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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
SESSÃO DE 23 DE DEZEMBRO DE 1865
PRESIDENCIA DO EX.MO Sr. CONDE DE LAVRADIO
Secretarios, os dignos pares
Marquez de Vallada
Jayme Larcher
Ás duas horas e meia da tarde, sendo presentes 21 dignos pares, declarou o sr. presidente aberta a sessão.
Lida a acta da precedente, foi julgada approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.
O sr. Presidente: — Peço desculpa á camara de não ter aberto hoje a sessão á hora marcada no regimento. Não o fiz porque tive de acompanhar a deputação que foi ao paço, a qual Sua Magestade se dignou receber com a costumada benevolencia.
O sr. Secretario (Marquez de Vallada): — Deu conta da seguinte correspondencia.
Um officio do ministerio do reino, participando á camara dos dignos pares, que Sua Magestade El-Rei Regente houve por bem determinar se encerrassem as sessões das côrtes geraes da nação portugueza, no dia 26 do corrente mez de dezembro, pela uma hora da tarde, tendo logar a sessão de encerramento na camara dos senhores deputados, e por commissão delegada no presidente do conselho.
Um officio do ministerio do reino, em resposta ao requerimento do digno par marquez de Sabugosa, e ao officio de 15 de dezembro corrente, participando que não existem n'aquella societária d'estado os regulamentos porque se fez o registo civil nos Açores, mas que se pediam aos respectivos governadores civis e opportunamente serão enviados.
O sr. Presidente: — Os dignos pares ficam scientes de que a sessão de encerramento deve ter logar no dia 26 pela uma hora da tarde na sala das sessões da camara dos senhores deputados.
O sr. Conde de Linhares: — Sr. presidente, mando para a mesa o seguinte requerimento, que passo a ler.
E o seguinte:
REQUERIMENTO
Requeiro que pela secretaria d'estado dos negocios da marinha, seja enviada a esta camara uma relação dos castigos corporaes que têm soffrido as praças da armada, desde 1863 até ao presente, e assim tambem nota dos conselhos em que esses castigos foram arbitrados. No caso de se ter arbitrado algum castigo de varadas(sem conselho disciplinar, requeiro igualmente essa nota acompanhada da relação do numero de varadas.
Sala da Camara dos pares, 23 de dezembro. = Conde de Linhares.
Consultada a camara, foi admittido, e expediu-se.
O sr. Visconde de Gouveia: — Pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte proposta (leu). Eu peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da guerra, porque esta proposta de lei diz respeito a alguns convencionados de Evora Monte, a quem não foi ainda extensiva a medida adoptada para outros, e eu tenho toda a confiança em que o illustre ministro ha de querer valer a estes desgraçados. Eu, sr. presidente, confio pouco no resultado d'estas propostas de iniciativa particular, mas como tenho toda a confiança na benevolencia do illustre ministro, mando esta proposta para a mesa, não duvidando do seu resultado.
O sr. Presidente: — Quando estiver presente o sr. ministro da guerra, darei a palavra a V. ex.ª.
O sr. Conde de Peniche: — Pedi a palavra unicamente para declarar a V. ex.ª que, se tivesse estado presente na sessão de 19 do corrente, teria votado contra o projecto de lei com que concluiu o parecer da commissão de fazenda, sobre o relatorio apresentado pela mesa, relativamente a negocios de economia interna d'esta camara.
O sr. Casal Ribeiro: — Vou mandar para a mesa o parecer sobre a novação do contrato de 14 de outubro, não sei se a camara o quererá ouvir ler todo.
O sr. Presidente: — Se o digno par quer?
(O digno par o sr. Casal Ribeiro leu o parecer sobre a novação do contrato de 14 de outubro.)
O sr. Presidente: — O parecer que acaba da ser lido manda-se imprimir, e será depois distribuido pelos dignos pares, para que possa em tempo competente ser dado para ordem do dia.
O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, pedi a palavra para lembrar ao sr. ministro das obras publicas, que se acha presente, que visto termos agora um intervallo entre o encerramento d'esta sessão legislativa e a abertura da nova, conviria que s. ex.ª fizesse preparar pela repartição competente um projecto para ser apresentado ás camaras legislativas sobre as linhas ferreas que se devem fazer em Portugal, e cuja construcção deve ser auxiliada pelo estado, quer seja por meio de subvenção, quer por garantia de um minimo do rendimento. O plano geral deve ser approvado pelas côrtes; chamo portanto para este objecto a attenção do sr. ministro.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Conde de Castro): — Pediu a palavra unicamente para declarar ao digno par que o projecto a que alludira é um dos trabalhos que de ha muito occupa seriamente a attenção do governo. Podia portanto s. ex.ª ficar certo de que será dentro em pouco tempo presente ás camaras, graduando os diversos, caminhos e estradas que devem ser construidos.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, apresentando-se na tela da discussão a construcção de caminhos de ferro em Portugal, que continuem a desenvolver o seu commercio e industria nas tres provincias d'este paiz que têem sido descuradas apesar da sua grande riqueza, chamo tambem a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o caminho de ferro da Beira, que no meu entender era o primeiro que se devia ter feito, e o de maior importancia; porque é a linha mais curta européa; e a necessidade de nos pôr em communicação com a Europa era uma das primeiras, ou talvez a primeira.
Creio mesmo que uma commissão já foi estudar as directrizes para se fazer esse trabalho, mas até hoje baldados esforços, inuteis os trabalhos, pois cousa alguma tem apparecido ácerca d'este momentoso assumpto. Convinha muito que s. ex.ª o sr. ministro tivesse em toda a consideração este melhoramento indispensavel, porque a linha ferrea mais curta que nos póde ligar com a Europa é sem duvida a que atravessa a Beira pelo districto de Castello Branco pelas planícies e extensas campinas de Idanha a Nova.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Apoiado.
O Orador: — Consta-me que sobre este objecto existem relatorios de engenheiros hespanhoes, que figuram poupar-se talvez 300 kilometros na sua construcção, distancia esta que se encurta, e que torna mais palpitante a vantagem d'esta linha sobre as outras. Se por esta consideração as vantagens são grandes e importantes, não são menores, e menos elevadas, considerando-as economicamente pela grande utilidade que traz a todo o districto de Castello Branco, Beira Alta e Beira Baixa, que ficam mais ligadas e intimas nas suas relações. D'esta fórma as duas Beiras parte riquissima de Portugal, descuradas geralmente nos seus melhoramentos, são consideradas com a construcção d'esta linha.
Para provar a importancia das Beiras, basta lançar um simples relance de olhos para a Covilhã, onde a riqueza ressombra em todos os seus productos e artefactos. Para a Covilhã, para onde o governo decretou a exposição regional dos tres districtos, Castello Branco, Guarda e Vizeu, sob proposta do governador civil de Castello Branco, baseada sobre os seus relatorios minuciossissimos ácerca de todas as desconhecidas riquezas do importante districto que elle hoje administra.
Sr. presidente, o districto de Castello Branco é sem duvida um dos mais importantes do paiz em relação aos seus productos, considerados emquanto á qualidade, e mesmo emquanto á quantidade, apesar dos seus generos abundantes, e de alguns tão preciosos que podem rivalisar em todos os mercados da Europa com os primeiros e mais escolhidos, assim mesmo tem sido considerado pelos governos só para os onus, sem o attenderem nas suas justas exigencias, e o considerarem tambem para as vantagens e melhoramentos. E esta asserção é tão verdadeira que, para provar, basta apenas declarar aqui, na camara, que não tem estrada alguma completa que o ligue com a capital nem com outro districto qualquer.
Por todas estas considerações, peço ao sr. ministro das obras publicas, que se acha presente, que tome debaixo da sua protecção, e a seu cuidado, este assumpto momentoso, e que empregue da sua parte todos os meios, fim de que esta linha ferrea, a que alludi, passe pelo districto de Castello Branco, e nas planícies da Idanha.
Já veiu a Portugal um engenheiro bem conhecido, o sr. Vattier, estudar o traçado mais conveniente para ligar Portugal com a Europa, e este senhor mostrou a necessidade que ha em que o caminho de ferro, que liga a Europa, atravessasse as duas Beiras, mas se não podesse atravessar ambas, pelos menos uma, e se assim fosse as vantagens e interesses já eram grandes para todo o seu desenvolvimento, tanto agricola como fabril, e as estradas districtaes, municipaes e vicinaes, completariam o resto, pondo-se em contacto com a linha ferrea, e fazendo grandes centros de commercio estas esquecidas provincias, lembradas só para as contribuições, pois tem sido sempre descuradas dos poderes publicos, apesar da sua immensa riqueza. E para mostrar, sr. presidente, quão grande é a riqueza da Beira, e com especialidade do districto de Castello Branco, basta dizer que n'estes annos em que tem havido crises alimenticias, em que se tem aberto os portos, e dispensado as leis que regiam a protecção ao lavrador, e que aqui têem estado os cereaes por altos preços, na Beira Baixa principalmente os cereaes têem estado por um preço baratissimo, o trigo, por exemplo, nunca subiu mais de 500 réis, apesar da medida ser maior do que a de Lisboa. Se nós temos dentro do paiz o meio de acudir ás crises alimenticias, fazendo progredir o commercio, e protegendo aquella especie de industria, por que não os havemos de aproveitar? Neste ponto sem duvida tem havido grande falta, immensa negligencia, incuria indesculpavel dos poderes publicos. Isto que digo e pondero á camara com respeito aos cereaes, digo tambem com respeito a outros productos que são geralmente desconhecidos nos nossos mercados.
A lei que já passou nas duas casas do parlamento, a da liberdade 'los vinhos, foi mais um progresso e uma nova conquista de elevada magnitude para o nosso systema todo liberal, e tambem trouxe grande melhoramento a estas provincias, a que me refiro, porque estavam abandonados os seus vinhos, e complemente desconhecidos quando elles são dos melhores que se podem apresentar nos mercados de Lisboa e Porto, por serem vinhos muito alcoólicos, superiores em qualidade; elles não têem aquelle gosto e aroma dos do Porto, mas os vinhos generosos, os vinhos de certa idade approximam-se aos de Jerez e Madeira secco. Para comprovar esta minha asserção eu vou contar á camara e a V. ex.ª, sr. presidente, um caso que se passou commigo: para satisfazer a alguem, mandei para Lisboa amostras de vinhos de 1855, e foram daqui para o Rio de Janeiro, note a camara que os processos naquelle districto para a confecção do vinho estão pouco aperfeiçoados, de fórma que como a uva é muito succarina deitou-se-lhe uma grande quantidade de agua para fermentar, e apesar d'isso, e ainda assim, pagaram-me a 1$800 réis cada garrafa, e mandaram-me fazer encommendas que eu não poude satisfazer porque o vinho passado era apenas uma pequena reserva; já V. ex.ª vê qual é a qualidade e fortaleza d'estes vinhos, que no Rio de Janeiro tem tão boa aceitação, posto terem, como disse, muita agua, porque para aquelles sitios da Beira ainda não estão bem praticos no fabrico do vinho, comtudo com todos estes defeitos vale a garrafa 1$800 réis.
Sr. presidente, parece-me serem muito sufficientes estes exemplos que acabo de apresentar para mostrar qual é a riqueza da Beira, e comprovar por isso qual a grande necessidade que ha em que o caminho de ferro atravesse pelo menos uma das Beiras, a baixa por exemplo, porque a alta vae ter communicação com esta pelas estradas que (graças a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas) vão tomando grande desenvolvimento, e espero que em breve teremos meios mais faceis de communicação entre as duas Beiras; porém, sr. presidente, ainda ennumerarei outro exemplo mais que é em relação á cortiça, genero de commercio que tem tomado grande incremento no districto de Castello Branco, e que n'outras epochas pouco valia; n'outro tempo a cortiça ía só ou para o Algarve ou para Setubal, tinha pouco valor, hoje porém, basta dizer, para não tomar mais tempo á camara, que a porção de cortiça que n'outro tempo se vendia por 1:000$000 réis, vende-se actualmente por réis 20:000$000, e mais, apesar do grande trabalho e custo de transporte para a conduzir a alguns dos portos do Tejo; cada arroba custa de transporte posta á barra do Tejo 100 réis, 200 réis e 400 réis, por aqui póde avaliar a camara quão importante é este commercio, apesar da falta de estradas naquelle districto.
O porto do Tejo onde vem a cortiça toda do districto de Castello Branco é Villa Velha, e apesar d'isso nem essa estrada esta construida.
Collocada a cortiça n'este porto, vem pelo Tejo abaixo de Abrantes e d'ahi para Lisboa; no entanto como vem em jangadas grande parte, em consequencia das cheias, perde-se, e a outra parte tem de estar á espera que haja monção. Attentos todos estes revezes espero, confiando na vontade, zêlo e intelligencia do illustre ministro, que por certo se não esquece d'esta parte principal do paiz (faço a s. ex.ª a justiça que merece), que olhará para este assumpto com a attenção de que elle carece.
Sem duvida sobre este objecto por ora não diria cousa alguma se não se tivesse suscitado a discussão sobre caminhos de ferro em Portugal e sua conveniencia.
Concluirei pois estas limitadas considerações, lembrando ao governo que Portugal é na sua pequena extensão de terreno banhado pelo oceano e cortado por differente rios, e a verdadeira linha ferrea e a mais importante, e a de primeira necessidade, é a que cortar no maior numero de portos possiveis, pondo-nos em contacto e communicação com a Europa; e sem duvida essa linha é a que passa pelo districto de Castello Branco, junto a Idanha, linha que atravessa grande extensão de terrenos ferteis e productivos (apoiados).
O sr. Visconde de Gouveia: — Sr. presidente, já que se fallou em rede de caminhos de ferro, eu chamo a attenção do sr. ministro das obras publicas para o caminho de ferro da Beira Alta, e parece-me que é essa a verdadeira linha de communicação europeia.
O sr. Vaz Preto: — Apoiado.
O Orador: — Essa communicação tem sido estudada varias vezes nesse sentido, e será ella a mais curta para nos ligar ao resto da Europa. Este caminho atravessará uma provincia fertilissima, rica em productos agricolas, não só em cereaes como em excellentes vinhos, com uma população laboriosa e abundante, e um terreno facil para ser cortado pelo caminho de ferro. Sem contestar a utilidade que resultará ao paiz de melhores ligações com a provincia da Beira Baixa, como o meu amigo o collega, o sr. Vaz Preto, acaba de provar, parece-me que este caminho de ferro deve merecer a attenção dos poderes publicos, porque já differentes companhias, em diversas epochas, têem tentado fazer esse caminho, e isso mostra que acham alguma utilidade em o construir. Não me demorarei em mais considerações sobre este objecto, porque são obvias, mas visto que se tratava de caminhos de ferro não pude deixar de tocar n'este ponto.
Por esta occasião, já que fallei no terreno por onde deve passar este caminho de ferro, chamarei a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre o estado lastimoso em que se acham as estradas no districto da Guarda.
O districto de Vizeu esta já communicado com um caminho de ferro, e tem muito adiantadas as obras da maior parte das estradas, emquanto o districto da Guarda tem as estradas votadas por lei, mas não tem uma unica estrada concluida, nem tem uma diligencia, esta fóra de toda a communicação com o caminho de ferro.
Eu conheço a actividade do sr. ministro das obras publicas, e sei mesmo que tem dado providencias a este respeito. Os abusos nas obras das estradas são muitos; os empreiteiros têem abusado excessivamente nas concessões que se lhe tem feito por diversas vezes, e só com uma medida energica é que se póde pôr cobro aos inconvenientes a que alludo.
Aproveitei esta occasião para lembrar ao sr. ministro das obras publicas os factos que apontei, a fim de que s. ex.ª tome as providencias necessarias para que aquelle districto possua as estradas que lhe estão votadas.
O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, o que disse o meu amigo o sr. Vaz Preto é de toda a verdade.
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A provincia da Beira Baixa é muito rica, e tem tido progressos em agricultura consideraveis, entretanto não tem, póde-se dizer, uma estrada (O sr. Vaz Preto: — Apoiados.) O que admira é que trabalhando-se ha tantos annos n'aquella que deve conduzir de Castello Branco a Villa Velha, que é o porto da Beira Baixa, não esteja ainda concluida. (O sr. Vaz Preto: — Apoiados).
O Orador: — Já tinha pedido ao sr. ministro das obras publicas que apresentasse ao corpo legislativo um projecto geral de estradas de ferro na qual devem ser comprehendidas a internacionaes. No Alemtejo não ha a este respeito nada a propor. Ao norte do Tejo ha a fazer o caminho que deve partir a linha de leste áquem do Zezere, passar por Abrantes e Castello Branco até á fronteira, sempre pelo norte do Tejo, e da raia por Coria a Placencia. O governo hespanhol fez a concessão da linha de Madrid a Placencia. A outra linha, ao norte do Tejo, é a da Beira Alta, que é a mais importante, como disse o sr. visconde de Gouveia, e que é aquella por onde deviamos ter começado. Eu já tive occasião de dizer que nos projectos de caminhos de ferro internacionaes não tem havido a devida attenção com as considerações militares concernentes á defeza do nosso paiz á similhança do que sempre se tem praticado nos outros estados quando se trata da construcção de taes linhas. A nossa primeira linha internacional devia ser a Beira Alta, como disse o sr. visconde de Gouveia; devia ter seguido pelo Valle do Mondego á vizinhança de Almeida, para de ali seguir para Salamanca e Valladolid. Por ella comparada com a linha de Badajoz a Ciudad Real, se encurtaria uma distancia de sessenta a setenta leguas, entre Lisboa e a França.
A outra linha internacional deve ser a do Porto, a Traz os Montes, indo da Regua por Bragança, e não aquella em que se tem fallado, pelo valle do Douro á Barca de Alva, fazendo-se sobre o Douro uma ponte mui despendiosa para ir fazer concorrencia á da Beira Alta, em Salamanca. Esta estrada de ferro seguindo pela extrema da provincia seria para ella a menos util. Emquanto que a linha que partindo do Porto á Regua ou ao Pinhão, fosse pelo centro da provincia, adoptando-se o systema que se esta levando a effeito nos Alpes, no Monte Cenis, por ser paiz montanhoso, podia passar por Villa Real, Mirandella e Bragança, indo ligar-se com o caminho de ferro, já concedido de Zamora a Orense, que deverá passar a poucas leguas de Bragança ficando assim o norte de Portugal ligado á rede hespanhola da via ferrea.
Parece-me que as linhas internacionaes que temos a construir ao norte do Tejo são as seguintes: a que por Constância, Abrantes, Mação e Castello Branco se dirigirá por Caria e Placencia a Madrid; esta será a linha mais curta de Lisboa a Madrid. Em segundo logar a linha pelo valle do Mondego ás vizinhanças de Almeida, indo por Salamanca entroncar na linha do norte de Hespanha. Em terceiro logar a do Porto á Regua ou do Pinhão a Bragança, indo entroncar com a linha hespanhola. Em quarto a do Porto a Guimarães e Braga, indo a Valença entroncar com a linha de Hespanha.
Quanto á linha do Porto á Regua, entendo que se não deve procurar leva-la pela margem do Douro; mas interna-la quanto seja possivel, partindo da estação que se diz dever fazer-se no campo de Cirne e leva-la ao valle do rio Sousa, onde se bifurcaria, indo uma linha para Guimarães e Braga e outra pela proximidade de Penafiel a passar o Tamega, e pelas faldas do Marão á Regua ou Pinhão a Bragança.
Aqui esta o que me parece mais economico e util sob diversos pontos de vista.
Emquanto ás outras linhas que devem ligar com esta, entendo que o governo não deve tomar por ora resolução alguma.
O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, pedi de novo a palavra para responder ao digno par, o sr. visconde de Gouveia, que muito respeito, mas cujas considerações me parecem um pouco inexactas.
Sr. presidente, eu estou inteiramente convencido que a provincia da Beira Alta é importante nas suas producções, mas na confrontação com as da Beira Baixa não creio ter rasões de preferencia.
Emquanto porém á directriz mais curta para a Europa, esta sem duvida s. ex.ª completamente illudido, pois os relatorios dos engenheiros sobre o traçado do caminho de ferro que deve ligar com a Hespanha por Almeida, ou que deve ligar com a Hespanha pelo districto de Castello Branco, são differentes nas considerações emquanto á sua importancia, e emquanto á linha européa não ha duvida nem contestação que a que passar pela Idanha é a mais curta e menos extensa. O caminho de ferro que deve ligar por Almeida é importante, e eu desejo muito que se realise, mas o que deve seguir pela Beira Baixa tem muito maiores vantagens, porque é a linha mais curta que nos ligará com a Europa, como se mostra pelo relatorio dos engenheiros que me parecem n'este ponto serem a expressão da opinião do intelligente engenheiro francez Vathier.
N'esta linha poupam-se 300 kilometros; consideração esta que não deve ficar desattendida, porquanto os terrenos que atravessa são ferteis e abundantes. Esta linha a que chamam a do Valle do Teso, seria ainda mais curta partindo do Crato, comtudo a defeza do paiz indicaria antes o ponto de Abrantes, questão em que não entro, deixando o seu desenvolvimento para as pessoas technicas; comtudo se attendermos ao custo da construcção só a do Crato, tendo mais curta extensão que percorrer e o terreno mais accidentado custaria sem duvida menos despeza, porque ía lançar-se nas vastas planicies da Idanha, e o que era certamente de mais facil construcção.
Eu não podia deixar do chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, sobre esta grande necessidade, de um caminho de ferro por aquella provincia, porque alem de outras vantagens, tem a de ser como já disse muito mais corto. E já que o sr. visconde de Gouveia quiz exaltar a provincia da Beira Alta, por causa da producção do azeite, direi tambem que um dos productos porque é mais conhecido o districto de Castello Branco, e que mais o exalta é o seu azeite, não só pela sua qualidade, mas tambem pela sua abundancia e quantidade Elle rivalisa com todo o azeite lá de fóra, e tanto que na exposição de Londres, de Portugal só o azeite d'aquelle districto foi premiado; e se nós tivessemos communicações mais desenvolvidas, e estrado um pouco melhores, poderiamos fazer uma grande exportação d'aquelle azeite, competindo em concorrencia com o melhor da Italia, porque as grandes casas inglezas, onde o azeite da Beira Baixa é conhecido e apreciado, tem feito grandes encommendas, pedindo que lho colloquem nos portos de Londres ou pelo mesmo em Lisboa ou Porto, mas como não temos estradas, não podemos fazer este genero de commercio com aquellas vantagens que se nos proporcionam. Por consequencia, já o governo vê a necessidade instante daquelle caminho passar por ali, e demais que tem a seu favor ser o caminho mais curto para a communicação.
Como não quiz deixar passar desapercebido este ponto, por isso chamei a attenção do sr. ministro das obras publicas sobre elle. Não entro na questão, como fez o nobre marquez de Sá, se se deve seguir o valle do Tejo, porque, segundo s. ex.ª disse, não só se poupavam alguns kilometros, mas havia a vantagem e utilidade de o collocar mais apto para a defeza do paiz.
Não quero entrar na apreciação se deve haver um ramal do Crato por Idanha; para mim é indifferente, comtanto que passe a linha ferrea por aquelle districto. Sendo assim geraes e palpitantes as vantagens d'esta linha, seria conveniente que o nosso governo tratasse com o hespanhol, com urgencia, e decidisse com brevidade a linha que se deveria adoptar, e fazendo esforços para que fosse esta; e creio até que será aceite, porque essa é a opinião ali geralmente seguida.
Se o governo attender, como espero, para este districto, desenvolvendo-lhe a sua riqueza, augmentar-lhe-ha o seu rendimento collectavel, e terá mais esta fonte de receita.
O sr. ministro das obras publicas já acabou de mostrar a sua actividade e bons desejos, decretando a exposição da Covilhã, que ha de dar grandes resultados ao paiz (apoiados).
Espero pois que continue e complete a sua obra, apressando e fazendo concluir as estradas do districto de Castello Branco, que apesar de possuir um empregado diligentíssimo e intelligente (refiro-me ao director das obras publicas), por falta de meios o pessoal não tem feito tanto quanto desejava.
O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Sr. presidente, no Alemtejo existe a linha internacional que passa por Badajoz, e esta contratada a linha tambem internacional que deve passar pela vizinhança de Serpa e da Aldeia Nova para a Andaluzia. Ora a distancia dos pontos da fronteira onde passam estas duas linhas, entre si é pouco mais ou menos igual á distancia que ha de um ponto da fronteira proximo a Castello Branco e outro ponto da fronteira proximo a Almeida; portanto mais rasão ha de haver duas linhas nas Beiras do que no Alemtejo, que é muito menos povoado e rico do que aquellas duas provincias.
Faço esta observação porque, pelo que disseram os dignos pares, os srs. Visconde de Gouveia e Vaz Preto, pareceu-me que pensam que só deveria haver uma só linha internacional entre o Tejo e o Douro, e eu entendo que deve haver duas. Emquanto ás considerações feitas pelo digno par o sr. Vaz Preto, sobre a linha passar da Beira Baixa ao Alemtejo, eu acho que isso não deve fazer-se, e que convem que ella siga sempre pelo norte do Tejo, por considerações militares. Por se não haver dado attenção a estas, quando se construiu a linha de leste, resulta que poderá acontecer, que a primeira praça de guerra do reino, que é Elvas, no caso de haver hostilidades com a potencia vizinha, venham a ter interceptadas as suas communicações acceleradas com a capital no primeiro dia em que tiverem logar, pois que bastava um esquadrão de cavallaria que passe a fronteira para o poder fazer dentro de poucas horas.
Foi um grande erro que se commetteu, como o demonstrei n'esta camara quando se discutiu o contrato, o permittir que a linha de leste fosse construida na proximidade da fronteira, desde Portalegre até Elvas.
Não devemos continuar a desattender as considerações militares, se a linha que viesse de Castello Branco a Abrantes tivesse a sua directriz pelo Crato, aconteceria que na primeira invasão hostil no Alemtejo o inimigo apossar-se-ia ao mesmo tempo das communicações de Lisboa com Elvas e com a Beira Baixa. Portanto, quando se tratar da construcção de caminhos de ferro internacionaes, é preciso fazer o que se faz em outros paizes, que é consultar o ministro das obras publicas o da guerra.
No contrato primitivo da linha de leste remediou El-Rei o Senhor D. Pedro V uma parte do mal, pois que havia-se concedido que a linha entrasse em Hespanha nas vizinhanças de Arronches. Se tal assim se fizesse a estrada de ferro poderia permittir que no reino se introduzissem forças inimigas sem que á sua entrada pela via ferrea se podesse fazer immediata opposição.
O Senhor D. Pedro V depois do contrato concluido tendo meditado sobre este assumpto, reuniu no seu gabinete o ministro da guerra, que então era o sr. duque da Terceira; o sr. duque de Saldanha, membro da direcção da companhia dos caminhos de ferro; o sr. general Costa, commandante dos engenheiros, e eu. N'esta conferencia, depois de uma longa discussão, conseguiu-se que se determinasse que a linha fosse passar ao alcance da artilheria da praça de Elvas. Sua Magestade evitou assim que fosse consummado um grande erro.
Quando ultimamente fui ministro da guerra, officiei ao sr. ministro das obras publicas, pedindo-lhe que estabelecesse no seu ministerio como regra geral, que não se concluisse contrato algum de linhas ferreas internacionaes, sem que fosse consultado o ministro da guerra. Quando saí do ministerio ainda não tinha recebido resposta a este officio, porém o ministerio das obras publicas actual poderá, se assim o entender, estabelecer a solicita regra.
O sr. Ministro das Obras Publicas: — Expoz sobre a discussão que actualmente tinha logar, que a camara podia acreditar que elle orador muito apreciava estas conversações sobre o melhor acerto nas directrizes dos caminhos de ferro, das quaes resultam indubitavelmente as melhores idéas para se levar a effeito o que mais conveniente for ao paiz. Devia comtudo dizer, sem offensa dos dignos pares que fallaram sobre tão momentoso e transcendente assumpto, que elle orador não podia deixar de se cingir sempre n'estes negocios ao conselho de obras publicas, que é o corpo scientifico (O sr. Marquez de Sá — Mas não o é no ponto militar.); é o corpo competente, não quer isto dizer que não devam ser tomadas em muita consideração as idéas do nobre marquez, e bem assim as dos dignos pares visconde de Gouveia e Vaz Preto Geraldes. Todas essas idéas elle orador estima em muito, e diz até que ellas hão de reflectir na repartição competente, mesmo para se attender á opinião agora emittida, de que se devem graduar as estradas. (O sr. Marquez de Sá: — Sim, sim.) Numa palavra, tudo aquillo em que se accordar ha de vir ás camaras legislativas, e no parlamento é que se ha de decidir.
Ninguem duvida de que a primeira necessidade hoje é o caminho de ferro do Douro, para ir á Barca d'Alva; não para seguir cegamente a margem do Douro, porque se póde desviar mais para o centro e atravessar povoações muito interessantes, mas este caminho é sempre de primeira necessidade, e por maiores que sejam as relações internacionaes, s. ex.ª é bastante esclarecido para saber que o não são tanto como as nacionaes, por isso mesmo que estas é que dão talvez tres quartas partes do alimento que devem ter as estradas de ferro (apoiados.) E este o primeiro ponto, assim como tambem deve dizer que se cuida em estudar outros, como o da via ferrea que deve ir a Almeida, e a que deve seguir para o norte, pelo menos até Braga, mas sempre n'aquella direcção. Finalmente o que elle, orador, affiança é, que de tudo isso se cuida, se procura e muito deseja acertar, para dar preferencia ao que for mais util. Tudo isto porém não póde deixar de ser encaminhado por um corpo scientifico, por um corpo que de mais a mais dá todas as garantias de que não tem outros cuidados politicos senão estes. (Uma voz: — N'isso tem rasão).
Concluindo pois, diria que, quando os estudos chegarem ao seu verdadeiro estado de maturidade, hão de ser presentes ás côrtes, e então cada um dos membros das camaras dará o seu voto com toda a liberdade, como é de rasão. (Vozes: — Muito bem)
O sr. Presidente: — Está levantada a sessão, cumprindo-me lembrar aos dignos pares que no dia 26, á uma hora, da tarde, devemos estar reunidos na sala das sessões da camara dos senhores deputados, para o fim de se levar a effeito o encerramento da actual sessão legislativa, conforme se acha ordenado.
Eram quatro horas da tarde.
Relação dos dignos pares presentes á sessão de 23 de dezembro de 1865
Ex.mos srs. Conde de Lavradio.
Conde de Castro.
Duque de Loulé.
Marquez de Alvito.
Marquez de Fronteira.
Marquez de Niza.
Marquez de Sabugosa.
Marquez de Sá da Bandeira.
Marquez de Sousa Holstein.
Marquez de Vallada.
Conde d'Alva.
Conde d’Avila.
Conde de Fonte Nova.
Conde de Linhares.
Conde da Louzã.
Conde de Paraty.
Conde de Peniche.
Conde da Ponte.
Conde do Sobral.
Visconde de Algés.
Visconde de Chancelleiros.
Visconde de Condeixa.
Visconde de Gouveia.
Visconde de Lagoaça.
Barão de Villa Nova de Foscôa.
Francisco Simões Margiochi.
Jayme Larcher.
José Augusto Braamcamp.
José da Costa Sousa Pinto Basto.
José Joaquim dos Reis e Vasconcellos.
José Lourenço da Luz.
José Maria do Casal Ribeira.
Luiz de Castro Guimarães.
Manuel Antonio Vellez Caldeira Castello Branco.
Manuel José Vaz Preto Geraldes.
Vicente Ferrer Netto Paiva.