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COMMISSÃO MIXTA

Sobre as alterações feitas pela Camara dos Pares do Reino á Proposição de Lei, que lhe fez a Camara dos Srs. Deputados, sobre transferencias dos Juizes de Direito (1).

Reunida a Commissão pelo meio dia, á qual presidiu o Sr. Duque de Palmella, Presidente da Camara dos D. Pares. S. Ex.ª convidou para servirem de Secretarios o D. Par Margiochi, e o Sr. Deputado Rodrigo de Moraes Soares.

O Sr. Secretario Margiochi verificou estarem presentes os D. Pares D. de Palmella, Cardeal Patriarcha, M. de Ponte de Lima, C. de Bomfim, C. de Lavradio, V. de Benagazil, V. de Fonte Arcada, V. d'Oliveira, B. de Chancelleiros, Francisco Simões Margiochi, José Antonio Maria de Sousa Azevedo, Manoel Duarte Leitão, Rodrigo da Fonseca Magalhães, Thomaz de Mello Breyner; e os Sr.s Deputados, José Cancio Freire de Lima, Bento Cardoso de Gouvêa Pereira Corte Real, Antonio do Rego Faria Barbosa, Eusebio Dias Poucas Falcão, Francisco Leite Pereira da Costa Bernardes, Antonio Correi Caldeira, B. de Villa Nova de Ourem, João Francisco de Vilhena, José Maria Pereira Forjaz, Lourenço José Moniz, Rodrigo de Moraes Soares, Antonio Emilio Corrêa de Sá Brandão, Sebastião Corrêa de Sá Brandão, Antonio Ferreira da Motta.

O Sr. C. do Bomfim entrou como segundo Supplente, por ter participado o Sr. C. das Alcaçovas estar doente, o qual, como primeiro Supplente devia substituir o Sr. M. de Loulé, que deu parte de doente. E na falta dos Sr.s Deputados João Amaro Mendes de Carvalho, José Ricardo Pereira de Figueiredo, e Antonio Maria Couceiro, entraram como Supplentes os Sr.s Antonio Emilio Corrêa de Sá. Sebastião Corrêa de Sá Brandão, e Antonio Ferreira da Motta.

O Sr. Presidente — Vai-se lêr o Projecto de Lei com as emendas. (Depois de lido) Está era discussão na generalidade.

O Sr. C. de Lavradio — Eu pediria que se lesse o Parecer da illustre Commissão de Legislação da Camara dos Sr.s Deputados, antes de se proceder á discussão.

O Sr. Secretario Margiochi leu o seguinte Senhores: — À Commissão de Legislação foi presente o Projecto de Lei n.° 48, sobre as transferencias dos Juizes de primeira e segunda Instancia, com as alterações feitas pela Camara dos D. Pares, e considerando, que as mesmas alterações mudam o pensamento, que presidiu á confecção do sobredito Projecto approvado por esta Camara; considerando, que da approvação dessas alterações proviriam inconvenientes para a boa administração de Justiça, é de parecer, que as ditas alterações não podem ser approvadas por esta Camara, e que por isso deve proceder-se á eleição da Commissão Mixta para a decisão deste assumpto, em conformidade do artigo 54.° da Carta Constitucional da Monarchia. Sala da Commissão, 28 de Julho de 1848. — (Com a assignatura dos Membros da Commissão.)

O Sr. C. de Lavradio (sobre a ordem) — Se eu ouvi bem a leitura do Parecer, parece-me que nelle se não dão os motivos que a Camara dos Sr.s Deputados teve para não concordar com as alterações, que foram feitas nesta Casa ao Projecto de Lei das transferencias: por consequencia, eu pediria que atites de entrarmos na discussão, para nella podermos entrar com verdadeiro consentimento de causa, alguns dos Sr.s Deputados tivessem a bondade de expor quaes os pontos de discordancia, e quaes os motivos, que a Camara dos Sr.s Deputados teve para não annuir ás alterações feitas pela Camara dos Pares: parece-me portanto, que sem este esclarecimento não podemos entrar de uma maneira conveniente na discussão deste Projecto.

O Sr. Corrêa Caldeira — Sr. Presidente, eu fui previnido pelo Sr. C. da Lavradio, porque desejava pedir a V. Ex.ª, que tivesse a bondade de mandar lêr o Parecer da Commissão da Camara dos D. Pares sobre esta Proposição de Lei, quando voltou de novo a esta Camara, porque não se lendo publicado até agora, ou pelo menos não tendo chegado ao meu conhecimento, a discussão que houve nesta Casa sobre este objecto, eu e os meus Collegas tambem estamos na ignorancia dos motivos, por que se não approvou a Proposição de Lei, que veio da outra Camara (O Sr. Presidente — É muito justo. Peço por tanto ser informado das considerações e razões, por que S. Ex.ª fizeram as alterações, que vão fazer objecto da presente discussão. O Sr. C. de Lavradio — Apoiado. O Sr. Secretario Margiochi leu o seguinte: A Commissão de Legislação, a quem foi presente o Projecto n.° 29, sobre as transferencias dos Juizes de primeira e segunda Instancia, vindo da Camara dos Sr.s Deputados, considerando a necessidade que o Governo tem de uma similhante medida, e por outra parte as circumstancias especiaes em que se acha o mesmo Projecto pela discussão havida sobre elle, é de parecer que seja approvado, excepto o §. 4.º do artigo 3.° porque similhante provisão annullaria o pensamento do mesmo artigo, que a Commissão intende ser fundado na utilidade publica. Sala da Commissão, em 23 de Julho de 1818. — José da Silva Carvalho (com declarações) = D. de Chancelleiros (com declarações) — V. de Laborim =Manoel Duarte Leitão (vencido) = R. de Porto de Moz (com declarações).

O Sr. Corrêa Caldeira — Segundo eu agora acabei de ouvir, o parecer da Commissão de Legislação desta Camara votou pela approvação do que veio da outra, fazendo só alteração no 4.° do artigo 3.°, e as alterações que fez esta Camara foram muito maiores, por consequencia estou na mesma ignorancia sobre os motivos, que regularam as alterações, e então seria conveniente que algum dos D. Pares, que tomaram parte neste debate, desse algumas explicações a este respeito.

O Sr. Fonseca Magalhães — Eu creio que seria mais conveniente para a boa ordem da discussão debater-se o projecto artigo por artigo, isto é, tractar-se separadamente de cada um dos pontos sobre que versaram as emendas, e alterações approvadas na Camara dos Pares.

No primeiro artigo do projecto, por exemplo, adoptou-se na dos Sr.s Deputados que os Juizes de 1.º e 2.º Instancia fossem sujeitos ás transferencias. Esta Camara alterou esse artigo, isentando das mesmas transferencias os Juizes das Relações. Eis-aqui um objecto que se ha de decidir na Commissão mixta; e parece-me que sobre elle recahirá o primeiro debate. Assim iremos successivamente tractando dos outros pontos em que houve discordancia em ambas as Camaras. Esta é a meu parecer, a ordem natural da discussão, aquella que dará mais prompta e claramente um resultado. Deste modo se irão discutindo separadamente todos os artigos.

Em quanto pois a este primeiro, o primeiro tambem sobre que as duas Camaras discordaram, parece-me que a dos Pares considerou a situação officia] dos Juizes da 2.ª Instancia muito differente dos da primeira. Esta Camara entendeu que já mais poderiam militar para transferir aquelles dos seus Tribunaes as mesmas razões, os mesmos motivos, que se dão para tornar acceitavel a medida de transferencia, que póde ter logar em quanto aos ultimos. Era tal caso julgou que seria improprio applicar a uns e outros o mesmo procedimento, quando as circumstancias de ambos variam tanto; e sem agora recorrer a explicações o argumentos, que talvez mais tarde virão a proposito, sem trazer para provas todos os fundamentes e razões de politica de que poderia fazer uso, nem tão pouco á intelligencia que se deve dar a varias disposições da Carla, e de Leis que se tem promulgado depois della, e que ainda não se acham nem derogadas, nem obsoletas; sem, repito, considerar senão a differença das circumstancias em que se acham uns e outros Juizes, não pôde deixar de entender-se que a Camara dos Pares teve solido fundamento para não deixar os Juizes das Relações sujeitos a transferencias. Os Juizes de 2.ª Instancia julgam collectivamente, o que dá muito maior garantia ás partes da integridade do julgamento, do que pôde dar em 1.ª Instancia um só homem, que em terras menos consideraveis se pôde suspeitar mais de propender a favor de umas do que de outras, e de ser influido por suas paixões. — No julgamento collectivo, além do desejo e estimulo de cada Juiz de não parecer inferior aos seus collegas em intelligencia, e mesmo de o não ser era rectidão e probidade, uns vigiam os outros; e quando houvesse quem fosse capaz de proceder menos bem uma certa vergonha o reteria na presença de seus collegas, de homens que, tendo de pronunciar sobre o mesmo negocio, não poderiam deixar de conhecer, ao menos de investigar, a causa de uma decisão contra justiças, e a favor de quem a não tenha nas Leis. Neste estado quem pôde negar que os Juizes dos Tribunaes inspiraram muito mais confiança de integridade nos julgamentos do que a pôde inspirar um só homem? E a inspiram com razão; porquanto se nas primeiras Instancias o negocio raras vezes se decide mal, porque se póde conseguir apaixonar o animo de um Juiz, quanta maior difficuldade se offerece para produzir este effeito em taes Magistrados, distantes do theatro das intrigas locaes dos litigantes, e demais a mais quando as decisões serão tomadas juntamente por toda uma secção do Tribunal?

Realmente não ha meio de comparar estas duas situações sem tirar-se em resultado que ellas são dessimilhantissimas, que não é applicavel á dos Juizes de 2.ª Instancia essa medida de transferencias por motivos que a possam justificar. Contra as seducções, contra as paixões de qualquer natureza que sejam, que perturbara o animo dos Juizes tem os litigantes muitos fiadores nos Juizes de 2.ª Instancia: não assim nos de 1.ª confesso, os quaes, ás vezes innocentemente, e com bons desejos de acerto, podem, por fascinados e seduzidos, servir de instrumento a vinganças de individuos, e de facções. Estes foram os motivos allegados para justificar, ou cohonestar as transferencias extraordinarias dos Juizes de 1.ª Instancia. Disse-se que sem que um Juiz fosse máu poderia dar-se o caso de não convir em um logar, porque lhe faltassem as sympathias dos pivôs, porque se tivesse tornado suspeito de pertencer a uma parcialidade politica, etc. etc. e que em tal caso por conveniencia da justiça, do mesmo Juiz, e socego dos povos, com os quaes vive mui proximo, conviria que fosse transferido para outra Comarca.

Concedendo que isto posta acontecer com os Juizes de 1.ª Instancia, quem não vê que estes casos se não dão nos Juizes de 2.ª?

Quem não conhece que é de maxima improbabilidade, que será impossivel, que nenhum destes inconvenientes se apresente? Pôde sim haver casos de máu procedimento, porém esses casos são de processo, são crimes que devem ser punidos por sentença, que se não expiam com uma transferencia de Relação. Quando possa succeder, o que eu ainda não concedi, que mil casos se dêem em que seja util a transferencia de um Juiz de 1.ª Instancia, nem um provavel se apresentará para a transferencia de um Juiz de Relação. Estes logares de 2.º Instancia alcançam-se depois de longo serviço, e como tyrocinio que habilita estes funccionarios pare julgarem em Tribunal superior. Depois de tantos annos de fadiga, a lei e a razão mandam que cesse a mobilidade. Os Juizes assim collocados já tem dado provas de intelligentes e de honestos, dotados de firmeza de caracter, e tão amantes do seu bom nome que o sustentaram durante toda a sua carreira. A idade os tem tornado menos aptos para mudanças de logares para logares; a natureza dos que servem é sedentária: todos terão preparado o seu domicilio para durante a vida, ou para longos annos: as transferencias pois lhes serviriam de gravissimo incommodo. Essas transferencias seriam medidas extraordinarias; seriam como castigos: um destes Juizes transferido, ficaria desacreditado: isto é um grande mal para o Magistrado, isto não pôde ser reputado um meio de governação pelo effeito que produz. Neste caso é força evitarmos um procedimento que concorreria para desacreditar o Poder Judicial: não devera ter logar taes transferencias. Se o Juiz delinquiu seja castigado, mas segundo os termos, e organisado um processo. E diz-se: não se reputa castigo uma destas transferencias; é uma medida tomada por bem do serviço. Isto são palavras que de balde se proferirão — nunca hão de significar o que se quer: a opinião caracterisará o acto sempre de castigo: não pôde deixar pois de commetter-se injustiça, porque o rigor da punição ferir aquelle que o mesmo Governo quer que a não padeça — elle o pune; elle tambem o faz culpado; e tem a consciencia de que o não é. Mas ainda isto não basta para qualificar de injustiça estas transferencias dos Juizes de 2.ª Instancia. Um Juiz deslocado vai causar a deslocação de outro. Se á raro o caso da necessidade para um, como confessam os que pugnam por estas transferencias, como deixará de o ser para dois? Logo se não houvesse duas injustiças, uma decerto seria infalível. O Juiz transferido, e não por seu commodo, e sim como em desagrado do Governo, com esse castigo associa a si um outro Juiz, tambem transferido sem o requerer, sem o merecer. Mas dir-se-ha esse ganha; mas elle não pôde ganhar, se na verdade assim for, senão pela perda daquelle a quem o vai substituir: já sabeis que elle merece essa vantagem, ainda contando que assim a póde reputar? Se é grave falta punir quem o não merece, não é menor premiar quem de premio não é merecedor. Aqui está o resultado de mal pensadas providencias, de medidas não fundadas nos verdadeiros principios: os seus effeitos se escapam do absurdo não se livrara da injustiça; e até da iniquidade. Eu na verdade quizera saber como similhantes transferencias' poderão ter logar sem os serios inconvenientes que noto, e que de certo não exaggero. Mil outras razões pudera eu allegar contra esta medida de transferencias dos Juizes de 2.° Instancia; mas tem sido todas, ou as mais fortes dellas, produzidas em duas largas discussões, são familiares a todo o mundo. Parece-me desnecessario demonstrar que a Carta fazendo-se uma séria confrontação de alguns dos seus artigos, não sujeita a transferencias os Juizes de 2.ª Instancia: ai interpretações em contrario são forçadas, são desnaturaes, se assim posso explicar-me, porque contrariam o pensamento della, e alteram a indole do Poder Judicial como elle é intendido nos Governos representativos. Sr. Presidente, que será da independencia do Juiz de 2.º Instancia quando elle tenha diante de seus olhos o espectro de uma transferencia extraordinaria? Uma transferencia que altera o seu destino, e que a elle o colloca tão desfavoravelmente perante a publica opinião? Esta independencia morreu para elle e para o publico. Então se dirá que uma sentença dada contra individuos de partido opposto á administração, tal Juiz a deu por temor da transferencia.

Perder-se-ha o respeito sacramental que importa manter ás decisões dos Juizes; a sociedade adoe-

(1) Vid. a sua discussão, pag. 1072, col. 2. 1086, 2.ª; 1099, 2.ª; e 1144, 2.ª