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CAMARA DOS PARES DO REINO.

SESSÃO DE 27 DE JULHO DE 1848.

Presidiu — O Sr. D. de Palmella.

Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima.

V. de Benagazil (eventualmente).

Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Concorreu o Sr. Presidente do Conselho do Ministros, e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. V. de Sá — Mando para a Mesa o requerimento de um commerciante chamado Marcicano, que é credor de varias sommas devidas pelo Ministerio da Marinha ha muitos annos, o qual se queixa de não ter recebido nada, e pede que a Camara recommende este negocio ao Governo. Requeiro que o requerimento seja mandado á respectiva Commissão.

Passou á Commissão de Petições.

O Sr. Presidente — Vão lêr-se as alterações que esta Camara fez na Proposição de Lei do Orçamento do Estado, a fim de que julgadas conformes com o que se vencêra, sejam remettidas á outra Camara.

Alterações feitas pela Camara dos Pares na Proposição de Lei da Camara dos Srs. Deputados, sobre a Despeza Publica para o anno economico de 1848 a 1849.

Foram approvadas as verbas propostas no Parecer da Commissão de Fazenda da Camara dos Srs. Deputados; bem como as vencidas na discussão que houve na mesma Camara, com as seguintes alterações.

Encargos Geraes.

No art.º 9.°, Capitulo 2.°, relativo á Camara dos Pares, restabelece-se a verba................... 2.988$000

Ministerio do Reino, Secção 4.º

Gratificações.

Ao Chefe da Secretaria Geral, e das tres Direcções a l80$ rs........... 720$

A seis Chefes de Repartições

a 90$rs............. 510$

1:260$000

Capitulo 4.°, artigo 23, secção 9.º

Partidos e premios.

A Estudantes de diversas Faculdades............ 3:000$

A Estudantes de Pharmacia 300$ - 3:300$000

Secção 16.º

Academia Polytechnica do Porto.

Premios a Estudantes............ 480$000

Capitulo 6.°, artigo 30, secção 1.ª

Academia de Bellas Artes de Lisboa.

Partidos a Discipulos............ 120$000

Secção 2.ª, Porto.

Partidos a Discipulos............ 60$000

Artigo 32, Secção 6.ª

Conservatorio Real de Lisboa.

Premios a Alumnos............. 180$000

Obras Publicas.

Artigo 36, Inspecção Geral.

Ao Inspector Geral das Obras Publicas a gratificação, ou ajuda de custo, que pelo respectivo Regulamento se acha estabelecida na quantia de réis 861$000, deixando de receber a gratificação da sua patente, de 480$000 réis.

Ministerio da Fazenda, artigo 3.º

Secretaria de Estado.

Gratificação ao Official Maior 180$

Dita a dous Chefes de Repartição a 90$ rs......... 180$ - 360$000

Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça.

Artigo 2.°, Secção 1.ª

Gratificação ao Official Maior, e Chefes das tres Repartições a 180$ rs. 720$000

Arcebispado de Lisboa.

Artigo 4.º

Ao Em.mo Sr. Cardeal Patriarcha, restabelecida a verba de 12:000$ rs. ficando sujeito á regra geral que se estabelecer a respeito dos mais Prelados do Reino.

Artigo 6.°, Secção 4.ª

Fabrica (comprehendidos 600$ rs. para a musica instrumental)..... 2:500$000

Supremo Tribunal de Justiça.

Artigo 11.º, Secção 1.ª

Elimina-se o ordenado de um Conselheiro aposentado, fallecido em 24 de Fevereiro de 1848, na importancia.................... 1:600$000

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MINISTERIO DA GUERRA.

Secretaria de Estado, Artigo 2.°

Gratificações aos Chefes da Secretaria

Geral, e da Direcção, a 180$rs. 360$000

Ditas a cinco Chefes de Repartição, a 90$rs........... 450$000

Ditas aos Archivistas da Repartição de Contabilidade, e da 3.ª Repartição da Direcção, a 120$rs..... 210$000 - 1:050$000

CAPITULO 5.°

São restabelecidas as verbas destinadas ás gratificações dos Professores das Escolas Regimentaes, na importancia de.......... 2:592$000

ESCOLA POLYTECHNICA DE LISBOA.

Capitulo 7.º, Artigo 98, Secção 5.º

São restabelecidos os premios na importancia de......... 990$000

ESCOLA DO EXERCITO.

Artigo 99, Secção 5.ª

São restabelecidos os premios na importancia de......... 720$000

ESCOLA VETERINARIA.

Artigo 101, Secção 6.ª

São restabelecidos os premios na importancia de......... 60$000

MINISTERIO DA MARINHA E ULTRAMAR.

Artigo 1.°, Secção 2.ª

Gratificações.

Ao Chefe da Secção de Marinha.............. 180$

Ao Chefe da Secção do Ultramar.............. 180$

A oito Chefes de Repartição das Secções de Marinha e Ultramar, a 90$rs..... 720$ 1:080$000

MINISTERIO DOS NEGOCIOS ESTRANGEIROS.

Capitulo 1.°, Artigo 6.º

Gratificações.

Ao Official Maior, como Director Geral da Secretaria 180$

A cinco Chefes de Repartição 600$ - 780$000

CORPO CONSULAR.

Capitulo 2.°, Artigo 23.

É restabelecida a verba para um Consul em disponibilidade, na importancia de....... 200$000

Julgadas conformes enviaram-se á outra Camara.

ORDEM DO DIA.

Proposição de Lei n.º 42, authorisando o Governo a conceder a uma Companhia o exclusivo da navegação por vapôr entre differentes portos, cuja discussão foi encetada a pag. 1184, col. 2.ª

O Sr. C. de Thomar —...

O Sr. Fonseca Magalhães — É verdade, mas quasi tudo me tem esquecido: estas explicações que ficam de um dia para o outro, dormem comnosco, e accordam desmemoriadas, se é que não continuam a dormir. (Riso). É o que hoje quasi me acontece; comtudo, se ainda me recordo, o D. Par, que acabou de fallar agora, disse que havia algum engano no Parecer da Commissão quando se expressou assim (leu-o): o D. Par achou nisto alguma incorrecção, mas eu tornei a lêr o Projecto e não vejo senão as concessões á Companhia; e tudo quanto fôr compensação ao Governo ha de ser consignado no futuro regulamento, ou contracto. No artigo 1.° concede-se o exclusivo (O Sr. C. de Thomar — Concede-se!) Authorisa-se o Governo a concede-lo: no §. 2.º diz-se (leu-o). O que a Companhia ha de conceder fica para depois: isto é uma explicação que assentei dever dar ao D. Par, porque o Parecer é exacto quando diz (leu o). (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra para uma explicação.) O D. Par o Sr. C. de Lavradio fallou em um Contracto, que disse não ter visto: S. Ex.ª não o viu, mas podia o vêr; e bom seria te-lo visto juntamente com os outros documentos, que aqui estão, para serem consultados; e se o Parecer da Commissão faz apenas menção delle, é porque o Parecer da outra Camara não tracta deste objecto. Acho extraordinario que se fizesse este chamado Contracto em 1845 para se apresentar o Projecto em 1848, sem um só retoque em tal Contracto; e que para este anno de 1848 valha o mesmo Parecer do Procurador Geral da Corôa que se deu na primeira época, sem se attender a que as circumstancias podem ter mudado, e que seria prudente haver de novo sido consultado o Conselheiro Official. (Apoiados). Nada disto se fez, e eu já disse que a minha opinião estava exarada no Parecer; mas não entro na discussão deste negocio por entender que sobre elle a não devo sustentar. Discutam os D. Pares que bem quizerem fallar: a minha satisfação maior consistirá em que a Camara teme uma decisão justa, e que prove quão zelosa é dos interesses publicos. Não me opponho a que o Governo faça contractos, nem para os fazer carece elle de authorisação das Camaras Legislativas; porém contractos destes não podem reduzir-se a effeito sem a approvação do Parlamento. Isto é materia corrente (Apoiados). Este é o caminho legal de que nenhuma administração deve querer affastar-se.

Agora quanto a votos de confiança, que disse o D. Par.... Eu não sei se isto entra tambem em explicação (Vozes — Entra. Entra). Pois se entra direi que se eu tivesse a honra de ser Ministro, recusaria taes votos de confiança; ainda que me parece que já os quiz, e já condescendi em ser Ministro: sim já condescendi (Vozes — Já — Riso). Está diante de mim, e voltado para mim, (dirigindo se ao Sr. Presidente do Conselho) quem sabe a paixão que eu tenho por ser Governo — se facilmente acceito esse honroso convite.

Mas tractando de materias administrativas, parece-me que se deve dar ao Ministerio certa authorisação para organisar sobre bases approvadas. Raros são os casos em que essa authorisação tem logar, é certo; porém alguns occorrem. Hontem se commetteu ao Governo a reformação do Collegio Militar; e a meu entender mui acertadamente; porém votos de confiança para concessões de exclusivos esses nem os concedo, nem a Camara os deve dar. O Sr. C. do Tojal, defendendo hontem este Projecto, disse tudo quanto seria necessario para o rejeitar....

O Sr. C. do Tojal — Não, não: peço a palavra.

O Sr. V. de Sã da Bandeira — Principiarei por notar, que sendo este projecto apresentado pelo Governo, nenhum dos Srs. Ministros tem pedido a palavra para o sustentar.

Pretende-se que se conceda o uso exclusivo da força motriz do vapor para navegar em certa porção do Oceano, a uma companhia que se hade formar. O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que tem defendido o principio da liberdade de commercio, ainda não achou duas palavras para dizer a favor do projecto, e isto indica o que sobre elle pensa. Notarei ainda uma circumstancia, sem fazer applicação especial ao caso presente: póde ter graves inconvenientes, que se faça uma Lei especial para a concessão de um privilegio exclusivo a um Membro do Corpo Legislativo: admittindo-se uma tal pratica, podem della resultar grandes abusos, taes como tornar-se o Poder Legislativo instrumento para promover os interesses dos Membros das maiorias. Agora vou fazer uma indicação ao Sr. Ministro do Reino

Hoje antes devir para a Camara, fui informado de que havia no Ministerio de S. Ex.ª uma outra proposta sobre o objecto em discussão, a qual se diz que é mais vantajosa ao Estado, e que fóra feita por Joaquim Lopes Tavares da Fonseca.

Recebi esta communicação de pessoa de credito, dou esta nota ao Sr. Ministro do Reino para que S. Ex.ª examine se isto é exacto, o que creio: a pessoa que me escreveu sobre isto não podia querer enganar me. Sendo verdadeiro o facto, nós não podemos progredir nesta discussão, porquanto havendo outra proposta é preciso, que se apresentem em concorrencia, para que vá á Praça o contracto e que senão faça uma concessão, que a fazer-se deverá ser em hasta publica.

O Sr. C. do Tojal disse-nos, que a companhia não podia ter lucros (O Sr. C. do Tojal — No principio.) Então senão póde ter lucros, para que quer S. Ex.ª votar para se lhe conceder um privilegio? A questão principal é a concessão do uso exclusivo de uma força motriz, que ha perto de quarenta annos é empregada na navegação. Ha uma especie de mania neste Paiz de pedirem exclusivos para tudo. O D. Par o Sr. C. de Thomar trouxe como exemplo o que se tinha concedido á companhia dos Omnibus: quanto á primeira consiste o resultado em navegarem no Tejo tres ou quatro vapores ronceiros (O Sr. C. de Thomar — Mas então não tinhamos nenhum.) Respondo que terimos, porque se elles navegam, é porque deixam lucro, senão teriam cessado de conduzir passageiros. Quando por toda a parte se proclama o principio do commercio livre, nós de que tractamos é de o restringir por todos os meios. O proprio Decreto de 36 sobre concessão de privilegios do invenção e introducção, que certamente melhorou a legislação até então existente, precisa ser revisto, porque se tem abusado constantemente das suas disposições. Couzas conhecidas por toda a parte apresentam-se aqui, e obtem privilegios exclusivos. Eu sou de opinião que as descobertas em phisica e chimica, mecanica, e mais sciencias e artes, logo que pela imprensa se tornam conhecidas, não são objectos pelos quaes se devam conceder privilegios, pois que apenas divulgadas, ellas ficam pertencendo a toda a communidade dos povos civilisados. Se concedermos o privilegio pedido, privaremos de um direito os donos dos navios portuguezes de vapor, que existem, porque a Sociedade Portuense, e aquella a que pertence o vapor Falcão, ficariam privadas de mandar os seus navios aos portos do continente do Reino ao Sul de Lisboa, pela concessão que se quer fazer á nova Companhia.

No caso do se querer authorisar com o Decreto de 1836 a concessão do exclusivo, nenhuma das hypotheses nelle mencionada se acha no projecto, porque nenhum dos emprezarios inventou a navegação por vapor, nem nenhum delles póde ser considerado como introductor da mesma sorte de navegação nos portos portuguezes do continente, ou insulares. Não póde pois dar-se á companhia por uma couza que não inventou, nem introduziu.

O Sr. C. do Tojal disse que a companhia terá, de concorrer com os navios de véla, e que por isso estabelecerá preços moderados para os passageiros. Ha porém uma circumstancia que é preciso attender: estabelecida a navegação por vapor, e feitas as viagens com regularidade, cessarão os passageiros de irem em navios de vela, ainda que os preços da passagem sejam mais altos. O resultado será, que a companhia estabelecerá estes preços elevados, e os passageiros terão de os pagar.

Quanto ao transporte de tropas diz o D. Par que hão-de ser mais baratos, que nos navios do Estado; mas observarei, que os vapores de guerra devem servir para alguma cousa, sob pena de se deteriorarem se suas machinas por falta de uso. Acho que havendo no Ministerio outra proposta, como tenho ratão de accreditar, nós não podemos continuar nesta discussão, sem irmos contra todas as regres da regularidade; porque se não póde fazer a concessão, sem que em concurso publico seja attegdida a outra empreza, que se offerece a contractar com menos encargos para o Estado.

O Sr. C. de Lavradio — Eu já hontem emitti a minha opinião sobre este Projecto, e portanto podia talvez abster me de fallar segunda vez sobre a materia; mas ella parece-me importante, e por consequencia vou insistir ainda sobre alguns dos motivos, que tenho para não approvar o Projecto.

Sr. Presidente, que pede e Governo neste Projecto? Pede um voto de confiança. (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — É exacto.) Eu já hontem tractei do direito: hoje só tractarei da conveniencia. Pede-se-nos um voto de confiança, para em virtude delle se confirmarem certas concessões á Companhia representada pelos Srs. Luiz Vicente d'Affonseca, e José Maria da Silva, com os quaes o Governo já celebrou um contracto, cuja realisação só está á pendente da approvação do Poder Legislativo. Portanto, se isto é assim, necessariamente o Governo ha de conhecer quaes são os meios pecuniarios, e a capacidade desta Companhia, e por isso apresentarei differentes quesitos a S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino.

O Governo hade saber necessariamente se já existe um capital, um capital real, e está depositado no Banco, ou n'outro qualquer estabelecimento de credito, ou ao menos se existem promessas formaes e reaes de Capitalistas de boas firmas. Deve saber mais o Governo, em consequencia das relações que tem tido com os chefes desta Companhia, qual é o capital necessario para estabelecer este serviço, qual é ao menos o necessario para o estabelecimento de tres barcos movidos por vapor navegando para as Ilhas, e para o Algarve, etc. que devem estar promptos dentro de um anno. Tudo isto deve saber o Governo, e se o não sabe auctorisados então a perguntar-lhe — para que contratasteis sem conhecimento de causa, e sem garantias, e para que vindes aqui pedir um voto de confiança, de que não podeis fazer uso? É necessario saber se dentro de um anno póde estar tudo estabelecido, quanto é necessario para esta navegação por vapor, pois todos sabem que ella carece não só de despezas, mas de grandes depositos de carvão, não provaveis, mas certos, e esses depositos que é preciso que existam nas Ilhas dos Açôres, Madeira, Canarias, no Algarve, etc... não se formam com facilidade. Ora pergunto — ha meios e tempo de os estabelecer este anno? Tudo isto é preciso saber, e sobre tudo se a Companhia é séria, ou não, aliás, a approvação deste Projecto, é um laço aos capitaes. Eu estou inteiramente convencido de que a Companhia não é séria, repito o que hontem disse, isto é um meio, não digo de tirar excessivos lucros, porque hoje realmente já todos estão desconfiados em consequencia do que tem perdido com similhantes Companhias, pois que muitas familias ricas estão a pedir esmola por terem mettido os seus fundos nessas Companhias; mas sempre digo, que é um meio de tirar algum lucro sem nada arriscar, e que é caso de consciencia o cooperarmos, para que se arme este laço ás fortunas de cada um, quando por um systema analogo muita gente ficou já reduzida á ultima miseria: por tudo isto insisto, em que se me responda cathegoricamente, e para clareza, resumo os quesitos: ha certeza da existencia dos capitães necessarios para o estabelecimento do serviço a que a Companhia se obriga?... Ha probabilidade de que a Companhia dentro de um anno esteja habilitada a fazer navegar estes barcos movidos por vapor?... Merecem confiança estas firmas?... Se não se me responder affirmativamente a todos estes quesitos, então digo que não é possivel que a Camara approve este Projecto.

Sr. Presidente, citaram se aqui os exemplos inglezes; mas pergunto — que acontece em Inglaterra quando se fazem concessões similhantes a esta? Veja-se o que se tem feito para os caminhos de ferro, e invoco o testimnnho do Sr. C. do Tojal: quando algumas destas emprezas é auctorisada, hade antes apresentar pelo menos o capital necessario para a metade do serviço, que se obriga a prestar: ora pergunto — tem esta Companhia metade do capital necessario? Digo que não, e digo mais: desafio a para que me apresente o calculo do que é necessario, pois estou convencido de que tão pouco séria ella é, que considero que ella mesmo ainda não fez o calculo do que precisa para esta despeza: por consequencia, Sr. Presidente, eu imploro caridade para com este pobre Pai Lembremo-nos de que se acaso fizermos esta concessão, e houver depois alguem, que levado do desejo de ser accionista caía nesse laço, que se quer armar; nós teremos uma grande parte de responsabilidade por havermos approvado a Companhia! Bradêmos deste lugar, e façâmos um aviso a todo o Paiz, para que não entre em similhante empreza, porque é um laço que se lhe quer armar! Fallo assim para remover toda a responsabilidade, que do meu silencio me poderia resultar. Voto contra o Projecto, e cem vezes votarei contra, se preciso fôr.

O Sr. Duarte Leitão — Eu assignei este parecer com declarações, e por tanto é do meu dever expo las á Camara. Por mais conciso que deseje ser, não poderei talvez deixar de repetir algumas das idéas, que se tem emittido nesta discussão; porém desejo expor a meu modo os fundamentos da minha opinião a este respeito.

Em primeiro logar não adopto o parecer da Commissão para rejeitar totalmente o projecto; intendo que este se deve approvar na generalidade, mas com algumas declarações, e são estas mesmas declarações aquellas, que tive em vista quando assignei o parecer, e que logo apresentarei, e mandarei para a Mesa depois de formulados os additamentos.

Diz o parecer que senão póde authorisar o Governo a conceder exclusivos, e mesmo se não deve conceder este exclusivo em quanto se não provar a necessidade dessa concessão, e em vista de uma sufficiente compensação. Este principio é incontestavel, e ninguem o póde pôr em duvida, por isso mesmo que para se conceder um exclusivo, é preciso mostrar-se, que o interesse publico indispensavelmente o reclama, e por tanto só em casos de provada necessidade é que se póde authorisar tal concessão: toda a duvida consiste na applicação deste principio ao caso presente — se ha ou não essa reconhecida necessidade, e interesse do serviço publico.

São dous os fundamentos do parecer: o primeiro é, que tendo a Companhia, ou os que se dizem seus representantes, desistido de certas condições, que lhe eram favoraveis, e que elles primeiro tinham apresentado, não se vê neste projecto, que se tomasse em consideração a desistencia destas condições, o que parece se devia ter mencionado. Este fundamento parece que não é concludente; porque, no projecto se declara e se fita tudo aquillo que é necessario para authorisar o Governo a conceder o exclusivo; fixam-se as condições; e se se fixam e determinam as concessões, que o Governo poderá fazer, é claro que não é authorisado para mais.

Diz-se no projecto que se concede á Companhia o exclusivo, e ao mesmo tempo a isempção dos direitos de importação dos barcos movidos por vapor. Ora, concedendo-se sómente a isempção destes direitos, não póde dizer-se, que se concedeu a isempção de outros direitos, como os representantes da Companhia tinham proposto, e do que desistiram; mas concedendo-se sómente o que diz o projecto, não era necessario que viesse expressamente designada a desistencia que elles fizeram. Além disso, a desistencia que fizeram consta por documento authentico, que se acha junto aos papeis remettidos á Camara.

Em quanto ao segundo fundamento, diz a Commissão que neste projecto se declaram expressamente as concessões, que faz o Governo; mas não apparecem estipuladas e fixadas, como deve ser, as obrigações relativas da Companhia, e nós à vista disto, não apparecendo o onus da Companhia, não podemos authorisar o Governo a conceder o exclusivo, por isso que não está compensada esta concessão. Sr. Presidente, a compensação desta concessão consiste: primó no interesse resultante do serviço da Companhia, estando demonstrada de tal modo a necessidade deste serviço, que se acaso não se estabelecer uma Companhia com o exclusivo, não haverá esta navegação a vapor (Apoiados). É a utilidade do serviço publico, e a dos particulares, e do commercio em geral, que reclama esta concessão sem a qual não será possivel que se estabeleça uma Companhia. O serviço publico lucrará muito uma vez que se estabeleça esta Companhia (O Sr. V. de Fonte Arcada — Pôde apparecer outra), ou outra qualquer: mas com exclusivo. Eu não digo que seja esta Companhia precisamente; póde ser outra qualquer; authorise-se o Governo a conceder o exclusivo, e não me opponho que se diga, a qualquer outra Companhia. Torno a dizer — a compensação do privilegio consiste: primeiro no interesse que resulta ao Estado de se fazer este serviço, que de outra maneira se não fará; e em segundo logar, as obrigações principaes da Companhia estão fixadas neste projecto, e tudo aquillo que fica para o Governo regular, é materia que por sua natureza é mais proprio que seja regulada pelo Governo. A obrigação da Companhia de ter sempre barcos de vapor para satisfazer aos fins da sua instituição, e com a comminação de que se ella no prazo designado não estabelecer a linha de navegação, a que é obrigada, ficarão nullas as concessões feitas, esta primeira obrigação da Companhia é bem expressa no projecto; mas além disso está tambem fixada a obrigação de prestar serviço ao Estado gratuitamente. Além disto, os preços que os passageiros deverão pagar, hão de ser menores, do que seriam se ficassem no arbitrio da Companhia, porque no artigo 3.º está determinado, que o Governo fixará estes preços de accordo com a Companhia. Estas obrigações da Companhia estão declaradas no projecto. E que tem o Governo a regular? O numero e força das embarcações; o numero e épocas das viagens; a demora em cada um dos portos; e o preço que os passageiros devem pagar. Ora tudo isto póde variar segundo as circumstancias; e é objecto mais proprio da competencia do Governo, para que convenientemente se possam fazer as modificações que as circumstancias exigirem. Estas são as razões porque não approvo o parecer da Commissão, e porque entendo que o projecto não deve ser rejeitado na generalidade. Agora exporei á Camara as declarações com que approvo o projecto.

Se é conveniente que se estabeleçam Companhias para emprezas, que de outra maneira não poderiam ter bom resultado, e cujo fim não seria preenchido com pequenos capitães, tambem é necessario ter o maior cuidado em evitar os perigos, que podem resultar da sua authorisação; porque estas Companhias são sociedades, não tanto de pessoas, como de capitães; os associados não são indefinidamente obrigados ás dividas sociaes; cada um delles não póde perder mais do que o montante do seu interesse nella, e não tem mais responsabilidade pessoal (Apoiados). Eu não desconfio das pessoas, que se dizem representantes desta Companhia; antes pelo contrario tenho dellas boa opinião; mas fallo em geral, e segundo as vistas que deve ter o Legislador. A Lei deve tomar as precauções necessarias, para que com o pretexto da formação destas Companhias se não possa illaquear a credulidade publica; que haja valores realisados, ou pelo menos parte delles; e que o resto tenha sufficiente garantia. É preciso que haja um fundo que assegure a Empreza; é preciso evitar, que não sejam associados ficticios para provocar obrigações reaes; é perciso que esta Companhia esteja devidamente organisada (porque ainda o não está), e não tem ainda estatutos, não ha verdadeiramente senão um simples projecto. Não devem dar-se-lhe privilegios senão quando ella estiver nas circumstancias de se lhe poderem conceder.

Esta Companhia não tem ainda estatutos, tem um plano para se estabelecer a associação; e depois é que ha de fazer os seus estatutos, e proceder á realisação dos capitaes. Eu não quero que por isso se rejeite o projecto, e neste ponto discordo da opinião do D. Par o Sr. C. de Lavradio, que concluiu pela rejeição do projecto. O que me

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parece é, que o Governo não conceda esse exclusivo, sem a Companhia estar organisada, e sem estar realisado, ou todo o capital, ou uma parte delle, e sufficientes garantias do resto. (Apoiados). Isto é o que se pratíca em outras nações civilisadas; e se o projecto fôr adoptado na sua generalidade, mandarei para a Mesa um additamento neste sentido (leu). Isto é tirado quasi litteralmente da legislação franceza, e entendo, que é uma disposição conforme com a justiça, e conveniencia publica. Estas precauções não podem offender as pessoas dos requerentes, porque a lei considera-as vistas geraes do interesse publico, e não as circumstancias particulares de qualquer individuo. (Apoiados.)

Agora em quanto ás embarcações, estas devem ser portuguezas; e para isto é necessario que sejam compradas por portuguezes, se não forem de construcção portugueza; porque a regra é, que são sómente portuguezas as embarcações de construcção portugueza, ou as compradas aos estrangeiros por portuguezes, pagando os direitos; ou as aprezadas, e julgadas boa preza. O Tractado de 1810, feito com a Inglaterra, em um dos seus artigos, cuja disposição não está revogada, porque o Tractado de 1842 não falla nisto. (O Sr. Presidente — Está revogado.) A disposição do artigo 5.° não está, perdoe V. Ex.ª (O Sr. Presidente — Está.) V. Ex.ª dá-me licença? O Tractado de 1810, no artigo 5.º diz — que são embarcações portuguezas as construidas em Portugal; as aprezadas, e julgadas boa preza, tendo o mestre e tres quartos da tripulação portuguezes. Diz V. Ex.ª que está tudo revogado? (O Sr. Presidente — Todo o Tractado.) Esta disposição tambem? (O Sr. Presidente — Todo o Tractado foi revogado, e tinha cessado. — O Sr. C. de Thomar — Reconhecido mesmo pelo Governo.) Não ha duvida, que, antes de 1842, se declarou ter cessado o Tractado de 1810; mas tambem é certo, que o Tractado de 1842, fallando de navios nacionaes, em parte nenhuma declara o que entende por navios portuguezes; e por tanto suppõe o que a este respeito estava decidido; e é tambem certo, que em algumas materias, de que se falla no Tractado de 1810, e que não se mencionam no de 1842, estão em vigor as disposições anteriores a este Tractado, do que se podem apontar exemplos como o do artigo 11 do de 1810; e como na materia do artigo 5.º não sómente se não fallou no Tractado de 1842, mas além disto é uma disposição conforme com a nossa legislação, pois que está decretado, que o mestre deve ser sempre portuguez; póde entender-se, que sem embargo da declaração generica, de que cessava o Tractado de 1810, a fim de se convencionar outro, esta disposição se não acha revogada; mas seja o que fôr, pouco importa para o que eu ia dizendo, uma ou outra opinião.

Dizia eu, que as embarcações da Companhia deviam ser portuguezas; e declarando-se no projecto, que a tripulação será composta pelo menos de dous terços de marinheiros portuguezes, parece-me que é melhor dizer-se, que o mestre, e os tres quartos da tripulação sejam portuguezes, o que é tambem conforme com o que está determinado em algumas das nossas leis, como em um Decreto de Novembro de 1811. (Uma voz — É do Codigo Commercial.) O Codigo não diz mais do que aquillo, que eu já apontei; isto é, que são portuguezas as embarcações de construcção portugueza, ou aprezadas, e julgadas boa preza, ou compradas a estrangeiros por portuguezes, pagando os direitos, e que o mestre deve ser sempre portuguez. É preciso que sejam possuidas por portuguezes, porque segundo a lei, nenhum estrangeiro não naturalisado as póde possuir, e porque o commercio de cabotagem não póde fazer-se senão em navios portuguezes.

Em consequencia do que acabo de expor, proponho este additamento (leu). Tanto este additamento, como o outro relativo ao capital desta Companhia, se forem approvados, serão collocados no logar competente. (O Sr. Presidente — Creio que V. Ex.ª não precisa mandar já o seu additamento.) Estes additamentos são o resultado das explicações que tinta a dar.

O Sr. C. de Tojal — Sr. Presidente, eu pouco direi, entretanto é necessario dar uma explicação sobre um equivoco, que parece excitou um pouco a hilaridade da Camara, e vem a ser, que tendo eu dito que quaesquer estrangeiros que viessem a tomar acções nesta Companhia, naturalmente viriam a vendê-las para o futuro, e talvez com prejuizo, eu reducção do seu custo. Se houvesse tal prejuizo, não eram neste caso os portuguezes que o soffreriam; e não ha nisto nada extraordinario; porque são os estrangeiros mais affoutos, e que em grande parte se dedicam a estas emprezas, e hão de preencher as condições seja qual fôr o prejuizo que houver; e porque taes especulações são sempre precarias, n'umas se ganha, e em outras se perde. Nós ainda não estamos costumados a este jogo: eu, quando estive em Londres, vi estas operações em que se entrava com centenares de mil libras; mas aqui não acontece assim, porque é um mercado muito limitado. Vamos porém á questão.

O principal ponto desta discussão é relativamente ao exclusivo, e contra isto é que os D. Pares, que tem combatido o Projecto, geralmente se oppoem. Ora, Sr. Presidente, é impossivel que em Portugal haja qualquer Projecto desta natureza, que não seja baseado n'um exclusivo, e infelizmente o Governo, em geral todos os Governos, tem sido tão nimiamente exigentes nas suas condições para conceder esse exclusivo, que quasi não vale a pena; e uma das razões porque essa Companhia da navegação do Tejo não tem prosperado mais, é porque as condições foram tão arduas, que ella não pôde viver; e eis-aqui o resultado que tiram desse exclusivo, que o Governo concede de uma maneira tal, que não podem prosperar. Todavia, as Companhias desta natureza não se animam a formar-se no nosso Paiz sem estes Exclusivos, porque o nosso commercio e movimento é muito limitado, e não é como nos outros paizes aonde a população é tão numerosa, que se póde prescindir bem de similhante condição. Quem tiver viajado pela Suissa hade ter observado, que o Vapor que navega no Lago de Genova é de uma Companhia ingleza, o mesmo acontecia com os Barcos de vapor que navegasse no Rheno, quando eu por alli transitei, porque eu geral não ha nem os capitães nem o espirito especulativo para estes fins. Por consequencia hade ser necessario a esta Companhia obter Accionistas, e meios na Inglaterra, porque ha alli mais desenvolvimento neste systema de emprezas, e o arrojo necessario para emprehender este gyro, e os capitaes para isso.

A outra objecção que se tem feito, são os poucos meios que possuem os individuos, que apparecem como Directores desta Companhia. Sr. Presidente, os homens mais emprehendedores, em geral, são aquelles que tem menos meios. Por isso Frederico o Grande, que foi um homem que levantou o seu paiz comparativamente do nada, e fez delle uma das maiores Potencias da Europa; aonde encontrava individuos emprehendedores emprestava-lhes dinheiro até gratuitamente, e a muitos homens adiantou capitaes para levarem a effeito e crearem estabelecimentos e emprezas de vulto, a 3 por cento; e por esta maneira fez prodigios no seu reinado, e levantou 165 villas e cidades, em quanto foi Rei da Prussia.

Sr. Presidente, o Barão Rothschild, que morreu no outro dia possuidor de cinco a seis milhões de libras sterlinas, deveu a sua fortuna e prosperidade a uma casualidade. Em 1815 ainda Rotschild era apenas conhecido, e depois da batalha de Waterloo, a casa de Reid Irving & Comp.ª, que falliu ha pouco tempo, era quem tinha contractado fornecer os meios pecuniarios ao Commissario do Exercito inglez; mas depois daquella batalha não pôde fornecer em dinheiro effectivo ao Commissario as grandes sommas, que de prompto este precisava; appareceu então um individuo de uma apparencia pouco lisongeira, e disse ao Commissario inglez — Consta-me que vós careceis de dinheiro immediato, e eu quero fornecer-vos estes meios. Perguntou-lhe o Commissario — quem é você? respondeu elle — não lhe importe quem eu sou, se quer dinheiro diga quanto precisa. O Commissario disse-lhe que necessitava de uma somma mui consideravel, e depois de ajustar o premio, elle disse-lhe que contasse com essa e qualquer outra quantia. Este homem era Rotschild, e em menos de poucas horas estava a rua atravancada com carros carregados de dinheiro; mas elle tinha esses meios? Não tinha nada, e apenas era mal conhecido por o ter Mr. Pitt empregado para lhe indicar os meios mais vantajosos de remetter dinheiro para o Continente, para o subsidio ás Potencias Alliadas, até então ninguem sabia quem era Rotschild, mas elle foi fallar com os seus amigos judeos ricos, elles adiantaram-lhe aquelle capital, e elle ficou fornecendo o exercito inglez, e daqui proveiu em parte a sua prosperidade; e se o Commissario inglez lhe dissesse — vós não tendes dinheiro — como se quer allegar contra os ostensivos Directores desta Empreza, ficaria sem os meios de fornecer o exercito, assim como nós ficaremos sem esta carreira tão util de Vapores, se recusarmos esta concessão.

A respeito dos caminhos de ferro, em que fallou o Sr. C. de Lavradio, appareceu tambem uma notabilidade em Inglaterra, que não tinha um real de seu, Mr. Hudson, que vendo a mania que existia de construir caminhos de ferros, e que algumas das linhas estavam a grande desconto, lembrou-se de garantir um juro ou dividendo de dez por cento annuaes a todas estas emprezas, em que elle entrava como Director, e debaixo desta sua garantia subiam as acções do que elle se aproveitava, e sendo um homem que não tinha nada, em breve era possuidor de uns poucos de milhões por esta estrategia. Em pouco tempo tambem tinha garantido, sabe Deos quantos milhões sterlinos! sem duvida muito acima do que elle poderia satisfazer. Foi uma esperteza; e porque não podem os Directores desta empreza ter tambem a felicidade de achar igualmente meios lá fóra, que elles por ora ainda não possuem? Não se póde dizer de certo, que os não obterão no mundo mercantil. Eu estou persuadido de que sim, que os hão de obter, porque trabalham nessa diligencia ha muito tempo, estou persuadido de que hão de apparecer os capitaes, e que a circumstancia do exclusivo ha de fazer, com que poderosos estrangeiros, persuadidos do desenvolvimento e da prosperidade que progressivamente se hão de ir creando, hão de tirar a vantagem para o futuro, que esse exclusivo lhes assegura; entrarão com grandes fundos com maior ou menor numero de acções, do que nós havemos de tirar grandes proveitos; mas senão fôr admittida essa condição, de certo não temos navegação a vapor para as Ilhas. Não me importa que sejam estes ou aquelles os emprehendedores, nisso sou da opinião do Sr. C. de Thomar, que se deve dar authorisação ao Governo para tractar com quem o faça com as melhores vantagens possiveis. A mim ninguem me fallou nisto, sou movido pelo espirito que tenho a favor do nosso progresso material, e este, Sr. Presidente, deve ser o sentimento de todos nós, porque dahi é que vem o verdadeiro melhoramento de todos os interesses da Nação, pelo estimulo de uns com outros. Aqui, Sr. Presidente, não se tracta de procurar exclusivamente as vantagens da Companhia, aqui tracta-se de tirar um resultado que se o conseguirmos será um grande beneficio para a Nação em geral.

Sr. Presidente, estando eu em Nova-York, nos Estados-Unidos, appareceu alli o celebre Futton em 1805 com o seu barco de vapor modêlo, todos mofaram delle, por que lá andava o homem com o seu vapôrsinho a fazer as suas experiencias, a final malograva-se-lhe a sua intenção; mas elle perseverando sempre em continuar, se viu finalmente que elle já andava contra a maré e contra o vento a 5 milhas por hora, e então começaram todos a dar-lhe attenção, e a final obteve o resultado que queria, e dahi proveio este novo e espantoso principio de civilisação. Não garrotemos pois o espirito da empreza.

Sr. Presidente, eu neste objecto não sou movido senão pelo grande interesse, que tomo no bem do meu paiz, e assim entendo que a Camara não deve de maneira nenhuma rejeitar o projecto, e que deve dar ao Governo a faculdade de fazer o contracto como melhor entender, a beneficio publico, com qualquer companhia que melhor o cumpra, e nisso não póde senão ganhar a Nação; mas a Companhia não se póde sustentar senão dando-se-lhe o exclusivo: é necessario para que ella viva. Agora a respeito de machinismo, sou de opinião que da admissão destes vapores se hão de ir aperfeiçoando os nossos artistas: eu tenho algumas machinas na minha fabrica, no começo della era obrigado a mandar vir tudo de fóra, mesmo cousas que se quebravam lá voltavam para se reparar, hoje mando concertar tudo isso cá no paiz: é verdade que é alguma cousa mais caro, mas pouco. Aqui está o Governo a concertar um vapor, e quem está disso incumbido é o habil artista José Pedro Collares: assim portanto ha já algumas officinas, que vão trabalhando menos mal, e estou persuadido, de que, com a pratica, se hão de aperfeiçoar pelo uso que vão tendo de taes concertos, e os interessados nesta Companhia tambem hão de saber o que mais lhes convém, se acharem aqui quem lho faça, de certo que não hão de mandar a Inglaterra, porque leva muito tempo, e faz-se com isso muitos outros gastos: portanto, ha de ser feito aqui tudo que se souber cá fazer, e os interessados hão de ser os mestres dessa gente.

Disse o Sr. C. de Lavradio, que isto era um laço armado aos portuguezes: eu estou persuadido do contrario, e creio que os portuguezes hão de tirar grande vantagem se se estabelecer a Companhia: no começo as vantagens hão de ser morosas, mas estou persuadido de que de futuro não ha de ser assim, porque depois da Companhia estabelecer as navegações regulares hão de vir a ter muito trafico, e para o Porto de Lisboa isto deverá ser de grandes vantagens no começo, posto que sejam muitos dos accionistas estrangeiros, com o tempo os portuguezes hão de substitui-los, e virão a ser os unicos proprietarios, nem é de esperar outra cousa do espirito de empreza e de actividade, que se ha de ir dispertando com o tempo, posto que no principio seja indispensavel ir procurar estrangeiros para obter parte daquelles recursos, que por ora se não acham aqui, e assim iremos ganhando experiencia, illustração, e pratica destas materias. Por todas estas razões voto pelo projecto, porque desejo que quanto possivel se alcancem as vantagens, que devemos esperar deste novo systema de communicação com as nossas ilhas, e isto por um meio muito mais rapido e mais seguro do que até agora tem existido.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Sr. Presidente, foi notado pelo D. Par o não haverem ainda os Ministros tomado parte neste negocio, a resposta é simples: tracta-se de um voto de confiança, e o Governo julgou que a sua delicadeza exigia, que se abstivesse de tomar sobre elle a palavra.

O nobre Par fallou contra o exclusivo que se quer dar a esta Companhia; mas S. Ex.ª disse igualmente, que já havia mais de quarenta annos que se conhecia a navegação a vapor (O Sr. V. de Sá — Pouco mais ou menos), e até agora não se tem estabelecido nenhuma communicação a vapor para as nossas ilhas: a questão quanto a mira é muito simples, reduz-se a saber se é ou não util, que se estabeleça esta navegação, e sendo util se ella se poderá effectuar sem que se conceda este exclusivo: a experiencia tem mostrado que não em casos similhantes, e eu tambem estou convencido, de que ainda que se conceda esse exclusivo não será facil formar a Companhia, que leve a effeito aquella navegação, mas que sem elle a carreira dos vapores entre o Reino e aquellas Ilhas será impossivel; e o Governo aproveita com muito gosto a idéa do Sr. C. de Thomar.

S. Ex.ª o Sr. C. de Lavradio suppoz, que havia contracto: não ha contracto algum senão o que se vê neste projecto, houve-o em 46, mas disso não se tracta hoje: por consequencia, ha de ser um contracto novo.

Fallou tambem o D. Par no requerimento de N. Fonseca: ha com effeito não só esse, mas ainda outro, e todos serão tomados em consideração quando se tractar deste objecto (O Sr. C. do Bomfim — Apoiado); e talvez S. Ex.ª saiba, que o Governo declarou na outra Camara, que ainda quando tivesse passado este projecto, e não estivesse sanccionado, o Governo não se considerava ligado com esta Companhia, e admittia todas as propostas para as tomar em consideração.

Agora havia outro ponto em que tocar; mas como elle tem mais intima relação com o §. 3.°, reservarei para então as minhas observações.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Pela informação que S. Ex.ª acaba de receber, vinda da Secretaria, vê-se que effectivamente alli existiam duas propostas, além da que se discute: portanto este negocio já mudou de figura, não se póde authorisar o Governo a contractar sem que seja em praça, por isso a authorisação ao Governo deve ser sómente para pôr o contracto em hasta publica, dando-se o tempo sufficiente para que possa haver concurso.

Eu ainda insisto, em que o Corpo Legislativo não tem direito para conceder privilegio exclusivo de navegar por vapor no Oceano, da mesma sorte que não tem direito de dar o exclusivo da navegação por meio do vento: porque hoje uma e outra força motriz pertence á communidade geral. Se tal exclusivo fosse concedido, um Parlamento futuro teria direito de o cassar sem indemnisação do privilegio, porque este seria contrario á justiça, que os Corpos Legislativos não tem direito de despresar.

Ha ainda uma circumstancia sobre que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros deve dizer alguma cousa. Os barcos de vapor inglezes tem transportado passageiros de Portugal para a Madeira, e dahi os tem trazido para os portos do Continente, e muitas vezes não levam outra carga. Pergunto — no caso de se conceder a uma Companhia este exclusivo, elles poderão ou não continuar a fazer o transporte dos passageiros? No caso positivo, o privilegio exclusivo será contra os portuguezes, e não impedirá aos estrangeiros o mesmo commercio: em caso negativo os subditos britannicos que estão no goso de navegar por vapor entre Portugal e as Ilhas, quer isto seja por direito, quer por costume, virão, sem duvida, pedir indemnisações pela perda desta liberdade: deverá pois declarar-se quem lhas ha de pagar, se ha de ser o Governo, se a Companhia.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros disse, que por delicadeza não tinha entrado na discussão sobre esta materia: aprecio esta delicadeza de S. Ex.ª; mas ao mesmo tempo parece-me notavel, que um D. Par, que presta um decidido apoio ao Ministerio quizesse fazer disto uma questão ministerial, dizendo ha pouco, que quem tem confiança no Governo deve votar pelo Projecto, e quem a não tem póde votar contra. Sou de opinião que um Projecto desta natureza não deve ser motivo de questão ministerial. O Governo deve deixar a liberdade completa a cada um dos D. Pares, que o apoiam, para discutir e para votar como quizer.

Disse tambem o mesmo D. Par — que não está agora presente, que senão fosse o exclusivo, não existiria a navegação dos barcos de vapor, que hoje navegam no Tejo: pois eu acho o contrario, e digo que se esta navegação não fosse lucrativa para alguem, já teria cessado, pois estou certo que se não faz por beneficio para o publico, mas sim por conveniencia propria, porque estou persuadido de que o tempo deve ter acabado, pois a ultima concessão que se fez foi de mais dous annos: por consequencia, eu tambem quero estabelecida a linha dos barcos a vapor no Tejo; mas nisto ha uma questão, que se ella fosse aos Tribunaes, estes haviam de decidir segundo a minha opinião, que é a verdadeira, por quanto a concorrencia é para alcançar o melhor, e sem ella aquelle que tem o exclusivo, certo que ninguem se lhe vai metter diante, ou emparelhar com elle, é desleixado em cumprir com as obrigações que contrahiu, tracta os passageiros com pouca attenção, etc. etc.

Ora agora direi ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que este contracto é preciso ser posto em praça, e vêr se ha outra Companhia.

Quanto ao Sr. C do Tojal, S. Ex.ª mostrou-nos seguramente a sua erudição com a historia de Frederico II, Vatterloo, e Rotheschild; mas isto nada tem de commum com os dous emprezarios, a quem, pelo Projecto em discussão se pertende dar o exclusivo da navegação por vapor. Póde pois o D. Par guardar a sua erudição para um momento mais apropriado (O Sr. C. do Tojal — Veio ao ponto).

Declaro que desejo muito, que se estabeleça a linha de navegação indicada no Projecto, e que para isso se conseguir se façam concessões á Companhia, que a houver de estabelecer, taes como isenção de direitos de portos, de direitos sobre combustiveis, sobre machinas, e mesmo algumas outras se levar as malas do correio; mas nunca o exclusivo pedido. É preciso que o Sr. Ministro (interino) dos Negocios da Marinha e Ultramar, observe, que, pela marcha que levam os negocios commerciaes, mais tarde ou mais cedo se ha de estabelecer uma linha de barcos de vapor entre Portugal e Angola; mas se se fizer a concessão do exclusivo, deixará de existir possibilidade disso se fazer, excepto querendo a Companhia, a quem se der o exclusivo em questão, porque possuirá o direito de só ella navegar para os portos de escala, que são a Madeira, Canarias, e Ilhas de Cabo Verde; de sorte que a concessão do exclusivo requerido, seria a concessão virtual do exclusivo da navegação por vapor entre Portugal e a Africa continental, e Brasil.

É esta pois mais uma razão, por que o exclusivo senão deve conceder, embora se approve um Projecto, pelo qual o Governo fique authorisado a contractar o estabelecimento de um serviço por barcos de vapor entre os portos de Continente, e os das Ilhas; mas isto por concorrencia publica, e dando se o conveniente espaço de tempo, para que os concorrentes se possam preparar; e tambem sem privilegio exclusivo, a favor do qual não devo de modo algum votar.

O Sr. C. de Lavradio — Pedi a palavra sómente para uma explicação.

Sr. Presidente, eu não tenho nenhum outro conhecimento deste Projecto senão aquelle, que adqueri pela sua leitura, e pela do Parecer da Commissão, e foi pela leitura deste, que eu julguei existia já um contracto feito entre o Governo, e a Companhia: vejo porém pelas declarações, que teem sido feitas por alguns D. Pares, e pelo Sr. Ministro do Reino, que tal contracto não existe ainda.

Eu não tinha tenção de entrar nesta discussão, e estava resolvido a emittir sómente a minha opinião, e os fundamentos do meu voto; mas estimo ter fallado, e fallado ainda uma segunda vez, porque vejo que uma das minhas idéas já foi adoptada pela Camara.

Segundo o Projecto, o Governo só podia contractar com uma Companhia representada por duas designadas pessoas, e daqui resultava, uma vez que o Governo já declarou que reputava de absoluta necessidade o estabelecimento desta Companhia, que o Governo ficava sujeito ás condições, que a Companhia lhe quizesse impor, e a celebrar um contracto muito peior, do que o outro que foi já annullado, e no qual segundo me consta, e ouvi dizer nesta Casa, todo o oneroso era para o Estado. Este mal está porém remedeado com a

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emenda, que não propuz, mas lembrei, e que a Camara parece querer adoptar.

Sr. Presidente, eu estou convencido, de que seria muito util o estabelecimento de correspondencias regulares por meio de vapores para as Ilhas da Madeira, Açôres, Algarve, e outros portos; mas do que não estou convencido é, de que esta Companhia os possa estabelecer, vieram-me confirmar nesta convicção os argumentos, que hontem aqui produzir o D. Par o Sr. C. do Tojal.

S. Ex.ª conveio comigo, em que esta Companhia ainda não tinha os fundos necessarios para estabelecer esse serviço; porém que isso, accrescentou S. Ex.ª, nada influia, e para nos fazer persuadir de que para estes estabelecimentos não eram necessarios fundos reaes, trouxe-nos o exemplo do celebre Rotschild, celebre pela sua riqueza e pela arte com que a adquiriu. Permitta-me porém S. Ex.ª que eu lhe diga, que este exemplo, e mesmo um outro que depois nos citou do celebre inglez, que tanto concorrêra para o estabelecimento de caminhos de ferro, são contra-producentem; porque, Rotschild quando se apresentou para fazer essas especulações, já possuia um grande capital, ainda que não fosse esse collossal que depois teve, com tudo o que então possuia já não era pequeno, porque elle de ha muito que girava com os grandes fundos, que lhe confiára um Principe da Allemanha (O Sr. C. do Tojal — O Eleitor de Hesse Cassel): por conseguinte, offerecia as garantias de um grande capital, e as do seu nome financeiro já então conhecido pelas especulações, em que havia entrado e ganhado muito dinheiro.

Disse porém o D. Par — e o caso é que os dinheiros appareceram logo a Rotschild. Os dinheiros appareceram logo, é verdade, mas appareceram pela confiança que inspirava o nome daquelle homem. E pergunto — inspirará a mesma confiança esta Companhia? Parece-me que não.... Digo porém, que a experiencia do passado nos deve servir para o futuro; e se outras Companhias estabelecidas em tempos mais prosperos não poderam satisfazer aos seus fins, e arruinaram tantas familias, como é que se hão de esperar grandes cousas desta que se apresenta agora?! Terá ella credito? O nobre Par o Sr. C. do Tojal disse, que havia de haver credito: talvez; mas S. Ex.ª, que tem tanto conhecimento de materias commerciaes, persuado-me que não cahirá em ir comprar acções desta Companhia, e é tal a confiança que tenho nos conhecimentos de S. Ex.ª, que desde já declaro, que se S. Ex.ª as comprar tambem eu as comprarei apesar do juizo que faço desta Companhia (Riso); mas estou certissimo de que não farei essa despeza.

Sr. Presidente, persuado-me de que subsistem ainda todos os meus argumentos, e como vejo que a Camara está impaciente de terminar esta discussão, nada mais direi.

(Vozes — Votos. Votos.)

O Sr. Presidente — Ainda ha dous D. Pares inscriptos para fallarem, e o Sr. Fonseca Magalhães, supponho ser para uma explicação; não sei se a quer dar?

(Vozes — Votos. Votos.)

O Sr. Fonseca Magalhães — Cedo da palavra.

O Sr. Fonseca Magalhães — Eu disse que cedia da palavra, porque me parece que tudo mudou. O illustre Ministro e Presidente do Conselho declarou que na outra Camara o Governo havia annunciado que em quanto este Projecto não fosse convertido em Lei senão julgava findo o prazo da praça; pois bem: ha já uma nova proposta, e na Secretaria do Reino persuado-me que ha outra... Ambas vieram antes de finda a discussão:

o negocio está na Praça.....(O Sr. Presidente do Conselho — Ha duas.) Ha duas, e esta tres; muito bem. O negocio mudou de figura; e já senão vai authorisar o Governo para contractar apenas com duas unicas pessoas, representantes de uma só empreza: folgo de que haja concurrencia publica: se se julgar que convem conceder um exclusivo não me opporei, porque já vejo que se ha de conceder a quem melhores condições propuzer ou acceitar. O Projecto sahe novo; é outra a natureza do objecto, estou de acordo. (Vozes — Votos. Votos).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Eu vejo a Camara mais inclinada a votar do que a deixar progredir a discussão; e a fallar a verdade, pedi a palavra, ou para melhor dizer, fallo a pedido do D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira, que quiz por força que eu dissesse alguma cousa sobre a materia sujeita: direi por conseguinte o que entendo a respeito dos passageiros, que é o ponto sobre que S. Ex.ª tocou.

Eu tambem estou persuadido, de que este monopolio, ou este exclusivo, não póde privar os passageiros, que se quizerem transportar de Lisboa para as Ilhas, ou das Ilhas para Lisboa, de qualquer maneira mais prompta ou segura, que se lhes offereça, já em embarcações nacionaes, já nas estrangeiras; porque as Leis de cabotagem não vão tão longe, ao que me parece, que empeçara os passageiros de se poderem transportar de uns para outros portos quando mais lhes convem. Eu apoio esta opinião até por ser o que se está praticando; pois a cabotagem que se quer fazer era barcos a vapor de Lisboa para as Ilhas, e das Ilhas para Lisboa, ha de ser mais restricta do que aquella, que em iguaes embarcações se está fazendo entre Lisboa e Porto? Eu entendo que não: é sabido que apesar de haverem barcos a vapôr, que fazem as carreiras entre Lisboa e Porto, quando por aqui passa um vapor inglez leva os passageiros, que se lha offerecem, o que do mesmo modo se faz quando passa nas alturas do Porto. Seria duro, que tendo um commerciante motivo urgente para se passar de uma a outra praça, fosse impedido de o fazer só porque o transporte era estrangeiro.

Esta era uma daquellas condições, que não podiam deixar de fazer parte do Contracto, mesmo para que o Governo se não fosse expor a um artigo de reclamação; porque é bem sabido, que entre nós, mais que em parte alguma, todos os emprezarios procuram quantos pretextos podem para fazer reclamações aos Governos: se as emprezas vão bem, se teem muitos contos de réis de lucros, ficam com elles, e com diploma de homens finos; mas logo que teem perdido a primeira duzia de moedas, ahi vem elles a pretextar alguma falta de cumprimento da parte do Governo, a fazer reclamações! Ora, disto estou eu capacitado ha muito tempo; mas posso affiançar á Camara, que esta clausula não podia escapar ao Governo, mesmo por causa da convenção postal transatlantica, que concluimos com a França, e que poderia de um dia para outro pôr-se em vigor. Fallo dos correios trans-atlanticos em barcos de vapôr, que deviam partir de Nantes mensalmente, tocar em Lisboa, Canarias ou Madeira, e Cabo Verde, e seguir para o Brasil: se acaso o Governo francez daqui a seis mezes, ou um anno, vencendo as contrariedades que se lhe tem opposto, estiver em estado de poder estabelecer estas carreiras a vapôr, está claro que, tocando essas embarcações em Lisboa hão de levar os passageiros que nellas quizerem ir, e quando vierem de Cabo Verde, ou das Canarias, poderão tambem conduzir a seu bordo as pessoas, que alli estiverem, e quizerem vir de passagem; mas isto é uma clausula que mais deve ser considerada pela Companhia, do que pelo Governo.

No entanto eu mui de proposito me abstive de fallar neste objecto, porque, como já disse o meu illustre collega o Sr. Presidente do Conselho, podendo até certo ponto considerar-se este Projecto como um voto de confiança ao Governo, não nos estava bem exforçar-nos para que se vencesse: pedia a delicadeza que nos limitassemos a dar as explicações que se nos pedissem, e nem era possivel que o Governo fizesse disto uma questão ministerial.

Sempre accrescentarei, pois que fui obrigado a fallar, que me parece de interesse publico armar o Governo desta authorisação, porque seis mezes ou um anno, que possamos adiantar no caminho da civilisação, tanto melhor para o nosso paiz; e a Camara poderá ficar certa, de que o Governo prefirirá antes não fazer nada, do que fazer um contracto, que possa de algum modo ser nocivo á Nação, ainda que ao mesmo tempo está intimamente convencido, de que é necessario animar ao principio estas emprezas (Apoiados).

Nada mais tenho a dizer.

O Sr. D. de Palmella — Parece-me que o Sr. Ministro, fallando a respeito dos passageiros que daqui podiam partir em qualquer embarcação, não obstante haver-se estabelecido a carreira dos vapores desta Companhia, disse que isto era mais para ser considerado pelos emprehendedores, do que pelo Governo.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Eu o que disse foi, que o Governo não podia deixar de exarar essa clausula no Contracto; mas que essa clausula era onerosa para os emprezarios, porque não deviam contar com tantos passageiros.

O Sr. D. de Palmella — Mas eu observei, que a clausula é onerosa aos portuguezes, porque fica estabelecido o exclusivo em relação aos portuguezes, e não em relação aos estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — É verdade que assim seria, se nós tivessemos já vapores que fizessem essas carreiras, ou navegassem para esses portos; mas por ora não os temos, e apenas navegam os navios de vela, e os navios de vela portuguezes hão de sempre levar passageiros, todas as vezes que queiram ir nelles.

O Sr. D. de Palmella — A Camara hade permittir, que desta cadeira diga duas palavras sobre um assumpto de grande importancia.

Eu não poderia deixar de declarar agora em opposição á doutrina que um illustre Membro desta Casa ha pouco emittiu, que o tractado de 1810 está extincto, e que nenhuma das partes contractantes conserva duvidas a este respeito. Elle foi abrogado de commum accordo pelas mutuas e formaes declarações dos Governos de Portugal e Inglaterra, ficando sómente subsistentes os antigos tractados de amizade e alliança entre as duas Potencias.

O Sr. Presidente — Ha duas emendas sobre a Mesa.

O Sr. Duarte Leitão — Parecia-me que seria melhor pôr á votação o projecto na sua generalidade;

Assim procedendo se foi o parecer approvado na sua generalidade.

PROPOSIÇÃO n.º 42.

Artigo 1.º O Governo é authorisado a conceder á Companhia representada por Luiz Vicente de Affonseca, e José Maria da Silva, o exclusivo da navegação que se fizer em barcos movidos por vapor, entre os portos de Lisboa e do Algarve e das Ilhas da Madeira, Canarias, S. Miguel, Terceira e Fayal.

§. 1.º Este exclusivo não poderá ser concedido por mais de vinte annos.

§. 2.º Será igualmente concedida á Companhia isenção de direitos de importação dos barcos movidos por vapor que forem necessarios ao seu serviço, devendo a tripulação delles ser composta de dous terços de marinheiros portuguezes.

§. 3.º O exclusivo concedido á Companhia não comprehenderá as embarcações nacionaes de guerra movidas por vapor.

§. 4.º O Governo de accordo com a Companhia designará o numero, e épocas das viagens que os vapores do serviço della deverão fazer, durante o anno, aos portos da Provincia de Cabo Verde.

O Sr. Cardeal Patriarcha — Eu pedi a palavra sobre este artigo 1.° para mandar para a Mesa uma emenda, que julgo ser a mais conveniente para o paiz, e tambem para o Governo poder tirar as maiores vantagens deste voto de confiança, que as Côrtes lhe dão.

Emenda ao artigo 1.º

Artigo 1.º Silva, ou a outra qualquer que maiores garantias, ou melhores condições offerecer em publica concorrencia. = G. C. Patriarcha.

E proseguiu — Parece-me que com esta emenda o artigo não póde senão produzir utilidade publica (Apoiados), porque com ella não póde haver receio, de que venha prejuizo do voto de confiança que assim se conceder. Depois de estar consignada aqui esta provisão, o Governo não póde deixar de abrir concurso e receber as differentes propostas, que se apresentarem, para as examinar e combinar entre si, a fim de vêr qual é aquella que offerece maiores vantagens; e então é claro que o Governo não póde conceder aquillo para que fica authorisado por este projecto, senão com utilidade publica. Approvo pois o projecto na sua generalidade, porque entendo que nas cumpre animar as emprezas, e que é de grande conveniencia estabelecer communicações regulares e periodicas com as Ilhas dos Acores, Madeira, e Cabo Verde, porque estabelecidas ellas por este meio, resultará incremento á civilisação, incremento ao commercio e incremento para a fortuna publica. (Apoiados.)

Foi admittida a emenda

O Sr. Cardeal Patriarcha — Quando ha pouco fallei, esqueceu me fazer uma declaração, supposto seja sobre materia diversa.

Sr. Presidente, eu declarei em occasião competente na Commissão de Fazenda, que como particular me sujeitava a todos os sacrificios, que de mim exigissem as actuaes circumstancias do Thesouro; mas na presença do facto, que teve lugar nesta Camara por occasião da discussão do orçamento, eu não posso deixar de mostrar o meu agradecimento, não só a alguns D. Pares em particular, mas a toda a Camara em geral, pelo desejo que mostrou, de que na subtracção que se fizer nos vencimentos dos Prelados das Dioceses, haja uma regra geral e unica para todos, e que a minha congrua seja comprehendida nessa regra geral. (Apoiados.)

Repito pois, que não posso deixar de mostrar a minha gratidão a Camara, por esta prova de benevolencia que comigo teve.

O Sr. Presidente — Continúa a discussão sobre o artigo 1.º

O Sr. Duarte Leitão — Eu mando para a Mesa o seguinte

Additamento ao artigo 1.º

As concessões authorisadas por esta Lei poderão sómente ter logar sem prejuizo do que se acha decretado nas Leis prohibitivas da navegação de cabotagem em navios estrangeiros, e da adquisição de embarcações portuguezas por estrangeiras. Verificar-se ha legalmente a realisação de ao menos um quarto do capital da Companhia, e a garantia sufficiente do resto, antes que se effectuem as mesmas concessões. = Leitão.

Admittida.

O Sr. V. de Sá — Eu concordo em parte com a emenda de S. Em.ª, mas apesar disso eu vou lêr a seguinte

Substituição ao artigo 1.º

Artigo 1.º Fica o Governo authorisado a contractar o estabelecimento de um ou mais linhas de navios movidos por vapôr, que façam o serviço de paquetes entre os portos do Continente do Reino, e os das Ilhas dos Açôres, da Madeira, e de Cabo Verde.

§. unico. Este contacto será feito em hasta publica, e não poderá embaraçar a navegação livre por vapôr, ou por qualquer outra força motriz, entre os mencionados portos nem poderá ser feito por maior espaço de tempo do que dez annos. = Só da Bandeira.

Admittida.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu acha muito bom a emenda de S. Em.º; mas o que eu desejo é, que quando o Governo abrir novo concurso, não o faça só par quinze dias, porque é um prazo muito pequeno para uma empreza deste genero.

Approvada a emenda do Sr. Cardeal Patriarcha e tendo tambem approvado o additamento do Sr. V. de Sá da Bandeira, ficou rejeitada a substituição do Sr. V. de Sá, sendo naquella fórma approvado o artigo 1.º

Art. 2.° O Governo de accordo com a Companhia fará os regulamentos necessarios para fixar assim o numero e força das embarcações, o numero de viagens, a demora em cada um dos portos, e os preços que os passageiros deverão pagar, como os casos em que a Companhia deverá prestar se gratuitamente ao serviço publico, e os preços porque deverão ser transportados os militares e trens de guerra.

Art. 3.º Se a Companhia, decorrido um anno depois de concluido definitivamente o seu contracto com o Governo, não tiver estabelecido a linha de navegação proposta, pelo menos com tres barcos movidos por vapôr, ficará de nenhum effeito o exclusivo concedido pela presente Lei.

§. unico. A Companhia em todo o caso dará fiança aos direitos de entrada dos barcos que para o seu serviço importar.

Art. 4.º Ficam em inteiro vigor as disposições do Codigo Commercial Portuguez, e derogada, sómente para os effeitos desta Lei, a Legislaria em contrario.

Palacio das Côrtes, em 23 de Junho de 1848. (Com a assignatura da Presidencia da Camara).

Foram sem discussão approvados aquelles artigos.

O Sr. Presidente — A hora deu, mas antes de eu dar a ordem do dia observarei, que seria conveniente que as Sessões começassem á uma hora, a fim de se poder adiantar mais algum trabalho, em attenção a estar proximo o prazo do encerramento da Camara (Apoiados). Então ámanhã começará a Sessão á uma hora, e será a sua ordem do dia o Parecem. N.º 51, sobre o Projecto de Lei n.º 38; o Parecer n.º 55 sobre a Proposição de Lei n.º 48; e o Parecer n.º 50 sobre o Projecto de Lei n.º 43. Está fechada a Sessão — Eram mais de cinco horas.

O Sub-Director da Secretaria, Chefe da Repartição de Redacção,

José Joaquim Ribeiro e Silva.

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