DIARIO DO GOVERNO. 903
adiar a sua discussão, e exame para quando se tratar da instrucção superior, como materia connexa e dependente della, e tambem por ser esta a primitiva intenção do governo de Sua Magestade, manifestada na ulterior discussão deste projecto.
Dignos pares do reino, a Carta constitucional da monarchia, que julgou de utilidade publica o garantir essa respeitavel camara, e os elementos de que ella é formada, tambem garantio por motivos poderosos de conveniencia publica a unica universidade então, e ainda hoje existente em Portugal; porem se as medidas legislativas pendentes não forem corrigidas, ou reformadas, esta garantia constitucional ficará illusoria, e a universidade sujeita a uma tutela estranha.
Sède cautelosos em tocar com mão inconsiderada nesta arca de aliança literraria e scientifica, monumento inabalavel da solicitude de alguns dos vossos inclitos maiores e dos augustos réis deste reino; evitar abalar esta antiquissima e frondosa arvore, a cuja sombra tem medrado as gerações presentes, e passadas, e ainda, hão de vigorar as futuras. Da universidade de Coimbra: em claustro pleno de vinte e quatro de maio de mil oitocentos quarenta e tres. - Conde de Terena, reitor - Luiz Manoel Soares, primeiro lente e decano do theologia - João Thomás de Sousa Lobo, lente cathedratico da faculdade de theologia - Antonio Corrêa Godinho, lente cathedratico da mesma faculdade - José Xavier Cerveira e Sousa, lente cathedratico em mesma faculdade - José Manoel de Lemos, lente substituto da mesma faculdade - José Ernesto de Carvalho e Rego, lente substituto da mesma faculdade - Manoel de Serpa Machado, lente de prima, decano e director da faculdade de direito - Guilherme, bispo eleito de Leiria e lente cathedratico da faculdade de direito - Basilho Alberto de Sousa Pinto, lente cathedratico da faculdade de direito - Antonio Ribeiro de Liz Teixeira, lente cathedratico da faculdade de direito: - Manoel Antonio Coelho da Rocha, lente cathedratico da faculdade de direito
- José Machado d'Abreu, lente cathedratico da faculdade de direito - Joaquim dos Reis, lente cathedratico da faculdade de direito - Vicente Ferrer Neto Paiva, lente cathedratico da faculdade da direito - Antonio Nunes de Carvalho, lente cathedratico da mesma faculdade - Francisco Ferreira de Carvalho, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Adrião Pereira Forjaz de Sampayo, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Francisco José Duarte Nazareth, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Antonio da Cunha Pereira Bandeira de Neiva, lente substituto da faculdade de direito - José Manoel Ruas, lente substituto da faculdade de direito - Vicente José de Seiça Almeida e Silva, lente substituiu ordinario da faculdade de direito - Joaquim Urbano de Sampayo lente substituito da faculdade de direito - Justino Antonio de Freitas, lente substituto extraordinario - Domingos José de Sousa Magalhães, lente substituto extraoirdario - João de Sande Magalhães Mexia Salema, lente substituto extraordinario da faculdade de direito -Antonio Joaquim de Campos, decano da faculdade de medicina - João Alberto de Azevedo, lente cathedratico da faculdade de medicina - Antonio Joaquim Barjona, lente cathedratico da faculdade de medicina - Sebastião de Almeida e Silva, lente cathedratico da faculdade de medicina - Jeronymo José de Mello, lente cathedratico de medicina - Florencio Peres Furtado Galvão, lente cathedratico de medicina Francisco Fernandes da Costa, lente cathedratico de medicina - Cesario Augusto de Azevedo Pereira, lente cathedratico da faculdade de medicina -João Maria Baptista Calisto, primeiro lente substituto ordinario - Agnello Gaudencio da Silva Barreto, segundo lente substituto ordinario - Antonio Honorato de Carla e Moura, lente jubilado de mathematica - Agostinho José Pinto de Miranda, lente de prima e decano, da faculdade de mathematica -Francisco de Castro Freire, lente cathedratico da faculdade de mathematica - José Maria Baldy, lente substituto ordinario da faculdade de mathematica - Abilio Affonso da Silva Monteiro, lente substituto ordinario da faculdade de mathematica - Joaquim Gonçalves Mamede, lente substituto extraordinario da faculdade de mathematica - Manoel Martins Bandeira lente de prima e director da faculdade de philosophia
- Fortunato Rafael Pereira de Sena, lente cathedratico da faculdade de philosophia - Luiz Ferreira Pimentel, lente cathedratico de philosophia - Roque Joaquim Fernandes Thomás,
lente cathedratico da mesma faculdade - Manoel Marques de Figueiredo, lente cathedratico da mesma faculdade -Pedro Norberto Corrêa Pinto de Almeida, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Antonio José Rodrigues Vidal, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Henrique do Couto de Almeida Valle, terceiro lente substituto ordinario da faculdade de philosophia - José Maria de Abreu, quarto lente substituto ordinario da faculdade de philosophia.
Dignos pares do reino: - Os habitantes de Coimbra tremeram pela sua conservarão e existencia politica ao vêr approvar uma proposta sem discussão ao simples aceno de um deputado não comprehendida nem no projecto de instrucção publica do governo, nem no da commissão da camara, que a nada menos tendia do que a tirar do centro das luzes o conselho doctor de instrucção publica, e formar do mesmo uma repartição na secretaria d'Estado dos negocios do reino, sem considerarão com o estabelecimento mais respeitavel da nação, com o progresso das sciencias, e mais que tudo com a economia e interesses do paiz!
Esta medida tão extraordinaria na sua materia e fórma, e inaudita nos factos parlamentares pela surpreza e rapidez do seu vencimento revelou bem depressa um pensamento occulto de destruição e ruina de uma das universidade mais cultas da Europa, e a quem nem o despotismo, nem as dissensões politicas, que teem dilacerado este pobre paiz, nem a moda das innovações se tinham a atrevido até agora a tocar-lhe!
Não tardou, senhores, um correio que a verdade não tocasse os corações ainda dos mais miópes e incredulos pela nova surpresa dos grãos conferidos aos alumnos da escóla polytechnica, e pela temeraria idéa de sujeitar e subordinar a universidade de Coimbra a seus ingratos discipulos congregados á voz do ministro para dominarem e castigarem a lealdade de seus mestres; e isto ao mesmo tempo que no governo absoluto da Allemanha se trabalha por tirar da escravidão as sciencias, e entrega-las aos progressos de uma bem entendida liberdade!
Não são porem sómente as considerações expostas, que teem lançado a cidade de Coimbra no maior sobresalto e consternação; ninguem hoje desconhece a desnecessaria creação de tres escólas de instrucção superior para trés milhões de almas, que a França no seu vasto territorio possue para trinta milhões de habitantes! Ninguem póde ignorar a impossibilidade de sustentar-se tres estabelecimentos de tal natureza, que alem de prejudicaiem o paiz, distrahindo os braços das differentes fontes da nossa industria, comportam uma despeza inutil e insupportavel no estado actual do nosso thesouro: todos preveem, portanto, que cedo ou tarde ha de apparecer esta questão no parlamento, e que é de proposito que se procuram armar á ligeira os estabelecimentos de Lisboa e Porto para dar o ultimo golpe de destruição na universidade de Coimbra, e acabar ao mesmo tempo com a terceira cidade do reino!
Ao vêr, senhores, tão estranho e assombroso espectaculo, perguntam os habitantes a si mesmo, como é possivel, que á sombra da Carta e da liberdade se procura anniquillar a golpe de machado a unica arvore que a vegeta, e frutifica? Como é que justamente na época, em que a academia marcha na estrada do progresso, em que as sciencias prosperam, se procura abafar este feliz ensejo? Como é finalmente que a loquacidade e vertigem de meia duzia de homens se procura sacrificar uma povoação de dez mil almas, e se entrega a mesquinhas considerações a sorte de um districto inteiro? A mesquinhas considerações, senhores, porque por mais que se pense, não é possivel achar a explicação de factos tão impensados como destruidores, senão no interesse e parcialidade de uma duzia de jovens que na verdura dos annos procuram sustentar um meio de vida com a ruina de seus mestres, do interesse das bciencias, e de uma cidade inteira, que em breve ficará reduzida a uma pequena aldeã, se uma mão protectora a não salvar da tempestade e do naufragio que a ameaça.
Ao menos, senhores, resta ainda uma camara essencialmente conservadora, um corpo por sua natureza independente, onde a madureza das deliberações é o seu principal caracteristico, em quem os abaixo assignados confiam que hão de achar abrigo ás vozes do interesse desta povoação, e que por certo não quererão manchar-se com o ferrete da destruição de uma das mais bellas universidades da Europa; e é nesta firme convicção que os abaixo dssignados supplicam á camara dos dignos pares do reino a rejeição destas provisões improvisadas, que não foram introduzidas no projecto da commissão de instrucção publica, e que tem por si mesmo na sua materia e fórma o cunho da parcialidade, injustiça, e ligeireza.
Coimbra, 22 de maio de 1843. - (Seguem-se 483 assignaturas.)
Dignos pares do reino: - A unidade é a qualidade integrante d'um systema de organisação de instrucção publica; cumpre pois que o espirito reformador, que tem de abranger todos os ramos de instrucção, mane d'uma só idéa, desenvolvida mais ou menos na sua a applicação, nada perca da sua essencia.
Graves damnos se seguirão sempre, todas as vezes que esta harmonia fôr alterada. As divisões de sciencias são obra do homem, que a cada momento experimenta a imperfeição dessa mesma obra. A natureza é uma, indivisivel, homologa em suas causas, e o methodo de á estudar será tanto mais philosofico, quanto mais fôr abrangida em todas as suas partes; e desta synthese tão vasta se poderão depois formular os membros mais ou menos perfeitos das classes scientificas.
Estes principios, tendo uma applicação stricta ás sciencias, que se poderiam julgar mais independentes, ficam sendo mais claros e perceptivel; todas as vezes que delles se fizer applicação aos dous ramos em que se póde considerar dividido a sciencia medica.
Senhores, a cirurgia e a medicina tem sido até agora desigualmente consideradas nas reformas feitas no nosso paiz. A camara dos nobres deputados póde desta vez conhecer a incoveniencia de tal desigualdade. Augmentou por tanto os preparatorios aos alumnos das escólas medico-cirurgicas, igualando-os aos dos alumnos medicos da universidade de Coimbra, e concedeu aos que frequentam o difficil campo da cirurgia o gráo de bacharel.
Inculcando porem a designação de bacharel em cirurgia a simples faculdade de exercer a profissão cirurgica, porventura com exclusão do exercicio da medicina propriamente dita, quando aliás esta se estuda d'igual modo nas escólas medico-cirurgicas do reino, entendem os membros da sociedade das sciencias medicas de Lisboa, como representantes dos interesses da sciencia, dever levar á camara dos dignos pares esta representação, em que pedem se addicione ao projecto de lei, que acaba de passar na camara dos srs. deputados que fique livre aos bachareis em cirurgia o livre exercicio da medicina em toda a sua extensão. D'outro modo será ir contra os proprios interesses publicos, realisando o pensamento, tantas vezes combatido, de pôr balisas entre o exercicio pratico da medicina e da cirurgia.
Senhores, a classe cirurgica honra-se muito em intitular-se assim; não distingue superioridade no titulo de medico, e é nos proprios estatutos da universidade de Coimbra que acha os argumentos, que offerece, tirados dos seguintes artigos:
"Sendo manifesto, que sem começar pelos
"males externos e cirurgicos, não se podem cu
"curar os internos com intelligencia, e que o di-
"vorcio entre a medicina e cirurgia tem sido
"mais do que todas as outras causas prejudicial
"aos progressos da arte de curar, e funesto á
"vida dos homens; não sendo possivel que seja
"bom medico quem não for ao mesmo tempo
"cirurgião, e reciprocamente: ordeno que o es-
"tudo da cirurgia pratica e especulativa acom-"panhe sempre o da medicina, e que daqui por "diante sejam todos os medicos ao mesmo tem-
"po cirurgiões, etc."
E mais abaixo:
"E mando que a cirurgia estudada e prati-
"cada em todas as suas operações por princi-
"pios scientificos, como se ha de ensinar na "universidade, seja considerada na mesma gra- "duação e nobreza em que até agora se teve a "medicina interna, pondo-se rigoroso silencio
"em todas as altercações e disputas, que sobre
"isto teem movido os fautores do referido di- "vorcio entre a medicina e a cirurgia, com tão
"grande prejuizo do bem publico. Não se en-
"tenderá comtudo por esta disposição que fiquem
"os simples cirurgiões flebotomistas ou sangra-
"dores elevados á graduação de medicos, quan-
"do forem meros executores das operações cirur-"gicas, e não tiverem unido o estudo da cirur-
"gia com o da medicina."
Á vista pois, senhores, da doutrina contida nos estatutos da universidade de Coimbra, que não admitte contestação, e das razões de justi-
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