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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 23 DE DEZEMBRO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO Sr. CONDE DE LAVRADIO

Secretarios, os dignos pares

Marquez de Vallada

Jayme Larcher

Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.

Lida a acta da precedente, foi julgada approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

O sr. Presidente: — Peço desculpa á camara de não ter aberto hoje a sessão á hora marcada no regimento. Não o fiz porque tive de acompanhar a deputação que foi ao paço, a qual Sua Magestade se dignou receber com a costumada benevolencia.

O sr. Secretario (Marquez de Vallada): — Deu conta da seguinte correspondencia.

Um officio do ministerio do reino, participando á camara dos dignos pares, que Sua Magestade El-Rei Regente houve por bem determinar se encerrassem as sessões das côrtes geraes da nação portugueza, no dia 26 do corrente mez de dezembro, pela uma hora da tarde, tendo logar a sessão de encerramento na camara dos senhores deputados, e por commissão delegada no presidente do conselho.

Um officio do ministerio do reino, em resposta ao requerimento do digno par marquez de Sabugosa, e ao officio de 15 de dezembro corrente, participando que não existem n'aquella societária d'estado os regulamentos porque se fez o registo civil nos Açores, mas que se pediam aos respectivos governadores civis e opportunamente serão enviados.

O sr. Presidente: — Os dignos pares ficam scientes de que a sessão de encerramento deve ter logar no dia 26 pela uma hora da tarde na sala das sessões da camara dos senhores deputados.

O sr. Conde de Linhares: — Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte requerimento, que passo a ler.

E o seguinte:

REQUERIMENTO

Requeiro que pela secretaria d'estado dos negocios da marinha, seja enviada a esta camara uma relação dos castigos corporaes que têm soffrido as praças da armada, desde 1863 até ao presente, e assim tambem nota dos conselhos em que esses castigos foram arbitrados. No caso de se ter arbitrado algum castigo de varadas(sem conselho disciplinar, requeiro igualmente essa nota acompanhada da relação do numero de varadas.

Sala da Camara dos pares, 23 de dezembro. = Conde de Linhares.

Consultada a camara, foi admittido, e expediu-se.

O sr. Visconde de Gouveia: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu). Eu peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da guerra, porque esta proposta de lei diz respeito a alguns convencionados de Evora Monte, a quem não foi ainda extensiva a medida adoptada para outros, e eu tenho toda a confiança em que o illustre ministro ha de querer valer a estes desgraçados. Eu, sr. presidente, confio pouco no resultado d'estas propostas de iniciativa particular, mas como tenho toda a confiança na benevolencia do illustre ministro, mando esta proposta para a mesa, não duvidando do seu resultado.

O sr. Presidente: — Quando estiver presente o sr. ministro da guerra, darei a palavra a V. ex.ª.

O sr. Conde de Peniche: — Pedi a palavra unicamente para declarar a V. ex.ª que, se tivesse estado presente na sessão de 19 do corrente, teria votado contra o projecto de lei com que concluiu o parecer da commissão de fazenda, sobre o relatorio apresentado pela mesa, relativamente a negocios de economia interna d'esta camara.

O sr. Casal Ribeiro: — Vou mandar para a mesa o parecer sobre a novação do contrato de 14 de outubro, não sei se a camara o quererá ouvir ler todo.

O sr. Presidente: — Se o digno par quer?

(O digno par o sr. Casal Ribeiro leu o parecer sobre a novação do contrato de 14 de outubro.)

O sr. Presidente: — O parecer que acaba da ser lido manda-se imprimir, e será depois distribuido pelos dignos pares, para que possa em tempo competente ser dado para ordem do dia.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra para lembrar ao sr. ministro das obras publicas, que se acha presente, que visto termos agora um intervallo entre o encerramento d'esta sessão legislativa e a abertura da nova, conviria que s. ex.ª fizesse preparar pela repartição competente um projecto para ser apresentado ás camaras legislativas sobre as linhas ferreas que se devem fazer em Portugal, e cuja construcção deve ser auxiliada pelo estado, quer seja por meio de subvenção, quer por garantia de um minimo do rendimento. O plano geral deve ser approvado pelas côrtes; chamo portanto para este objecto a attenção do sr. ministro.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Castro): — Pediu a palavra unicamente para declarar ao digno par que o projecto a que alludira é um dos trabalhos que de ha muito occupa seriamente a attenção do governo. Podia portanto s. ex.ª ficar certo de que será dentro em pouco tempo presente ás camaras, graduando os diversos, caminhos e estradas que devem ser construidos.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, apresentando-se na tela da discussão a construcção de caminhos de ferro em Portugal, que continuem a desenvolver o seu commercio e industria nas tres provincias d'este paiz que têem sido descuradas apesar da sua grande riqueza, chamo tambem a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o caminho de ferro da Beira, que no meu entender era o primeiro que se devia ter feito, e o de maior importancia; porque é a linha mais curta européa; e a necessidade de nos pôr em communicação com a Europa era uma das primeiras, ou talvez a primeira.

Creio mesmo que uma commissão já foi estudar as directrizes para se fazer esse trabalho, mas até hoje baldados esforços, inuteis os trabalhos, pois cousa alguma tem apparecido ácerca d'este momentoso assumpto. Convinha muito que s. ex.ª o sr. ministro tivesse em toda a consideração este melhoramento indispensavel, porque a linha ferrea mais curta que nos póde ligar com a Europa é sem duvida a que atravessa a Beira pelo districto de Castello Branco pelas planícies e extensas campinas de Idanha a Nova.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Apoiado.

O Orador: — Consta-me que sobre este objecto existem relatorios de engenheiros hespanhoes, que figuram poupar-se talvez 300 kilometros na sua construcção, distancia esta que se encurta, e que torna mais palpitante a vantagem d'esta linha sobre as outras. Se por esta consideração as vantagens são grandes e importantes, não são menores, e menos elevadas, considerando-as economicamente pela grande utilidade que traz a todo o districto de Castello Branco, Beira Alta e Beira Baixa, que ficam mais ligadas e intimas nas suas relações. D'esta fórma as duas Beiras parte riquissima de Portugal, descuradas geralmente nos seus melhoramentos, são consideradas com a construcção d'esta linha.

Para provar a importancia das Beiras, basta lançar um simples relance de olhos para a Covilhã, onde a riqueza ressombra em todos os seus productos e artefactos. Para a Covilhã, para onde o governo decretou a exposição regional dos tres districtos, Castello Branco, Guarda e Vizeu, sob proposta do governador civil de Castello Branco, baseada sobre os seus relatorios minuciossissimos ácerca de todas as desconhecidas riquezas do importante districto que elle hoje administra.

Sr. presidente, o districto de Castello Branco é sem duvida um dos mais importantes do paiz em relação aos seus productos, considerados emquanto á qualidade, e mesmo emquanto á quantidade, apesar dos seus generos abundantes, e de alguns tão preciosos que podem rivalisar em todos os mercados da Europa com os primeiros e mais escolhidos, assim mesmo tem sido considerado pelos governos só para os onus, sem o attenderem nas suas justas exigencias, e o considerarem tambem para as vantagens e melhoramentos. E esta asserção é tão verdadeira que, para provar, basta apenas declarar aqui, na camara, que não tem estrada alguma completa que o ligue com a capital nem com outro districto qualquer.

Por todas estas considerações, peço ao sr. ministro das obras publicas, que se acha presente, que tome debaixo da sua protecção, e a seu cuidado, este assumpto momentoso, e que empregue da sua parte todos os meios, fim de que esta linha ferrea, a que alludi, passe pelo districto de Castello Branco, e nas planícies da Idanha.

Já veiu a Portugal um engenheiro bem conhecido, o sr. Vattier, estudar o traçado mais conveniente para ligar Portugal com a Europa, e este senhor mostrou a necessidade que ha em que o caminho de ferro, que liga a Europa, atravessasse as duas Beiras, mas se não podesse atravessar ambas, pelos menos uma, e se assim fosse as vantagens e interesses já eram grandes para todo o seu desenvolvimento, tanto agricola como fabril, e as estradas districtaes, municipaes e vicinaes, completariam o resto, pondo-se em contacto com a linha ferrea, e fazendo grandes centros de commercio estas esquecidas provincias, lembradas só para as contribuições, pois tem sido sempre descuradas dos poderes publicos, apesar da sua immensa riqueza. E para mostrar, sr. presidente, quão grande é a riqueza da Beira, e com especialidade do districto de Castello Branco, basta dizer que n'estes annos em que tem havido crises alimenticias, em que se tem aberto os portos, e dispensado as leis que regiam a protecção ao lavrador, e que aqui têem estado os cereaes por altos preços, na Beira Baixa principalmente os cereaes têem estado por um preço baratissimo, o trigo, por exemplo, nunca subiu mais de 500 réis, apesar da medida ser maior do que a de Lisboa. Se nós temos dentro do paiz o meio de acudir ás crises alimenticias, fazendo progredir o commercio, e protegendo aquella especie de industria, por que não os havemos de aproveitar? Neste ponto sem duvida tem havido grande falta, immensa negligencia, incuria indesculpavel dos poderes publicos. Isto que digo e pondero á camara com respeito aos cereaes, digo tambem com respeito a outros productos que são geralmente desconhecidos nos nossos mercados.

A lei que já passou nas duas casas do parlamento, a da liberdade 'los vinhos, foi mais um progresso e uma nova conquista de elevada magnitude para o nosso systema todo liberal, e tambem trouxe grande melhoramento a estas provincias, a que me refiro, porque estavam abandonados os seus vinhos, e complemente desconhecidos quando elles são dos melhores que se podem apresentar nos mercados de Lisboa e Porto, por serem vinhos muito alcoólicos, superiores em qualidade; elles não têem aquelle gosto e aroma dos do Porto, mas os vinhos generosos, os vinhos de certa idade approximam-se aos de Jerez e Madeira secco. Para comprovar esta minha asserção eu vou contar á camara e a V. ex.ª, sr. presidente, um caso que se passou commigo: para satisfazer a alguem, mandei para Lisboa amostras de vinhos de 1855, e foram daqui para o Rio de Janeiro, note a camara que os processos naquelle districto para a confecção do vinho estão pouco aperfeiçoados, de fórma que como a uva é muito succarina deitou-se-lhe uma grande quantidade de agua para fermentar, e apesar d'isso, e ainda assim, pagaram-me a 1$800 réis cada garrafa, e mandaram-me fazer encommendas que eu não poude satisfazer porque o vinho passado era apenas uma pequena reserva; já V. ex.ª vê qual é a qualidade e fortaleza d'estes vinhos, que no Rio de Janeiro tem tão boa aceitação, posto terem, como disse, muita agua, porque para aquelles sitios da Beira ainda não estão bem praticos no fabrico do vinho, comtudo com todos estes defeitos vale a garrafa 1$800 réis.

Sr. presidente, parece-me serem muito sufficientes estes exemplos que acabo de apresentar para mostrar qual é a riqueza da Beira, e comprovar por isso qual a grande necessidade que ha em que o caminho de ferro atravesse pelo menos uma das Beiras, a baixa por exemplo, porque a alta vae ter communicação com esta pelas estradas que (graças a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas) vão tomando grande desenvolvimento, e espero que em breve teremos meios mais faceis de communicação entre as duas Beiras; porém, sr. presidente, ainda ennumerarei outro exemplo mais que é em relação á cortiça, genero de commercio que tem tomado grande incremento no districto de Castello Branco, e que n'outras epochas pouco valia; n'outro tempo a cortiça ía só ou para o Algarve ou para Setubal, tinha pouco valor, hoje porém, basta dizer, para não tomar mais tempo á camara, que a porção de cortiça que n'outro tempo se vendia por 1:000$000 réis, vende-se actualmente por réis 20:000$000, e mais, apesar do grande trabalho e custo de transporte para a conduzir a alguns dos portos do Tejo; cada arroba custa de transporte posta á barra do Tejo 100 réis, 200 réis e 400 réis, por aqui póde avaliar a camara quão importante é este commercio, apesar da falta de estradas naquelle districto.

O porto do Tejo onde vem a cortiça toda do districto de Castello Branco é Villa Velha, e apesar d'isso nem essa estrada esta construida.

Collocada a cortiça n'este porto, vem pelo Tejo abaixo de Abrantes e d'ahi para Lisboa; no entanto como vem em jangadas grande parte, em consequencia das cheias, perde-se, e a outra parte tem de estar á espera que haja monção. Attentos todos estes revezes espero, confiando na vontade, zêlo e intelligencia do illustre ministro, que por certo se não esquece d'esta parte principal do paiz (faço a s. ex.ª a justiça que merece), que olhará para este assumpto com a attenção de que elle carece.

Sem duvida sobre este objecto por ora não diria cousa alguma se não se tivesse suscitado a discussão sobre caminhos de ferro em Portugal e sua conveniencia.

Concluirei pois estas limitadas considerações, lembrando ao governo que Portugal é na sua pequena extensão de terreno banhado pelo oceano e cortado por differente rios, e a verdadeira linha ferrea e a mais importante, e a de primeira necessidade, é a que cortar no maior numero de portos possiveis, pondo-nos em contacto e communicação com a Europa; e sem duvida essa linha é a que passa pelo districto de Castello Branco, junto a Idanha, linha que atravessa grande extensão de terrenos ferteis e productivos (apoiados).

O sr. Visconde de Gouveia: — Sr. presidente, já que se fallou em rede de caminhos de ferro, eu chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas para o caminho de ferro da Beira Alta, e parece-me que é essa a verdadeira linha de communicação europeia.

O sr. Vaz Preto: — Apoiado.

O Orador: — Essa communicação tem sido estudada varias vezes nesse sentido, e será ella a mais curta para nos ligar ao resto da Europa. Este caminho atravessará uma provincia fertilissima, rica em productos agricolas, não só em cereaes como em excellentes vinhos, com uma população laboriosa e abundante, e um terreno facil para ser cortado pelo caminho de ferro. Sem contestar a utilidade que resultará ao paiz de melhores ligações com a provincia da Beira Baixa, como o meu amigo o collega, o sr. Vaz Preto, acaba de provar, parece-me que este caminho de ferro deve merecer a attenção dos poderes publicos, porque já differentes companhias, em diversas epochas, têem tentado fazer esse caminho, e isso mostra que acham alguma utilidade em o construir. Não me demorarei em mais considerações sobre este objecto, porque são obvias, mas visto que se tratava de caminhos de ferro não pude deixar de tocar n'este ponto.

Por esta occasião, já que fallei no terreno por onde deve passar este caminho de ferro, chamarei a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o estado lastimoso em que se acham as estradas no districto da Guarda.

O districto de Vizeu esta já communicado com um caminho de ferro, e tem muito adiantadas as obras da maior parte das estradas, emquanto o districto da Guarda tem as estradas votadas por lei, mas não tem uma unica estrada concluida, nem tem uma diligencia, esta fóra de toda a communicação com o caminho de ferro.

Eu conheço a actividade do sr. ministro das obras publicas, e sei mesmo que tem dado providencias a este respeito. Os abusos nas obras das estradas são muitos; os empreiteiros têem abusado excessivamente nas concessões que se lhe tem feito por diversas vezes, e só com uma medida energica é que se póde pôr cobro aos inconvenientes a que alludo.

Aproveitei esta occasião para lembrar ao sr. ministro das obras publicas os factos que apontei, a fim de que s. ex.ª tome as providencias necessarias para que aquelle districto possua as estradas que lhe estão votadas.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, o que disse o meu amigo o sr. Vaz Preto é de toda a verdade.