DIARIO DO GOVERNO 905
"ções, que; dantes se fallam nos paizes estra-
"nhos, e frequentemente em o nosso porto
"(em occasião de passagem de navios); vem
"por isso a diminuir necessariamente a expor
"tação do nosso unico artigo. Daqui resulta
"a estagnação do vinho, a decadencia do seu a "preço, a pobreza dos proprietarios, a mise
"ria dos lavradores, e a ruina da provin
"cia."
Não foi senão depois de tres annos de uma experiencia ruinosa, e de um commercio assolador que nos levou todo o numerario, que se vio a completa ruina e desgraça em que se achava a ilha. Sr. presidente, assim como a quéda da grande prosperidade da Madeira, que teve por base a paz geral de 1815, senão sentio cabalmente, senão em 1819, tres annos depois; assim a queda do nosso commercio normal de 1837, quéda que teve por base a fatal applicação da pauta á Madeira, se sentio rudemente em 1840. A prova desta asserção está não tanto na estatistica da exportação do nosso vinho, como na explicação que darei sobre ella. Eis-aqui a estatistica (leu). Vê-se pois que a exportação do ultimo anno diminuio mais de duas mil e setecentas pipas do anno de 1839: mas note a camara que esta mesma exportação, bem como a dos annos anteriores (1811 e 1840) e uma exportação forçada, e ruinosa. A exportação regular e proveitosa era sempre feita, parte a ordens, parte a trôco, e parte a especulação, que muitas vezes se resolvia a troco; e os mercados naturais eram a Inglalerra, os Estados Unidos, as Wert-Indiaes, e a Russia para os vinhos baixos. Hoje que os lavradores dão o seu vinho por preços miseraveis, porque ninguem os quer comprar, e as casas inglesas quasi pararam com o seu giro, são os proprios portuguezes, e entre elles os filhos dos lavradores, que por falta de meios para sustentarem seus vinhos em armazens, e levantarem cascadura nova onde recolham os novidades subsequentes, levam os seus vinhos a especulação aos mercados de Hamburgo, e de S. Petersburgo. Alguns alli ficam totalmente arruinados, e os mais felizes apenas alcançam pouco mais da liquidação necessaria para cobrir as despezas dos direitos, do frete, da cascadura, do seguro, e do porto do seu destino. O mercado da Russia, que nunca consumia mais do mil pipas de vinho Madeira, tem nos ultimos annos sido abarrotado com duas, e tres mil pipas; e o mesmo tem succedido com o mercado de Hamburgo. Daqui tem nascido que o vinho, achando-se despreciado, e não sendo comprado nem para expecular, fica sem valor na mão dos pobres lavradores, que por isso se acham cobertos de fome e de miseria. É desta miseria, sr. presidente, que tem resultado a grande tendencia, o grande desejo, que tem os camponezes da Madeira para emigrarem. Em 1841 emigraram cinco mil desgraçados, que quasi todos pereceram nos pantanos de Demavara!! Por uma coincidencia singular, quando a miseria apertava os habitantes da Madeira, formavam-se companhias em Londes que promoviam a emigração para Demavara. Todos sabem que depois da emancipação dos escravos nas colomnias inglezas, os proprietarios não tinham meios de amanharem suas terras, visto que os prelos não queriam trabalhar; e por isso recorreram á emigração dos brancos. Tem-se aqui dito que esta emigração se fazia por meio de seducções, e de enganos: eu posso dizer o contrario, pelo que respeita á emigração da Madeira. Eu mesmo tive occasião de explicar a alguns daquelles desgraçados o perigo a que íam expôr-se n'um clima tão pestifero como o de Demavara: responderam-me que "antes queriam morrer do sezões com a "barriga cheia, do que morrer de morte len "ta á mingoa, e á fome."
Sr. presidente, esta emigração tem cessado, e duas são as causas; a 1.ª e porque as companhias, que a promoviam perdeiam os seus fundos, visto que os emigrados lhes morreram sem lhes darem proveito; e a 2.ª e porque o ministerio, attendendo só á sua philantropia, á sua compaixão, aos clamores da imprensa periodica, e ás interpellações dos membros do parlamento, tem feito levantar obstaculos que impedem a livre sabida dos emigrados. Eu respeito tão generosos sentimentos; mas, sr. presidente, outra e a opinião do meu paiz. Eu julgo, sr. presidente, que para impedir os terriveis effeitos da emigração, só não devem obrigar os miseraveis camponios a morrerem de fome; porque tal alternativa e uma verdadeira tyrannia. Julgo tambem que os obstaculos inventados são outras tantas violações da Carta constitucional no art. 145.º §, 5° que diz assim (leu).
Sr. presidente, eu podera fazer muitas considerações sobre os máus effeitos da pauta; e poderia aqui expor o que eu mesmo escrevi no relatorio dos trabalhos da commissão crendo, por occasião da catastrophe occorrida em 34 d'outubro do anno passado, por decreto de 16 de novembro de 1842. Aqui tenho na mão o autographo desse relatorio; mas nem quero fazer de pedante, nem desejo cançar a camara; sobre tudo presentindo eu que este projecto previdente, emanado do governo, por effeito de profunda convicção, como se conhece dos luminosos principios, que apparecem tão bem deduzidos no relatorio que o precede, tem encontrado as sympathias de todos, assim na outra camara, como nesta. Ha cousas que se demonstram pelos modos e pelos gestos; e o meu presentimento deriva-se da generosidade com que na ultima sessão os dignos pares consentiram unanimamente, que este projecto viesse hoje para ordem do dia.
Eu agradeço a camara, em nome do meu paiz, esta benevolencia: eu agradeço ao governo a solicitude com que andou para dar uma mão d'auxilio á infeliz Madeira; e agradeço-lhe tanto mais, quanto e esta a primeira administração que se deixou penetrar da justiça dos nossos clamores.
Se esta sympathia do governo e das camaras se originou da espantosa catastrophe, que teve logar na pobre Madeira; e se tanto foi necessario para entrarmos n'um systema de legislação propria, especial, e adaptada á localidade, e mais circumstancias que acompanham aquelle paiz excepcional; então, sr. presidente, protesto que nunca mais chamarei calamitoso aquelle acontecimento; antes chamar-lhe-hei: "Aluvião benefica, regeneradora, e até estimavel." Sr. presidente, a ilha da Madeira necessita altamente de uma lei que lhe permitia escambar, permutar, e commerciar: necessita de uma lei que lhe permitia constituir-se uma grande estalagem no Oceano. Esta lei que se discute levanta as maiores difficuldades; ha de moderar a emigração: portanto voto por ella, e espero da generosidade da camara que a ha de fazer passar (muitos apoiados).
O sr. V. de Villarinho de S. Romão (membro da commissão) disse que não pedira a palavra para combater o projecto, mas para o sustentar se elle tivesse alguma opposição; entretanto queria chamar a attenção da camara sobre algumas cousas essenciaes a este respeito.
Disse que fôra o redactor do parecer da commissão, e ahi dissera que elle "julga que as providencias legislativas do mesmo projecto lhe podem ser uteis (á Madeira) até um certo ponto" etc., e era este certo ponto o que o digno par ía mostrar.
Que a historia que a camara acabava de ouvir, do grande commercio e decadencia dos vinhos da Madeira, vinha a ser tambem a historia de outros vinhos, pois que o mesmo que alli se passara acontecia tambem no Porto, na Estremadura, na Bairrada, etc.: que houve uma causa pela qual, depois de 1814, todos os vinhos começaram a ter diminuição de preço, cujos effeitos sentiram todos os paizes vinhateiros; causa que não podia remediar-se por nenhuma providencia particular, que se reduzia á excedencia do genero ao consumo (apoiados) e por tanto era um objecto que não dependia das leis, mas unicamente dos mere dos estrangeiros. Que por isso elle (orador) não entendia que do projecto se seguissem todos os bens que esperava o seu digno, collega, e que (o sr. visconde) tambem muito desejava.
Disse que as vantagens de que fallava o parecer da commissão eram outras, e se deduziam da situação geographica, da ilha: que facilitando alli a entrada das embarcações estrangeiras, não se lhes exigindo direitos do porto, e outros, muita gente ganharia a sua vida, e grandes lucros deixariam áquella população - cargas, descargas, alugueis de armazens etc., podendo ao mesmo tempo trocar-se uma grande parte do seu vinho por fazendas estrangeiras, que era o essencial: que o augmento da exportação havia de crescer, mas não muito, porque mal convidavam mercados onde os preços dos vinhos estão em proporção da grande concorrencia, vista a quantidade que a elles afflue de toda a parte.
O orador alludiu então á opinião que existia na Madeira contra as pautas das alfandegas, como se elles fossam alguma novidade entre nós, e como se nos outros paizes as não hovesse! - Fez algumas observações a este respeito, e tambem a respeito da emigração, concluindo por votar a favor de todo o projecto.
- Sobre proposta do sr. Silva Carvalho, deu-se a materia por discutida, e approvou-se logo o artigo 1.° e seu §.
Seguidamente foram approvados sem debite todos os outros artigos que constituiam o projecto, taes como se achavam redigidos.
O sr. Silva Carvalho apresentou o trabalho da commissão de fazenda resultado do exame das tabellas, e da proposta do sr. Barreto Ferraz, tudo relativo no projecto das estradas: mandou-se imprimir.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.
Discussão geral do projecto de lei sobre a venda
dos fóros.
(V. Diario de 24 do corrente, n.° 120, pag. 887.)
O sr. C. de Lavradio começou duvidando se o projecto podia tractar-se nesta sessão, sem receber nova iniciativa, por isso que tendo sido remettido á cantara na do anno passado, entendia haver caducado.
Propoz mais que fosse adiado, e disse o não fazia por tatica de opposição, mas por lhe parecer de necessidade. - Que se estavam fazendo leis as cégas, por não haver na camara os necessarios esclarecimentos para legislar. Que nesta pedia o governo faculdade para vender cousas que elle mesmo não sabe o que sejam, e por isso julgava indispensavel diversas relações, as quaes logo pediria. Que o governo queria vender estes fóros, para depois receber o dinheiro e o dissipar, privando o paiz de um rendimento certo, e de facil cobrança.
Observou que a maior parte destes fóros, de cobrança não duvidosa, estava persuadido que eram das extinctas ordens religiosas: que quando ellas o foram, o Estado contrahira a obrigação de sustentar esses homens, sendo Hypotheca especial dessa obrigação os bens que lhe pertenciam, ficando a nação herdeira delles depois da sua morte: que com esses bens se poderia então pagar uma grande parte da divida publica; mas não acontecera assim, e se tinham lançado pela janella fóra, fazendo-se as vendas sem attenção ao paiz, e só ao proveito particular, destruida deste modo uma immensa riqueza nacional. Que a sua opinião (do orador) era que estes bens que ainda restam por vender, e pertenciam ás ordens religiosas, fossem dados em administração aos egressos, nomeando elles commissões para isso (notou que umas que tinha havido, foram nomeadas por patronato), a fim de tirarem d'ahi a sua sustentação, dando-lhes o Estado o que faltar, e herdando a parte daquelles que forem morrendo, a que se deverá dar applicação de beneficencia. Concluiu annunciando que ía mandar uma proposta para mesa.
O sr. vice-presidente observou ao digno par que a lei de 7 de marco de 1835 determinava que os projectos enviados de cada uma das camaras á outra só caducariam no fim da legislatura.
O sr. C. de Lavradio respondem que então não tinha razão na sua primeira duvida mas que as outras subsistiam; apresentou a seguinte
Proposta.
"Proponho o adiamento até que o ministerio remetta:
1.° Uma relação de todos os fóros e pensões de cobrança não duvidosa.
2.º Uma relação de todos os fóros de cobrança duvidosa com a declaração dos que são pagos, e dos que o não são, e qual o motivo.
3.° Qual foi o motivo por que estes fóros e pensões foram incorporados nos bens nacionaes."
- Não foi admittida á discussão.
O sr. Silva Carvalho disse que lhe não pareciam concludentes as ponderações que se faziam para sustar uma medida que já estava decretada por mais de uma lei, a de 15 de abril de 1838, e a de 7 de abril do 1838. Que nellas se decretava a venda dos fóros, e pensões pelo methodo, que a ultima lei estabelecia: que esse methodo, e esse modo não fôra sufficiente, e que por isso o projecto em discussão apresentava outro, donde se esperavam melhores resultados: que elle o sustentaria com algumas declarações; principalmente sobre os fóros, e pensões de duvidosa cobrança, que do projecto deviam ser eliminados.
Que se fallára no prejuizo, que viria á fazenda de uma tal alienação mas que devia reflectir-se, que era necessario pagar dividas, que não admittiam; a espera; e que não bastando o rendimento annual, será necessario vender o capital: que nisto lucrava a fazenda, não