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Numero 123. Anno 1843.
Diario do Governo.
SABBADO 27 DE MAIO.
EXPEDTENTE.
A DISTRIBUIÇÃO do Diario do Governo começa hoje ás 8 horas da tarde. Os sr. assignantes de qualquer ponto da capital que o não hajam recebido tres horas depois, são convidados com instancia a queixar-se na loja da administração, rua Augusta n.° 129. - A redacção roga ás authoridades, que houverem de transmittir actos para serem publicados, o obsequio de os remetterem á imprensa nacional antes das quatro horas da tarde.
PARTE OFFICIAL.
SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR.
Secção do ultramar.
MANDA a RAINHA, pela secretaria d'Estado dos negocios da marinha e ultramar, em additamento ás portarias de 3 e 5 do corrente, remetter ao conselho de saude naval, os tres inclusos officios do governador geral do Estado da India, com os n.ºs 177,181, e 183, datados de 20 de março proximo passado, incluindo por cópia no l.°, a portaria de 23 de fevereiro ultimo, pela qual ordenou que as authorisações para curar de medicina, assignadas pelos governadores geraes daquelle Estado, fossem consideradas como simples licenças, devendo ser inulitisadas perante o conselho da escóla medica, quando se conheça que foram alcançadas nos intervalos em que o logar de fysico mór se achava vago; e que este procedesse á matricula annual de todos os medicos, cirurgiões, boticarios, e droguistas; no 2.° - o officio de 8 de março, pelo qual mandou pôr em execução a tabella de emolumentos consignados na reforma de saude estabelecida pelas portarias de 5 de novembro do anno passado (já remettida ao conselho), e 24 de fevereiro do corrente; e no 3.º - esta mesma portaria de 24 de fevereiro, pela qual, em desenvolvimento daquella reforma estabeleceu um programma relativo aos alumnos que pertendessem exercer a medicina, cirurgia, ou pharmacia: e Ordena Sua Magestade que o referido conselho examinando todas as disposições que aquellas portarias conteem, as tome na conta que merecerem, quando confeccionar o plano geral de saude, que lhe foi incumbido por a citada portaria deste ministerio de 3 do corrente mez; na intelligencia de que por portaria da data de hontem se mandou suspender no Estado da India a execução da reforma feita, por isso que involvia disposições com effeito retroactivo, e outras que dependiam de medida legislativa. Palacio das Necessidades, em 23 de maio de 1843. = Joaquim José Falcão.
JUNTA DO CREDITO PUBLICO.
Terceira Repartição.
Venda de bens nacionaes na conformidade do §, 4,° do artigo 1.°, c §. 3.° do artigo 2.° da carta de lei de 8 de junho de 1841.
EM cumprimento da referida carta de lei se annuncia que vão andar em praça por espaço de trinta dias, a coutar do dia 26 do corrente mez em diante, as propriedades abaixo designadas, que não tiveram lançadores na lista 302.ª, para se proceder, perante a junta do credito publico, á sua arrematação, pelo maior lanço que se offerecer, devendo o seu pagamento verificar-se logo nos cofres da mesma junta, nas especies seguintes: um decimo em dinheiro, tres decimos em papel-moeda, e seis decimos em titulos de divida fundada interna ou externa; ficando os arrematantes, no caso de falta, sujeitos ás penas declaradas na portaria da secretaria d'Estado dos negocios da fazenda de 31 de agosto de 1837; ou quando prefiram a fórma de pagamento estabelecida no artigo 2° §. 3.° da citada carta de lei, satisfarão pelar maneira seguinte: um decimo em dinheiro, logo depois da arrematação; seis decimos em papel-moeda, a prazo de um anno; e tres, decimos em dinheiro, pagos em cinco prestações iguaes, sendo a primeira a dous annos, e as outras á seguir de doze em doze mezes.
LISTA 318.ª *
Arrematação perante a junta ao credito
NO DIA 27 DE JUNHO DE 1843
Ás onze horas da manhã.
DISTRICTO DE VIZEU.
N.ºs CONCELHO DE VIZEU. Avaliações
6467 Predio rustico e urbano, que se compõe do edificio que foi convento dos Franciscanos do Monte, em Origens, com todas as suas officinas (exceptuada a igreja, e sachristia) e da respectiva cêrca, com sua mata pegada, murrada, e á roda da mesma e do caminho que vai para Vizeu, a regalia de plantar, e cortar castanheiros, ou carvalhos com as capellas dentro da mata ....... 2:738$200
DISTRICTO DE BRAGANÇA.
CONCELHO DE WIRAN&A.
6468 Predio rustico, e urbano, que se compõe do edificio, que foi convento dos Trinos, em Miranda, e da respectiva cêrca, palheiros, lojas, tulhas, e cabanal, e umas casas que partem com a mesma cêrca, o rua do concelho ...............860$000
6469 Edificio que foi igreja, parte coberta, e parte por cobrir.................500$000
6470 Quinta chamada do Redondal, com suas arvores de fructo, e latadas; e foreira á camara municipal em 200 rs .......................600$000
6471 Cortinha que fica pela parte de fóra com seu bocado de lameira, arruinada das paredes: parte com terras da quinta de S. Caetano, e caminho que vai para Malhadas .....................150$000
6472 Vinha no sitio da Corôa, com seu lagar: parte com a quinta da Mitra, e fazendas dos herdeiros de Manoel José de Carvalho .................500$000
Somma..............R.ª 5:348$200
Contadoria geral da junta do credito publico, 22 de maio de 1843.; = Ignacio Vergolino Pereira de Sousa.
PARTE NÃO OFFICIAl.
CORTES.
CAMARA DOS DIGNOS PARES.
Extracto da sessão de 26 de maio de 1843.
(Presidiu o sr. C. de Villa Real.)
Foi aberta a sessão tres quartos depois do meio dia; presentes 30 dignos pares, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
O sr. secretario Machado leu a acta da sessão antecedente, e ficou approvada.
O sr. secretario C. de Lumiares leu o decreto das côrtes resultante do projecto de lei sobre as barcas de passagem, e mencionou a seguinte correspondencia:
Cinco officios dos dignos pares C. de Avillez, C. de Sampayo, V. d'Alcobaça, B. D'Ancede, e Ozorio -participando todos que por falta de saude não poderiam comparecer no dia 31 do corrente. - A Camara ficou inteirada.
Um dito da camara dos sr.º deputados, com um projecto de lei sobre as transferencias dos juizes de direito de l.º instancia. - A commissão de legislação.
Outro dito da mesma, Com um projecto de lei sobre ser convertido nella o adjunto plano de reforma de instrucção publica.- Á commissão de instrucção publica.
O sr. vice-presidente disse que tinha recebido uma representação da sociedade das sciencias medicas, fazendo varias observações ácerca deste projecto.
O sr. V. de Laborim pediu que fosse remettida áquella commissão para ser tomada na consideração que merecesse.
O sr. secretario C. de Lumiares annunciou que ao sr. presidente havia tambem sido remettida outra representação sobre o mesmo objecto, assignada pelo reitor e corpo cathedratico da universidade de Coimbra, a qual (não obstante ser bastante extensa) parecia que, por deferencia a uma corporação tão respeitavel, devia ser lida na mesa, e depois impressa no Diario do Governo (apoiados).
O sr. secretario Machado propoz que a da sociedade das sciencias medicas fosse igualmente impressa no Diario.
O sr. C. de Lavradio fez sciente de que lhe havia sido remettida uma representação relativa ao mesmo assumpto, assignada por 483 habitantes notaveis da cidade de Coimbra, queria dizer, por um vigesimo da sua população a qual pedia licença para lêr (leu-a). Pediu que fosse igualmente impressa.
O sr. Silva Carvalho observou que não seria talvez conveniente estabelecer o precedente de mandar imprimir as representações enviadas á camara por corporações ou individuos: que isto fazia despeza, e não abbreviava, antes demoraria o andamento dos negocios, e por tanto parecia sufficiente que fossem lidas á Camara, remettendo-se depois ás commissões respectivas.
O sr. C. de Lavradio, convindo no que acabava de dizer o digno par, reflectiu que não obstante haveria casos que merecessem excepção, e a representação da universidade era sem duvida um delles (apoiados).
Leram-se as representações do corpo cathedratico da universidade de Coimbra, e da sociedade medica.
- Terminadas breves reflexões de ordem, resolveu-se que as tres representações, que acabavam de ler-se, fossem remettidas á commissão de instrucção publica, e que se imprimissem no Diario do Governo. - São do theor seguinte:
Dignos pares do reino: - O corpo da universidade de Coimbra, reunido em claustro pleno ao qual pelos estatutos antigos li. 2.°, tit. 23, §. 6.° pertence o deliberar sobre os negocios mais graves della, faltaria ao mais rigoroso dos seus deveres, senão empregasse os meios legitimos, que a Carta constitucional, e as leis lhe facultam, e o seu regimento lhe ordena, para obstar ao projecto de uma medida legislativa, que parece encerrar o germen de distruição da universidade, impedir o progresso das sciencias, e deteriorar o bem da nação; e vem por isso perante esta respeitavel camara deduzir as razões, em que se funda.
Na discussão do regimento de instrucção publica primaria e secundaria, que contem judiciosas providencias, e que ha pouco teve logar na camara electiva, apresentou um dos seus conspicuos membros, em fórma de additamento, o projecto de creação dum tribunal, ou conselho superior de instrucção na capital do reino, que absolvendo todas as attribuições que exerce um outro conselho, annexo á universidade, debaixo da presidencia do reitor della, e como titulo de conselho geral director de ensino primario e secundario, tivesse além disto a mais ampla superioridade na direcção scientifica, e regulamentar da universidade, e dos mais estabelecimentos litterarios do reino. E ainda que a circumspecta e illustrada commissão de instrucção publica daquella camara não havia introduzido materia tão transcendente no seu projecto, nem o sabio governo de Sua Magestade a tinha proposto, comtudo uma boa parte da camara, levada das primeiras impressões, e das apparencias de conveniencia, e de unidade, que inculcava este additamento, inopinadamente sugeri-
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do o adoptou, sem que houvesse tempo de ser e considerado em todas as suas consequencias, pelo que se vio logo embaraçada com as difficuldades da organisação de instituição tão inadquada.
Apontaremos em resumo os incovenientes deste estabelecimento, considerado pelo lado scientifico, politico, economico, que talvez devesse ser um dos primeiros, attenta a estreiteza de nossas circumstancias.
Ninguem duvida, que a Universidade de Coimbra tem sido, e, no estado em que se, acha actualmente constituida, e o corpo scienfico mais amplo, é mais completo não da monarchia, não só pelo grande numero daquelles, que professam e ensinam todos os ramos das sciencias naturaes e positivas, mas tambem daquelles, que as aprendem, pela multiplicidade de escólas, que alli se acham abertas, pelo complexo de primorosos estabelecimentos, que a adornam; em favor da qual existe uma especie de prestigio, ou de fanatismo nacional pelo seu credito, antiguidade, e grandes varões, que tem produzido.
Esta corporação no decurso de tantos seculos foi governada por conselhos compostos dos seus membros, que depois da reforma de 1772 foram substituidas pelo conselho dos decanos, congregações das faculdades, junta da fazenda, claustro pleno, e pela jurisdição e authoridade do reitor, tudo debaixo da immediata inspecção, o governo de Sua Magestade, e do protectorado nato e jurado dos Augustos. Reis de Portugal.
Tendo pois prosperado a universidade e as sciencias dela debaixo d'um regimen, ou conselho proprio, e para assim dizer domestico, não se pódia dar razão plauzivel para que seja substituido por um conselho estranha, heterogenio, e distante da principal instituição scientifica da reino. Não duvidamos chamar-lhe conselho estranho em relação á universidade, porque, poucos, ou nenhuns membros da mesma poderão tomar assento nelle; visto que os professores em exercicio mal poderão ser distrahidos das suas funções, para irem a Lisboa tomar parte nas deliberações do conselho; e os lentas jubilados menos se poderiam aproveitar neste serviço; porque de ordinario se concedem, estas jubilações, depois de longos annos de exercicio a pessoas valetudinarias, ou de avançada idade, que não trocariam seus pacificos habitos, e o ceo e clima de Coimbra pelo tumulto da capital, na declinação da idade, e na sua decrepitude.
Seguir-se-ia, que, os logares do novo conselho seriam preenchidos pelos professores das escólas maiores, ou menores de Lisboa, da quaes alguns, ha, pouco alumnos da universidade, ou recentemente graduados nella. Mancebos de talento, e de esperanças foram exercer o tirocinio do magisterio nas escólas de Lisboa; ou seriam occupados estes logares por outros dos ditos professores, que, não tendo frequentado as escolas da universidade, desconhecem praticamente o systema de estudos a estructura, e os methodos de ensino alli adoptados. Succederia pois que o conselho superior de Lisboa seria composto, ou de discipulos, e doutores moderno, derigindo scientificamente os seus mestres em Coimbra; ou de outros, que não tenham conhecimento cabal do systema scientifico daquelles, a quem deviam encaminhar, inspeccionar corregir, e talvez julgar do seu merecimento: resultaria desta organisação monstruosa a consequente desintelligencia entre a universidade e o conselho; nasceria a confusão, e lenta e progressivamente, e á força de contrariedades se iria aniquillando este instituto, privado da sua natural independencia, e bem entendida liberdade, revonvando-se com o andar do tempo as instituições filiaes contra a sua matriz, e pertendendo a arrogancia da infancia tomar o passo á virilidade.
O remedio deste mal, que seria a transferencia dos estudos da universidade de Coimbra para a capital, collocando a communidade, que tem de ser dirigida para junto dos seus directores, seria um mal muito maior que o que se pertende remediar; seria tirar a universidade da sua mui bella e commoda situação; de retiro para o tumulto; da disciplina para a insubordinação; da barateza para a carestia. As provincias do reino, principalmente as do norte, e a população de Coimbra olha para esta tentativa como de ominosa recordação e dominados todos desta popular preoccupação receiam, que, pela transferencia do conselho director para Lisboa, e pelo (privilegio de superioridade sobre a universidade, se vá preparando a sua futura mudança, ou que o nosso conselho, tão heterogenio, como estranho, se converta em instrumento permanente de destruição, e vá desmatttelando por partes este sumptuoso edificio, monumento o mais elevado da sabedoria aos nossos Reis.. Porém esta corporação conscia das intenções do auctor do additamento, e daquelles, que o approvaram, não participar destes receios; porém entendo que esta medida, menos prudentemente tomada, podera ter de futuro funestas consequencias.
A politica tambem não lucra nada com a creação deste conselho em Lisboa; porque o poder real, ou o governo de Sua Magestade, que até agora tinha immediata inspecção sobre a Universidade, nem se vigóra mais, nem se illustra com tal auxilio; por lhe he não poder subministrar os mesmos esclarecimentos de facto e de direito, que, com mais conhecimento de causa, lhe poderiam dar os conselhos da universidade, formados no seio delles; esta móla inutil não serviria a esclarecer, mas a intorpecer a inspecção da governo, sem outra differença mais que a de receber o governo algumas vezes de viva voz as informações do conselho em Lisboa, quando as do conselho da universidade lhe são dirigidas por escripto; o que parece ser mais uma ramo de conveniencia; por que em assumptos de tal natureza não carece o governo de uma acção prompta; antes o vagar das deliberações firma melhor o acerto.
O systema scientifico e do magisterio exige certa gradação hierarquica, fundada na superioridade do merito, ou na presumpção desta superioridade: é por isso que os professores mais qualificados, ou mais antigos, soffrem com reluctancia os preceitos, ou direcções, principalmente scientificas dos menos qualificados, ou mais modernos; e por consequencia a formação d'um conselho superior, composto de pessoas, que não reunissem; as qualificações de superioridade de illustração, excitaria a anarquia lilteraria, que é tão damnosa ao progresso dos estudos.
Não nos deixemos seduzir com o symbolo da denominada universidade de França, com o seu conselho e grão mestre, constituido no tempo de Buonaparte, e levantado sobre as ruinas de toda a insttrucção, que as violencias da revolução franceza haviam confundido e perturbado, por ser tida esta instituição gigantesca como concepção politica daquelle conquistador, e um instrumento de dominação tendente a subordinar todas as intelligencias, corporações de sabios, e alumnos litterarios daqualle vasto imperio, com centro commum em Paris, servindo de mola real desta grande maquina um grão mestre, e o seu conselho, que o principe ambicioso linha á sua disposição
Ainda mesmo aquelles, que são mediocremente versados na litteratura franceza, e na historia litteraria daquelle paiz, estão de accordo sobre os defeitos intrinsicos daquelle aparatoso instituto, que se poderia considerar mais como uma especie de igreja, politica, do que litteraria, sujeita a uma só cabeça, cuja maquina ficou comprimida em grande parte dos seus movimentos intellectuaes:, que perdeu a sua independencia, e liberdade scientifica, destituida das mólas da emulação, que tanto contribuem para o adiantamento das sciencias; e que de baixo d'um simulado principio, e systema de unidade ficou circumscripta em um circulo estreito de uniformidade e de rotina.
Os governos ulteriores de França, mais cordatos, que ambiciosos, deram a desvida attenção aos clamores dos sabios, que tem tractado deste assumpto, e tem feito modificações importantes no regimen desta vasta congregação, restituindo pouca a pouco a independencia aos corpos scientificos colligados, cujo aggregado moral fórma o que se chama universidade de França, conservando-lhe o centro na séde do imperio, aonde se acham fundados os mais importantes estabelecimentos litterarios e scientificos de toda a monarchia franceza: circumstancias muito differentes daquellas em que está Portugal, por se achar fóra de Lisboa o principal estabelecimento litterario do reino. Ninguem dirá, que a nação ingleza preza pouco as sciencias, ou que ellas não tenham alli um grande desenvolvimento; entretanto esta illustrada nação não tem reconhecido a necessidade d'um conselho superior para uniformar seus estudos, nem para pôr peas á liberdade, e vôos das humanas intelligencias; exemplo seguido em outros paizes do mundo civilisado.
Porém quando se entendesse, que era conveniente a creação d'um conselho superior em Lisboa com os attributos, e fôrma, que se lhe deu na camara dos srs. deputados, pela qual ficam isentas da sua jurisdicção e superioridade do conselho as escólas militares, e de marinha, bem, como os estudos theologicos, canonicos, e moraes, estabelecidos nos seminarios das differentes díoceses do reino com que razão, e sem a mais manifesta contradicção deverão ficar sujeitos áquelle conselho os amplissimos estudos da universidade, entre os quaes occupa um importante logar a arvore das sciencias theologicas e moraes, de que a religião e o estado tem colhido tão preciosos frutos? E se este projectado plano d'estudos ampliando o decreto de 5 de dezembro de 1836, na parte em creava escólas normaes de instrucção primaria, protrahiu estas escólas normaes em beneficio da instrucção feminil; porque fatalidade, ou inconsenquencia será a universidade privada da antiga e legitima regalia de ser considerada como escóla normal de ensino superior em Portugal?
Pelo que pertence ás razões d'economia, de que tanto carecemos, ellas saltam tanto aos olhos, que seria offender a prespicuidade da materia e a inlelligencia da camara o demorar sobre este assumpto. O serviço dos conselhos que regem a universidade e inteiramente gratuito, e insignificantes gratificações, que percebe o pequeno numero de vogais do conselho director, não podem ter comparação com á multiplicada despeza, que agora e com o andar do tempo, ha deter o novo conselho em capital do reino.
Não concluiremos esta franca exposição sem fallarmos sucessivamente de duas notaveis imperfeições, que contem o projecto de instrucção, principiado na outra camara consiste a primeira em se julgarem habilitados para a frequencia dos estudos superiores da universidade aquelles alumnos, que tiverem sido approvados nos estudos preparatorios, perante os respectivos lyceos, em que os frequentaram. Se a approvação geral do lyceo de coimbra, que se acha debaixo da inspecção da universidade, e cujos exames são presididos por um membro esclarecido, o escolhido della, não tem fechado a porta a uma indulgencia perniciosa, como poderá esperar-se, que lyceos, pouco inpeccionados, alguns recem-nascidos, e menos conceituados, mantenham a severidade tão necessaria em taes habilitações?
Além disto nem todos os alumnos, que frequentam os lyceos, se destinam aos estudos superiores, e seria uma sem-razão exigir de todos elles o mesmo grão de capacidade; é facil pois de ver, que os que se destinam aos estudos superiores devem fazer os seus exames perante os lyceos annexos aos estabelecimentos do instrucção superior, a que aspiram com prévia declaração do fim, a que se propõem.
Consiste a outra imperfeição na mal entendida liberalidade, com que se concede a conferencia dos gráos academicos aos alumnos das outras escolas, que não são as da faculdade de medicina da universidade. Na Europa culta não ha um instituto de sciencias medicas mais completo do que este.
As escólas medico-cirurgicas de Lisboa e Porto ainda não chegaram a esta perfeição, e nós entendemos que não devem chegar. Estas escólas foram instituidas com o fim de habilitar cirurgiões-operadores com sufficiencia de conhecimentos medicos em ordem de tornarem-se cirurgioes-intelligentes, é com a capacidade necessaria para poderem corar as molestias vulgares, que não carecem de estudos tão avançados, e podendo servir de uma maneira util ás classes menos abastadas, principalmente nas povoações ruraes.- Se naquellas academias se ensinasse como em Coimbra teriamos tres faculdades de medicina, quando uma é de sabujo para as necessidades do paiz: a despeza seria inteiramente inutil; porque ficariamos reduzidos á necessidade de instituir novas academias para crear cirurgiões, que podessem servir nos casos vulgares, e curar a gente-pobre. Parece por tanto uma medida inadquada o darem-se os graos nas academias de Lisboa e Porto, para que a qualificação dos graduados não servisse de motivo para que os cirurgiões-operamdores se sujeitassem a certos misteres de que precisam os doentes.
Voltando pórem em fim ao ponto vital desta representação, se a camara dos dignos pares entender na sua sabedoria, que os razões traçadas, como de improviso, e em poucas horas, sobre assumptos, aliás difficies, de tanta magnitude, e importancia politica literraria, e economica, carecem de maior de maeor desenvolvimento, e de mais tempo param serem cuidadosamente elaboradas, e maduramente meditados, poderia nesta hypothese extremar do projecto de lei de instrucção o principal, ou todos os tres pontos controversos, que ficam indicados, e
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adiar a sua discussão, e exame para quando se tratar da instrucção superior, como materia connexa e dependente della, e tambem por ser esta a primitiva intenção do governo de Sua Magestade, manifestada na ulterior discussão deste projecto.
Dignos pares do reino, a Carta constitucional da monarchia, que julgou de utilidade publica o garantir essa respeitavel camara, e os elementos de que ella é formada, tambem garantio por motivos poderosos de conveniencia publica a unica universidade então, e ainda hoje existente em Portugal; porem se as medidas legislativas pendentes não forem corrigidas, ou reformadas, esta garantia constitucional ficará illusoria, e a universidade sujeita a uma tutela estranha.
Sède cautelosos em tocar com mão inconsiderada nesta arca de aliança literraria e scientifica, monumento inabalavel da solicitude de alguns dos vossos inclitos maiores e dos augustos réis deste reino; evitar abalar esta antiquissima e frondosa arvore, a cuja sombra tem medrado as gerações presentes, e passadas, e ainda, hão de vigorar as futuras. Da universidade de Coimbra: em claustro pleno de vinte e quatro de maio de mil oitocentos quarenta e tres. - Conde de Terena, reitor - Luiz Manoel Soares, primeiro lente e decano do theologia - João Thomás de Sousa Lobo, lente cathedratico da faculdade de theologia - Antonio Corrêa Godinho, lente cathedratico da mesma faculdade - José Xavier Cerveira e Sousa, lente cathedratico em mesma faculdade - José Manoel de Lemos, lente substituto da mesma faculdade - José Ernesto de Carvalho e Rego, lente substituto da mesma faculdade - Manoel de Serpa Machado, lente de prima, decano e director da faculdade de direito - Guilherme, bispo eleito de Leiria e lente cathedratico da faculdade de direito - Basilho Alberto de Sousa Pinto, lente cathedratico da faculdade de direito - Antonio Ribeiro de Liz Teixeira, lente cathedratico da faculdade de direito: - Manoel Antonio Coelho da Rocha, lente cathedratico da faculdade de direito
- José Machado d'Abreu, lente cathedratico da faculdade de direito - Joaquim dos Reis, lente cathedratico da faculdade de direito - Vicente Ferrer Neto Paiva, lente cathedratico da faculdade da direito - Antonio Nunes de Carvalho, lente cathedratico da mesma faculdade - Francisco Ferreira de Carvalho, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Adrião Pereira Forjaz de Sampayo, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Francisco José Duarte Nazareth, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Antonio da Cunha Pereira Bandeira de Neiva, lente substituto da faculdade de direito - José Manoel Ruas, lente substituto da faculdade de direito - Vicente José de Seiça Almeida e Silva, lente substituiu ordinario da faculdade de direito - Joaquim Urbano de Sampayo lente substituito da faculdade de direito - Justino Antonio de Freitas, lente substituto extraordinario - Domingos José de Sousa Magalhães, lente substituto extraoirdario - João de Sande Magalhães Mexia Salema, lente substituto extraordinario da faculdade de direito -Antonio Joaquim de Campos, decano da faculdade de medicina - João Alberto de Azevedo, lente cathedratico da faculdade de medicina - Antonio Joaquim Barjona, lente cathedratico da faculdade de medicina - Sebastião de Almeida e Silva, lente cathedratico da faculdade de medicina - Jeronymo José de Mello, lente cathedratico de medicina - Florencio Peres Furtado Galvão, lente cathedratico de medicina Francisco Fernandes da Costa, lente cathedratico de medicina - Cesario Augusto de Azevedo Pereira, lente cathedratico da faculdade de medicina -João Maria Baptista Calisto, primeiro lente substituto ordinario - Agnello Gaudencio da Silva Barreto, segundo lente substituto ordinario - Antonio Honorato de Carla e Moura, lente jubilado de mathematica - Agostinho José Pinto de Miranda, lente de prima e decano, da faculdade de mathematica -Francisco de Castro Freire, lente cathedratico da faculdade de mathematica - José Maria Baldy, lente substituto ordinario da faculdade de mathematica - Abilio Affonso da Silva Monteiro, lente substituto ordinario da faculdade de mathematica - Joaquim Gonçalves Mamede, lente substituto extraordinario da faculdade de mathematica - Manoel Martins Bandeira lente de prima e director da faculdade de philosophia
- Fortunato Rafael Pereira de Sena, lente cathedratico da faculdade de philosophia - Luiz Ferreira Pimentel, lente cathedratico de philosophia - Roque Joaquim Fernandes Thomás,
lente cathedratico da mesma faculdade - Manoel Marques de Figueiredo, lente cathedratico da mesma faculdade -Pedro Norberto Corrêa Pinto de Almeida, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Antonio José Rodrigues Vidal, lente substituto ordinario da mesma faculdade - Henrique do Couto de Almeida Valle, terceiro lente substituto ordinario da faculdade de philosophia - José Maria de Abreu, quarto lente substituto ordinario da faculdade de philosophia.
Dignos pares do reino: - Os habitantes de Coimbra tremeram pela sua conservarão e existencia politica ao vêr approvar uma proposta sem discussão ao simples aceno de um deputado não comprehendida nem no projecto de instrucção publica do governo, nem no da commissão da camara, que a nada menos tendia do que a tirar do centro das luzes o conselho doctor de instrucção publica, e formar do mesmo uma repartição na secretaria d'Estado dos negocios do reino, sem considerarão com o estabelecimento mais respeitavel da nação, com o progresso das sciencias, e mais que tudo com a economia e interesses do paiz!
Esta medida tão extraordinaria na sua materia e fórma, e inaudita nos factos parlamentares pela surpreza e rapidez do seu vencimento revelou bem depressa um pensamento occulto de destruição e ruina de uma das universidade mais cultas da Europa, e a quem nem o despotismo, nem as dissensões politicas, que teem dilacerado este pobre paiz, nem a moda das innovações se tinham a atrevido até agora a tocar-lhe!
Não tardou, senhores, um correio que a verdade não tocasse os corações ainda dos mais miópes e incredulos pela nova surpresa dos grãos conferidos aos alumnos da escóla polytechnica, e pela temeraria idéa de sujeitar e subordinar a universidade de Coimbra a seus ingratos discipulos congregados á voz do ministro para dominarem e castigarem a lealdade de seus mestres; e isto ao mesmo tempo que no governo absoluto da Allemanha se trabalha por tirar da escravidão as sciencias, e entrega-las aos progressos de uma bem entendida liberdade!
Não são porem sómente as considerações expostas, que teem lançado a cidade de Coimbra no maior sobresalto e consternação; ninguem hoje desconhece a desnecessaria creação de tres escólas de instrucção superior para trés milhões de almas, que a França no seu vasto territorio possue para trinta milhões de habitantes! Ninguem póde ignorar a impossibilidade de sustentar-se tres estabelecimentos de tal natureza, que alem de prejudicaiem o paiz, distrahindo os braços das differentes fontes da nossa industria, comportam uma despeza inutil e insupportavel no estado actual do nosso thesouro: todos preveem, portanto, que cedo ou tarde ha de apparecer esta questão no parlamento, e que é de proposito que se procuram armar á ligeira os estabelecimentos de Lisboa e Porto para dar o ultimo golpe de destruição na universidade de Coimbra, e acabar ao mesmo tempo com a terceira cidade do reino!
Ao vêr, senhores, tão estranho e assombroso espectaculo, perguntam os habitantes a si mesmo, como é possivel, que á sombra da Carta e da liberdade se procura anniquillar a golpe de machado a unica arvore que a vegeta, e frutifica? Como é que justamente na época, em que a academia marcha na estrada do progresso, em que as sciencias prosperam, se procura abafar este feliz ensejo? Como é finalmente que a loquacidade e vertigem de meia duzia de homens se procura sacrificar uma povoação de dez mil almas, e se entrega a mesquinhas considerações a sorte de um districto inteiro? A mesquinhas considerações, senhores, porque por mais que se pense, não é possivel achar a explicação de factos tão impensados como destruidores, senão no interesse e parcialidade de uma duzia de jovens que na verdura dos annos procuram sustentar um meio de vida com a ruina de seus mestres, do interesse das bciencias, e de uma cidade inteira, que em breve ficará reduzida a uma pequena aldeã, se uma mão protectora a não salvar da tempestade e do naufragio que a ameaça.
Ao menos, senhores, resta ainda uma camara essencialmente conservadora, um corpo por sua natureza independente, onde a madureza das deliberações é o seu principal caracteristico, em quem os abaixo assignados confiam que hão de achar abrigo ás vozes do interesse desta povoação, e que por certo não quererão manchar-se com o ferrete da destruição de uma das mais bellas universidades da Europa; e é nesta firme convicção que os abaixo dssignados supplicam á camara dos dignos pares do reino a rejeição destas provisões improvisadas, que não foram introduzidas no projecto da commissão de instrucção publica, e que tem por si mesmo na sua materia e fórma o cunho da parcialidade, injustiça, e ligeireza.
Coimbra, 22 de maio de 1843. - (Seguem-se 483 assignaturas.)
Dignos pares do reino: - A unidade é a qualidade integrante d'um systema de organisação de instrucção publica; cumpre pois que o espirito reformador, que tem de abranger todos os ramos de instrucção, mane d'uma só idéa, desenvolvida mais ou menos na sua a applicação, nada perca da sua essencia.
Graves damnos se seguirão sempre, todas as vezes que esta harmonia fôr alterada. As divisões de sciencias são obra do homem, que a cada momento experimenta a imperfeição dessa mesma obra. A natureza é uma, indivisivel, homologa em suas causas, e o methodo de á estudar será tanto mais philosofico, quanto mais fôr abrangida em todas as suas partes; e desta synthese tão vasta se poderão depois formular os membros mais ou menos perfeitos das classes scientificas.
Estes principios, tendo uma applicação stricta ás sciencias, que se poderiam julgar mais independentes, ficam sendo mais claros e perceptivel; todas as vezes que delles se fizer applicação aos dous ramos em que se póde considerar dividido a sciencia medica.
Senhores, a cirurgia e a medicina tem sido até agora desigualmente consideradas nas reformas feitas no nosso paiz. A camara dos nobres deputados póde desta vez conhecer a incoveniencia de tal desigualdade. Augmentou por tanto os preparatorios aos alumnos das escólas medico-cirurgicas, igualando-os aos dos alumnos medicos da universidade de Coimbra, e concedeu aos que frequentam o difficil campo da cirurgia o gráo de bacharel.
Inculcando porem a designação de bacharel em cirurgia a simples faculdade de exercer a profissão cirurgica, porventura com exclusão do exercicio da medicina propriamente dita, quando aliás esta se estuda d'igual modo nas escólas medico-cirurgicas do reino, entendem os membros da sociedade das sciencias medicas de Lisboa, como representantes dos interesses da sciencia, dever levar á camara dos dignos pares esta representação, em que pedem se addicione ao projecto de lei, que acaba de passar na camara dos srs. deputados que fique livre aos bachareis em cirurgia o livre exercicio da medicina em toda a sua extensão. D'outro modo será ir contra os proprios interesses publicos, realisando o pensamento, tantas vezes combatido, de pôr balisas entre o exercicio pratico da medicina e da cirurgia.
Senhores, a classe cirurgica honra-se muito em intitular-se assim; não distingue superioridade no titulo de medico, e é nos proprios estatutos da universidade de Coimbra que acha os argumentos, que offerece, tirados dos seguintes artigos:
"Sendo manifesto, que sem começar pelos
"males externos e cirurgicos, não se podem cu
"curar os internos com intelligencia, e que o di-
"vorcio entre a medicina e cirurgia tem sido
"mais do que todas as outras causas prejudicial
"aos progressos da arte de curar, e funesto á
"vida dos homens; não sendo possivel que seja
"bom medico quem não for ao mesmo tempo
"cirurgião, e reciprocamente: ordeno que o es-
"tudo da cirurgia pratica e especulativa acom-"panhe sempre o da medicina, e que daqui por "diante sejam todos os medicos ao mesmo tem-
"po cirurgiões, etc."
E mais abaixo:
"E mando que a cirurgia estudada e prati-
"cada em todas as suas operações por princi-
"pios scientificos, como se ha de ensinar na "universidade, seja considerada na mesma gra- "duação e nobreza em que até agora se teve a "medicina interna, pondo-se rigoroso silencio
"em todas as altercações e disputas, que sobre
"isto teem movido os fautores do referido di- "vorcio entre a medicina e a cirurgia, com tão
"grande prejuizo do bem publico. Não se en-
"tenderá comtudo por esta disposição que fiquem
"os simples cirurgiões flebotomistas ou sangra-
"dores elevados á graduação de medicos, quan-
"do forem meros executores das operações cirur-"gicas, e não tiverem unido o estudo da cirur-
"gia com o da medicina."
Á vista pois, senhores, da doutrina contida nos estatutos da universidade de Coimbra, que não admitte contestação, e das razões de justi-
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ça, que tanto assistem aos cirurgiões, a sociedade espera que a camara dos dignos pares conhecendo perfeitamente a igualdade dos estudos, que hoje teem os alumnos das escólas medico-cirurgicas de Lisboa, e os da faculdade de medicina de Coimbra, conceda de direito aos alumnos daquellas duas escólas o livre exercicio da medicina, que todos elles hoje desempenham de facto.
Sala das sessões da sociedade das sciencias medicas de Lisboa, em 23 de maio de 1843.= Dr. Bernardino Antonio Gomes, presidente da sociedade das sciencias medicas. = Nicolão Tolentino Carvalho Villa primeiro secretario. = Joaquim José de Almeida segundo secretario.
O sr. Silva Carvalho, por parte da commissão de fazenda, leu um parecer della, ácerca do projecto da outra casa, ampliando por mais um anno o tempo do pagamento das dividas contempladas no decreto, de ... de 1836; mandou-se imprimir.
O sr. Margiochi pediu que a mesma commissão quanto antes désse o seu parecer sobre as tabellas do projecto das estradas, a fim de que podesse passar na presente sessão da legislatura notou que este negocio estava impedido, porque a commissão precisava de certos esclarecimentos relativos á substituição do sr. Barreto Ferraz, e que não podendo obtê-los talvez nesta sessão, aquelle projecto ficaria parado, lembrava pois que ahi se introduzisse alguma disposição, em virtude da qual, ou fosse dado, um voto de confiança ao governo para resolver sobre o objecto daquella substituição, ou então que na lei se consignasse o principio de que aos povos que já pagassem para estradas fosse feito um encontro em relação aos impostoá nella decretados: concluiu que a commissão fosse convidada a apresentar o seu parecer, e que se désse brevemente para ordem do dia.
O sr. Silva Carvalho disse que se estavam copiando os pareceres a respeito dos objectos em que fallám o digno par.
O sr. C. de Lavradio requereu que este trabalho fosse logo discutido depois do projecto relativo á ilha da Madeira, a fim de se concluir nesta sessão, para o que ainda carecia de voltar á outra casa.
PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA.
Discussão do projecto de lei annexo ao seguinte
Parecer.
"A commissão de fazenda e administração interior examinou o projecto de lei, que veio da camara dos srs. deputados da noção portugueza, e que tem por fim beneficiar a ilha da ladeira, diminuindo os direitos de importação das mercadorias estrangeiras, e adoptando outras providencias beneficas e favoraveis á mesma ilha.
Attendendo a commissão ás circumstancias particulares daquella parte da monarchia, á natureza do seu terreno e productos, e sobre tudo é sua posição geografica, julga que as providencias legislativas do mesmo projecto lhe podem ser uteis até um certo ponto, e que não prejudicam a este reino de Portugal, pelo que e de parecer que o referido projecto seja approvado por esta camara para ser convertido em lei, obtendo-se a real sancção."
Projecto de lei.
Artigo 1.º Todos os generos, e mercadorias estrangeiras importadas na ilha da Madeira, e despachadas para consumo, pagarão só metade dos direitos estabelecidos na pauta geral das alfandegas.
§ " unico. Esta disposição não comprehende os direitos que estão applicados especialmente á dotação da junta do credito publico.
Art. 2.º Os generos e mercadorias estrangeiras reexportadas da ilha da Madeira para qualquer perto do territorio portuguez, pagarão na respectiva alfandega a quantia que faltar para a totalidade dos direitos impostos, na pauta a esses generos e mercadorias, e a differença de moeda insulana.
Art. 3.° Os generos da India e da China, que não forem importados na ilha da Madeira na conformidade da disposição do artigo 1.° da de lei de 6 de abril de 1836, não podem ser reexportada para nenhum porto do territorio portuguez.
Art. 4.º Aos individuos assim portuguezes como estrangeiros, que forem residir temporariamente na ilha da Madeira, é permittida a importação livre de direitos do trem, e mobilia do seu uso, obrigando-se a reexporta-los dentro de dezoito mezes contados do dia em que tiveram despachados na alfandega, sob pena de pagarem, logo que expire este prazo, os direitos correspondentes estabelecido na pauta. Para este fim os importadores prestarão fiança idónea, ou depositarão a importancia dos direitos segundo mais lhes convier.
Art. 5.° Os individuos que reexportarem da ilha da Madeira quaesquer mercadorias não serão obrigados a prestar fiança aos direitos, nem ficarão sujeitos a prestar em qualquer prazo certidão de terem despachado as mesmas mercadorias na alfandega do porto para onde forem remettidas.
Art. 6.º A legislação actual sobre vinhos, agoa-ardente, e cereaes fica em seu pleno vigor.
Art. 7.° Os generos e mercadorias estrangeiras que se acharem nos depositos das alfandegas de Lisboa e Porto, poderão ser despachadas por reexportação para a ilha dá Madeira, pagando sómente os direitos de sabida estabelecidos na pauta geral das alfandegas.
Art. 8.° Os generos de producção das possessões africanas importados em navios nacionaes que de Lisboa e Porto, se reexportarem para a ilha da Madeira, continuarão a ser despachados por transito na forma da legislação em vigor.
Art. 9.° Os generos e mercadorias reexportadas para a ilha da Madeira, e que alli forem despachadas para consumo, ficarão sujeitas ao pagamento dos direitos estabelecidos no artigo 1.°, mas serão despachadas livremente, sendo d'alli reexportadas para paiz estrangeiro, quando se apresente certidão de se acharem pagos os direitos de sahida nas alfandegas de Lisboa ou Porto.
Art. 10.° Os generos e mercadorias estrangeiras, que tiverem pago os direitos de consumo, e forem exportados de Lisboa e Porto para a ilha da Madeira, gosarão do beneficio da restituição de metade dos direitos de consumo que tiverem pago, os quaes serão encontrados em outros direitos que os exportadores tiverem de pagar nas referidas alfandegas.
Art. 11.° Os navios que aportarem á ilha da Madeira unicamente para refrescar e receber agoada e mantimentos, serão isentos de direitos de porto.
Art. 12.º O carvão de pedra é admittido livre de direitos na ilha da Madeira, e nas ilhas dos Açôres.
Art. 13.° O governo fará os regulamentos necessarios para levar a effeito as disposições desta lei.
Art. 14.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
O sr. V. de Laborim pediu que a camara fosse consultada sobre dispensar a discussão deste projecto na sua generalidade, a fim de se tractar logo de cada um dos artigos (apoiados}.
- Resolvendo pela affirmativa, foi lido o artigo 1.°, sobre o qual
O sr. Ornellas disse: -Sr. presidente, o commercio da ilha da Madeira, outro'ra florescente, rico, e proveitoso para a mãi patria, acha-se hoje prostrado e agonisante. Em o seculo passado, e muito antes das guerras com a França, no tempo da republica, era o commercio daquella ilha regular e proveitoso, pois que os seus habitantes nelle achavam meios sufficientes de subsistencia, e o Estado nelle encontrava não só os recursos necessarios para a satisfação dos avultados encargos locaes, como recursos valiosos, que muito o ajudavam no preenchimento, dos encargos da metropole. Durante a guerra peninsular, chamada da independencia, não teve limites a prosperidade daquella ilha: foi ella talvez, fallando em proporção do seu tamanho, o ponto mais rico do universo. Os seus vinhos não bastavam para satisfazerem as ordens dos consumidores. Tudo quanto se encontra hoje no Funchal de gosto, de luxo, e de recreio, deve-se a esse tempo feliz. Uma tal prosperidade não podia ser permanente: morreu com a queda do grande homem. Com a paz geral foi diminuindo, o commercio; porém a grande decadencia não se sentiu ao vivo senão quatro annos depois, em 1819. A legislação que, durante a guerra peninsular, tanto havia contribuido para concentrar naquella pequena ilha tamanhas, riquezas, tornou-se evidentemente perniciosa e ruinosa, depois da paz. Era pois preciso altera-la; mas os clamores e as supplicas, que desde logo se dirigiram ao governo, só foram attendidos no fim de tres annos, em 1822. Foi neste anno, segundo creio, que as côrtes acolheram as supplicas da Madeira, dando-nos a salutar providencia, que salvou o nosso commercio da sua total anniquilação. Eu fallo, sr. presidente, da lei que vedou a entrada da agoa-ardente estrangeira, é regulou os direitos da agoa-ardente nacional. Desde então, até ao tempo fatal da usurpação, póde dizer-se que o commercio se foi levantando, e aproximando do seu estado normal; póde dizer-se que elle era bom para os habitantes da ilha, assim como para o thesouro publico: era quasi igual, ao commercio das épocas anteriores á guerra franceza. O periodo que decorre desde a usurpação até á sua queda, foi um periodo de alçadas, prisões, emigrações, roubos, e vandalismo, sendo tudo sanccionado pelas authoridades desse calamitoso tempo. Tal de confiscos e dilapidações não póde ser da nem para esclarecimento, nem para operações estatisticas. Exportava-se então vinho, porque os miguelistas o bebiam, assim como o bebiam os quatro mil soldados que alli se achavam de guarnição. Com a restauração da Carta e do throno da Senhora D. Maria II que teve logar em 5 de junho de 1834 começou o commercio a retomar o seu andamento normal, sem que todavia interviesse nenhum legislação nova. Os habitantes achavam com facilidade os meios de subsistencia, e o thesouro satisfazia aos seus encargos, ficando-lhe ainda boas sobras. Assim íamos, quando se publicou a pauta geral das alfandegas, e se fez extensiva á ilha da Madeira em 1837.
Sr. presidente, antes de fallar dos perniciosos effeitos da applicação da pauta á ilha da Madeira, permitta-me v. exa. que eu comprove algumas das minhas proposições com dados e factos estatisticos. Eu disse que o thesouro, durante a guerra, e depois della, pagava os os cargos da Madeira, e que ainda lhe ficavam, valiosos recursos, que muito ajudavam, os encargos da metropole. Note a camara que encargos da ilha eram então mais onerosos do que hoje; havia um capitão general, percebia setecentos de réis; havia um estado luzido e brilhante; o capitão general e sete ajudantes de ordens, entre os quaes via coroneis e brigadeiros; o bispo percebia uma renda avultadissima; as demais eram generosamente retribuidas; e por consequencia as despezas d'então eram muito superiores ás de hoje. Note mais a camara que naquelle tempo, e depois da fatal alluvião de 1803, o thesouro dispendia grossas sommas, sommas que montavam a milhões, nas obras de canalisação das tres ribeiras que atravessam o Funchal. Todavia, sendo taes os encargos sendo taes as despezas, vejamos quaes eram os contingentes pecuniarios, com que a Madeira ajudava a mãi patria. (Leu differentes parcellas remettidas para Londres desde 1809 até e differentes despezas feitas com navios de guerra durante aquelle periodo, que importam na somma avultadissima de -2.345:813$042 réis.
Quando em 1837 se mandou applicar á ilha da Madeira a fatal pauta das alfandegas, todos os homens illustrados, e todos os negociantes experimentados do meu paiz, previram e eu fui um dos que vi claramente, que o nosso commercio ia ressentir-se e definhar-se A razão era clara e obvia; porque sendo o vinho a unica producção da ilha, e a unica compativel com a natureza do seu terreno; e não tendo ella outra alguma vantagem, senão a de se achar felizmente collocada num ponto do occeano, por onde passam todos os navios, que demandam as Wert-Indiaes, as indias orientaes, e o sul da America: não era razoavel; esperar senão grandes males das peas e torpêços, que a pauta trazia ao commercio francez desses navios; assim como do estabelecimento de direitos tão pesados, que evidentemente nos impediam de escambar nossos vinhos por quaes quer mercadorias.
Eu j sr. presidente, tive a honra, no tempo da administração do sr. Passos (Manoel), de ser nomeado presidente da commissão especial da pauta na ilha da Madeira, quero dizer, da commissão auxiliadora da comissão permanente, e que tinha; a seu cargo indicar e propôr as alterações, que devessem ser feitas nas differentes artigos da mesma pauta. A creação d'esta commissão foi feita por decreto de 14 de abril de 1837. Egualmente me coube a honra de ser o relator della; e peço licença á camara para lhe ler a profecia que então (em 1837) fazia a commissão ácerca da applicação da pauta, tal qual se achava: " vi
"nho sendo portanto a sua (da Madeira) gran
"de base de riqueza, é todavia um artigo de
"luxo, que para ter consummo, precisa mui-
"tas vezes de ser permutado por outros art-
"gos, ou sejam de primeira necessidade, ou
"sejam igualmente de luxo; e conseguinte
"mente já serve, que os direitos exorbitantes
"da pauta trazem comsigo uma mal evidente
"e immediato; parque vedando as permutta-
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"ções, que; dantes se fallam nos paizes estra-
"nhos, e frequentemente em o nosso porto
"(em occasião de passagem de navios); vem
"por isso a diminuir necessariamente a expor
"tação do nosso unico artigo. Daqui resulta
"a estagnação do vinho, a decadencia do seu a "preço, a pobreza dos proprietarios, a mise
"ria dos lavradores, e a ruina da provin
"cia."
Não foi senão depois de tres annos de uma experiencia ruinosa, e de um commercio assolador que nos levou todo o numerario, que se vio a completa ruina e desgraça em que se achava a ilha. Sr. presidente, assim como a quéda da grande prosperidade da Madeira, que teve por base a paz geral de 1815, senão sentio cabalmente, senão em 1819, tres annos depois; assim a queda do nosso commercio normal de 1837, quéda que teve por base a fatal applicação da pauta á Madeira, se sentio rudemente em 1840. A prova desta asserção está não tanto na estatistica da exportação do nosso vinho, como na explicação que darei sobre ella. Eis-aqui a estatistica (leu). Vê-se pois que a exportação do ultimo anno diminuio mais de duas mil e setecentas pipas do anno de 1839: mas note a camara que esta mesma exportação, bem como a dos annos anteriores (1811 e 1840) e uma exportação forçada, e ruinosa. A exportação regular e proveitosa era sempre feita, parte a ordens, parte a trôco, e parte a especulação, que muitas vezes se resolvia a troco; e os mercados naturais eram a Inglalerra, os Estados Unidos, as Wert-Indiaes, e a Russia para os vinhos baixos. Hoje que os lavradores dão o seu vinho por preços miseraveis, porque ninguem os quer comprar, e as casas inglesas quasi pararam com o seu giro, são os proprios portuguezes, e entre elles os filhos dos lavradores, que por falta de meios para sustentarem seus vinhos em armazens, e levantarem cascadura nova onde recolham os novidades subsequentes, levam os seus vinhos a especulação aos mercados de Hamburgo, e de S. Petersburgo. Alguns alli ficam totalmente arruinados, e os mais felizes apenas alcançam pouco mais da liquidação necessaria para cobrir as despezas dos direitos, do frete, da cascadura, do seguro, e do porto do seu destino. O mercado da Russia, que nunca consumia mais do mil pipas de vinho Madeira, tem nos ultimos annos sido abarrotado com duas, e tres mil pipas; e o mesmo tem succedido com o mercado de Hamburgo. Daqui tem nascido que o vinho, achando-se despreciado, e não sendo comprado nem para expecular, fica sem valor na mão dos pobres lavradores, que por isso se acham cobertos de fome e de miseria. É desta miseria, sr. presidente, que tem resultado a grande tendencia, o grande desejo, que tem os camponezes da Madeira para emigrarem. Em 1841 emigraram cinco mil desgraçados, que quasi todos pereceram nos pantanos de Demavara!! Por uma coincidencia singular, quando a miseria apertava os habitantes da Madeira, formavam-se companhias em Londes que promoviam a emigração para Demavara. Todos sabem que depois da emancipação dos escravos nas colomnias inglezas, os proprietarios não tinham meios de amanharem suas terras, visto que os prelos não queriam trabalhar; e por isso recorreram á emigração dos brancos. Tem-se aqui dito que esta emigração se fazia por meio de seducções, e de enganos: eu posso dizer o contrario, pelo que respeita á emigração da Madeira. Eu mesmo tive occasião de explicar a alguns daquelles desgraçados o perigo a que íam expôr-se n'um clima tão pestifero como o de Demavara: responderam-me que "antes queriam morrer do sezões com a "barriga cheia, do que morrer de morte len "ta á mingoa, e á fome."
Sr. presidente, esta emigração tem cessado, e duas são as causas; a 1.ª e porque as companhias, que a promoviam perdeiam os seus fundos, visto que os emigrados lhes morreram sem lhes darem proveito; e a 2.ª e porque o ministerio, attendendo só á sua philantropia, á sua compaixão, aos clamores da imprensa periodica, e ás interpellações dos membros do parlamento, tem feito levantar obstaculos que impedem a livre sabida dos emigrados. Eu respeito tão generosos sentimentos; mas, sr. presidente, outra e a opinião do meu paiz. Eu julgo, sr. presidente, que para impedir os terriveis effeitos da emigração, só não devem obrigar os miseraveis camponios a morrerem de fome; porque tal alternativa e uma verdadeira tyrannia. Julgo tambem que os obstaculos inventados são outras tantas violações da Carta constitucional no art. 145.º §, 5° que diz assim (leu).
Sr. presidente, eu podera fazer muitas considerações sobre os máus effeitos da pauta; e poderia aqui expor o que eu mesmo escrevi no relatorio dos trabalhos da commissão crendo, por occasião da catastrophe occorrida em 34 d'outubro do anno passado, por decreto de 16 de novembro de 1842. Aqui tenho na mão o autographo desse relatorio; mas nem quero fazer de pedante, nem desejo cançar a camara; sobre tudo presentindo eu que este projecto previdente, emanado do governo, por effeito de profunda convicção, como se conhece dos luminosos principios, que apparecem tão bem deduzidos no relatorio que o precede, tem encontrado as sympathias de todos, assim na outra camara, como nesta. Ha cousas que se demonstram pelos modos e pelos gestos; e o meu presentimento deriva-se da generosidade com que na ultima sessão os dignos pares consentiram unanimamente, que este projecto viesse hoje para ordem do dia.
Eu agradeço a camara, em nome do meu paiz, esta benevolencia: eu agradeço ao governo a solicitude com que andou para dar uma mão d'auxilio á infeliz Madeira; e agradeço-lhe tanto mais, quanto e esta a primeira administração que se deixou penetrar da justiça dos nossos clamores.
Se esta sympathia do governo e das camaras se originou da espantosa catastrophe, que teve logar na pobre Madeira; e se tanto foi necessario para entrarmos n'um systema de legislação propria, especial, e adaptada á localidade, e mais circumstancias que acompanham aquelle paiz excepcional; então, sr. presidente, protesto que nunca mais chamarei calamitoso aquelle acontecimento; antes chamar-lhe-hei: "Aluvião benefica, regeneradora, e até estimavel." Sr. presidente, a ilha da Madeira necessita altamente de uma lei que lhe permitia escambar, permutar, e commerciar: necessita de uma lei que lhe permitia constituir-se uma grande estalagem no Oceano. Esta lei que se discute levanta as maiores difficuldades; ha de moderar a emigração: portanto voto por ella, e espero da generosidade da camara que a ha de fazer passar (muitos apoiados).
O sr. V. de Villarinho de S. Romão (membro da commissão) disse que não pedira a palavra para combater o projecto, mas para o sustentar se elle tivesse alguma opposição; entretanto queria chamar a attenção da camara sobre algumas cousas essenciaes a este respeito.
Disse que fôra o redactor do parecer da commissão, e ahi dissera que elle "julga que as providencias legislativas do mesmo projecto lhe podem ser uteis (á Madeira) até um certo ponto" etc., e era este certo ponto o que o digno par ía mostrar.
Que a historia que a camara acabava de ouvir, do grande commercio e decadencia dos vinhos da Madeira, vinha a ser tambem a historia de outros vinhos, pois que o mesmo que alli se passara acontecia tambem no Porto, na Estremadura, na Bairrada, etc.: que houve uma causa pela qual, depois de 1814, todos os vinhos começaram a ter diminuição de preço, cujos effeitos sentiram todos os paizes vinhateiros; causa que não podia remediar-se por nenhuma providencia particular, que se reduzia á excedencia do genero ao consumo (apoiados) e por tanto era um objecto que não dependia das leis, mas unicamente dos mere dos estrangeiros. Que por isso elle (orador) não entendia que do projecto se seguissem todos os bens que esperava o seu digno, collega, e que (o sr. visconde) tambem muito desejava.
Disse que as vantagens de que fallava o parecer da commissão eram outras, e se deduziam da situação geographica, da ilha: que facilitando alli a entrada das embarcações estrangeiras, não se lhes exigindo direitos do porto, e outros, muita gente ganharia a sua vida, e grandes lucros deixariam áquella população - cargas, descargas, alugueis de armazens etc., podendo ao mesmo tempo trocar-se uma grande parte do seu vinho por fazendas estrangeiras, que era o essencial: que o augmento da exportação havia de crescer, mas não muito, porque mal convidavam mercados onde os preços dos vinhos estão em proporção da grande concorrencia, vista a quantidade que a elles afflue de toda a parte.
O orador alludiu então á opinião que existia na Madeira contra as pautas das alfandegas, como se elles fossam alguma novidade entre nós, e como se nos outros paizes as não hovesse! - Fez algumas observações a este respeito, e tambem a respeito da emigração, concluindo por votar a favor de todo o projecto.
- Sobre proposta do sr. Silva Carvalho, deu-se a materia por discutida, e approvou-se logo o artigo 1.° e seu §.
Seguidamente foram approvados sem debite todos os outros artigos que constituiam o projecto, taes como se achavam redigidos.
O sr. Silva Carvalho apresentou o trabalho da commissão de fazenda resultado do exame das tabellas, e da proposta do sr. Barreto Ferraz, tudo relativo no projecto das estradas: mandou-se imprimir.
SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA.
Discussão geral do projecto de lei sobre a venda
dos fóros.
(V. Diario de 24 do corrente, n.° 120, pag. 887.)
O sr. C. de Lavradio começou duvidando se o projecto podia tractar-se nesta sessão, sem receber nova iniciativa, por isso que tendo sido remettido á cantara na do anno passado, entendia haver caducado.
Propoz mais que fosse adiado, e disse o não fazia por tatica de opposição, mas por lhe parecer de necessidade. - Que se estavam fazendo leis as cégas, por não haver na camara os necessarios esclarecimentos para legislar. Que nesta pedia o governo faculdade para vender cousas que elle mesmo não sabe o que sejam, e por isso julgava indispensavel diversas relações, as quaes logo pediria. Que o governo queria vender estes fóros, para depois receber o dinheiro e o dissipar, privando o paiz de um rendimento certo, e de facil cobrança.
Observou que a maior parte destes fóros, de cobrança não duvidosa, estava persuadido que eram das extinctas ordens religiosas: que quando ellas o foram, o Estado contrahira a obrigação de sustentar esses homens, sendo Hypotheca especial dessa obrigação os bens que lhe pertenciam, ficando a nação herdeira delles depois da sua morte: que com esses bens se poderia então pagar uma grande parte da divida publica; mas não acontecera assim, e se tinham lançado pela janella fóra, fazendo-se as vendas sem attenção ao paiz, e só ao proveito particular, destruida deste modo uma immensa riqueza nacional. Que a sua opinião (do orador) era que estes bens que ainda restam por vender, e pertenciam ás ordens religiosas, fossem dados em administração aos egressos, nomeando elles commissões para isso (notou que umas que tinha havido, foram nomeadas por patronato), a fim de tirarem d'ahi a sua sustentação, dando-lhes o Estado o que faltar, e herdando a parte daquelles que forem morrendo, a que se deverá dar applicação de beneficencia. Concluiu annunciando que ía mandar uma proposta para mesa.
O sr. vice-presidente observou ao digno par que a lei de 7 de marco de 1835 determinava que os projectos enviados de cada uma das camaras á outra só caducariam no fim da legislatura.
O sr. C. de Lavradio respondem que então não tinha razão na sua primeira duvida mas que as outras subsistiam; apresentou a seguinte
Proposta.
"Proponho o adiamento até que o ministerio remetta:
1.° Uma relação de todos os fóros e pensões de cobrança não duvidosa.
2.º Uma relação de todos os fóros de cobrança duvidosa com a declaração dos que são pagos, e dos que o não são, e qual o motivo.
3.° Qual foi o motivo por que estes fóros e pensões foram incorporados nos bens nacionaes."
- Não foi admittida á discussão.
O sr. Silva Carvalho disse que lhe não pareciam concludentes as ponderações que se faziam para sustar uma medida que já estava decretada por mais de uma lei, a de 15 de abril de 1838, e a de 7 de abril do 1838. Que nellas se decretava a venda dos fóros, e pensões pelo methodo, que a ultima lei estabelecia: que esse methodo, e esse modo não fôra sufficiente, e que por isso o projecto em discussão apresentava outro, donde se esperavam melhores resultados: que elle o sustentaria com algumas declarações; principalmente sobre os fóros, e pensões de duvidosa cobrança, que do projecto deviam ser eliminados.
Que se fallára no prejuizo, que viria á fazenda de uma tal alienação mas que devia reflectir-se, que era necessario pagar dividas, que não admittiam; a espera; e que não bastando o rendimento annual, será necessario vender o capital: que nisto lucrava a fazenda, não
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só porque pagava, porque se fundo, que com o andar do tempo diminuia, e se arriscava, mas porque se livrada de uma cobrança annual, incerta, dispendiosa, e que pouco proveito lhe podia dar pelos abusos, e dilapidações, o que era sujeita: que o emphiteuta ganhava, porque tornava livres os seus predios; evitava litigios, cuja sorte era sempre duvidosa; que o especulador tinha occasião de alcançar um fundo estavel, que com mais facilidade pedia augmentar, trocar, e vender; donde vinham as suas, maior facilidade na imposição do tributo, e nos meios da sua cobrança; o que era tambem mui vantajoso para o thesouro. Que os dominios da corôa primeiro se mandaram vender por vinte pensões, e tres Laudemios; mas que sendo por este modo a venda difficilima, viera a lei de abril de 1834, e estabelecêra a venda por vinte pensões, e um laudemio; e que nem assim poderá remover as difficuldades, que obstavam á venda dos fóros, e pensões: que traria para exemplo o contracto, que se fizera com a companhia confiança, para o que se destinaram quinhentos contos de reis, para pagamento de uma divida contrahida de dons mil e quatrocentos contos, parte dos quaes deviam sahir dos fóros vendidos por vinte pensões, e meio laudemio: que achando a companhia grande difficuldade na venda por este modo; pois que apenas realisára trinta contos de réis, cedêra ao governo a venda do resto, para lho substituir por muitos meios; que o mesmo governo achára grande difficuldade na venda dos fóros, e pensões, já substituidos por outros meios, de que se privára; porque o dinheiro hoje valia mais do que cinco por cento; que valia doze, dezoito, e ás vezes vinte e quatro; e que assim mesmo era necessario, que as firmas fossem escriptas por punhos de renda de Franca: que ninguem por tanto empregaria seus capitães em fundos, que mal seguros dariam, apenas, tres por cento, quando na praça tinham melhor emprego: e que esta era a razão, por que o governo tinha com este projecto procurar um preço, que se não era ao nivel do valor do dinheiro, ao menos, mais se aproximava; muito mais quando considerássemos a utilidade, que tinha o foreiro em ver livre a sua terra, e a sociedade com a massa de bens, que immediatamente entravam em circulação. Que isto era bastante; e que por tanto deixaria de estar em considerações politicas, de que não faria uso agora, por não gastar mais tempo com materia, que era trivial a todos; e que só teria cabimento, se se tractasse de alcançar permissivo para venda de fóros, e pensões; mas que este; não era ocaso, porque essa permissão estava concedida; e que agora só se tratava do melhor meio de a realisar.
O sr. C. da Taipa disse que nesta lei havia cousas a favor das quaes votam, se o actual ministerio tivesse mostrado o orçamento da sua despeza com as economias razoaveis feitas para as diminuir; mas que havia outras cousas que elle (orador) não votaria a ministerio nenhum. - Que nós em Portugal parecia estarmos na casa dos orates, porque tudo se fazia sem analyse, sem estatisticas, e sem conhecimento de causa! Que lado se vendia com tanto que désse alguma cousa.
Notou que esta questão dos fóros estava promovendo uma guerra civil; e isto devia levar o governo a olha-la com attenção, leva-lo mesmo afazer deste assumpto uma questão ministerial, para com ella viver ou morrer politicamente. Que (o sr. conde) não conhecia questão de maior importancia no paiz, pois era questão que punha a gente contra a gente, os senhorios contra os foreiros, estes contra aquelles, e de que se valiam os intrigantes para levantarem os povos uns contra os outros.
Observou depois que a lei actual se tornara inexequivel (citou um exemplo); e proseguiu que a respeito dos fóros de cobrança duvidosa não sabia como se achava no projecto a disposição que os mandava vender, por quanto era contra todos os principios de direito vender uma cousa que está letigiosa, e muitos fóros desses o estavam effectivamente pelo decreto de 13 de agosto. Que esta venda se reduzia a uma loteria mas sem igualdade, sem ao menos aquella probabilidade que convidasse ao risco.
Disse que era neccessario ir o governo á camara dos deputados, e propor decididamente uma lei de foraes, para acabar com todas estas cousas. - Explicou depois que eram inadmissiveis as actuaes pertenções, e tanto dos senhorios como dos foreiros, porque ambos os casos traziam comsigo o resultado de uma lei agraria; e conseguintemente não havia remedio senão adoptar um juste milieu - definir o que são bens da corôa, absolver as dividas do tempo que lá vai, estipulando para o futuro o que parecer razoavel, acabando assim o elemento revolucionario que lançou o pomo de discordia no meio desta nação.
Resumindo-se ao projecto disse, que a nenhum governo votaria o artigo 3.°, e que ao actual não votaria nem o 1.°, porque lhe não explicava em que gastam o dinheiro do anno passado, nem expunha claramente quanto, e para que o precisava no anno futuro: terminou contra todos os artigos.
O sr. ministro dos negocios estrangeiros começou observando com o sr. Silva Carvalho que esta lei era de menos importancia do que parecia ao digno par, porque tendia só a effectuar a venda de certos fóros, e não a mandar que se vendessem, pois isso já estava decretado. Que todo o mundo sabia que ao minimo estabelecido não havia lançadores, e assim o governo propozera que se marcasse outro que chamasse licitantes; e a isto se reduziu o pedido do ministerio.
Observou que na medida decretada haviam tomado parte, os partidos politicos em que o paiz se acha dividido. Conveio em que o preço dá quinze pensões ainda seria muito, e manifestou estar persuadido que poderiam diminuir-se talvez a doze (apoiados), porque isso não prejudicava a fazenda, ao contrario, quanto mais modico fôr esse typo, pensava que tanto maior concorrencia haveria na praça, e tanto melhores vendas se fariam.
Respondendo ao ultimo orador, quanto á falta de orçamentos e de contas, notou que se isto se dissesse na China, bem estava, mas dizer-se em Portugal, quando o ministerio apresentara o orçamento no mez de janeiro com os os seus projectos de meios, quando o sr. ministro da guerra e os seus collegas haviam mandado distribuir as respectivas contas, parecia significar que o digno par se não dava muito a leitura destes objectos; e (accrescentava) que fazia muito bem porque elles eram dos mais aridos que se conheciam!
Proseguiu que lhe parecia muito util tractar agora deste assumpto, porque, se assim não fosse, havia de discutir-te quando da outra viessem a esta camara as medidas financeiras do anno seguinte: que este era um dos meios de que lançara mão a commissão de fazenda da outra casa, nem podia deixar de o ser, porque em quanto o governo tem alguns, fôra uma impiedade das maiores deitar tributos novos ao povo, ou contrair emprestimos (que não podiam deixar de ser usurarios). Disse que os dignos pares não deviam estar tão inscientes, porque o inventario destes bens tinha sido publicado em muitas peças officiaes, e o seu cadastro existia na terceria repartição do thesouro desde 1835. Que se desde o anno passado tivessem pedido esclarecimentos a este respeito, ha muito que poderiam ter vindo. Repetia que se tractava de meios, e (o sr. ministro) estava certo que os sr. C de Lavradio e da Taipa não haviam de querer se lançasse um só real ao povo em quanto existissem outros meios suaves á disposição do governo, a não ser que houvesse algum plano catholico de tornar a dar isto aos frades; que a este respeito fazia justiça ás intenções do digno par; mas, se passasse uma das medidas apontadas por s. exa. que o publico não a havia de interpretar de outra maneira.
Relativamente aos egressos, declarou o orador, que essa classe tinha merecido toda a attenção á commissão de fazenda da outra camara, e que, mesmo nesta sessão, havia de apresentar uma proposta para pôr um termo ao estado irregular em que o seu pagamento tem andado até aqui. Alludindo ás commissões dos egressos, disse = que não sairam mas la grande cousa; = mas isso era mais uma prova de que o governo não devia ser administrador.
Quanto a dizer o sr. C. da Taipa - que o governo se devia pôr á frente, e fazer uma questão ministerial da reforma da lei dos fóros - confirmou que assim o havia de fazer, accrescentando que o respectivo projecto havia de apparecer na outra casa (cria que o mais tardar) na semana proxima, porque assim o tinham promettido os membros da competente commissão, concordando (o orador) em que essa lei não podia deixar de ser de transacção, e de conciliação (apoiados}, ainda que não podia agora responder por qual seria o voto dos seus collegas a este respeito.
Terminou dando o seu assentimento á idéa do sr. Silva Carvalho, sobre, o artigo 2.º do projecto e seus §§.; e assegurou á camara, que o producto dos fóros havia de ser para pagar despezas legaes, que as côrtes decretarem, na proximo anno economico, mas não para dissipar como dissera um digno par, ainda que de um modo tal que parecêra reconhecer a offensa feita ao ministerio quando usára desse termo.
O sr. Silva Carvalho observou que tudo o que tinha exposto o sr. C. da Taipa era bom, mas para outra occasião, para quando se tractasse de fazer uma lei de foraes, a qual em nada se prejudicava pelo projecto em discussão: que havia tres ou quatro annos que na outra se tractava constantemente dessa medida, e estava persuadido que brevemente havia ser em lei, posto, que (ao orador) parecia, no encontro das opiniões, que essa lei devia ser trabalho de um homem só, que combinando todos os interesses podesse preencher as diversas indicações do assumpto. - O orador proseguiu fazendo breves reflexões sobre o projecto; e concluiu pedindo que fosse julgado discutido.
Consultada a camara assim, o resolvia.
Passou-se á votação sobre a generalidade, a qual (sobre proposta do sr. C. da Taipa) resolveu a camara fosse nominal.
Disseram approvo os dignos pares
Srs. D. da Terceira,
M. de Fronteira,
M. de Santa Iria,
C. de Linhares,
C. de Lumiares,
C. de Paraty,
C. de Santa Maria,
C. de Semodães,
V. de Beire,
V. de Laborim,
V. de Oliveira,
V. da Serra do Pilar,
V. de Villarinho,
B. de Ferreira,
Gamboa e Liz,
Serpa Saraiva,
Margiochi,
Tavares d'Almeida,
Silva Carvalho:
disseram rejeito es dignos Srs. M. de Ponte de Lima,
C. de Lavradio,
C. de Rio Maior,
C. da Taipa,
V. de Fonte Arcada,
Saldanha Castro,
Geraldes,
P. J. Machado,
C. de Villa Real.
Ficou por tanto approvado por 19 votos contra 9.
Lido o decreto das côrtes sobre os direitos que se devem pagar na Madeira;
O sr. vice-presidente deu para ordem do dia discussão especial do projecto dos fóros, de veado passar-se ao da venda dos bens-nacionaes; e (havendo tempo) ao dos sargentos ajudantes; fechou a sessão pelas quatro horas
CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sessão em 26 de maio de 1843.
(Presidencia do sr. Gorjão Henriques.)
DEPOIS de feita a chamada e achando-se presentes 72 srs. deputados, declarou, o sr. presidente aberta a sessão meia hora depois do meio dia.
A acta foi - approvada.
(Achavam-se presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros e da justiça.)
Declarações de voto.
l.ª Do sr. Silva Sanches: - Declaro que se estivesse presente na sessão do dia 24, quando se approvou o artigo 1.° do projecto n.° 1, pelo qual foram elevados de seis a dez por cento os direitos, que a titulo de emolumentos se arecadam mis alfandegas dos, portos de mar, rejeitaria similhante augmento, e principalmente o que respeita á alfandega das sete casas.
2.ª Do sr. Silva Cunha. - Declaro que ao se estivesse presente na occasião da votação da emenda offerecida pelo sr. Xavier da Silva para serem as sete casas exceptuadas do augmento do imposto, votaria pela sua approvação.
Mandaram-se lançar na acta.
Expediente.
1.° Um officio da camara dos dignos pares do reino, participando ter sido approvado naquella camara o projecto que isenta, de 35 objectas, importados para a theatro nacional de D. Maria 2.ª - Inteirada.
2.° Outro do ministerio, da guerra, a lista de antiguidades dos officiaes, de cavalla-