe parece que ha umas certa confusão entre o direito de consumo do vinho na cidade do Porto e Villa Nova de Gaia e o direito de exportação. S. ex.ª é porém o primeiro a reconhecer que esta medida ou outra similhante era absolutamente necessaria no estado das cousas.
Sr. presidente, direi a V. ex.ª e á camara que se o governo tivesse proposto uma lei muito regulamentada para a extincção das leis restrictivas dos vinhos do Douro, essa lei ainda estava hoje por discutir. A proposta original dizia no artigo 2.°, que ficava auctorisado o governo a tomar todas as medidas necessarias para vencer quaesquer estorvos que se apresentassem na sua execução, e propunha que esta começasse dentro em tres mezes. As camaras porém resolveram que não houvesse intervallo entre a publicação da lei e a sua execução. O que fiz portanto, vendo a urgencia das cousas? Officiei á auctoridade civil da cidade do Porto, para que' consultasse á camara municipal d'aquella cidade, a de Villa Nova de Gaia e a associação commercial, porque o negocio interessava a todos, para que propuzessem o modo de regular desde logo os direitos de consumo, de maneira tal que não houvesse exame de qualidades, para se distinguir o vinho verde do vinho maduro, de modo que não houvesse a necessidade da separação nos armazens, nem manifestos, nem contas correntes entre os negociantes e o fisco. Emfim, que desapparecessem todas estas peias que eram justamente da ordem daquellas, contra as quaes se tinha feito a lei de 7 de dezembro. Todas estas corporações pensaram n'este negocio, e vieram pouco mais ou menos a este resultado. Os negociantes, exportadores de vinho, sujeitaram-se a esses miareis com a melhor vontade, porque compraram com este direito de saída o resgate de todas as peias e de todas as restricções, e as camaras municipaes virão seguros os seus vencimentos, com cobrança facil e sem receio do contrabando pela modicidade do direito.
Sr. presidente, eu conformo-me com todos os bons principios e desejo segui-los sempre; mas ha uma nação, que todos nós conhecemos e respeitamos, que põe sempre ao lado do principio a conveniencia do estado, e a mais particular attenção ás circumstancias.
Direi finalmente á camara que esta proposta, se for convertida em lei, tem de vigorar como lei permanente em quanto por outra não for revogada; esta é a sorte de todas as leis, e creio que o meu illustre amigo, a quem tenho a honra de responder, não deseja outra cousa.
Foi para fazer estas reflexões que pedi a palavra, e a camara resolverá o que entender na sua alta sabedoria.
O sr. Visconde de Chancelleiros — Sr. presidente, V. ex.ª e a camara sabem que não tenho ultimamente tomado parte nas suas deliberações, inhibido de assistir ás sessões que depois de aberto o parlamento se tem celebrado. Isto mesmo consta da communicação official que ha tempos tive a honra de dirigir á mesa d'esta casa. Escusado seria confessar a rasão da minha ausencia, não hesito porém em a declarar, cedendo ao desejo de, perante o nobre ministro das obras publicas accusar um facto sobre o qual chamo a attenção de s. ex.ª. Sr. presidente, tenho estado fóra de Lisboa, e o rigor do inverno tornou absolutamente invadiavel parte da estrada que eu devia percorrer para vir á capital. (Uma voz: — É um caso de força maior.) É verdade é um caso de força maior. Aceito-o como justificação da minha ausencia, mas folgarei muito em que o sr. ministro das obras publicas faça com que tal facto se não continue a dar.
Pelo ministerio das obras publicas foi ha mezes ordenada, creio que a insistencia do sr. Julio Gomes, a construcção da estrada de Alemquer á Merceana, contribuindo para ella o municipio com a importancia da quarta parte do preço da construcção. Começou-se a estrada depois de recebidos os donativos com que os particulares auxiliaram e camara municipal na prestação dos meios com que estava obrigada a auxiliar a estrada. Sabe, porém V. ex.ª o que succedeu! Começaram as obras, e de 14 kilometros que a estrada deve medir ha cerca de 1 kilometro em construcção. Esta já em parte nivellado o leito da estrada, mas porque ainda não foi empedrado, nos pontos onde o transito é obrigado, a passagem é difficil e arriscadíssima. Mas sabe a camara quanto custa 1 kilometro de estrada de 3.ª ordem, sem grandes attermos, sem obras de arte de importancia, não empedrado, nem concluido ainda? Anda por 8:000$000 réis se não passa já esta verba. Em vista d'isto em quanto deverei eu calcular na proxima discussão o custo kilometrico da primeira linha ferrea do sul do Alemtejo? E segundo me consta a media do custo kilometrico das estradas ordinarias que se têem feito no paiz não anda muito longe da verba apontada!
Sr. presidente, com referencia ao projecto que se discute e de que não tinha conhecimento antes de entrar n'esta sala, talvez por não haver lido o que se tem publicado nos jornaes, distrahido pelas occupações em que empregára os meus ócios campestres, alheios e bem estranhos á politica; com referencia ao projecto que sé discute, direi, sr. presidente, que voto por este, julgando-o como julgo o complemento obrigado da lei da liberdade do Douro, "que acamara ha pouco votou; direi porém ao sr. ministro das obras publicas, que a questão vinhateira não esta resolvida no paiz, apenas porque se resolveu a questão' do Douro. Os interesses que essa questão comprehende são' muito maiores do que geralmente se tem supposto quando no seio dos poderes publicos se trata esta questão. Os vinhos do Douro são pelas suas qualidades especiaes e que lhes tem ganho o credito e o nome que tem no mundo, um valiosíssimo producto da nossa industria agricola. Representam na producção nacional um grande valor, mas os outros vinhos pela extensão da sua cultura em todas as outras provincias do paiz são um valor muito maior, e tem por esse mesmo facto uma muito maior importancia.
Considerar pois esta questão, é considerar o futuro da industria agricola do nosso paiz n'uma das suas principaes feições. A provincia da Extremadura é hoje uma vinha, vae-o sendo tambem já uma parte do Alemtejo, são-no igualmente em zonas importantes do seu terreno as duas Beiras, mas a tão vasta producção que mercados abrimos? Desgraçadamente nenhuns. Todos sabem "as difficuldades em que lutámos e estamos lutando no mercado da America, difficuldades infelizmente aggravadas por circumstancias que não estão na nossa máo prevenir, mas por algumas tambem que era nosso dever remover. Já em outra occasião disse, e julgo dever repetir, que a restituição ao exportador da importancia do direito sobre a aguardente com que adubou o vinho que exporta, me parece significar uma grande protecção á exportação dos nossos vinhos. A importancia d'esse direito figura por 6$000 a 8$000 réis por pipa. A restituição do direito, o drawback inglez parecia-me ser muito aceitavel com relação a este e a alguns outros artigos da nossa exportação.
Espero que o illustre ministro, a cuja iniciativa vigorosa todos tributámos o devido louvor, considere devidamente este negocio.
Outro ponto para que eu chamo tambem a attenção de s. ex.ª, é para a questão do imposto de consumo, imposto exagerado e anti-economico com que esta sendo vexado este importantissimo ramo da nossa industria agricola (apoiados). O vinho introduzido em Lisboa paga de imposto de consumo muitas vezes 50 por cento do preço por que o lavrador o vendeu! Este imposto que vexa o productor redundando tambem em manifesto prejuizo do consumidor, porque traz como consequencia obrigada a adulteração do genero tão exageradamente tributado! (Apoiados.) Sobre este ponto a necessidade da reforma é instantemente reclamada.
Não concluo sem dizer, com relação á lei de liberdade de exportação pela barra do Douro que a camara ha pouco votou, que se estivesse presente teria tambem votado a favor d'ella. Houve tempo em que me arreceei bastante da applicação, sem transicção, dos principios da liberdade a uma industria que tinha sido educada por tantos annos pelo regimen opposto da restricção. Impressionaram-me o espirito as apprehensões geraes que a idéa de tal reforma causou por longos annos no Douro. Sou porém adverso ao regimen da restricção desde que em uma discussão, que n'uma reunião celebrada em 1859 no ministerio das obras publicas, e a que assisti por convite do governo, teve logar entre illustrados cavalheiros dos mais entendidos e dos mais competentes para apreciarem essa questão, vi sustentar como opinião incontroversa que a crise que n'essa epocha afiligia a praça do Porto, e que resultara da adulteração dos vinhos entrados no deposito, foi devida ao systema de restricção. As guias que deviam garantir a genuidade do vinho admittido no deposito tinham sido um meio fallazmente empregado para o adulterar. Systema que apresentou taes resultados era de certo um mau systema. Felizmente houve uma reacção no espirito publico da provincia do Douro a favor das idéas da liberdade, e. hoje creio que, dispensando os poderes publicos áquella provincia, a attenção que por tantos titulos lhes merece a lei da liberdade, ha de dar os proficuos resultados que todos d'ella esperâmos.
Foi approvado o projecto.
O sr. Silva Cabral: — Mandou para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre negocio economico da camara, que posteriormente se publicará com referencia a esta sessão, pois por não se achar presente não foi possivel copia-lo agora.
O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, sendo este projecto muito simples, e estando todos os dignos pares ao facto do que elle contém e das circumstancias de que é acompanhado; e até pelos principios de igualdade que têem relação com os nossos empregados, e aproveito esta occasião para dizer" que merecem toda a consideração da camara pelo seu bom serviço e comportamento, peço a V. ex.ª consulte a camara se dispensa o regimento e a impressão d'este projecto para entrar desde já em discussão.
O sr. Visconde de Soares Franco: — Eu queria requerer o mesmo que acabou de pedir o sr. marquez de Vallada, e cedo a palavra porque fui prevenido pelo digno par.
O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, creio que a camara dispensou a impressão do outro projecto, porque havia a urgencia da sua discussão e aprovação para complemento de uma lei; mas quanto a este projecto de que se trata, e que é de interesse particular, não vejo que haja motivo algum parasse dispensar o regimento, e talvez eu devesse ficar aqui. E necessario saber se os ordenados dos empregados de que se trata foram ultimamente augmentados, e se isto foi feito com declaração de não haverem mais estas ajudas de custo annuaes; e então peço que venham da' secretaria os papeis a este respeito.
Sr. presidente, se os ordenados actuaes dos empregados d'esta camara não são sufficientes, estabeleçam-se outros maiores em relação com os de todas as repartições do estado, que trabalham todos os dias e não têem gratificações. Ás camaras devem dar o exemplo das economias.
O sr. Presidente: — Peço licença para dizer ao digno par que este projecto ainda não esta em discussão, porque acamara não votou a dispensa do regimento, e então peço aos dignos pares que se restrinjam a este objecto.
O sr. Marquez de Vallada: — Eu tinha pedido a palavra para fazer a mesma observação que V. ex.ª acabou de fazer.
O sr. Presidente: — Vou consultar a camara se approva o requerimento do sr. marquez de Vallada, para que se dispense o regimento e a impressão deste projecto para entrar desde já em discussão.
Foi approvada a dispensa do regimento.
O sr. Presidente: — Esta portanto em discussão o projecto que acabou de se ler.
Se nenhum digno par pede a palavra vou pôr á votação este projecto.
Foi approvado) e a mesma redacção.
O sr; Presidente: — O sr. ministro dirá se esta auctorisado para declarar quando Sua Magestade se dignará receber a deputação d'esta camara, que ha de levar á real sancção o outro projecto de lei, que foi approvado hoje.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Eu tomarei as ordens de Sua Magestade, e participarei quando póde ser recebida a deputação d'esta camara. Agora lembrava a V. ex.ª a urgencia, em beneficio do estado, para a camara se constituir em sessão secreta, a fim de tratar das suas propostas sobre tratados que foram hoje para a mesa.
O sr. Presidente: — O sr. ministro dos negocios estrangeiros propoz que as duas convenções remettidas para esta camara sejam discutidas e votadas hoje mesmo pela sua urgencia; mas, segundo o nosso regimento, é necessario que a camara se constitua em sessão secreta para tratar d'estes objectos.
Portanto, em vista da urgencia requerida pelo sr. ministro, eu pedia á commissão de negocios externos que se reunisse para dar o" seu parecer sobre as mesmas convenções.
O sr. Marquez de Niza: — Peço a palavra sobre a ordem.
O sr. Presidente: — Tem V. ex.ª a palavra.
O sr. Marquez de Niza: — Eu pedia a V. ex.ª, não havendo inconveniente, que emquanto a commissão de negocios externos se reunia para examinar essas convenções e dar o seu parecer, continuasse a sessão publica para ter logar o dar a palavra aos srs. conde de Linhares, marquez de Sabugosa, e a mim tambem, porque tenho muito a dizer, e creio que os meus collegas tambem, e seria melhor que usássemos agora da palavra do que depois da sessão secreta.
O sr. Presidente: — Não sei se estou em erro, mas parece-me que a commissão deve examinar e dar o seu parecer já em sessão secreta, e portanto quanto mais depressa se passar á sessão secreta, mais tempo fica para a sessão publica. Alem d'isso este negocio é importante, porque uma d'estas propostas tem praso fatal, e seria conveniente que se resolvesse com a maior brevidade (apoiados).
Depois da sessão secreta ha de abrir se a sessão publica, e então poderão os dignos pares que pediram a palavra, expor o que pretenderem. Entretanto o sr. marquez de Niza pediu que continuasse a sessão publica emquanto estivesse reunida a commissão, e não vejo inconveniente n'isto, porque logo que se apresente a commissão segue-se a sessão secreta.
O sr. Ministro da Obras Publicas: — Perdoe V. ex.ª, esse acto da commissão é já de sessão secreta, porque em sessão secreta é que ella se reune; esta pelo menos, é a pratica que tenho visto seguir n'esta casa, o tão depressa nós acabemos com a sessão secreta, poderá então continuar a sessão publica.
O sr. Presidente: — A commissão segundo o nos--o regimento, deve apresentar o seu parecer em sessão secreta, mas em quanto ella não se acha apta para apresentar o parecer, parece-me não haver inconveniente algum em continuar a sessão publica, cessando esta immediatamente que o sr. relator da commissão declare que a mesma commissão esta prompta a dar o seu parecer.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — V. ex.ª é que dirige os trabalhos da camara.
O sr. Presidente: — Mas desejo que os trabalhos sejam dirigidos de uma maneira regular e conforme os desejos da camara.
Tem o sr. marquez de Niza a palavra.
O sr. Marquez de Niza: — Eu pedi a palavra quando estava presente o sr. ministro da marinha para dizer a s. ex.ª que eu tinha preparado em minha casa os elementos para uma interpellação parecida com a que o sr. conde de Linhares lhe tinha dirigido; mas como não sabia que hoje se tratava d'essa interpellação, por isso não trouxe os meus apontamentos, eu queria dizer isto a s. ex." para o prevenir, e não me taxar de impertinente repetindo o mesmo que já se tinha dito: mas como me não chegou a palavra dirigi-me a s. ex.ª que sinto não ver agora presente; mas esta o seu collega das obras publicas, que creio não terá duvida em declarar em nome do seu collega da marinha, que em outra sessão se tornará a tratar da materia da interpellação do sr. conde de Linhares, e que eu então tomarei a palavra.
Agora aproveito tambem esta occasião para dizer que quando se encetou um debate n'esta casa, que segundo a sua importancia devia chamar um grande auditorio, o sr. visconde de Chancelleiros propoz que a mesa d'esta camara se dirigisse á da outra casa a fim de obter a sala das suas sessões para ali nos reunirmos, combinando a hora que mais conviesse ao serviço. O resultado foi, como era de esperar, porque a discussão correu acalorada, mas temperada com o am-
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biente daquella sala;,e como sé approxima(uma discussão tambem importante, eu lembrava com tempo que seria conveniente darem-se os mesmos passos para que as duas mesas se podessem entender a fim de se obter a sala da camara dos senhores deputados, mas parece-me que para isto será necessario uma votação da camara, e portanto pedia a V. ex.ª que a consultasse sobre este objecto.
O sr. Presidente: — Queira V. ex.ª mandar o seu requerimento para á mesa, e tem a palavra o sr. marquez de Sabugosa.
O sr. Marquez de Sabugosa: — E para mandar(para a mesa uma proposta, mas não sei se, conforme o regimento, a devo annunciar hoje para apresenta-la em outra sessão, porque o regimento assim o indica, ou se a devo mandar já para a mesa. Entretanto tenho visto que alguns dignos pares têem mandado logo para a mesa as suas propostas. Portanto se está derogado o regimento n'esta parte, ou se a camara permitte, mandarei para a mesa a minha proposta...
O sr. Presidente: — Sem resolução da camara não posso receber a proposta do digno par.
O Orador: — Então peço a V. ex.ª que consulte a camara se permitte que eu faça já a proposta, é no caso da camara não dispensar o regimento, peço a V. ex.ª que me inscreva para a mandar para a mesa na proxima sessão.
O sr. Presidente: — Os dignos pares que approvam que se dispense o regimento para o sr. marquez de Sabugosa mandar a sua proposta para a mesa, tenham a bondade de se levantar.
Foi approvado.
O sr. Presidente: — Póde o digno par mandar a sua proposta para a mesa.
O sr. Marquez de Sabugosa: — A minha proposta é para que se não publique representação alguma sem que seja primeiramente lida na mesa.
O sr. Presidente: — Queira V. ex.ª mandar para a mesa a sua proposta por escripto.
Foi enviada para a mesa, e é do teor seguinte:
«Proponho que se não mande publicar representação alguma dirigida a esta camara, sem que primeiro seja lida na mesa. = Marquez de Sabugosa.»
O sr. Marquez de Niza: — A minha proposta é a seguinte:
«Requeiro que a mesa seja auctorisada a entender-se com a da camara dos senhores deputados, a fim de que esta possa reunir-se na sala nos dias em que se tratar do contrato de novação do caminho de ferro do Alemtejo e Algarve. = Marquez de Niza.»
Peço licença para repetir agora as palavras que dirigi ao sr. ministro das obras publicas, quando s. ex.ª estava occupado e não póde dar-me a sua attenção.
Eu disse que tinha pedido a palavra quando estava presente o sr. ministro da marinha, para lhe dirigir uma interpellação como a do sr. conde de Linhares, mas não trouxe hoje os meus apontamentos porque não sabia quando se tratava d'esta materia; e, como me não chegasse a palavra, eu disse a s. ex.ª quaes eram as minhas intenções, e não sei se o sr. ministro das obras publicas esta auctorisado para dizer, em nome do seu collega, se podémos em outra sessão tratar d'este negocio.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — O sr. ministro da marinha deixou-me auctorisado para responder affirmativamente ao digno par; s. ex." disse-me que, não já, mas passados alguns dias, estava disposto a entrar n'esta discussão.
O sr. Presidente: — Vae ler-se o requerimento do sr. marquez de Niza, para ser votado.
Leu-se, e ficou approvado.
O sr. Presidente: — Segue-se agora a proposta do sr. marquez de Sabugosa.
Leu-se na mesa, e sendo posta á votação foi approvada.
O sr. Conde de Linhares: — Disse que aproveitaria os poucos minutos em que poderia usar da palavra para observar que depois da declaração do sr. ministro das obras publicas de que o seu collega da marinha tenciona comparecer em um dos dias da proxima semana n'esta camara a fim de se continuar n'esta interpellação, não lhe restava a elle, orador, senão esperar pela presença de s. ex.ª, e pela continuação da discussão, a fim de responder a s. ex." como julgava absolutamente necessario fazer, visto parecer-lhe que s. ex.ª se tinha occupado no seu discurso mais em apontar os inconvenientes de uma proposta da empreza Burnay, do que em responder aos argumentos e preguntas d'elle, orador. Disse mais, que elle não se julgava auctoridade em materia de regimento d'esta camara, mesmo porque era n'ella pouco antigo. Comtudo entendia que tendo annunciado a sua interpellação por duas vezes em dias antecedentes, que tendo vindo s. ex.ª o sr. ministro da marinha a esta camara habilitado para lhe responder, como se prova dos muitos documentos que s. ex.ª leu na sua resposta, que não tendo elle, orador, sido interrompido pelo sr. presidente, quando deu começo á sua interpellação, parecendo por este facto haver annuencia a que ella se verificasse da parte de s. ex.ª e do sr. ministro, que elle consultou antes de começar; por todas estas rasões deprehendia elle, orador, que se tinha dado para com elle um facto inteiramente novo n'esta camara, isto é, de se passar para a ordem do dia interrompendo-se uma interpellação, sem se dar a palavra ao par interpellante para responder ao ministro. Que respeitando elle comtudo a decisão da camara, entendia observar que não havia paridade alguma n'este caso e n'aquelle auctorisado pelo regimento, de se passar á ordem do dia meia hora depois de approvada a acta, não dando a palavra aos differentes oradores inscriptos para os diversos assumptos. Disse mais que elle, orador, não era impaciente, e que nenhuma duvida teria em demorar as considerações que deseja fazer, uma vez que tenha a certeza, como lhe acaba de assegurar o sr. ministro das obras publicas, de que este assumpto continuará a ser discutido na presença do sr. ministro da marinha.
O sr. Presidente: — Peço licença á camara para me defender neste logar da accusação que acaba de me ser dirigida pelo digno par, o Sr. conde de Linhares.
Desde que tomei posse da presidencia tenho procurado sustentar os direitos dos dignos pares, mas o que não posso fazer é exceder a lei. O regimento da camara, que é a lei da casa, diz que meia hora depois de se ter lido a correspondencia se deve entrar na ordem do dia (apoiados).-
Disse o digno par que uma interpellação se deve considerar como ordem do dia, mas peço licença a s. ex.ª para lhe dizer que não posso dar essa interpretação ao regimento, porque elle só reconhece como fazendo parte da ordem do dia os objectos que na sessão precedente foram designadas como tal, e como assim esta ordenado no regimento, hei de executa-lo. Foi o que fiz, tendo primeiro consultado a camara se queria que concedesse a palavra aos dignos pares inscriptos sobre o assumpto.
Concluindo direi que presumo ter cumprido o meu dever (apoiados), e portanto que não mereço a menor censura (apoiados).
Espero que a camara approvará o meu procedimento (apoiados).
A camara, por bem do estado, vae agora constituir-se em sessão secreta.
O sr. Duque de Loulé (sobre a ordem): — Se o fim para que a camara vae constituir-se em sessão secreta é para tratar das duas convenções que foram remettidas á commissão de negocios externos, cumpre-me declarar que a commissão não póde dar hoje os seus pareceres, porque é preciso ler as duas convenções, e a telegraphica principalmente é bastante extensa, e por isso os pareceres só poderão ser apresentados na proxima sessão.
O sr. Presidente: — Em vista do que acaba de ponderar o sr. duque de Loulé, presidente da commissão de negocios externos, não temos hoje mais nada a tratar, e então levanto a sessão, dando para ordem do dia de quinta feira a apresentação de pareceres de commissões.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas e um quarto da tarde.
Relação dos dignos pares presentes á sessão de 19 de dezembro de 1865
Ex.mos srs. Conde de Lavradio.
Conde de Castro. Duque de Loulé.
Marquez de Niza.
Marquez de Pombal.
Marquez de Sabugosa.
Marquez de Sá da Bandeira.
Marquez de Vallada.
Conde d'Alva.
Conde d'Avila.
Conde da Azinhaga.
Conde de Bertiandos.
Conde de Campanhã.
Conde de Fonte Nova.
Conde de Fornos de Algodres.
Conde de Linhares.
Conde de Paraty.
Conde da Ponte.
Conde de Terena.
Conde de Algés.
Visconde de Benagazil.
Visconde da Borralha.
Visconde de Chancelleiros.
Visconde de Condeixa.
Visconde de Gouveia.
Visconde de Ovar.
Visconde de Ribamar.
Visconde de Soares Franco.
Visconde da Silva Carvalho.
Barão de Ancede.
Barão de Villa Nova de Foscôa.
Alberto Antonio de Moraes Carvalho.
D. Antonio José de Mello e Saldanha.
Custodio Rebello de Carvalho.
Diogo Antonio Correia de Sequeira Pinto.
Felix Pereira de Magalhães.
Francisco Antonio Fernandes da Silva Ferrão.
Jayme Larcher.
José Bernardo da Silva Cabral.
José Ferreira Pinto Basto.
José Maria Baldy.
José Maria do Casal Ribeiro.
Luiz Augusto Rebello da Silva.
Luiz de Castro Guimarães.
Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco.
Vicente Ferrer Netto de Paiva.