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CAMARA DOS PARES DO REINO.
SESSÃO DE 4 DE AGOSTO DE 1848.
Presidiu — O Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios — Os Sr.s M. de Ponte de Lima.
Margiochi.
Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 37 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreu o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. D. de Palmella — Uma Deputação dos Officiaes das Secretarias de Estado entregou-me uma Representação assignada por todos os Officiaes Maiores, e Officiaes Ordinarios, ou pelo menos por um grandissimo numero deites, relativamente ao Projecto que veio da Outra Camara sobre os emolumentos das Secretarias. Eu pedia a V. Em.ª que remettesse esta Representação á Commissão, que tem de dar um parecer sobre este objecto, e que fosse lida quando o Projecto vier á discussão. (Apoiados.)
O Sr. Presidente — Creio que já se distribuiu um exemplar impresso. (O Sr. D. de Palmella — Desta mesma Representação? Não sei, é provavel.) O D. Par pede que esta Representação dos Officiaes Maiores, e Officiaes Ordinarios das Secretarias de Estado, sobre o Projecto de Lei dos emolumentos das Secretarias, seja remettida á Commissão aonde ha de ser examinado este Projecto.
Remetteu-se á Commissão de Legislação.
O Sr. C. de Bomfim — Sr. Presidente, pedi a palavra para suscitar a attenção e sympathia da Camara e do Ministerio sobre um negocio de interesse publico, e desta vez lisongeo-me de que encontrarei tambem uma unidade de votos. Vou fallar a respeito de um acontecimento da Ilha do Fayal, e bem sabido de todos, que vem a ser a desgraça a que ficaram reduzidas muitas familias, em consequencia de se perder a producção da laranja por causa de um insecto que a atacou.
Aquelles habitantes tractaram de crear um novo ramo de industria, e lembraram-se de fazer uma plantação de amoreiras; progrediu muito bem e está em andamento; mas se por um lado o clima tem sido favoravel, por outro lado o bicho da seda desenvolve-se prematuramente, e tem paralisado esta idéa.
O benemerito Consul dos Estados-Unidos lembrou-se de edificar uma casa vasta e subterranea, e mandou buscar gelo dos Estados-Unidos, para por meio daquelle deposito no subterrâneo, intreter o desenvolvimento do bicho da seda, antes que viesse a folha da amoreira; porque se tinha conhecido antes, que se desenvolvia primeiro o bicho da seda.
Effectivamente estava isto no melhor andamento; mas houve uma disposição governativa, de que tenho nota, a qual fez com que se pozesse ruma contribuição sobre o gelo, e não pôde continuar aquella producção; e parece-me que não podia haver inconveniente em fazer uma excepção a respeito daquella Ilha, em que está começado aquelle novo ramo de industria, e o gelo não vai alli para commercio, é para interesse publico. (Apoiados.)
A Ilha do Fico e do Fayal, que podem considerar-se uma mesma povoação por serem muito proximas, tem 70:000 habitantes, e a fortuna de 70:000 habitantes merece a esta Camara e ao Ministerio a maior attenção; e sendo um caso de resolução de Consulta, o Ministerio examinando este objecto, se attender a que não ataca outros interesses, não deixará de unir o seu voto ao meu, e de uma grande parte desta Camara, para melhorar esta industria que offerece os melhores auspícios.
Estas são as considerações que tinha a apresentar Camara, e estimo que esteja presente o Sr. Presidente do Conselho, e passo a dizer qual é a Consulta (leu-a).
Era este o objecto de que eu me propunha tractar, e que estimarei muito que mereça á Camara e ao Governo tanta attenção como me parece que deve merecer. (O Sr. Presidente do Conselho de Ministros — Aquelle imposto, a que se referiu o D. Par, leve logar em consequencia de uma Consulta do Thesouro, de 1845; mas o Governo está perfeitamente de accordo com as intenções de S. Ex.ª, ouvindo as pessoas competentes.) Bem, estou satisfeito.
O Sr. D. de Palmella — Eu invocaria tambem a attenção do Governo sobre este objecto, para que o tornasse extensivo a todo o Reino.
O Sr. Sousa Azevedo — A resolução a que se referio o Sr. C. de Bomfim, foi tomada sobre consulta do Tribunal do Thesouro em 1845, e fixou os direitos que o gelo devia pagar em 210 réis por arroba, dando-se um quinto, ou 20 por cento de diminuição pelo peso da tara. Aquella consulta foi elaborada s bre as convenientes informações, e com verdadeiro conhecimento do objecto, tendo-se em vista que o gelo assina admittido a despacho não prejudicaria a respectiva producção, e especie de industria que se exerce no paiz (O Sr. V. de F. Arcada — Peço a palavra). Mas eu não sei se acaso no ultimo trabalho, que se fez sobre as pautas, e o Governo apresentou na Camara electiva, houve alguma alteração ácerca deste objecto, e poderá talvez ser alliviado no quantum de direitos por entrada; e sobre a Ilha do Fayal, pelas peculiares circumstancias referidas pelo D. Par o Sr. C. de Bomfim, talvez alguma providencia se deva adoptar. O Sr. Presidente do Conselho hade de certo tomar este negocio em consideração, e examinar o trabalho que se fez sobre as Pautas (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra sobre a ordem), para em vista delle se adoptar o que fôr conveniente em beneficio dos interesses dos Habitantes do Fayal.
O Sr. C. de Thomar — Parece-me que sobre este objecto já se tem dito bastante (Apoiados). Passa já das duas horas, e segundo uma resolução da Camara, deve-se passar á Ordem do dia (Apoiados).
O Sr. Presidente — Mas ainda tem a palavra alguns D. Pares....
O Sr. V. de F. Arcada — Cedo da palavra.
O Sr. Fonseca Magalhães — Eu tambem cedo da palavra.
O Sr. Presidente — Então tem a palavra o Sr. Barão de Porto de Moz...
O Sr. C. de Lavradio — Eu peço a palavra para antes da Ordem de dia.
O Sr. B. de Porto de Moz — O Sr. Tavares de Almeida não pôde hoje assistir á Sessão por incommodo de saude, e encarregou-me de o participar á Camara.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, a Lei de 30 de Julho de 1843, se a memoria me não fallece, mandou pagar aos herdeiros do fallecido Bispo do Porto, D. João de Magalhães e Avellar, a somma que tinha sido julgada por sentença do Poder Judicia). Consta-me que se pagara uma prestação em 1847. e julgava que pouco devia lêr ficado depois da ultima prestação; mas como não vi no orçamento nenhuma verba para este pagamento, perguntarei ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, como é que S. Ex.ª intende que ha de cumprir aquella Lei, pela qual se mandou pagar esta divida em virtude de uma sentença do Poder Judicial, quando outras dividas de uma natureza similhante a esta já estão pagas! Por tanto, é uma injustiça não se continuar afazer este pagamento, sobre tudo sendo elle ordenado em virtude de uma Lei.
O Sr. Ministro dos Negocios do Reino — No orçamento existe realmente aquella lacuna, que Dotou o D. Par Sr. C. de Lavradio; mas eu tenho-me já intendido com o mesmo interessado a este respeito, e em consequencia de um methodo, que elle propõe ao pagamento da sua divida, é que não apresentei já uma proposta á Camara dos Sr.s Deputados sobre este objecto; más espero em dous ou tres dias ter concluido esse negocio.
O Sr. C. de Lavradio — Muito bem.
O Sr. V. de Sá da Bandeira — Peço a palavra para mandar para a Mesa um requerimento (O Sr. Presidente — Tem a palavra). Ha dias que o Sr. Ministro dos Negocios da Marinha escreveu a esta Camara dizendo — que os documentos que eu linha pedido relativos ao Governador de Macau Amaral, estavam affectos ao Procurador Geral da Coroa; mas que se a Camara os quizesse, que os enviaria. Então eu peço que estes documentos sejam remettidos á Camara, e depois se restituirão á Secretaria. O meu requerimento é este, e sobre elle peço a urgencia.
REQUERIMENTO.
Requeiro que se peçam ao Ministerio da Marinha e Ultramar todos os papeis relativos ao Governador de Macau Amaral, que o Sr. Ministro da Repartição declarou era seu Officio de 29 de Julho estar prompto a remetter a esta Camara. Agosto 4 de 1848. — Sá da Bandeira.
O Sr. Presidente — Não é preciso, porque a mesma Mesa os manda pedir, e remette-se o requerimento ao Governo.
Pausa.
O Sr. Presidente — Agora me diz o Sr. Secretario, que é necessaria uma votação da Camara Sobre o requerimento do D. Par porque o Sr. Ministro diz, que aquelles documentos estão em poder do Procurador Geral da Corôa, mas que os remetterá, Se a Camara julgar que os deve mandar antes de virem do mesmo Procurador Geral da Corôa.
O Sr. V. de Sá da Bandeira — Diz no Officio que iam ao Procurador Geral da Corôa, mas que se a Camara os pedisse os enviaria. Põe esta alternativa, e por tanto eu peço que se tome a segunda, e depois se remetterão ao Governo; porque eu queria fazer uso deites papeis antes de acabar a Sessão, e a Camara resolverá o que intender.
O Sr. C. de Thomar...
O Sr. V. de Sá — Peço á Camara que me permitta retirar o requerimento.
Concedido.
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA
Um Officio de Antonio Caetano Pacheco, antigo Deputado da Nação pelo Estado da India, remettendo, para se distribuirem pelos D. Pares, quarenta exemplares de um opusculo. = «Plano geral da Instrucção Publica nos Estados portugueses na India»
Foram distribuidos.
O Sr. C. de Lavradio — Sr. Presidente, peço a palavra. (O Sr. Presidente — Tem a palavra.) Eu quizera que na Acta se fizesse menção, de que na Camara se tinha recebido com agradecimento esta offerta (Apoiados). Vejo que é feita por um digno Deputado da Nação, o que prova o seu interesse por um ramo tão importante da Administração Publica, e portanto desejara que se fizesse menção na Acta, de que a Camara tinha recebido com agrado a mesma offerta (Apoiados).
O Sr. Fonseca Magalhães — A esta proposta, que fez o D. Par o Sr. C. de Lavradio, uno o meu voto tambem, e não ousei tomar a iniciativa, porque o Auctor me fez a honra de dedicar-me a sua obra. Eu já a vi e estudei, e nella se mostram não só conhecimentos desta materia, mas desejo mui louvavel de promover a instrucção geral no paiz (Apoiados).
Resolveu-se que na Acta se mencionasse, que fóra com agrado recebida aquella offerta.
ORDEM DO DIA
Parecer n.º 55 sobre a Proposição de Lei n.º 48, de cuja discussão se tractou a pag. 1213, col. 3.ª, 1248, 2.º, e 1265, 2.º
O Sr. Presidente — Passamos á ordem do dia (Apoiados), Eu rogo aos D. Pares que se algum tem a palavra das Sessões pretéritas queiram dize-lo. (O Sr. V. de Oliveira — Eu tinha pedido a palavra.) Não sei se ha mais algum D. Par....
O Sr. D. de Palmella — Eu tinha pedido palavra para uma explicação, mas cedo della. (O Sr. Presidente — Mas pediu a palavra depois para a materia?) Eu não a pedi.
O Sr. Presidente — Então tem a palavra o Sr. V. de Oliveira.
O Sr. V. de Oliveira — Sr. Presidente, na ultima Sessão, sobre este mesmo objecto em discussão, dous D. Pares combateram a opinião que com diversas razões sustentei na Sessão de 28 um, combatendo alguns dos fundamentos por mim apresentados, sustentou com tudo o Parecer da Commissão: outro concluiu por desapprovar tanto o Decreto de 10 de Março, como á Parecer da Commissão. Examinando as razões que cada um delles apresentou, farei quanto me fôr possivel por dar breves respostas a cada um, pois que presisto nas mesmas convicções que antes tinha, por não dizer que mais firme estou á vista de taes impugnações.
O primeiro D. Par, approvando o Parecer, o votando pela revogação do Decreto de 10 de Março de 1847, fundou-se nas seguintes razões. Primeira: para tirar a todo o Ministerio a tentação de augmentar arbitraria r ente o numero de Juizes Conselheiros. Segunda: para desfazer o aggravo que ao Tribunal se fizera no Relatorio, que precedera o Decreto de 10 de Março, asseverando serem muitos os processos amontoados. Terceira: que eram poucos os processos, e não havia por isso necessidade de mais Juizes. E ultimamente declarou, que o Supremo Tribunal de Justiça em differentes épocas tinha funccionado já com quatorze, já com menos, e até com oito Membros: foram estas, parece-me, as expressões do D. Par. Peço a S. Ex.ª que rectifique o modo porque as apresento, porque não quero entrar nesta questão, assim como em quaesquer outras, senão com raciocinio, exactidão, e lealdade.
Quanto á primeira razão, direi, que de não pequeno valor seria ella para S. Ex.ª, ou qualquer outro D. Par, que julgar aquella medida do Decreto como filha unicamente de arbitraria vontade; mas como ajuizar-se e apreciar-se arbitrario, isto é, sem regra nem fundamento algum legitimo, um acto, ao qual precederam tantas e tão fortes razões, que o abonam e declaram necessario? Quando nos submettemos á necessidade legitima, desapparece todo o arbitrio.
Já ponderei, que o Decreto de 10 de Março nao fez mais, do que prover de remedio a uma necessidade publica, reconhecida pela experiencia de bastantes annos, e avaliada pelas mais competentes authoridades na materia; provei que esse Decreto não fora mais do que a expressão desta necessidade, reconhecida t mi bem por Jurisconsultos, que officialmente foram ouvidos e consultados. E mostrou-se alguma cousa em contrario? Não. Esta necessidade tem constantemente sido um pensamento fixo, e uma voz conforme.
1 Já disse, e agora o repetirei, que a reducção dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, feita em 1836, estabelecendo uma nova forma de supprir as faltas ou impedimentos daquelles, chamando Juizes da Relação de Lisboa, segundo a ordem das suas precedencias, foi desde logo apreciada como prejudicial á boa e prompta administração de justiça. É esta uma verdade, que ninguem poderá pôr em duvida: ahi estão as opiniões, pareceres, e officios, que bem o provam. E tambem é certo que tudo isto era conhecido e sabido do Governo, não só porque mandou ouvir e informar as pessoas competentes, como porque lá tem na respectiva Secretaria todas as peças officiaes. Peço que se attenda a qual é a ordem do serviço, forma do processo, e competencia do Supremo Tribunal de Justiça; peço que se pezem bem todas as razões de conveniencia social; peço que se considere a influencia, que este Tribunal deve exercer sobre a importantissima administração de justiça; e então se tirará a conclusão de que precisa, pelo menos, de quinze membros. Um muito douto, em todos os respeitos, e distincto Jurisconsulto, que já foi dignamente Presidente, e ainda é Membro do Tribunal, apresentando á recommendação do Governo um Projecto de organisação e competencia, disse que eram necessarios quinze Juizes Conselheiros, no que foram accordes outros illustres Jurisconsultos.
Ainda hontem se depositou sobre a Mesa um officio do Sr. Ministro da Justiça, contendo a cópia de algumas dessas peças officiaes, sendo certo que existem ainda outras na respectiva Secretaria. E não são sómente os distinctos Magistrados ouvidos sobre a materia, os que foram conformes: o proprio Governo, como nesta mesma Casa declarou, e era outra occasião já mostrei, disse, que não discordava deste parecer. E mudou a ordem do Serviço? Estabeleceu-se uma nova forma de processo? Diminuiram-se os objectos da sua competencia? Nada disto: pelo contrario dilatou -se a esphera das suas attribuições com as Cartas de Lei de 19 de Dezembro de 1843! Donde pois se deduzirá hoje a possibilidade de funccionar com menor numero? A razão desejava eu ouvir; mas não tenho tido essa satisfação! Pôde ou não fazer-se legitima e convenientemente o Serviço com menor numero? Pessoas competentes tem já respondido que não; mas se é possivel, decrete-se já essa economia: se não é possivel, e se necessita que o Tribunal tenha quinze Membros, pelo menos, então elle ahi está decretado, e deixemos então as cousas como estão, e não se diga hoje que não ha necessidade, para se vir propor depois que ha precisão desse augmento. Masquem ha ahi que não reconheça, e que não esteja convencido, avaliando bem as attribuições, ordem do Serviço, e forma do processo no Supremo Tribunal do Justiça, de que para preencher as suas importantes funcções carece de quinze Membros? As sentenças para serem tidas como uma verdade juridica, carecem revestir-se das condições necessarias, e uma dellas é o numero de votos, que devem proporcionalmente crescer, conforme os recursos que dellas se faculta, entrando sempre novos Juizes na decisão. O proprio D. Par, o Sr. C. de Thomar quando Ministro da Justiça, e depois quando Ministro do Reino, concordou na necessidade de augmentar o numero dos Conselheiros, já dando Seguimento ao Projecto que lhe foi apresentado, já convindo nesse augmento, como por parte do Governo foi expressamente declarado, e tenho referido, pelo então Ministro da Justiça o D. Par o Sr. Sousa Azevedo. Sr. Presidente, o Governo provendo a esta necessidade, não praticou acto arbitrario, conformou-se com uma necessidade publica, que lhe foi demonstrada (Apoiados).
Julgo que, por esta forma, tenho respondido ao primeiro argumento do D. Par, que sustentou o Parecer da Commissão, votando pela revogação do Decreto de 10 de Março de 1847, sustentando comtudo os seus effeitos juridicos. Passarei agora ao segundo argumento.
Aproveito esta occasião, para fazer uma declaração tão sincera, como verdadeira, em quanto se pretende que ao Supremo Tribunal de Justiça uma censura desmerecida se fizera no Relatorio, que preceda o referido Decreto. Estimo muito ter occasião de fazer uma declaração tal, porque nunca foi intenção minha, nem foi por certo da mente dos meus illustres Collegas, fazer a menor censura ou aggravo a um Tribunal tão respeitavel.
Mas, Sr. Presidente, para que demorar-me a este respeito em demonstrações? O Relatorio ahi está; elle contém principios de eterna verdade, e referencia a factos publicados por ordem do mesmo Tribunal. É impossivel que em qualquer das hypotheses o caracter, ainda o mais susceptivel, encontre materia, para se reputar menos acatado; não ha uma só expressão, uma só referencia, que não respeite senão ao objecto que se propunha. Permitta-me a Camara que faça uso do mesmo Relatorio.
A vista disto pergunto eu — que expressão se contém neste relatorio que offenda? Eu não a vejo, nem a descubro, nem podia ser da intenção dos Ministros que tiveram a honra de referendar aquelle Decreto, irrogar censura ao Tribunal, ou a alguns dos seus Membros, aonde contam amigos, que sempre tractaram com toda a consideração. Por consequencia, não foi, como já disse, nem podia ser tal a intenção dos Ministros; e se esta declaração não basta, darei todas as necessarias que justifiquem a pureza das intenções dos meus honrados collegas, e as minhas proprias.
Sr. Presidente, disse tambem que não corriam no Tribunal senão cincoenta ou sessenta processos. Em materia de factos é sempre necessario não confiar tudo na memoria, cumpre apresentar provas, porque são estas as que decidem, e não, as havendo, tolos os raciocinios nada concluem, Eu já disse n'outra Sessão qual era o expediente daquelle Tribunal, não improvisei, não imaginei, referi-me aos mappas estatisticos mandados publicar no Diario do Governo, e assignados pelo Secretario do Tribunal, e que correm sem rectificação alguma. Mas quando a este respeito eu tivesse alguma ambiguidade, á vista do que disse o D. Par a quem estou respondendo, ella desapparecia completamente, e recuperava o mesmo gráo de certeza com a minuciosa exposição, e apresentação da estatistica pelo distincto Membro do Tribunal, e D. Par o Sr. Duarte Leitão. Pelo que S. Ex.ª apresentou vê-se, que se julgavam successivamente grande numero de feitos civeis, e crimes, excedendo muito e muito o numero desses cincoenta ou sessenta processos, Ora, se assim é, e se prova pelas estatisticas, claro fica, que o D. Par labora n'um equivoco quando assevera, que no Tribunal não havia mais do que cincoenta ou sessenta feitos. Direi pois, sem querer duvidar, nem por um momento, da exactidão do que disse o D. Par, que sustenta o Parecer da Commissão, que tenho como exactos e verdadeiros os mappas estatisticos publicados' pelos Diarios do Governo, por estarem conformes com os apresentados pelo U. Par, e Membro do Tribunal, o Sr. Duarte Leitão. Sei tambem pelos protocolos de alguns Juizes Conselheiros, que o movimento dos processos excede muito o numero referido pelo D. Par. Deixemos porém essa questão do numero de feitos, a tal respeito já se tem
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dito quanto é bastante, e as provas ahi correm impressas por ordem do mesmo Tribunal; ahi estão os registros das causas julgadas; ahi estão os protocolos dos Juizes Conselheiros. Se tudo isto não é prova provada, então os numeros nada significam, nem ha certeza em cousa alguma.
Agora quanto á ultima razão do D. Par, quando disse, que o Tribunal tanto tinha funccionado com quatorze Membros, como com oito Membros! permitta S. Ex.ª, que lhe diga, que com o numero de oito não funccionou, nem era possivel funccionar no espirito da sua instituição; que com um tão diminuto numero era impossivel satisfazer aos fins da sua creação; que com um tal numero não pôde dar as garantias sociaes, segundo o direito vigente. Direi mais: que com tal numero nem ainda materialmente pude ser regular e prompto o seu expediente. Pois se assim é. para que manda a Lei dividir o Tribunal em duas secções, e que os feitos crimes sejam vistos por site Juizes em primeira revista? Para que manda a Lei que as segundas revistas sejam julgadas reunidas as secções? Mas em fim, pôde ser que elle funccionasse; mas o facto é, que não funcionou nos termos que a Lei queria que o fizesse (Apoiados). Tenho por esta fórma respondido aos argumentos offerecidos pelo D. Par, que approvando o Parecer da Commissão, vota pela revogação do Decreto de 10 de Março d 1847, resalvando os actos consummados, a fim de que não se de á Lei revogatoria effeitos retroactivos.
Agora vou responder ao D. Par o Sr. C. de Thomar, que a segunda vez que fallou na materia teve a bondade de dizer, que eu costumo prestar homenagem á justiça e á razão, e por isso não posso deixar de lhe dirigir os meus agradecimentos. Observou S. Ex.ª, que a constitucionalidade, ou não constitucionalidade do Decreto de 10 de Março, é que era o ponto da maior e mais grave importancia; mas que talvez por uma razão, a strategia parlamentar, eu tinha fugido a responder a este argumento. Creio que foi esta, em substancia, a reflexão de S. Ex.ª
Sr. Presidente, não e preciso historiar os grandes e extraordinarios acontecimentos publicos, por que infelizmente este nosso Paiz atravessou na proxima crise revolucionaria passada; os males occorridos então são ainda hoje por todos sentidos; todos delles fomos testimunhas, e todos os devemos deplorar. Tambem não é para aqui o mostrar as diversas phases pela qual passou a guerra civil nos seus diversos periodos: limitar-me hei pois sómente a dizer, que em occasiões taes a ordem publica se altera, os animos se agitam, as paixões se exaltam, a authoridade é desacatada, as leis perdem toda a sua influencia. O remedio nestes momentos de exaltação está na combinação das forças e dos poderes, a fim de restabelecer a unidade, sem a qual não ha vida para o corpo social. Todo o Governo que emprehende o restabelecimento da ordem publica é obrigado, pela força das circunstancias, a lançar mão dos meios adquadas ao fim a que se propõe, sobre si toma a maior das responsabilidades, e se expõe a todos os riscos e eventualidades que acompanham as guerras civis, que tão por estas são tos Reis como aos Povos. Neste estado de perturbação geral não se discutem em Parlamentos as medidas de salvação, obra-se, executa-se prudentemente segundo as necessidades reclamam. É pois de todos bem subido, que em tal situação era um impossivel absoluto a reunião das Cortes, tendo de proceder-se á eleição dos Deputados: conseguintemente, se o D Par intender por inconstitucional todo o Decreto do Executivo, que contendo materia legislativa, não é feito com a cooperação de ambas as Camaras e Sancção Real estamos completamente de accordo: se porém faz distincções, apreciando constitucionaes um, e não constitucionaes outros, se então discordamos, porque a sua origem é a mesma.
Depois do Acto Politico de 27 de Outubro de, 1846, tão authorisado estava o Governo para publicar o Decreto de 10 de Março de 1847, como o estava para todos os outros Decretos; e tão authorisada estava a Administração a que tire a honra de pertencer, como o estavam todas quantas lhe tem precedido. Todas teem invocado a suprema Lei da salvação publica; todas teem feito Leis, que formam em grande parte o corpo do nosso direito. A constitucionalidade, ou inconstitucionalidade, que se dá a respeito de uma qual quer dessas Leis promulgadas em tempos de dictaduras, encontra-se em todas. A que proposito pois a questão de constitucionalidade? Com que fundamento fulminar-se um Decreto, deixando-se intactos tantos outros. Decreto aliás cuja necessidade já era antes reconhecida, e que está em completa harmonia com as Leis votadas pelo Parlamento, e conforme com a declaração feita pela Administração, de que o D. Par fazia parte? Se o principio da constitucionalidade deve prevalecer, applique-se então a todos os Decretos, qual quer que seja a Dictadura, e tempo em que tenham sido promulgados; haja uma só medida, um só padrão por que todos sejam afferidos; não se façam excepções odiosas; a igualdade é um attributo inseparavel da justiça. Se em virtude desses Decretos ha actos consummados, que devem ser respeitados, tambem a respeito destes os ha, e de gravissima importancia para a certeza do dominio e segurança dos direitos das familias. Eu evitei pois tractar da constitucionalidade ou não constitucionalidade deste Decreto, porque isso nos levaria a resultados para os quaes esta Camara por certo não quererá contribuir.
A questão reduz-se a apreciar a sua justiça ou conveniencia publica; uma e outra provei, tendo em abono desta minha opinião o direito e os factos. O Parlamento póde, querendo, revogar, ou modificar poríeis as leis promulgadas pelas diversas Dictaduras, assim como quaesquer leis que tenham sido feitas em Cortes; mas não póde dar-lhes effeitos retroactivos, nem attribuir ao Legislador intenções que não teve, nem estabelecer limites ás necessidades que passaram. Applicado o principio da constitucionalidade a um Decreto, deve fazer-se o mesmo a respeito de todos, porque raciocinando sobre um principio geral, não convém descer ás especialidades, mórmente quando interessam individuos, porque lhes faz perder a qualidade indispensavel de justo na sua origem, e universal na sua applicação.
Ora, se isto é uma verdade, como se poderá, imparcialmente fallando, condemnar o Decreto de 10 de Março de 47 por anti-constitucional, que é o unico e principal argumento de S. Ex.ª? Se elle é anti constitucional, anti-constitucionaes são todos os Decretos das diversas Dictaduras porque temos passado. E se todos tem esse defeito de origem, porque] razão, com que fundamento se hade fulminar tão vehementemente este Decreto? Confesso ingenuamente que deverá haver motivo assaz poderoso; e qual será elle? Vamos á segunda parte do argumento, porque estou persuadido, de que a resposta dada á primeira não tem réplica alguma.
Diz-se, que o Decreto de 10 Março de 1847 exorbitara dos poderes, que o Governo se havia imposto pelo Decreto de 27 de Outubro de 1846, donde derivava a faculdade de tomar as medidas precisas legislativas. Supposto que esses poderes se derivam principalmente da situação, e não de um acto redigido desta ou daquella forma, sendo que esse mesmo acto não é essencialmente necessario, como aconteceu com as outras anteriores Dictaduras, direi comtudo a S. Ex.ª, que bem apreciadas todas as rasões que precedem o referido Decreto, dellas se vê, que o Governo estava Ião authorisado para tomar todas as outras medidas que adoptou, como para promulgar o Decreto de que se tracta. A questão é de substancia, e não de formula: a authorisação deve em circumstancias taes, regular-se pelas necessidades publicas, sem que se offendam, o menos possivel, os principios em que assenta a organisação social. O Decreto de 10 de Março, sem contrariar na sua substancia principio algum constitucional, teve por fim prover a mais prompta administração da Justiça com as garantias legaes: não constituiu direito novo regulou pelo que respeita sómente ao pessoal, lendo em consideração devida os votos e opiniões de distinctos Jurisconsultos, e harmonisando as diversas disposições legislativas com o numero necessario de Juizes Conselheiros. Havia se sempre e constantemente dito, que o Supremo Tribunal de Justiça devia constar de quatorze Juizes, e de um Presidente; affirmou-se que este numero era essencialmente necessario; e chegada a occasião em que apenas em effectividade de serviço estavam oito, que deveria o Governo fazer? Provou de remedio, elevando o numero que uma Lei regulamentar tinha estabelecido, mas que não estava já em concordancia com diversas outras prescripções legaes. A inconstitucionalidade citava sómente no modo da confecção da Lei; mas esse defeito tem todas as Leis das Dictaduras; e se por este motivo merece ser revogada, com superior razão, eu o repito, o deverão ser todas as outras, que não foram approvadas explicitamente por Lei feita em Cortes com a Sancção Real.
Demais: havendo-se o Governo, em tão critica situação, proposto ao restabelecimento da Ordem publica, e a dar regularidade ao Serviço nos diversos ramos de Administração, deveria portar-se com indifferença a respeito de uma que mais importa á sociedade? Decerto que não; porque, o Governo que exercia aquelles poderes plenos e amplos, em que os devia certamente exercer rum mais razão, era a respeito da Administração da Justiça, por isso mesmo que sem ella não ha Sociedade. A questão pois da constitucionalidade a respeito deste Decreto, versa apenas sobre forma, fórma suspensa por virtude de imperiosas circunstancias; mas se esta falta o prejudica, igual sorte, por maioria de razão, deve affectar todos os outros porque debaixo desta relação tão inconstitucionaes são uns como outros.
Conceda-se-me agora que faça uma breve observação. Permitta a Providencia que nunca mais e renove entre nós a necessidade de se estabelecer Dictadura alguma, qualquer que seja a sua indole e natureza; mas se acaso se der, quem ousará tomar sobre si a responsabilidade de adoptar medida alguma legislativa, se depois de passada a crise podem esses meios empregados para o restabelecimento da ordem, segurança, e punctual exercicio das funcções publicas, ser taxados de inconstitucionaes? O que é pois uma Dictadura senão uni poder soberano, creado em tempos calamitosos para governar sem estar adstricto a formulas, e prover ás necessidades do Estado, trabalhando para que a republica não soffra damno? Nos governos absolutos não ha nunca necessidade de recorrer ás Dictaduras; esta necessidade pôde dar se sómente naquelles governos, em que os poderes politicos estão divididos e separados. Argumentar pois com a constitucionalidade é desconhecer completamente o que é uma Dictadura. Confesso que não conheço, nem sei o que seja Dictadura constitucional! Nessas occasiões de perigos externos adoptam-se todas as medidas, que a prudencia aconselha, e as necessidades publicas reclamam; prosegue-se tambem na marcha regular, de que depende o expediente dos negocios que não se interrompem. As Dictaduras são um mal, mas necessario em muitas occasiões: apreciar, passado o perigo, de constitucionaes ou inconstitucionaes seus actos, irogar censuras, attribuir taes ou quaes intenções, será facil, mas não justo; principalmente, a respeito de actos que estão no espirito, e até na lettra da legislação, e que mesmo em' tempos normaes são reclamados por pessoas doutas, prudentes, e praticas nos negocios de que se tracta. Parece-me pois que tenho demonstrado, que o argumento em contrario da inconstitucionalidade não só não procede, mas não tem força alguma.
Disse mais S. Ex.ª, para que servia esse Decreto, se a Ordem publica era mantida, o Tribunal funccionava, e ninguem reclamava o augmento do numero dos Juizes Conselheiros? Já disso, o S. Ex.ª o sabe muito bem, que o numero dos Conselheiros estava por extremo reduzido, e contava então apenas oito em effectividade de serviço; e já se vê que não podia assim funccionar convenientemente, não só conforme á Legislação actual, como tambem segundo o juizo de pessoas competentes, que foram ouvidas, as quaes todas foram concordes em affirmar, que o menor numero de Juizes Conselheiros deveria ser de quatorze, e um Presidente, sem o qual o Tribunal não podia funccionar, dando á Sociedade o ás partes as conveniente* garantias, e que esta era tambem a opinião do Governo. (O Sr. C. de Thomar— O Decreto de 43.) Sim, com a Lei de 19 de Dezembro de 1843, dando-se ao Tribunal novas attribuições, augmentou se essa necessidade. (O Sr. C. de Thomar — Mandou-se consultar o Tribunal?) Não se mandou então consultar o Tribunal, nem para isso havia necessidade, por ser objecto muito sabido e averiguado, e já ha muito reconhecido pelo proprio Governo, como aqui declarou o D. Par, o Sr. Sousa Azevedo, quando Ministro da Justiça. Nada ha mais explicito, justo, e acertado, do que a declaração de S. Ex.ª nesta Camara em 5 de Dezembro de 1843, mostrando que supposto o quadro legal do Supremo Tribunal de Justiça fosse de dez Conselheiros, e um Presidente, que não tem voto ordinario, com tudo que então o Tribunal linha quinze, e que se para o futuro viesse a faltar esse numero necessario, que o Governo viria propor ás Camaras a medida de que se carecesse, declarando igualmente, que não só os Jurisconsultos que foram ouvidos, todos concordaram tia necessidade de augmentar o numero dos Conselheiros, elevando-o pelo menos, ao numero de quinze, mas que tambem o Governo não discordava deste parecer. (O Sr. C. de Thomar — As Cortes é que isso competia.) Às Cortes, diz o D. Par, é que isso competia; e quem o duvida? Quem ignora que ás Cortes com a Sancção do Rei é que compete fazer Leis, revoga las, e interpreta-las? Mas eu já mostrei que era impossivel reunir as Cortes nessa occasião. (O Sr. C. de Thomar — Demonstre que se não podia esperar, que ellas se reunissem.) Está demonstrado que com oito Conselheiros era impossivel fazer-se o serviço, nem V. Ex.ª pólo demonstrar o contrario.
Sr. Presidente, pouco ou nada direi sobre direitos adquiridos, de que tambem fallou o D. Par, o Sr. C. de Thomar. Declaro que não tenho idéas fixas atai respeito: sei que deste ha muito se falla na necessidade de uma Lei de antiguidades, que della muito se carece, até mesmo para constituir melhor a independencia dos Juizes; mas é certo que ella não existe, e assim não posso estar completamente habilitado para asseverar, ou negar se os despachos feitos em virtude do Decreto de 10 de Março foram em relação a esses direitos: accredito porém que o Ministro havia de regular-se com aquella circunspecção e prudencia, inseparaveis do seu caracter grave. Por ultimo S. Ex.ª permittir-me-ha, que lhe diga, que esse assumpto é absolutamente estranho ao Parlamento; que é ponto de que não nos occupamos; porque a questão toda é se aquella providencia é, ou não sustentavel: tudo o mais é absolutamente estranho á questão: se alguem se sentir offendido em seu direito, faça as suas reclamações, querendo, perante a Authoridade competente, com audiencia de todos os interessados, nos lermos de Direito.
Agora, Sr. Presidente, terminarei mandando para a Mesa uma Proposta, visto que V. Em.ª disse que ainda ninguem a tinha mandado, e é a seguinte
Proposta.
Proponho, que das excepções, de que reza o §. unico do artigo 1.°, seja eliminada a que diz respeito ao Decreto de 10 de Março de 1847; e que este seja comprehendido na regra geral do mesmo artigo para continuar em vigor. = V. de Oliveira.
Já se vê que esta minha Proposta ha de ser discutida com o §. unico do artigo 1.º Depois de tudo quanto tenho dito concluo: que o Decreto de 10 de Março de 1847 deve continuar a ser Lei, pois que do contrario estabelecer-se-ha um precedente de funestas consequencias.
Ó Sr. Presidente — Como tem estado em larga discussão a materia desta mesma Proposta, parece-me conveniente lêr se para se votar sobre a sua admissão.
Admittida a Proposta.
O Sr. Silva Carvalho — Quando a primeira vez fallei nesta discussão disse, que me era bem desagradavel o ter de entrar no seu objecto: hoje acho-me nas mesmas circunstancias; mas como Relator da Commissão não devo ficar em silencio.
A Commissão nunca intendeu que, revogando-se o Decreto de 10 de Março deviam annullar-se os seus effeitos; porque, se o Decreto vinha de um Poder legitimo, é claro que os seus effeitos eram delle legitima consequencia, assim intendeu que tal revogação não podia ter effeito retroactivo; mas assentou que se devia revogar este Decreto, para que o exemplo se não continuasse em outras que taes circumstancias, pois que elle era inutil e desnecessario.
No Supremo Tribunal de Justiça não havia a falta de expedição nos negocios que alli entram, como se disse com a maior inexactidão no Relatorio que o precedeu. (O Sr. V. de Oliveira — No que não houve intenção de offender o Supremo Tribunal de Justiça): pois bem, estimo ouvir isso da bocca do D. Par, que fui um dos que referendou o Decreto; mas lá existem essas expressões, e dellas não se podia colligir senão, que o Tribunal era omisso no desempenho de suas obrigações. Eu já disse n'outra occasião, que o despacho' não dependia dos Ministros, mas sim do tempo, que era necessario para a expedição dos feitos; podiam estar quinze, vinte, ou trinta Ministros, o despacho sempre havia de ser o mesmo que o espaço de tempo permittisse: notarei uma circunstancia, que o Sr. Presidente do Conselho não o assignou. (O Sr. V. de Oliveira — Mas deu-se-lhe parte, e elle conveiu.) Pôde ser.
Nesse tempo, diz o Relatorio de que fallo, haviam pendentes no Tribunal seiscentas e tantas causas: sim havia, mas em movimento não chegavam a oitenta, e desde então por diante, na estatistica que o Tribunal apresenta, houve todo o cuidado em que se desse o numero das causas em movimento, e das que estavam paradas e da razão porque, a fim de que se livrasse o Tribunal de qualquer imputação, que se lhe podesse fazer. Assim nesse mesmo mez de Março de 1847 entraram no Tribunal trinta e oito; julgaram-se cincoenta e duas; ficaram paradas e sem movimento quatrocentas noventa e nove por falta de preparo; esperando por habilitações sessenta e seis; pelo cumprimento de cartas de ordens e substabelecimentos sete; e uma porque pertencia a um militar.
No mez de Maio entraram dezoito, e julgaram-se cincoenta; ficaram em movimento quarenta e nove; ficaram paradas e sem movimento; por iguaes motivos aos que referi, trezentas e sete.
No mez de Julho entraram setenta e duas; julgaram-se trinta e quatro; ficaram em movimento sessenta e uma; e sustadas por identicas circumstancias ás referidas quatrocentas setenta e seis; e assim por diante; e quem quizer desenganar-se veja as estatisticas, que tem sido publicadas nos Diarios do Governo, que com aquelle numero de Conselheiros, que o Tribunal tinha, não houve da parte delle omissão no seu dever, e que o argumento que se fez em nada concorreu para o melhor e mais rapido expediente.
Portanto, ainda estou na mesma opinião; e quando se organisar a Justiça, como intendo que é necessario, então emittirei o meu fraco parecer a respeito do numero de Juizes, de que deve ser composto o Tribunal. A Commissão intendeu, que não podia votar-lhes o mesmo ordenado, por ora, em attenção ao que já estava decretado no Orçamento, esperando que na futura Sessão este negocio se podesse melhor tractar. Eis-aqui o que me pareceu dizer em abono do Parecer, que tive a honra de assignar.
O Sr. Sousa Azevedo — Sr. Presidente, convidado pela illustre Commissão de Legislação, á que] eu ainda não pertencia como seu membro, quando se tractou de preparar o Parecer, que esta Camara hoje discute, assignei-o com declaração, e é por isso do meu rigoroso dever explicar á Camara os motivos, que me levaram a assignar com declaração o mesmo Parecer. É sem duvida singular a minha situação sobre a questão, que actualmente se agita; mas eu farei a diligencia para vêr se posso demonstrar, que em relação a este mesmo objecto, havendo da minha parte differentes opiniões, e talvez diversos procedimentos, eu não sou contradictorio nem comigo mesmo, nem com os principios que devem reger sobre o assumpto, de que se tracta.
A doutrina que se contem no Decreto de 10 de Março, de 1847, e a responsabilidade desse mesmo Decreto, não me pertencem: pela combinação das datas se vê, que elle fora publicado alguns dias depois de eu ter saído do Ministerio, em que tive a honra de occupar duas pastas. Eu saí do Ministerio a 20 de Fevereiro de 1847, e o Decreto foi publicado em 10 de Março daquelle mesmo anno.
Sr. Presidente, não só me não pertence a responsabilidade do Decreto de 10 de Março do 1847, mas tenho ainda que declarar á Camara, que eu me oppuz á sua doutrina, quando me foi apresentado esse diploma, já prompto, pelo meu illustre collega que então era Ministro da Justiça, o que teve logar, creio eu, por fins de Dezembro de 1846, ou principios de Janeiro immediato. Os motivos que então tive para não concordar com os meus collegas na adopção daquella medida, eu os vou expor francamente á Camara.
Não foi nenhum desses motivos o que tem aqui sido objecto de fortes argumentações de um D. Par, o Sr. C. de Thomar, cujos talentos e capacidade eu reconheço e muito respeito; quero dizer, não foi a illegalidade, ou inconstitucionalidade daquelle Decreto, por senão conter a sua sentença na letra do outro de 27 de Outubro de 1846, pelo qual Sua Magestade A Rainha Assumira os plenos poderes e authoridades; porque, na minha opinião, aquelle Decreto de 10 de Março era como outra qualquer medida das Dictaduras, que se teem exercido durante outras Administrações, que á de 6 de Outubro antecederam, ou succederam, a qual só poderia ser competentemente julgada pelo Parlamento, quando se apresentasse em occasião opportuna para se tornar conhecimento dos motivos de necessidade e utilidade, que presidiram á sua adopção: portanto, não me decidio para impugnar aquella medida senão a convicção da sua desnecessidade, o não utilidade em tal occasião; e com quanto reconhecesse, e reconheça ainda (e logo irei a esse ponto), que o numero de Conselheiros com que o Supremo Tribunal de Justiça precisa funccionar deve ser superior ao de dez, ou onze Juizes, contando o Presidente, que era o que estava decretado até 10 de Março de 1846; todavia eu intendia, que senão dava a opportunidade então de ser adoptada uma similhante medida (Apoiados).
Eu disse ao meu collega da Justiça, que eu tinha uma theoria talvez errada, mas que em fim era filha da minha convicção, e que por isso não podia adoptar a medida que me apresentava, porque eu intendia que os procedimentos das Dictaduras deviam ser sempre julgados pela extrema necessidade, e conveniencia das medidas; mas que eu como julgador sobre o exercicio das dictaduras havia de ser mais benevolo quando visse, que se tinham promulgado medidas mais amplas, reformas geraes, e sobre um systema, tudo de utilidade conhecida, do que quando tivesse de
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avaliar uma providencia destacada, com quanto importante; e accrescentei — que ainda que em regra reconhecesse, que o Supremo Tribunal de Justiça carecia de maior numero de pessoal para julgar a grande quantidade de processos, que lhe eram commettidos em virtude das disposições de diversas leis, e especialmente da de 19 de Dezembro de 1843; todavia aquella necessidade não seria geralmente bem julgada em Dezembro de 1846 (Apoiados), quando as circumstancias do paiz eram por todos reconhecidas; quando o numero das acções tanto civis como criminaes, havia do ser necessariamente menor, e por conseguinte quando tambem um menor numero de Juizes poderia funccionar, e dar expedição aos processos que subissem ao Supremo Tribunal de Justiça; e quando finalmente o proprio Governo tinha limitado o julgamento dos processos, determinando por um Decreto, que as causas dos militares não podessem progredir, sendo certo que naquelle tempo a metade do paiz era militar, e fora esta mais uma razão, pela qual se mostrava a não justificada necessidade da adopção de tal medida, a qual em outra occasião Séria justa, e necessaria, mas não, certamente, naquella em que se me propunha para eu a acceitar; porém, accrescentei — « não julgue o collega, que eu, impugnando esta medida, me recuso á responsabilidade de outra maior, e mais importante: se o collega quer que se proceda a uma reforma geral á Magistratura, aqui me tem de accordo; para ahi vou eu com muita vontade; Se o collega quer colligir todos os esclarecimentos, e dados estatisticos para bem entrar nessa organisação, prompto me achará para todo o trabalho, por que isso não depende sómente da intelligencia, e capacidade de um homem encerrado no seu gabinete, não senhor, é necessario que ouça outros jurisconsultos habeis e experimentados nestes negocios; e das poucas horas de que eu puder dispor pela afluencia dos negocios das repartições que dirijo, dedica-lás-hei a essa tarefa; vamos a isso; vamos ao arredondamento das Comarcas; vamos á sua classificação para que depois possa haver uma boa lei de transferencias de Juizes; vamos regular melhor o serviço nas Relações; vamos organisar da maneira mais conveniente a importante instituição do Ministério Publico, accommodando-a ao que ella deve ser, e é nos outros paizes; vamos extinguir alguma Relação, ou Tribunal de Segunda instancia; e se se intender que deverão ficar subsistindo todas, estabeleçam-se então cathegorias, ou escalas entre as mesmas Relações; determine-se que o Juiz de Direito de Primeira Instancia despachado para Juiz de Relação, vá primeiro servir na dos Açores, depois venha para a do Porto, até que entre na de Lisboa, para depois ser promovido ao Supremo Tribunal de Justiça, e então se fixará o quadro legal deste Tribunal, e serão treze ou quinze os seus vogaes, como se intender que é mais conveniente ao bom serviço; e sobre um systema bem organisado, que dê a conhecer ao paiz que tivemos idéas mais vastas, e pensamento amplo ácerca de um dos mais importantes ramos do serviço publico.
Estas razões, creio eu, que calaram no animo do meu collega, pelo menos cessaram as suas instancias. Eu ainda estive um mez e meio no Ministerio, e o Decreto não se publicou; mas passado pouco tempo depois da minha sahida vi-o publicado no Diario do Governo, signal de que as minhas opiniões não eram as mesmas do Ministerio, depois que foi chamado para me succeder o Sr. C. do Tojal; e aqui está a primeira época em que eu tinha que considerar o Decreto de 10 de Março de 1847, e as reflexões que offereci sobre aquella medida, que não foi adoptada em quanto estive no Ministerio. Agora vou passar á segunda epocha, e aqui nada mais direi sobre a necessidade de se publicar o Decreto de 10 de Março, ou ácerca das razões de menor ou maior conveniencia, que o Governo teve para estabelecer aquella medida; mas tratarei do Decreto, como acto consumado desde a sua publicação, e dos despachos que houve em consequencia delle, isto é, a nomeação de tres beneméritos Juizes de Direito, que preenchendo as formalidades necessarias com os respectivos diplomas e pagamentos de dinheiro, Se encartaram, e tomaram posse de seus logares, e se acham em effectivo exercicio no Supremo Tribunal de Justiça, no qual, segundo a minha opinião, não podem deixar de ser conservados.
Eu já declarei que em 1846, sendo Membro do Ministerio, e na presença de uma Dictadura; rejeitei aquella providencia, e oppuz-me com effeito a que fosse estabelecida; e hoje como Membro do Corpo Legislativo, comsiderando-a como um acto perfeito, heide votar pela conservação do Decreto de 10 de Março (Apoiados).
Verei se posso dar rasões que convenção, que eu não sou contraditório nestes dois modos de pensar e proceder.
Existe o Decreto de 10 de Março ha quinze ou deseseis meses; em consequencia delle foram nomeados tres Juizes para o Supremo Tribunal de Justiça, que tomaram posse, como acabei de dizer, e acham-se funccionando até hoje, sem contradicção de ninguem. A Dictadura de 10 de Março sucedeo ainda outra, e Dictaduras foram todas as Administrações, que governaram o Paiz até se abrirem as Cortes em Janeiro de 1848; mas nenhuma destas Administrações, ou Dictaduras se lembrou de revogar o Decreto de 10 de Março; pelo contrario, tacitamente o approvaram, por que não pôde intender-se que fossem indifferentes ao exercicio das funcções de tres Juizes no Supremo Tribunal de Justiça, se por ventura intendessem, que a sua jurisdicção não era válida, nem devia produzir effeitos desta naturesa. Abriram-se as Camaras, e apresentando o Governo tantas Leis e Projectos, em nenhum delles veio pedir a revogação do Decreto de 10 de Março; e estando funccionando as Camaras ha sete mezes, e tendo-se approvado tantas medidas, só depois de muito tempo se fallou na Camara dos Sr.s Deputados contra aquelle Decreto, e sabe-se muito bem que foi isto o que deu origem á Proposta do Governo.
Sr. Presidente, observando que os Juizes foram despachados por virtude de um Decreto da Dictadura; que este foi geralmente reconhecido como Diploma legal; que o Supremo Tribunal de Justiça hão recusou dar posse aquelles Juizes, e que nenhum dos outros Tribunais duvidou da jurisdicção e validade dos actos d'aquelles Magistrados; poderei eu agora concorrer com o meu voto, para que estes desçam as escadas d'aquelle mesmo Tribunal, em que como Juizes tem exercido as respectivas funcções? Aonde poderei ir procurar exemplos desta naturesa? Eu hão os conheço na historia da Magistratura nova, nem da velha Magistratura, apezar de reger o systema de Governo absoluto; porque os Desembargadores que fossem dimittidos (acontecimento aliás muito raro) por qualquer motivo considerado justo, era um acto absoluto conforme á naturesa d'aquelle governo; mas não me hão-de apontar um só exemplo de que Juizes, que exerciam jurisdicção superior, fossem mandados descer para outras Repartições, ou Tribunaes de Instancias inferiores, e isto sem factos criminosos por elles praticados como no caso em questão (Apoiados). Sr. Presidente, bem posso affirmar que não ha exemplo, nem na velha nem na moderna Magistratura, de que um facto d'esta naturesa se tivesse praticado.
Mas diz-se — o exemplo é terrível, uma Dictadura excedeu os limites em que devia circumscrever a sua acção, nomeando Juizes sem necessidade, e sem fundamento de utilidade publica, para o Supremo Tribunal de Justiça: revogue-se este Decreto, e não deixemos esse precedente (disso o D. Par a quem me refiro). Deos queira que não voltem as Dictaduras; mas se voltarem, não fique esse precedente de se praticarem actos d'esta naturesa.
Sr. Presidente, este pensamento é justo e politico, é tudo quanto ha de louvavel; mas não é exequivel, nem passa de uma verdadeira utopia o escrever regulamentos para as Dictaduras! É em vão que tal esforço se empregue, pois que para ellas não ha regulamentos escriptos; ellas são uma calamidade que provém de outras, e que de ordinario tambem geram mais calamidades (Apoiados). Prescrever os limites ás Dictaduras é tentar o impossivel; e ellas hão-de sempre obrar segundo a convicção, que tiverem da urgente necessidade e conveniencia das medidas que adoptarem.
Ninguem pode definir as Dictaduras, nem marcar-lhes as raias de sua acção; ellas são filhas de circumstancias de força maior; umas veses é necessario seguir na sua carreira a causa que produzio a Dictadura até a poder subjugar, quebrada a sua força maior que aliás se não poderia impedir; Outras vezes, a despeito de sua carreira impectuosa, e indespensavel lançar-se diante della mesmo com o risco de ser esmagado, porque do contrario a ruina total era certa (Apoiados). Quaes serão as consequencias ninguem o pode prever; e na presença de uma Dictadura, se ella vier quod Deus avertat, hade decretar-se como se intender mais conveniente, e conforme a força que gerar essa mesma Dictadura. Portanto o que pertende o D. Par é um pensamento muito louvavel, mas é uma verdadeira utopia, repito, e não pôde produzir effeito algum.
Disse-se tambem que foram despachados aquelles Juizes, sem se observar o santo principio da antiguidade. Ninguem, S. Presidente, lamenta mais do que eu a falta da Lei de antiguidade dos Juizes, e ninguem pôde ser mais imparcial e deligente a este respeito do que eu, que apenas entrei no Ministerio da Justiça apresentei na primeira sessão legislativa um Projecto para regular esta materia; mas por ventura esses despachos, sem serem fixados em regra determinada de antiguidade, serão uma cousa nova em relação á Magistratura moderna, e mesmo á antiga? Eu não quero cançar a Camara historiando de longa época o que se praticava com a Magistratura, e só direi que se perguntava, se os Desembargadores eram despachados com calça ou sem calça, isto é, sem prejuiso da antiguidade dos que a tinham melhor; mas esta irregularidade foi sómente praticada no tempo do Governo absoluto? Não Sr. tem sido tambem observada no nosso tempo, e por alguns D. Pares que occuparam o lugar de Ministros da Corôa. O D. Par, o Sr. José da Silva Carvalho observaria alguma regra nos despachos de Juizes? Não Sr. Eu sei de dois Bachareis, que pediram ser despachados para logares da primeira Instancia, e foram nomeados Juizes para uma Relação, sem estarem nos termos de entrarem n'esta Magistratura; e elles mesmos disseram, que tinham pedido ir para a primeira Instancia, e se acharam despachados para a Relação (O Sr. Silva Carvalho — São dos mais dignos que lá ha). Isso creio eu, e dou d'isso imparcial testemunho; mas pergunto — foram depois postos fóra da Relação?... E ainda mais: levantou-se uma unica vóz no Parlamento portuguez, para que aquelles Juizes, e muitos outros, que foram despachados por S. Ex.ª sem terem antiguidade, sahissem dos seus logares? Não Srs. e honra nos seja, são passados quatorze annos, e lá se conservam (Apoiados). O Reino estava então cheio de Desembargadores benemeritos, porque não se achavam politicamente compromettidos; e por ventura levantou-se uma só vóz para que elles tornassem aos seus logares, e fossem substituir os outros?... Nenhuma. E isto foi só na Dictadura de 1834? Não Sr. outra Dictadura existiu; houve uma nova situação politica do Paiz, veio o Governo de 10 de Setembro de 1836, e que fez este Governo? Despachou para o Supremo Tribunal de Justiça, quem não tinha direito e antiguidade de para lá ir, e ainda mais, despachou para Juizes de Segunda Instancia alguns Bachareis, que não estavam habilitados para esses logares (Apoiados). Eu estimo que lá estejam, e se apparecesse a proposta para invalidar os seus despachos, havia de impugna-la com todas as minhas forças; mas pergunto — alguem levantou a vóz para fazer sahir d'esses logares os Juizes, que não deviam lá estar? Propôz algum membro do Parlamento a medida de fazer sahir do Supremo Tribunal de Justiça, quem fora para elle despachado por disposição de uma Dictadura, mas sem direito de para lá ir; ou do Tribunal de Segunda Instancia quem não tinha servido em outros logares da Magistratura? (Apoiados). Então, Sr. Presidente, se differentes Administrações, em diversas épocas e de todas as parcialidades politicas lêem constantemente respeitado este principio, e não teem lançado uma nodoa indelevel sobre o corpo da Magistratura, fazendo descer alguns Juizes para os logares donde sahiram; havemos nós hoje dar esse exemplo novo, e fazer sahir aquelles benemeritos Juizes dos logares que tão dignamente occupam? Eu não fallo em relação ás pessoas, se não incidentemente, mas com respeito a um poder independente do Estado, e ás conveniencias do paiz (Apoiados.) Seria isto conveniente, seria isto justo, seria ainda politico? Parece-me que não (Apoiados).
Disse-se: — declare-se nullo o Decreto de 10 de Março, e não haja receio de que esta nullidade do Decreto produza máos resultados, em quanto a poderem considerar-se nullos os julgamentos desses Juizes, (Disse-o o D. Par a quem me refiro,) pois que não só pela opinião dos mais respeitaveis jurisconsultos, aquelles actos praticados em boa fé não podem deixar de produzir o seu effeito; mas se é necessario tomemos a medida, que já em outro tempo adoptou a Regencia do Imperador, de Saudosa Memoria, que declarou válidos todos os actos judiciaes e de administração, praticados no Reino, durante o governo do usurpador; e sal vemos, (para evitar escrupulos) esses mesmos actos, e para evitar os inconvenientes que podiam resultar.
Sr. Presidente, sobre este objecto eu desejaria que fossemos muito parcos e muito cautelosos; desejaria que não só não houvesse nenhuma resolução definitiva sobre effeitos retroactivos de quaesquer actos consumados, deixando-se isto ás regras de direito que estão estabelecidas; mas até que fossemos cautelosos em enunciar aqui qualquer opinião, por que isso pôde prejudicar a questão, uma vez que seja approvado o Decreto, e mesmo pôde prejudical-a se aquelles juizes sahirem do Supremo Tribunal de justiça: não convém pois entrar largamente na discussão do modo como devem ser avaliados os actos do julgamento d'aquelles juizes, se elles, como alguem quer, houvessem de sair as portas do Tribunal: o negocio seria pelo menos duvidoso, e de perigoso resultado.
Sr. Presidente, direi de passagem, e só para chamar a attenção da Camara a este grave e delicado assumpto, que segundo o liv. 3.º tit. 75 das nossas Ordenações — Da Sentença que por direito é nenhuma; como não é necessario appellar della; e como em todo o tempo pôde ser revogada — uma das causas expressamente ali estabelecidas para a nullidade do julgamento é a incompetencia do juiz; e esta, como sabem todos os que são da vida, pôde provir de differentes causas, sendo principal a falta de jurisdicção pelo vicio do diploma que a conferiu. Outra consideração é a que ouvi sobre o que se praticou na Ilha Terceira em 1832, declarando-se validos os actos de administração ordinaria no tempo do Governo usurpador; a respeito do que observarei que o negocio não é assim corrente, nem tem paridade nenhuma com o de que se tracta; por quanto, é muito differente essa providencia da Regencia da Terceira á cerca dos actos do Governo usurpador, da declaração que nós fariamos aqui a respeito de se julgarem validos os actos practicados pelo Governo da dictadura! O D. Par sabe qual e a opinião dos mais illustrados Jurisconsultos e Publicistas, e por elles porfiadamente seguida, ácerca da obediencia prestada ao usurpador que governa de facto: e sabe tambem a differença entre a validado dos effeitos dos actos d'aquelle Governo, e a que poderia, e talvez deveria questionar-se quanto aos effeitos de actos de dictaduras, que competentemente fossem julgados nullos, que é o caso presente!.. Logo o trazer para aqui essa mesma regra, e aquelle exemplo, não colhe, por que os casos são muito differentes.
Além disto, bons jurisconsultos, e Publicistas poderiam vir aqui disputar nos o direito de discutirmos, e votarmos uma Lei sobre direitos de terceiro anteriormente adquiridos; por que as nullidades de actos practicados estabelecem direitos de alguem, de que não é licito dispor a talante de ninguem (Apoiados.) Eu lanço estas idéas em geral para apoiar a minha duvida, ou antes opinião muito conscienciosa, sobre as consequencias que poderão resultar de fazer sair d'aquelle Tribunal os Juizes, que para ali foram nomeados, e de declarar nullo por conseguinte o Decreto de 10 de Março.
Mas, Sr. Presidente, eu quero conceder mesmo que os actos d'aquelles Juizes sejam validos, ainda que se annullasse o Decreto, e pergunto, mesmo na opinião de quem intende que isto não é duvidoso, deixaria de haver um sem numero de demandas? Não quereriam as Partes que decahiram em suas demandas, tentar o resultado das opiniões de diversos Juizes? E não poderia o resultado ser a incerteza da propriedade, e as terriveis consequencias que d'ella provem? Sr. Presidente, bastava esta consideração diante dos meus olhos, para me resolver a votar pela conservação do Decreto.
O ultimo argumento que se produziu foi que esta Camara havia annuido á eliminação no orçamento da verba correspondente ao excesso de ordenado destes membros do Supremo Tribunal de Justiça; e disse um D. Par. que não sabia como se poderia responder a este argumento! Parece-me que posso eu, e sem grande esforço. É verdade que o orçamento passou aqui com essa verba, e é tambem verdade, que tendo eu fallado dez ou doze vezes, disse que me tinha cabido, juntamente com mais dois collegas, defender a parte relativa ao orçamento do Ministerio do reino, e que era por essa razão, que tomava parte mais activa na respectiva discussão, dando assim uma satisfação á Camara de haver fallado tantas vezes: quero com isto dizer, Sr. Presidente, que me não imcumbi tão especialmente do que dizia respeito aos outros Ministerios, o que ficou a cargo de outros D. Pares, membros da Commissão. É com tudo certo, que eu vi no orçamento do Ministerio das Justiças essa verba, a que allude o D. Par, e com quanto me lembrasse de fazer algumas ponderações sobre esse assumpto, entendi que tendo de tractar-se a materia especialmente no projecto que se discute hoje nesta Camara, não convinha antecipar as minhas idéas e opinião a tal respeito. Sr. Presidente, se passar nesta Camara que o Decreto de 10 de Março de 1847 continue a vigorar, e conseguintemente que os tres Juizes nomeados para o Supremo Tribunal de Justiça continuem a ser membros do mesmo Tribunal, e d'aqui lhes provier augmento de ordenados, deixará este de se lhes pagar legalmente? Intendo que não. Pois se faltar um membro, por exemplo, em qualquer Tribunal, e fôr nomeado competentemente pelo Governo um Juiz para ir occupar o logar vago, deixará elle de receber, e o Governo de ter direito e obrigação de lhe pagar o respectivo ordenado? Sr. Presidente, mesmo n'uma casa particular não se pôde fazer dm orçamento exacto, por que sempre depois sobrevem despezas extraordinarias e imprevistas, mas justas e necessarias; e se isto acontece n'uma casa particular, como deixará, e com mais razão de acontecer o mesmo na complicada administração do estado? Mas é para casos taes que se votam os creditos supplementares, e se o Governo só pagar as differenças de ordenados legaes cuja origem seja como esta, certamente que não hade ser increpado por isso em nenhuma casa do Parlamento. Já se vê pois, que não ficava de nenhum modo prejudicado o negocio, por que no orçamento se eliminaram as verbas correspondentes ao maior vencimento do ordenado de tres Juizes; e em verdade o que seria mais regular era ventilar-se a questão sobre o Decreto de 10 de Março antes de exarar verbas de deducção na respectiva parte do orçamento, mas elle assim veio da outra Camara. (O Sr. C. de Thomar — O pensamento da commissão não é esse.) Eu estou sustentando a minha opinião, e já se vê que ella é differente do parecer da Commissão, que a Camara sabe que assignei com declaração; eu sustento o Decreto em todos os seus effeitos, não só em quanto á conservação d'aquelles Juizes no Tribunal, mas tambem em quanto ao vencimento integral e bem assim pelo que diz respeito a ser de quinze o quadro legal dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, e por tanto estou coherente com os meus principios
Sr. Presidente, até aqui tenho considerado este negocio com relação ás duas épochas: a primeira, na qual me oppuz á medida que depois foi publicada no Decreto de 10 de Março; e a segunda na qual sustento as disposições do mesmo Decreto para todos os seus effeitos, e isto pelo concurso de razões e principios que offereci á consideração da Camara. Agora falta-me ponderar ainda uma rasão de doutrina, que me parece solida, e que alem d'isso me diz pessoalmente respeito; e antes de passar adiante direi, que sinto não vêr no banco dos Srs. Ministros a algum delle, e especialmente o Sr. Ministro de Justiça, por que a materia que se discute é de uma natureza tal, e os seus effeitos tão transcendentes, que me parece extraordinario não se saber qual é a opinião do Governo a este respeito, e tão sómente constar, que Suas Ex.as não querem aquelle Decreto, por que propõem a sua revogação! Mas convinha, e era necessario conhecerem-se os motivos, por que o Governo intende, que não deve vigorar a providencia do dito Decreto. (O Sr. Presidente — Manda-se á outra Camara dizer a alguns dos Srs. Ministros, que venham assistir a esta discussão.)
Sr. Presidente, quando eu a primeira vez tive a honra de ser chamado aos Concelhos da Soberana, e fiz parte da administração em 1842, dediquei-me (como sempre costumo fizer em desempenho das minhas obrigações) a averiguar e conhecer com maduro exame dos objectos, que me incumbia tratar; e depois de longas e repelidas conferencias com Jurisconsultos de maior capacidade, que me auxiliaram em tão ardua tarefa, obtive em resultado d'esses trabalhos confeccionar os principaes projectos organicos da magistratura. Toda a Camara sabe, que eu apresentei na competente casa do Parlamento estes projectos, e só faltou o que dizia respeito ao ministerio publico que tinha quasi concluido quando saí do Ministerio. Era pois muito natural, que eu por essa occasião examinasse todos os documentos, que houvesse na Secretaria de Estado á respeito da organisação do Supremo Tribunal de Justiça, e com efeito alli encontrei aquelles; a que se têm referido alguns D. Pares; isto é, ás informações do D. Par, o Sr. Duarte Leitão, e de um amigo meu, de cuja perda eu me recordo com saudade, fallo do Conselheiro João Baptista Felgueiras. (Apoiados.) Tambem achei aí informações do Sr. Mello e Carvalho, e do Procurador da Corôa, acompanhados dos respectivos projectos, e todos eram conformes, em que o numero de Juizes do Tribunal, que então era de onze, devia ser augmentado. Foi então que eu elaborei a proposta, que depois foi Lei de 19 de Dezembro de 1843, pela qual se deram novas attribuições ao Supremo Tribunal de Justiça, como é patente de suas disposições, e entre ellas a da segundas revistas; e então é claro que se aquelles eximios Jurisconsultos intendiam antes da Lei de 19 de Dezembro de 1813, que para o serviço do Tribunal era necessario maior numero
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de Juizes, com muito maior razão era sustentavel aquella idéa, quando pela Lei de 19 de Dezembro de 1843 se alargou a esphera das attribuições, e se ampliou O exercicio das funcções d'aquelle Tribunal! Ela Lei foi longa e prolixamente debatida em ambas as Camaras, tendo eu então a honra de me sentar no Banco dos Ministros; e não houve, tanto pela Tribuna como pela Imprensa, suspeita nem apprehensão que se não apresentasse ácerca das suas disposições, e entre outras recordo-me de que uma das mais fortes objecções, que se fez ha Tribuna fez na Imprensa, foi aquella, que me obrigou a fazer algumas reflexões, que estão exaradas n'um folheto, que por ahi corre impresso, ácerca da falta do numero sufficiente no Tribunal para o julgamento das segundas revistas, estabelecidas naquella Lei.
Antes porém de seguir neste ponto as minhas observações, de passagem farei referencia ao que disse na proxima Sessão o Sr. Duarte Leitão sobre a necessidade de maior numero de Juizes para o serviço ordinario, do Supremo Tribunal de Justiça, por que posto o juizo de S. Ex.ª sobre este objecto seja muito competente em razão da experiencia e pratica, que tem ácerca de cada uma das funcções d’aquelle Tribunal, e eu me podesse dispensar de dizer cousa alguma, depois do que foi expendido por S. Ex.ª. pois todos conhecem a proficiencia do D. Par, com tudo alguem houve, que ficou em equivoco, ou por que não deu toda a attenção a S. Ex.ª, ou porque alguma outra circumstancia lh'a desviou; por quanto, fóra da Camara ouvi attribuir ao D. Par, o Sr. Duarte Leitão o ter dito — que ás revistas civis eram julgadas por tres Juizes! S. Ex.ª. creio eu que foi muito explicito, mas quem não é da profissão, e não prestando exclusivamente toda a sua attenção ao que diz o orador, facilmente transtorna as suas idéas. S. Ex.ª disse — que eram necessarios cinco Juizes para verem e examinarem o feito; mas que para o julgamento, não estando mais do que tres, esses podiam julgal-o (O Sr. Duarte Leitão — Apoiado); quer dizer em termos mais claros, que no acto do julgamento os tres Juizes de entre os cinco que Viram o feito podem julgal-o. e fica válida a decisão: aqui está o que disse o D. Par o Sr. Duarte Leitão, e o que é conforme á disposição da Lei.
Sr. Presidente, voltando ao fio do meu discurso tenho de observar, que pela Lei de 19 de Dezembro de 1843 estabeleceram-se as segundas revistas, porque até ali não havia senão as primeiras, e é expresso no Artigo 4.º desta Lei, que as segundas revistas hão de ser examinadas e julgadas nas Relações por cinco Juizes conformes, no civil, e por sete no crime: ora estabelecendo a Lei que as segundas revistas nas Relações, aonde vão pelo accordão do Supremo Tribunal, carecem de cinco Juizes conformes no julgamento do civil, e de sete no do crime, subir depois o feito para o Supremo Tribunal, aonde diz a Lei, que hade ser julgado em Secções reunidas, e haver alli só o numero de dez, ou onze Juizes, contando o Presidente, e sendo certo que os impedimentos proprios das idades, e circumstancias de alguns Juizes fazem com que o numero effectivo seja sempre muito menor que o legal, aconteceria que o julgamento poderia ser vereficado com menor numero de Juizes, do que aquelle com que na Relação foi julgada a revista!
É pois evidente, que com o numero de seis, que é maioria de onze, poderá o Tribunal funccionar, porque ficaria em numero legal (O Sr. Duarte Leitão—Apoiado; mas o caso era que então seis Juizes decidiam em Instancia Superior o que tinha sido julgado por sete na instancia inferior, da qual se interpozera o recurso de revista! E agora pergunto, que garantia se dava assim no ultimo julgamento sobre direitos individuaes e de propriedade, postergadas todas as regras e principios de direito?! (Apoiado).
Além disto é ainda para attender, que na precedente revista do Tribunal podiam ter sido Juizes conformes cinco dos seus membros; é sendo em regra observado, que os mesmos Juizes sustentam a sua opinião uma vez emittida, aconteceria que sendo apenas diz os Juízes nas sessões reunidas do Tribunal para o julgamento das segundas revistas, bastava que mais um Juiz se conformasse com os cinco para haver maioria, e de cisão, em que a fallar com bom criterio tambem se não dava a necessaria e conveniente garantia sobre o julgamento final, porque o necessario e proprio é, que o processo seja julgado por maior numero no Tribunal para onde se recorre, do que no Juizo decorrido; e que no proprio Tribunal superior haja tambem o numero sufficiente para fazer vencimento contra os Juizes da primeira revista.
Foi este em Substancia o argumento, que se oppozera pela Imprensa, e pela Tribuna, quando se tratava de sustentar a proposta que foi Lei de 19 de Dezembro de 1843, visto que se conservava o quadro legal de dez Juizes, e o Presidente; mas eu sustentei no Parlamento (e é o trecho de um dos meus discursos, que anda agora impresso n'um folheto, que foi aqui distribuido), que não procedia aquela objecção, por quanto posto que em 1843 fosse o quadro legal apenas de onze Juizes, havia mais cinco ou seis, restituídos ao Tribunal por uma Lei de 1840, que em quadro Supplementar eram igualmente Juizes, como os outros: e que se para o futuro faltassem alguns destes Juizes o Governo que então existisse viria ao Parlamento propor a medida necessária da qual se não carecia em 1843.
Referi tudo isto para mostrar com exemplos palpitantes, e por analyse sobre o assumpto, as razões em que fundo á minha convicção intima da necessidade de certo numero de Juizes no Supremo Tribunal de Justiça, e não quero descer á analyse do julgamento ordinario do Tribunal, porque me parece que a Camara me faz á justiça de crer, que não é porque a não saiba fazer, mas
porque não é preciso fazel-a, principalmente quando já foi feita pelo D. Par o Sr. Duarte Leitão, da maneira como S. Ex.ª costuma sempre explicar-se. Tenho assim concluido, votando pela emenda do Sr. V. d'Oliveira em quanto pretende que se exclua da excepção do § unico, o Decreto de 10 de Março de 1847, a fim de continuar em vigor e observancia; e eu exhorto e peço ao Sr. Ministro da Justiça, que tendo em consideração todas as circumstancias deste importante negocio, lhe applique suas idéas e pensamento, de maneira que venha quanto antes no Parlamento apresentar-nos um projecto de Lei, que satisfaça ás attendiveis indicações que o assumpto reclama; pedir lhe ia mesmo, que visse se podia conter nesses projectos a organisação de toda a Magistratura, que é o meu pensamento dominante (Apoiados repetidos); mas quanto a este ponto restricto intendo que o Ministério pôde ter algumas duvidas, e recommendo a S. Ex.ª que nesse caso se definam, com tanto que venha o projecto que estabeleça o modo como se hade regular o serviço no Supremo Tribunal, é n'outros Tribunaes do Reino. Então veremos as idéas do Sr. Ministro, o número de Juizes que julga necessario; se é conveniente revogar a Lei de 1843 em algumas das suas disposições; e se eu então me convencer da utilidade dessas alterações, conte S. Ex.ª com o meu fraco apoio, até para sustentar que seja menor de quinze o numero de Juizes do Supremo Tribunal de Justiça; mas em quanto não vier essa occasião, voto por quinze, e pela conservação dos Juizes despachados em virtude do Decreto de 10 de Março.
Sr. Presidente, tenho concluido, quanto ao objecto principal, resta-me agora proferir só duas palavras em correspondencia ao D. Par o Sr. Duarte Leitão. S. Ex.ª teve a bondade, durante o seu discurso, e referindo-se a mim, de me dirigir expressões de louvor pelo modo como eu tinha procurado desempenhar os negocios, que diziam respeito á Repartição a meu cargo, quando Ministro da Justiça; receito com muita satisfação e agradeço a S. Ex.ª as suas expressões;.mas não recebo os louvores para mim isoladamente, recebo-os para toda a Administração de que fiz parte, pois que os projectos que elaborei, não os apresentei no Parlamento sem o conselho e auxilio dos meus collegas; porém estimo, e aprecio em muito o testemunho de S. Ex.ª e neste logar, porque o não podia ter mais solemne, nem mais competente, visto que o D. Par é reconhecido por todos como um dos primeiros ornamentos da nossa Magistratura. (Apoiados).
O Sr. Silva Carvalho — Para explicação ao Sr. Sousa Azevedo devo dizer, que eu organizei a Magistratura confirme foi possivel em circumstancias tão extraordinarias, e isto fundado na Lei que dava poder para isso, porque então ainda não vigorava a Carta Constitucional, e o Governo estava no direito de assim o fazer (O Sr. Sousa Azevedo — Eu não fiz censura ao D. Par, fallei de precedentes): bem sei; mas contou a historia dos dous homens, que despachei sem estarem no caso (O Sr. Sousa Azevedo — Apoiado); pois são certamente dos mais dignos Magistrados, que ha nas Relações (O Sr. Sousa Azeredo — Isso é uma verdade); e se eu tivesse alguma demanda confiava delles o julgamento com toda a vontade, porque ainda não vi maior zelo, honra, e dedicação pelo Serviço. (Apoiados); mas o que é notavel é, que não tendo eu sido accusado nas Camaras por isso, um desses homens fosse accusado na outra Camara, e dizendo-lhe alguem — Vossé accusa-o pelo bem que elle lhe fez?! A resposta foi — Sim senhor, porque foi injustiça (Riso). Aqui está mais uma das boas recompensas, que na minha vida tenho tido pelos beneficios que tenho feito.
O Sr. D. de Palmella — Depois do eloquente discurso que o D. Par o Sr. Sousa Azevedo acabou de pronunciar, seria sem dúvida desnecessario fallar mais sobre a materia de que hoje se tracta: comtudo, pedirei licença á Camara, visto que ainda não deu a hora, para apresentar algumas reflexões que me occorrem sobre o assumpto.
Começarei por annunciar desde já qual ha de ser o meu voto: hei de votar pela adopção deste Projecto de Lei, em quanto sancciona em geral todos os actos de diversas Dictaduras, pois não ha remedio, é forçoso admitti-los. Já declarei nesta Camara e todos conhecem, que é uma desgraça terem-se visto as Cortes nesta precisão; mas sendo indispensavel proceder assim, adopto o artigo 1.º do Projecto, pronunciando-me por agora contra todas as excepções, e admitto a emenda do Sr. V. de Oliveira. Voto igualmente que se eliminem as outras excepções.
Quanto á das transferencias, acha-se suspensa a discussão até se conhecer o resultado da Commissão Mixta, que deve reunir-se amanhã. Se porém a Camara julgar na sua sabedoria, que deve admittir alguma destas excepções ou todas, proporei que se accrescente mais uma, e é a Lei das eleições.
Uma das principaes objecções à approvação do Decreto de 10 de Março, de 1817, em que se fundou o Sr. C. de Thomar é a de que este Decreto exorbitou dos limites, que se haviam fixado pura á Dictadura que o promulgou. Já tive ensejo para combater esta opinião ha dias, entretanto farei mais algumas observações. Não obstante as repetidas Dictaduras que teem havido entre nós, não é possivel estabelecer uma theoria ácerca dellas. Além de impossivel seria perigoso fazer regras a esse respeito. Em primeiro logar é para esperar e desejar, que se não reproduza a necessidade de sua repetição (Apoiados); em segundo logar, quando se repelissem não era exequivel impor-lhes limites legaes. Segundo os preceitos da Carta, uma unica Ditadora é admissivel, e vem a ser a que resulta do artigo, em que se declara que no caso de guerra civil, ou invasão estrangeira, se poderão suspender algumas das garantias individuaes. As Dictaduras porém, como as temos tido, não se decretam, exercem-se quando as circumstancias demonstram á necessidade de recorrer a esse meio de salvação; e quando essa necessidade é evidente, não pôde deixar de ser absolvido o Governo, que as assume, pela opinião nacional, e em nome della pelas Cortes, quando se volta ao estado normal. O que me parece porém absolutamente incompativel com a Carta, e insustentavel segundo os principios constitucionaes, é a promulgação de um Decreto do Governo, conferindo-se a si mesmo a Dictadura, e fixando os seus limites. Quando em 1846 emitti esta mesma opinião, sustentei que se as circumstancias, em que se achava então o Reino, obrigavam o Executivo a suspender a Carta, isto é, a assumir o Poder absoluto, não era exequivel prescrever limites á authoridade, nem podia jamais considerar-se, que um Decreto emanado do Governo sem a concorrencia dos outros ramos do Poder legislativo lhe conferisse direito algum. Por conseguinte este direito, se o havia, resultava só da imperiosa Lei da situação; e assim como o Governo assumia sobre si a responsabilidade desta resolução, incumbia-lhe igualmente tomar a responsabilidade dos actos, que della se seguissem. Esta opinião prézo-me de a ter então deixado formalmente consignada por occasião da publicação do Decreto de 28 de Outubro. O Governo porém assentou que devia publicar esse Decreto, e assumindo a Dictadura disse, que era para um fim indicado no mesmo Decreto, isto é, para adoptar as medidas que fossem opportunas em relação ás circumstancias. Mas quem poderia, nos actos do Governo, distinguir de uma maneira cabal quaes eram os que as circumstancias authorisavam, e quaes os limites que se não deviam ultrapassar? A verdade é, que uma Dictadura involve a idea da authoridade absoluta.
O Ministerio que declarou a Dictadura, e as outras Administrações que se lhe seguiram, podiam sempre reputar, que as Leis que promulgavam, e as medidas que adoptavam, eram mais ou menos, directa ou indirectamente conducentes ao fim que se tinham proposto, isto é, a pôr termo á guerra civil. Agora pedirei ao D. Par que lance os olhos sobre a synopse dos actos emanados dos differentes Ministerios, que exerceram a Dictadura desde o Decreto de 28 de Outubro, e que me diga se os reputa todos obviamente incluidos nos limitei do referido Decreto; e se o de 10 de Março de 1847 é o unico que na sua opinião delles exorbitou! Entre esses actos encontro, por exemplo, o Decreto para a restituição do ordenado ao Secretario do Conselho de Estado, que então estava extincto, e outras medidas da natureza igualmente secundaria, e sem connexão com o grande objecto do Decreto da Dictadura (Apoiados). E comtudo é sómente ao Decreto de 10 de Março, que o D. Par pretende applicar o rigor do principio enunciado no Decreto de 28 de Outubro. No caso porém de se seguir esse principio, a Camara deveria, para ser justa, proceder a um rigoroso e miudo exame para o applicar a todas as medidas, que estivessem no mesmo caso. A nao se fazer isto, parece-me que se não pôde, sem incorrer na censura de uma grave parcialidade, admittir esse motivo como sufficiente para annullar o Decreto relativo aos tres Membros do Supremo Tribunal (Apoiados).
Apresentou um D. Par uma consideração que merece attenção, e vem a ser, a de que no caso de serem removidos os tres Juizes do Supremo Tribuna de Justiça, poderiam para o futuro suscitar as duvidas ácerca das sentenças, que por elles tivessem sido proferidas, se se declarasse que as suas nomeações haviam sido illegaes. Não creio que similhante allegação fosse admittida como valiosa em definitivo, mas é certo que se poderia offerecer, e dahi sempre resultaria algum inconveniente.
Sr. Presidente, estou persuadido de que esta Camara não se occupa de pessoal, mas sim de cousas (Muitos apoiados); estou persuadido de que está bem longe do coração, e da mente de todos os Membros desta Casa, o sentimento de parcialidade ou de aversão (Apoiados geraes) Consideremos pois o assumpto abstrahindo dos individuos. Não tenho a vaidade de querer decidir entre as opiniões dos distinctos Jurisconsultos de um e outro lado da Camara, que dissentiram sobre o numero dos Juizes, de que convêm seja composto o Supremo Tribunal: todavia, foi aqui allegada uma razão mui ponderosa, e á qual não ouvi resposta sufficiente, isto é, a necessidade de que não concorra no caso de segundas revistas dos processos, nenhum dos Juizes que emittiram voto nas primeiras. (Apoiados). Ouvi mais a um D. Par meu amigo, que é o dignissimo Presidente desse Tribunal Supremo (e a sua opinião por conseguinte deve merecer muita consideração á Camara), que se se tractasse sómente da organisação do Supremo Tribunal, elle então diria qual era a sua opinião (O Sr. Silva Carvalho — É verdade). Dahi infiro que S. Ex.ª não intende, que o numero de Juizes actualmente existentes nesse Tribunal seja excessivo; e as razões que induzem S. Ex.ª a approvar a eliminação do Decreto de 10 de Março, julgo serem antes fundadas na idéa, de que o Decreto fóra illegal, do que na conveniencia do mesmo Tribunal. Quanto á legalidade, ou illegalidade do Decreto, já expuz que deve ser considerada como a de todos os outros, pois que entra na mesma cathegoria (Apoiados). A excepção a que o querem sujeitar por exceder os limites do Decreto de 28 de Outubro não a tenho por válida, porque no caso de ser admissivel cumpria torna-la estensiva a muitos outros Decretos.
A outra objecção que se fez, foi a contradicção em que a Camara estaria comsigo mesma, se tendo approvado no orçamento a eliminação dos ordenados (fosses Juizes, como Membros do Supremo Tribunal, agora sanccionasse o Decreto que os nomeou: esta objecção não tem valor algum, porque a Camara não se podia pronunciar em questão tão importante, por assim dizer, incidentalmente, sem que tivesse tomado sciente e directamente conhecimento della. E é claro que se a
approvação da verba do orçamento fosse motivo sufficiente para não se poder tractar agora esta questão, V. Em.ª não teria consentido, em que ella entrasse em discussão debaixo de uma nova forma. A Camara não combateu essa verba, deixou-a passar, e o orçamento lá foi com essa disposição; porém daqui não se segue, que a Camara entrando subsequentemente no pleno conhecimento de causa, ficasse comtudo inhibida de poder tomar em consideração esta questão. Quanto ao escrupulo de que esta pequena alteração na verba do orçamento produza differença no seu equilibrio, não o julgo attendivel. Oxalá que as nossas Receitas e Despezas publicas estivessem de tal modo apuradas e analysadas, que uma differença de 600$000 réis produzisse um resultado sensivel!
A questão essencial, em quanto a mim, reduz-se a saber se é ou não conveniente, que se conserve no Supremo Tribunal o numero actual dos Juizes, pois que a controversia que se estabeleceu sobre a questão puramente pecuniaria, e que se reduz á differença de 1:800$000 réis para 600$000 réis, não merece a attenção que se lhe quiz dar, e não justificaria uma resolução tão grave como a de se demittirem Magistrados depois de installados n'um Tribunal, abrindo-se dest'arte um exemplo fatal, e fazendo recahir as consequencias do erro, que se suppõe haver sido commettido pelo Ministerio que publicou o Decreto de 10 de Março, não sobre essa Administração, cuja responsabilidade cumpriria nesse caso exigir, mas sobre os Juizes que foram admittidos no Supremo Tribunal, e nelle teem funccionado dignamente (Apoiados). Não se apresentou claramente esta consideração no parecer da Commissão, porque se quiz adoptar um meio termo, e os meios termos nem sempre são bons, antes ao contrario, quando se tracta de questões de justiça quasi sempre são inconvenientes. Os Juizes devem-se conservar no Supremo Tribunal, se a razão e a justiça a isso aconselham; e devem dalli ser eliminados se nem razão nem justiça está da sua parte. O que o Governo devia fazer (e era o que eu faria se estivesse no logar dos Sr.s Ministros) seria, quando se não reconhecesse a necessidade absoluta do actual numero de Juizes do Supremo Tribunal, não admittir, no caso de vagatura, Juiz algum de novo, ficando assim suspenso o preenchimento delles até ao momento, em que se podesse verificar o grande desideratum, que indicou o D. Par o Sr. Sousa Azevedo, da organisação geral da magistratura, na qual deveria sem duvida comprehender-se a do Supremo Tribunal. Mas isto não é objecto que possa ser tractado perfunctoriamente; e no caso especial que hoje se discute, a eliminação proposta teria todas as apparencias de hostilidade contra certos e designados individuos, e não o caracter de reforma na magistratura.
Sr. Presidente, pouco mais direi, não quero cançar a Camara, e desejo só motivar a segunda parte do meu voto. Eu eliminaria tambem a segunda excepção relativa ao Conselho de Estado, ainda que reconheça a necessidade absoluta, mesmo em virtude da Carla, de se organisar o Tribunal Supremo administrativo, mas intendo agora, assim como em 1846, que tendo subsistido esta falta de organisação até hoje, não haveria grande mal, em que continuasse por mais algum tempo para se poder estudar melhor o assumpto, e resolver-se na futura Sessão ordinaria. Então se poderia apresentar um projecto mais maduramente concebido, em virtude do qual conviria talvez separar inteiramente o Conselho Supremo administrativo do actual Conselho de Estado, que é essencialmente o Conselho do Poder Moderador (Apoiados). Não insistirei porém nesta opinião, no caso de que não encontre apoio na Camara, e até deixarei de oppôr-me a que se restabeleça o Tribunal do Conselho de Estado tal qual havia sido decretado.
Já disse que se a Camara não concordasse na eliminação de todas as excepções, eu proporia mais uma, e vem a ser, a eliminação do actual Decreto que regula as eleições, repondo-se em vigor a Lei de 27 de Julho de 1846. O D. Par o Sr. C. de Thomar apresentou a este respeito considerações, de que tomei nota.
Disse aqui no outro dia S. Ex.ª — que era tempo de que Portugal tivesse uma Lei de eleições, e que era indispensavel que ella se fizesse. Esta declaração feita pelo D. Par tem um valor addicional, que toda a Camara reconhecera. Pela minha parte concordo em que se tracte de fizer de novo esta Lei, e que seja discutida pelo Parlamento. Mas em quanto senão faz, é obvio que algum regulamento ha de existir a este respeito, e eu desejaria que fosse de preferencia o que se promulgou em 1846. Os Sr.s Ministros da Corôa, segundo consta, já manifestaram a intenção de se occuparem desta materia, e por concorrencia delles foi apresentado na Camara electiva um projecto de eleições. Lamento que não fosse discutido nesta Sessão (O Sr. Ministro da Justiça — Não houve tempo). A Sessão durou sete mezes, e desejaria saber se a maneira como ella se empregou foi mais proficua ao Paiz e ao Governo, do que teria sido se se consagrasse uma parte da Sessão á Lei eleitoral? (Apoiados). Parece-me que conviria que a Governo se tivesse de antemão importo um programma dos assumptos que deveria apresentar ás Camaras durante o decurso da Sessão, deligenciando para que as duas Camaras, quando se não cingissem a tractar de todas as materias contidas no programma, ao menos se dedicassem á discussão das principaes, entre as quaes se comprehenderia a Lei eleitoral (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra). O Governo não deve tolher a iniciativa a qualquer Membro do Parlamento; mas não pôde, sem abdicar a sua posição, prescindir de usar largamente da sua iniciativa na discussão do complexo de medidas, que representem a sua politica, e realisem as suas idéas de organisação do serviço publico, em logar de entregar ao acaso os trabalhos legislativos, arriscando-se assim a que por discussões vagas, e comparativamente inuteis, se desperdice uma grande parte do tempo. No momento actual é evidente, que não pôde discutir-se
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uma Lei eleitoral, e por isso desejaria se restabelecesse a de 27 de Julho, porque me parece que assim se daria uma maior satisfação á Nação, e que dahi resultaria até louvor e força para o Ministerio. A influencia das Cortes, como já disse em outra occasião, não consiste só em auxiliar o Governo na feitura das Leis, consiste em dar-lhes uma sancção moral, que depende não só do merecimento intrinseco das mesmas Leis, mas da consciencia geral de que ellas emanaram de corporações, que possuiam a plena confiança do Paiz (Apoiados).
Muito mais teria a dizer, muito mais talvez direi ainda, não ácerca de eleições, mas a respeito desta doutrina constitucional na ultima occasião, que provavelmente haverá nesta Sessão para tractar de materias desta importancia, quando aqui vier a Lei de meios. Agora é ocioso tomar mais tempo á Camara; e concluo repetindo, que voto pela sancção das medidas das diversas Dictaduras, e contra todas as excepções; mas que, se alguma for admittida, mandarei para a Mesa a proposição, para que tambem seja revalidada a Lei de 27 de Julho de 1816.
O Sr. Duarte Leitão — Sr. Presidente, a Sessão está muito adiantada, e por isso direi o menos que poder.
Eu tambem não pedi a palavra para fallar sobre o Decreto de 10 de Março, e essa questão está a tal ponto exhaurida, que pouco haverá a accrescentar; nem tambem fallarei na necessidade, que ha de levantar a suspensão da Lei sobre a organisação do Conselho de Estado como Tribunal Administrativo. O objecto em que pertendo fazer algumas observações, é a respeito da proposta feita pelo D. Par o Sr. C. de Lavradio, e agora renovada pelo Sr. D. de Palmella, relativa ás eleições; e tenho esperança, de que S. Ex.ª hão-de concordar comigo.
Não tenho em vista desenvolver ponto algum neste assumpto de eleições, mas sómente desejo dizer duas palavras sobre o ponto preciso de fazer reviver o Decreto de 1846 ácerca desta materia. Não discuto agora o principio fundamental deste Decreto, nem ponho em questão o poder Dictatorial, que o fez publicar, poder, que era fundado na necessidade que o Governo tinha de tomar medidas extraordinarias, tanto esta como outras, que se adoptaram nesse tempo; mas o que digo é, não ser possivel fazer reviver este Decreto, que foi revogado por outro de 9 de Outubro de 1846. Se S. Ex.ª considerara que as eleições não devem ser indirectas, e que é uma cousa decidida que ellas devem ser directas, peço a S. Ex.ª licença para dizer, que tal não está decidido; é um objecto, que percisa ainda ser competentemente decidido (Apoiados). Nem mesmo está authenticamente declarado se o artigo 63.º da Carta é constitucional (Apoiados). Ha unicamente uma opinião da maioria da Camara dos Sr.s Deputados; e não é mais do que a maioria daquella Camara entender, que aquelle artigo poderá ser revogado sem as formalidades, que a Carta requer para se alterarem os artigos constitucionaes (Apoiados); mas não ha interpretação authentica sobre isto. Quando se fizer a Lei, pôde ser que aquelles mesmos que até agora tem sido, e são, de opinião que o artigo não é constitucional, pensem, que assim mesmo não se deve revogar; ou que mudem de parecer, e declarem que não podem revogar-se sem as formalidades necessarias para a revogação dos artigos constitucionaes. (Apoiados). Portanto, não se pôde dizer já se as eleições hão-de ser directas ou indirectas, porque o Corpo Legislativo é que ha de decretar a sua forma como melhor entender; e é claro, que por tal fundamento não pôde mostrar se, que o Decreto de 27 de Julho de 1846 deve reviver (Apoiados).
Mas ha outra razão de maior força, a qual foi já apontada pelo Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que neste ponto concorda comigo. O Decreto de 26 de Julho não revogou só o artigo da Carta relativamente ás eleições indirectas, mas contém disposições derogatorias de outros artigos, que são eminentemente constitucionaes (O Sr. C. de Thomar — Apoiado.) O Decreto de 27 de Julho privou de direitos politicos a alguns Cidadãos portuguezes, como por exemplo, os Empregados da Casa Real em effectivo serviço, e os Arrematantes das Rendas, e Obras publicas do Estado são excluidos de ser Deputados: é exclusão absoluta, e uma verdadeira privação de direitos politicos em um dos pontos mais essenciaes (Apoiados). No Decreto de 27 de Julho não só ha exclusões relativas, mas privação absoluta de gozar direitos politicos; e não seria possivel agora declarar em vigor este Decreto. Estou persuadido de que não se podem fazer reviver estas exclusões, que acabei de apontar, sem alterar a Carta (Apoiados). Outras cousas ha nesse Decreto muito boas, que estou certo que quando se fizer a Lei, o Corpo Legislativo ha-de adoptar; mas mandar que se considere já em vigor não é possivel (Apoiados).
Quanto ao Decreto de 12 de Agosto, as suas disposições são conformes á Carta; e como se haviam de revogar já precipitadamente, sem discussão, por uma simples, e generica votação? Quando se fizer a Lei eleitoral então se examinará; mas revogar agora todas as suas disposições, que são conformes á Carta, não pôde ser (Apoiados). Mas estou convencido de que é necessario fazer a Lei eleitoral, e que o Governo tem empenho nisso; tambem junto os meus votos aos dos D. Pares sobre este objecto; e confio que o Governo, que reconhece a necessidade desta Lei, ha-de concorrer para que ella se faça; mas antes de se fazer não pôde a Camara adoptar providencia alguma a este respeito (Apoiados).
O Sr. D. Palmella — Pedi a palavra para uma explicação, a fim de dizer ao D. Par que acabou de fallar, e que fez algumas observações sobre a minha Proposta, que attenda a que essa Proposta é condicional, e só para o caso de que se fizessem algumas excepções. Reconheço a subsistencia e gravidade de muitas das observações, que apresentou o D. Par o Sr. Duarte Leitão: creio comtudo, que se a Camara se determinasse a confirmar, ou fazer reviver aquella Lei, seria então o caso de se fazer alguma emenda nos artigos, que se julgava absolutamente impossivel conservar, por não caberem nas attribuições da Camara. Mas deixarei por agora de parte essa questão; e digo unicamente, que me felicito de a ter aqui trazido, não com a esperança de que ella possa ser adoptada, visto o adiantamento em que já vai a Sessão legislativa, mas porque chamei sobre este assumpto a attenção do Governo, o estimaria muito lêr assim provocado alguma declaração mais da parte dos Sr.s Ministros, e sobre tudo porque me dá occasião para declarar, que o principal merecimento que encontrava na Lei de 27 de Julho de 1846, consistia em serem directas as eleições: não porque eu supponha que dessa maneira se hajam de evitar todos os inconvenientes possiveis, porque isso não é dado aos homens; mas sim porque ao menos se diminuíam (Apoiados), entre os quaes, o mais grave, e que tem lido uma influencia mais funesta no nosso Paiz, são os clubs, os quaes teem sido infelizmente, e por muitas vezes, o Governo deste Reino; e a eleição directa affasta mais a possibilidade desse mal.
O Sr. Ministro dos Negocios da Justiça — Eu começo por declarar á Camara, que ha pouco me retirei, porque a minha presença foi necessaria na outra Casa do Parlamento, e regressei a esta logo que isso me foi possivel.
Agora direi, que o Governo apenas pôde, apresentou na outra Camara a materia das eleições; mas o facto é, que por essa occasião apresentou-se-lhe a grave e importante questão relativa ao artigo 63.º da Carta Constitucional, questão que por certo ha de ser renovada, quando se tractar da discussão da Lei Eleitoral: foi pois por essa razão, que o Parecer da Commissão appareceu impresso mais tarde: depois disso já algumas vezes andou na ordem do dia; mas as medidas de Fazenda e outras importantes, teem embaraçado que esse Projecto entre em discussão, e agora nada se adiantaria em promover a discussão delle na outra Camara, não havendo durante a Sessão a possibilidade de se discutir em ambas; mesmo porque não era possivel suppôr, que esta Sessão durasse tanto tempo; o Deos queira que não passem os trabalhos parlamentares do dia que está fixado; mis do que o Parlamento pôde ter certeza é, que nos primeiros dias da Sessão de Janeiro este Projecto ha de ser um dos primeiros de que se ha de tractar. (Apoiados.)
O Sr. C. de Thomar —....
O Sr. D. de Palmella — Ouvi dizer ao D. Par o Sr. C. de Thomar, que tinha tomado nota de muitas reflexões minhas; mas depois S. Ex.ª entrou na analyse de algumas, e por ellas se viu, que tomou nota de cousas que eu não disse: por exemplo, que eu tinha reconhecido que o Governo é que era o unico Juiz das dictaduras. Eu não disse tal, o que eu disse foi, que o Governo é que tomasse facto sobre si, mas o Juiz é depois o Parlamento, e é a Nação. (O Sr. C. de Thomar — S. Ex.ª disse o que eu referi, mas acceito a rectificação.) Não disse.
Eu tenho o maior respeito pelas opiniões do D. Par o Sr. Duarte Leitão; mas permitta-me S. Ex.ª que, com referencia ao Decreto eleitoral, lhe diga que não reconheço nas suas disposições essa incompatibilidade, que S. Ex.ª notou nelle, e menos inconstitucionalidade. Eu não a reconheço, e comigo tambem as não há da reconhecer muita gente.
Disse S Ex.ª que era tolher os direitos politicos o estabelecer n'uma Lei, as incompatibilidades para se poder ser eleito; mas observarei ao D. Par, que isso não é relativo aos individuos, é relativo ao corpo a que elles hão de pertencer, e assim se pratica em outros Paizes com o intuito de se concorrer, para que estes corpos politicos tenham maior consideração, e para que não sejam reputados como dependentes do Governo.
O Sr. C. de Thomar — Não é exacto, não costumo criar fantasmas para os combater, combato as opiniões que são lançadas na Camara.
Vozes — Votos. Votos.
O Sr. C. de Lavradio — Apresentou-se agora uma questão nova, e por isso eu peço que esta materia se não vote hoje.
O Sr. Silva Carvalho — Se se forem a tractar essas novas questões que teem apparecido aqui por incidente, então eu requeiro que se consulte a Camara, se a Sessão se ha de prorogar, porque ha já quatro dias, que esta materia se discute aqui, e devemos acabar com isto hoje.
O Sr. C. de Lavradio — Esta questão não é accidental, ella existe na Camara, desde que eu apresentei a minha emenda.
O Sr. C. de Thomar — Eu requeiro que V. Em.ª consulte a Camara se julga a materia sufficientemente discutida.
O Sr. C. de Linhares — Antes disso eu peço licença para retirar a minha emenda. (Vid. pag. 1265; col.ª 2.ª)
Votado o artigo 1.°, salvo o §. unico, foi approvado o art.º por 22 votos, e rejeitado por 11. Votou-se por quesitos pelo modo abaixo declarado a seguinte Emenda do Sr. C. de Lavradio, apresentada em Sessão de 28 de Julho, pag. 1214, col.11.ª
Exceptua-se o Decreto de 3 de Agosto de 1816, ácerca das transferencias dos Juizes de Direito; o Decreto de 10 de Março de 1847, elevando a quinze o numero dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça; o Decreto de 12 de Agosto de 1847, regulando a eleição dos Deputados, a qual será regulada pelo Decreto de 27 de Julho de 1816, que terá força de Lei, até que seja revogado, ou alterado pelo Poder Legislativo. Art.' 2.º São conservados no Supremo Tribunal de Justiça os Magistrados despachados em virtude do Decreto de 10 de Março de 1847. = C. de Lavradio.
Ficou adiada a segunda parte que respeita á transferencia dos Juizes.
Foi approvada por 22 fofos contra 10 a excepção relativa á organisação do Conselho de Estado como Tribunal Administrativo.
Rejeitada por 18 votos, tendo 15 a favor, a Proposta do Sr. V. de Oliveira, ficou implicitamente approvada a terceira parte relativa á excepção do Decreto que eleva o numero dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.
Proposeram-se á votação os seguintes quesitos:
1.º Serão conservados no Supremo Tribunal de Justiça os Magistrados despachados em virtude do Decreto de 10 de Março de 1848?
Sim, por 27 votos contra 7.
2.º Os Membros do Supremo Tribunal de Justiça, despachados em virtude do Decreto de 10 de Março de 1847, deverão ter o mesmo ordenado que os outros Membros do mesmo Tribunal?
Empatada a votação por 16 votos a favor, e 16 contra, ficou adiada.
O Sr. Presidente — A immediata Sessão terá logar á manhã, e por ordem do dia, depois da Commissão Mixta, o Parecer n.º 51 sobre o Projecto de Lei n.° 38; o Parecer n.° 56 sobre a Proposição n.º 50; o Parecer n.° 64 sobre a Proposição n.° 45; o Parecer n.º 65 sobre a Proposição de Lei n.° 30; e o Parecer n.° 71 sobre a Proposta de Sr. Silva Carvalho, quanto ao numero de D. Pares com que a Camara deva funccionar. Está fechada a Sessão — Eram quasi seis horas da tarde.
O Sub-Director da Secretaria, Chefe da Repartição de Redacção,
José Joaquim Ribeiro e Silva.