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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 21 DE DEZEMBRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios, os dignos pares

Marquez de Vallada

Jayme Larcher

(Assistiu o sr. ministro dos negocios das obras publicas.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 22 dignos pares, declarou o ex.mo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O sr. Secretario (Marquez de Vallada): — Mencionou a seguinte correspondencia:

- Um officio da camara dos srs. deputados, remettendo a proposição de lei estabelecendo os prasos para o pagamento de direitos de mercê em titulos de divida fundada pelos agraciados residentes nas provincias ultramarinas. — Á commissão de legislação.

- Um officio da camara dos srs. deputados, remettendo a proposição de lei para a abolição dos privilegios concedidos aos vendedores de papel sellado. — Á commissão de fazenda.

O sr. Presidente: — Acaba de ler-se a correspondencia, meia hora depois deve entrar-se na ordem do dia, como manda o nosso regimento.

Achando-se nos corredores da camara o sr. visconde de Lagoaça, vae ler-se a carta regia que nomeia s. ex.ª par do reino; e convido os dignos pares visconde de Gouveia e Casal Ribeiro a introduzirem o digno par na sala, a fim de prestar juramento.

Foi introduzido na sala com as formalidades do costume o digno par, o sr. visconde de Lagoaça, que prestou juramento e tomou assento.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, eu pedi a palavra unicamente para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o caminho de ferro que se esta construindo no monte Cenis. Consta que o governo italiano acaba de fazer um contrato com a firma ingleza, Brassey Fell & C.a, concedendo-lhe a construcção do caminho de ferro desde a villa de Susa até Saint Michel, na referida montanha. O governo francez fez, no mez de novembro ultimo, igual concessão á mesma companhia quanto á parte do territorio do imperio que a via ferrea deve atravessar; os carris d'este caminho são assentes sobre a estrada actual, macadamisada. Parece-me que, para um paiz montanhoso como o nosso, este systema deve ser de grande importancia. E seria conveniente que o sr. ministro das obras publicas, antes de contratar qualquer outro caminho de ferro, mandasse um dos nossos engenheiros mais habeis para ver o que se tem feito no monte Cenis, onde este systema se tem experimentado com excellente resultado, o que deu motivo ás concessões feitas pelos dois governos, obrigando-se a companhia a concluir as obras no praso de quinze mezes. No espaço de um mez poderia o engenheiro concluir a commissão e dar as informações necessarias ao governo.

Segundo diz La semaine financière, calcula-se que o custo de toda a linha, que é de 77 kilometros, não ha de exceder a 8.000:000 francos, ou a 104:000 francos por kilometro; emquanto que, se o caminho de ferro fosse feito com tunneis, a extensão seria de 68 kilometros, o seu custo subiria a 135.000:000 francos ou a quasi 12 000:000 francos por kilometro, resultado da exorbitante despeza que se faria com os tunneis, e isto mostra que, construindo os caminhos de ferro nos paizes montanhosos pelo systema do engenheiro Fell, se obterá uma immensa economia.

Não digo mais nada a este respeito, e limito-me a chamar sobre o objecto a attenção do illustre ministro. Consta-me que um dos nossos collegas o sr. duque de Palmella passou ha pouco tempo pelo monte Cenis; e viu os trabalhos da construcção do caminho a que alludi, e poderá portanto o sr. Ministro obter de s. ex.ª as informações que desejar sobre este objecto.

O sr. Margiochi: — Pedi a palavra por parte da commissão de fazenda para mandar para a mesa um parecer da mesma commissão (leu).

Está assignado pôr todos os membros da commissão.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

PARECER N.° 7

Foi presente á commissão de fazenda o projecto de lei n.° 70, auctorisando o governo a prorogar até 30 de junho de 1867 os prasos, estabelecidos na carta de lei de 29 de julho de 1854, para a troca e giro das moedas de oiro e prata, mandadas retirar da circulação pela mesma lei, e auctorisando o governo a mandar cunhar novas moedas de prata até á quantia de 300:000$000 réis, bem como renovando até 30 de junho de 1867 o beneficio concedido aos particulares, bancos e associações, pelo artigo 2.° da lei de 24 de abril de 1856.

A commissão considerando que as moedas de prata, cunhadas em virtude da carta de lei de 29 de julho de 1854, importam, segundo se vê do relatorio do governo de 15 de novembro proximo passado, em 6.695:436$400 réis, quantia esta que não parece sufficiente para occorrer ás necessidades do commercio; e considerando que é ainda avultada a somma das antigas moedas de prata em circulação; é de parecer que seja approvado por esta camara o referido projecto de lei.

Sala da commissão, 20 de dezembro de 1865. = Conde d'Avila = José Bernardo da Silva Cabral = José Lourenço da Luz = J. M. do Casal Ribeiro = J. Augusto Braamcamp = Barão de Villa Nova de Foscôa = F. S. Margiochi.

PROJECTO DE LEI N.° 10

Artigo 1.º É o governo auctorisado a prorogar até 30 de junho de 1867 os prasos, estabelecidos no artigo 8.° e seus paragraphos da carta de lei de 29 de julho de 1854, para a troca e giro das moedas de oiro e prata, mandadas retirar da circulação pela mesma lei.

Art. 2.° É igualmente auctorisado o governo a mandar cunhar novas moedas de prata até á quantia de 300:000$000 réis.

Art. 3.° É tambem renovado até 30 de junho de 1867 o beneficio concedido aos particulares, bancos e associações, pelo artigo 2.° da lei de 24 de abril de 1856.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario. Palacio das côrtes, em 16 de dezembro de 1865. = Roque Joaquim Fernandes Thomás, presidente = Lourenço Antonio de Carvalho, secretario = José de Faria Pinho V. S. de Albergaria, secretario.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, pedi a palavra para um requerimento; attendendo á gravidade do negocio de que trata o projecto que acaba de ser lido, peço que se dispensem as formalidades do regimento, entrando desde já em discussão o mesmo projecto (apoiados).

O sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Castro): — Como não esta presente o meu collega o sr. ministro da fazenda, eu tomo a mim a defeza do projecto, se por acaso for combatido.

O sr. Presidente: — Em virtude da declaração do sr. ministro, vou consultar a camara sobre o requerimento do digno par o sr. marquez de Vallada.

Consultada a camara foi approvado o requerimento do sr. marquez de Vallada.

O sr. Conde d’Avila: — Sr. presidente, as tres commissões encarregadas de dar o seu parecer sobre o projecto do contrato do caminho de ferro têem-se reunido já duas vezes para se occuparem d'este assumpto, e brevemente apresentarão á camara o resultado dos trabalhos. Alguns dos seus membros pediram ao governo os esclarecimentos, de que precisavam, os quaes foram sem demora mandados pelo governo. Esses documentos são os que mando para a mesa, pedindo por parte das mesmas commissões, que sejam publicados no Diario de Lisboa. Cumpre-me tambem declarar, que os srs. ministros foram os primeiros a desejarem esta publicação. Peço portanto a V. ex.ª que consulte a camara sobre este objecto.

Foi approvado que se publicassem os documentos no Diario de Lisboa.

O sr. Visconde de Gouveia: — Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o importante e desventurado paiz vinhateiro do Douro, depois da lei da liberdade do commercio dos vinhos. E não reduzirei a fórma de interpellação as palavras que vou dizer, não só porque conheço a proficiencia do nobre ministro sobre a materia, e espero por isso que, ses. ex.ª julgar conveniente dar algumas explicações, o fará aqui em continente sem dependencia daquella formula; mas muito principalmente porque confio na sua boa vontade, no seu amor ao paiz e nos desejos que o animam de levar com as suas medidas e a sua iniciativa ministerial a prosperidade áquella provincia. O principio da liberdade do commercio dos vinhos, amadurecido com a discussão de longos annos, e com o voto quasi unanime dos parlamentos, é hoje lei do estado.

Não serei eu que venha agora aqui levantar extemporaneamente considerações e duvidas sobre este objecto. Respeito a medida como lei do paiz, e se estivesse presente não teria deixado de unir o meu voto á unanimidade dos meus dignos collegas.

Mas quando, sr. presidente, se decreta uma revolução d'esta ordem n'um dado ramo da agricultura e do commercio, quando se estabelece um principio em opposição com o systema subsistente ha longos periodos, é necessario para que seja proficuo e bem aceite que elle vá acompanhado de todas as suas consequencias economicas e legitimas; é necessario que uma serie de medidas consentaneas ao principio da liberdade, venha substituir a serie de providencias respectivas que acompanhavam o systema extincto.

O digno ministro já mostrou que estava compenetrado d'estas idéas quando propoz o projecto sobre a substituição dos direitos de consumo no Porto e a abolição dos vexames de que a sua cobrança estava acompanhada; e esse projecto è já lei do estado. Mas esta medida não é sufficiente.

As grandes difficuldades com que luta e lutou sempre o paiz do Douro são: 1.° a triplice carestia dos seus grangeios ou cultura, da conservação dos seus vinhos, é dos generos alimenticios e de primeira necessidade;

2.° a falta de capitaes! Com o exclusivo da barra do Douro e com o systema restrictivo de demarcações, arrolamentos, provas, guias e direitos por vezes alterado e modificado, pretenderam os governos não só garantir uma certa genuidade e pôr um dique ás falsificações, mas tambem promover uma certa alta artificial no preço do genero, que pozesse o lavrador a coberto daquella carestia. Hoje que essa protecção acabou, que a alta artificial desappareceu é que as difficuldades subsistiram, e em maior escala ainda, o paiz irá ao abysmo da sua completa ruina se os altos poderes por uma serie de medidas beneficas não proverem de remedio. Aquellas compensações eram de direito, segundo o systema abolido. Ellas acabaram; é mister que venham outras em harmonia com o novo systema, porque a liberdade só por si não cura aquelles males, aquellas difficuldades, que são anteriores a todos os systemas, e inherentes á natureza e condições do paiz.

A medida cuja necessidade primeiro avulta é o caminho de ferro. Todos o reconhecem, nem uma voz o contesta. E honra seja feita ao nobre ministro, que já sobre esse objecto fez solemnes promessas ao parlamento. Mas é mister que isto se torne como cousa effectiva e seria. E emquanto eu vir que se gastam muitos contos de réis em estudos de um traçado fabuloso pelas margens desertas, abruptas, alcantiladas, cobertas de penhascos e cortadas de correntes e sinuosidades sem numero de um rio caudaloso, não posso tomar a serio estudos que não passam de romance e poesia. O caminho de ferro para a Regua para que possa realisar-se ha de afastar-se na maxima parte da sua extenção desses difficeis terrenos marginaes; ha de ir pelo interior da provincia, logo á saída do Porto, procurando as condições ordinarias do geral dos caminhos que se encontram pelo centro dos concelhos de Penafiel e Marco, e cortando alem d'isso um paiz fertil, povoado e rico, que animará a sua exploração. O lanço marginal só póde ser o ultimo, porque encontrando de frente a serra do Marão é forçoso flanquea-la, o que só póde fazer-se seguindo a margem do Douro. Mas o melhor e o mais proficuo caminho seria o que seguisse para Chaves, a entroncar com um dos caminhos de ferro de Hespanha que vindo de Zamora passa naquellas immediações. Um ramal de 20 kilometros approximadamente seria sufficiente para ligar este caminho com a Regua, desde a margem do Tamega. Este caminho teria a triplice vantagem de juntar o grande movimento do Douro, o da ligação com a Hespanha, e terrenos povoados e ferteis, e o ter uma parte do traçado á saída do Porto commum para o caminho de Braga e Minho.

O Douro não póde subsistir sem este caminho, seja qual for o seu traçado. Todos os generos de primeira necessidade lhe vem do Porto. Não são sómente os generos alimenticios, são todos os objectos de construcção de armazens e edificios, todos os objectos de vazilhame, todos os objectos de cultura, todos os objectos de suas immensas e variadas necessidades. E as duas vias, terrestre e fluvial, são tão imperfeitas, tão irremediaveis, que todos estes objectos chegam ali com grande despendio e frequentes deteriorações e damnos.

Mas não basta o caminho de ferro. São mister estradas que liguem com elle os diversos pontos. As estradas do Douro todas convergem para a Regua. Mas as que estão feitas ou em construcção têem levado um tempo incrivel. A de Villa Real, com s/5 uns 20 kilometros, gastou doze annos a fazer; e o ultimo lanço foi de tal modo traçado que os passageiros de cavallo e de pé não a seguem e procuram outro caminho. A estrada marginal esta interrompida e incompleta. A estrada de Travanco a Lamego e Regua esta tambem interrompida com a falta de uma ponte, e do ultimo lanço de Lamego á Regua. E falta o complemento d'estas duas estradas importantissimas, que é a ponte sobre o Douro em frente da Regua.

Outro meio de atenuar a carestia dos generos seria uma equitativa e racional reforma das pautas com relação a certos objectos de primeira necessidade. Ha objectos, que entram na construcção, que pagam direitos exorbitantes. Este assumpto pediria mais detidas considerações, mas sempre referirei dois generos alimenticios que para beneficio do Douro e de todo o paiz carecem necessariamente de um allivio consideravel nos direitos. São o arroz e o bacalhau. O sr. Rebello da Silva: — Peço a palavra. O Orador: — Os proprietarios têem de pagar o salario aos jornaleiros, e têem de alimenta-los. O arroz e o bacalhau são o ordinario sustento. E a carestia d'estes generos, com a de outros de primeira necessidade para o povo, são a causa principal da carestia dos grangeios ou cultura.

Um bom regulamento de policia sobre todo o genero de transportes e nos differentes portos do rio é tambem indispensavel com relação a um genero cuja defraudação e adulteração é tão facil como os vinhos.

A unidade da administração é outra medida indispensavel. Os paizes vinhateiros das duas margens pertencem a diversos districtos administrativos. Isto é um grande mal. Os povos que pertencem ao districto de Villa Real estão melhor porque ha uma certa homogeneidade de interesses entre os differentes concelhos. E a cabeça do districto é a