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DIARIO DO GOVERNO. 995

podia dar-lhe razão, mais palpavel do que a mudança de systema; que segundo o systema antigo, em que os juizes de fóra eram mudados de tres em tres antigos, esses magistrados tinham o civel, o crime, os orphãos, a policia, a administração, em fim tinham jurisdicção em tudo; mas que hoje, em logar daquelle, havia um juiz de direito que julgava no civel e crime com jurados, e que nada tinha do administrativo nem de nenhum dos outros ramos de que os juizes de fóra conheciam: que esta razão por tanto parecia da a mais forte, a mais cabal, e a mais constitucional para mostrar a differença que o digno par não via (apoiados).

Acerca da conveniencia de fazer demorar por seis annos os juizes de direito nos seus Jogares, observou que pelo systema antigo acontecia, quando um juiz estava mais preparado para tomar conhecimento dos negocios, então e que a lei o fazia lançar d’ahi para fóra, mandando-o para onde elle talvez carecesse do conhecimento necessario para bem administrar justiça: que outro inconveniente havia em que os juizes fossem necessariamente transferidos depois de um certo prazo, e era que tendo algum dos da capital preenchido esse tempo, como vagasse qualquer logar do districto da respectiva Relação, teria de ser mudado para ahi, vindo a substitui-lo outra que estivesse n’um logar onde a falta de pratica o não podia habilitar para servir tão bem como o primeiro, do que resultariam inconvenientes ao serviço publico.

Depois de outras observações neste sentido, o orador concluiu o seu discurso.

O Sr. Serpa Saraiva defendeu o artigo apoiando as razões do sr. ministro da justiça. (Nada podêmos extractar pelo sussurro que havia na sala.)

O sr. V. de Laborim apoiou os dous precedentes oradores. — Quanto a objectar-se a palavra poderão, que se ha no artigo, respondeu que já se tinha respondido ser a mesma que apresenta a Carta. Sobre o estabelecimento dos seis annos para as transferencias, disse que o sabio monarcha D. Manoel, olhara (como já o tinham feito alguns dos seus antecessores) com indignação para os excessos praticados pelos juizes ordinarios, em resultado do que se crearam os juizes de fóra para todo o a reino, determinando-se tambem que elles servissem por tres annos, e o tempo que decorresse depois, á vontade do Soberano, julgando-se então que nesse prazo os mesmos juizes não adquiririam relações nas terras, e administrariam justiça com toda a sanidade da mesma justiça: que porém o andar dos tempos fizera ver que do espaço de tres annos não provinha utilidade aos povos, passando a ser muito frequentes as reconduções, que se obtinham por meio das representações das camaras (ou mesmo de alguns de seus membros), e tambem dos povos.

O orador observou depois que na boa execução da lei era preciso encarar o peso das circumstancias, o que nascia da experiencia, a qual se não podia obter em tres annos. Notou tambem a excessiva differença que havia entre as attribuições de um juiz de fóra, e as de um de Juiz direito, o que tornava necessario que o primeiro servisse no mesmo logar por um prazo muito mas curto. Fez ver em fim, que os povos hoje reconheciam os seus direitos, e sabiam dirigir suas queixas a quem competia, e por tanto não podia haver receio de que um magistrado lhes podesse ser nocivo por se demorar no mesmo logar, em vez de tres, seis annos. Não querendo repetir outros argumentos já expostos, disse que se limitava a approvar o artigo como estava no projecto.

O sr. Tavares d’Almeida sustentou largamente a sua opinião, tractando de responder á opposta.

O sr. C. de Lavradio sustentou que o artigo em questão não podia ser adoptado, não só pelos argumentos apresentados pelo sr. Tavares d’Almeida, mas tambem por ser opposto ás disposições clarissimas da Carta. Tendo lido o artigo 120.º observou que nelle se determinava que n’uma lei regulamentar se marcasse o tempo e maneira porque os juizes de direito seriam mudados; que no artigo do projecto não havia nenhum tempo marcado, e apenas se dizia que no fim de seis annos o governo podesse transferir os mesmos juizes, mas sem lhe impôr essa obrigação;, disse que por tanto o artigo era arbitraio, mas neste claramente opposto a letra e ao espirito da Carta.

Proseguiu que apresentava esta especie á consideração da camara, por lhe parecer que não havia sido tocada, e diria mais alguma cousa sobre a materia conforme o sen estado de saude lho permittisse. O digno par effectivamente adduziu algumas razões contra a doutrina do artigo, declarando a final que o rejeitava.

O Sr. Barreto Ferraz impugnou-o depois; e tractando de responder ao argumento, que a favor do artigo se deduzira das differentes disposições da Carta e da Constituição de 38 dias que as reflexões do sr. C. de Lavradio deixavam bem conhecer que o modo das tranferencias e o tempo dellas, pela mesma Carta, ficavam dependentes da lei regulamentar; que por tanto em nada se infringia, nem a letra, nem o espirito da lei fundamental, se em logar do facultativo se usasse de um termo preceptivo.— Quanto a dizer-se que não podiam proceder os receios de um digno par, em vista das differentes attribuições dos antigos juizes de fóra, e dos modernos juizes de direito, observou (o orador) que com quanto reconhecesse que effectivamente havia grande differença entre umas e outras, e que as dos ultimos são mais limitadas do que eram as dos primeiros, porque excluiam varios ramos de que estes em outro tempo se achavam encarregados, comtudo entendia existir ainda quanto bastava, para se dever procurar por todos os meios desviar os juizes de direito da occasião de abusarem de suas faculdades; sobre este ponto accrescentou que não podia valer a consideração de que actualmente julgam com jurados, pois era sabido que, mesmo pelo systema em vigor, havia muitos casos nos quaes elles decidiam só por si, ficando-lhe assim ainda muita authoridade para poderem vexar os povos, o que bastava para dever acautelar os inconvenientes que possam resultar a qualquer districto da excessiva demora que nella tenha esse juiz. Por estas razões, e porque a sindicancia determinada na reforma judiciaria ficaria annullada pelos effeitos do projecto, insistia em que o artigo fosse redigido, substituindo ás palavras — poderão ser — serão, e alterando o prazo de seis para tres annos.

O sr. Serpa Saraiva, defendendo a redacção do artigo do projecto, sustentou que à disposição da Carta, que com elle tem relação, era facultativa e não preceptiva, porque a Carta exigia que a lei regulamentar determinasse, mas não dizia a maneira, e por tanto de qualquer modo ficava preenchido o seu preceito.— O digno par fallou depois das garantias, mostrando-o que o era, e muito verdadeiras para os povos, o poder ser mettido em processo aquelle juiz que desse escandalo no exercicio do seu officio: que outra garantia era essa mesma sindicancia (que se acabava de citar) determinada na reforma judiciaria, e outra a consulta que se exige do supremo tribunal de justiça para os casos da transferencia por bem do serviço.— Tendo exposto outras observações, concluiu o orador que o artigo nem offendia a Carta, nem era contrario a conveniencia dos povos, devendo approvar-se por ser conforme ao objecto de que nesta lei se tractava.

O sr. ministro da justiça, em resposta ao argumento sobre que o sr. C. de Lavradio chamara a attenção da camara — quando sustentara que o artigo era opposto á disposição da Carta— disse que ainda não vira projecto de lei regulamentar mais conforme a Carta do que este em discussão: que pela doutrina do artigo 120 (leu-o), o legislador estava na inteira liberdade de marcar o tempo, e a maneira por que as transferencias dos juizes devem ter logar; que os seis annos fixados no projecto era um tempo no fim do qual o poder executivo ficava authorisado a transferir, mas que podia deixar de o fazer se o bem do serviço assim o exigisse: não via por tanto que nem sofisticamente fosse possivel apresentar uma idea que pozesse em questão a conformidade do artigo assim é letra como ao espirito da Carta. — S. exa. continuou respondendo a varios argumentos, principalmente do sr. Tavares d’Almeida.

O sr. C. de Lavradio insistiu nas suas idéas, e foi dada uma explicação por aquelle digno par.

O sr. Silva Carvalho manifestou que, se em sua mão estivesse, faria uma lei para tirar a inamovibilidade aos juizes de primeira instancia, por entender que ella não e muito conveniente ao serviço publico, e que, para salvar o principio da Constituição, se podia determinar, como acontece em França, que o governo podesse remove-los quando quizesse, sem o que se não devia exigir responsabilidade aos ministros por actos que tinham relação com a administração desses magistrados: que um juiz estava até agora tres annos n’uma terra, e podia lá commetter crimes, porque em não sendo daquelles que se demonstrassem com provas, já o governo não tinha meios para o remover. Reconhecia que a Carta os tornava inamoviveis, mas (disse que) por um tal systema só em Portugal o eram!

O orador alludiu então ao modo porque os juizes desempenhavam as suas obrigações em Inglaterra, citando a este respeito a opinião de lord Bourgham.

Quanto ao mal que alguns dignos pares viam na possibilidade de qualquer juiz se demorar seis annos na mesma terra, disse que a experiencia não apresentava fundamentos para similhantes receios: observou que alguns magistrados antigamente fizeram todos os logares em um só até chegarem ao desembargo do paço, porque os povos pediam as suas successivas reconducções, e esses magistrados conhecendo a Índole e inclinações dos mesmos povos se serviam disso muitas vezes para evitar as demandas. Repetiu tambem que a influencia dos juizes de direito era quasi nenhuma, comparada com aquella que um juiz de fóra tinha antigamente, a qual era tanta que um certo chanceller, ao dar-lhes juramento, costumava dizer = Deos permitia que nunca saibas a jurisdicção que levas, = e que na verdade o regimento desses magistrados importava tudo.

O digno par concluiu que se o juiz fosse bom, o governo era o primeiro que tinha interesse em o conservar, e se fosse máo, que nesta lei tinha os meios de o mudar antes dos seis annos, sem que por outro lado lhe fosse tolhido o mandar sindicar do seu comportamento, e até manda-lo metter em processo se tivesse queixas contra elle.— Votou pelo artigo como estava.

Foi enviada á mesa pelo sr. Tavares de Almeida a seguinte emenda:

« Em vez de — poderão — serão; e em logar de — seis — Ires annos. «

— Foi admittida á discussão.

E como não houvesse mais ninguem inscripto, Sendo a emenda proposta, ficou rejeitada, approvando-se logo o artigo como estava no projecto.

O seguinte §. approvou-se sem discussão.

§. 1.º Esta transferencia será feita dentro do districto da Relação em que servirem os juizes; e no districto da Relação de Lisboa, sómente no continente do reino. Os juizes de direito das ilhas da Madeira e Porto-Santo poderão ser transferidos de uns para outros logares das mesmas ilhas.

Leu-se o

§. 2.° Nenhum juiz poderá ser transferido para logar da sua naturalidade.

O sr. Silva Carvalho disseque, coherente com aquillo que se tinha votado, apresentava este additamento:

«.... á excepção de Lisboa e Porto. »

O sr. ministro da justiça sustentou que o principio que servira de base ao artigo se não verificava em relação ás duas populosas cidades de Lisboa e Porto, na primeira das quaes (por exemplo) um homem natural della, mas residente em Belem nem conhecido é no Grillo, e vice versa, e por conseguinte desappareciam as razões de influencia que podiam dar-se em relação ás outras terras: terminou convindo no additamento.

— E como ninguem mais pedisse a palavra, approvou-se o §., com o mesmo additamento.

Os artigos que seguem foram todos approvados sem o minimo debate:

Art. 3.º Poderá o governo conceder as transferencias entre os juizes de direito de primeira instancia do mesmo ou diverso districto da Relação, que pretenderem trocar os logares ou occupar os vagos, quando dellas não resulte detrímento ao serviço publico.

Art. 4.º Os juizes transferidos deixarão de exercer jurisdicção nos juizos em que serviam, desde o momento da intimação do respectivo decreto de transferencia; e serão nullos todos os actos por elles posteriormente praticados.

Art. 5.° Os juizes transferidos, que depois da intimação official continuarem a exercer jurisdicção nos logares em que serviam, incorrem na pena de perdimento de logar na magistratura judicial.

Art. 6.º Os juizes transferidos, que não entrarem em exercicio dos novos logares no prazo de trinta dias no reino, e de sessenta nas ilhas adjacentes, contados da intimação official, incorrem na pena de perdimento de logar na magistratura judicial.

§. 1.º O governo poderá por causas justificadas e documentos legaes, espaçar este prazo.

§. 2,° Compete á Relação do districto, a que pertencerem os logares donde os juizes foram transferidos, applicar a pena decretada neste e no antecedente artigo.