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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA D OS SENADORES.

Quinta Sessão Preparatoria, em 10 de Junho de 1810.

(Presidencia do Sr. Macedo Pereira, Decano.)

Aberta a Sessão, pouco depois da uma hora da tarde, verificou-se a presença de 37 Membros.

Leu-se a Acta da antecedente Sessão, e foi approvada.

Mencionou-se um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, participando que a mesma Camara se achava constituida, havendo nomeado para os cargos da Mesa os Deputados, cuja relação vem incluida. — Inteirada.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O Sr. José Ferreira Pinto Basto encarregou-me de participar á Junta que negocios de sua casa o obrigavam a sair de Lisboa por alguns dias.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Sr. Conde de Terena está de caminho, e dentro em poucos dias se apresentará ao Senado; e o Sr. Conde de Terena, José, já teria comparecido se a saude o permittisse; tendo embarcado no barco de vapôr foi atacado de gota, se estiver melhor virá no seguinte. — Acabo de receber uma carta do Sr. João Maria de Abreu, que me encarrega de participar a V. Ex.ª para o fazer saber á Junta, que por molesto não comparece hoje nem talvez mais alguns dias.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu tinha pedido a palavra para depois da correspondencia, a fim de me dirigir ao Sr. Ministro da Guerra, e pedir-lhe por caridade (por isso que o direito já não serve) quizesse mandar pagar alguma cousa ás classes inactivas que se acham muito atrazadas, principalmente as da 4.º Divisão, assim como á 3.ª Secção do Exercito, a qual, sendo hoje 10 de Junho ainda não recebeu o mez de Setembro: isto é tanto mais extraordinario, quanto é certo que as Côrtes passadas votaram os fundos correspondentes para pagar a estas classes, e quando o Governo tem para isso recebido as sommas necessarias; é nestas circumstancias que os pagamentos vão para trás!

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Tendo toda a duvida deferencia com o nobre Senador que acaba de fallar, declararei a esta Junta que os fundos necessarios para os pagamentos a que alludiu estão requisitados, e que a falta que tem havido ultimamente em os satisfazer procede de estarmos muito proximos do periodo em que deve acabar o credito que o Governo tem para a cobrança dos impostos, o que de algum modo tem influido para esse atrazo; mas espero que em muito pouco tempo estarão realisadas as sommas necessarias, e nas mãos dos competentes Pagadores.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Em quanto ás razões do pagamento não insisto, mas não posso admittir as que S. Ex.ª produziu sobre falla de meios. As Côrtes pasmadas votaram as sommas necessarias para o exercicio de cada Ministerio; essas sommas pareceu que deviam chegar, mas se não chegavam, se assim parecia ao Ministerio, então ha muito tempo que o devia ter sabido, é que devia declarar que não chegavam para as classes inactivas (porque na 4.ª Divisão se devem tres mezes mais que nas outras) e não esperar até ao fim do anno economico para o dizer. Além disso um homem que, como eu, não faz parte do Ministerio, por isso que não tem relações com elle, não pode deixar de avançar alguma cousa menos exacta; mas essa falta é tanto menor, quanto me parece certo que se tem anticipado algumas rendas do Estado, como o Real d'Agoa e Subsidio Litterario, e que se tem lançado mão das prestações do Contracto do Tabaco: e então o Governo que não só dispõe das sommas votadas pelas Côrtes, mas ainda destes x, y, z, parece que devia conservar toda a regularidade nos pagamentos das diversas classes. Sr. Presidente, todo o homem quando expõe factos póde ser mais ou menos exacto, eu já o declarei; mas se forem verdadeiras algumas das minhas asserções, cessa a desculpa do Ministerio. Não quero fazer disto uma argumentação prolongada, porque a occasião não seria a mais propria, só quiz satisfazer aos Officiaes e Viuvas que em todos os correios me escrevem a este respeito.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Parecia-me a mim que o nobre orador ficaria satisfeito com a declaração franca que eu fiz de que estavam tomadas todas as providencias, e que effectivamente terão logar esses pagamentos. Em quanto ao mais S Ex.ª mesmo reconheceu que a occasião é extemporanea para entrar n'uma questão desta especie, nem eu para ella estava prevenido; entretanto não posso deixar de dizer a S. Ex.ª (pois teve a honra de ser Presidente do Conselho) que sabe

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muito bem que o Governo de que foi Membro não verificou uma parte do credito que tinha a seu favor, e que a presente Administração, apesar de o poder fazer, tem preferido não fazer uso desse credito, em quanto for possivel. Deveria isto satisfazê-lo completamente; mas, se o não satisfaz, tambem eu não posso agora dar outras explicações. Concluirei dizendo que me parecem pouco exactas as informações que S. Ex.ª tem.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Em quanto ao mais, é possivel, não pelo que respeita ao pagamento das Viuvas. — Outras cousas poderia eu dizer, mas a occasião não e opportuna. Sr. Presidente, se o Governo a que tive a honra de pertencer não contractou os 400 contos, foi porque o meu honrado Collega, o Sr. Manoel Antonio de Carvalho, tinha declarado que não havia de contractar mais de mil, por intender que não lhe era necessario: eis-aqui a razão primaria, e a segunda razão é porque tinha por principio não anticipar um vintens das rendas publicas. Tanto isto assim é, que quando o Banco de Lisboa lhe foi offerecer a parte que linha tomado nessa transacção, o meu nobre amigo, o Sr. Manoel Antonio de Carvalho, disse = eu não quero á minha disposição nem um real anticipado. = É por isso que quando S. Ex.ª entrou depois achou o dinheiro prompto.... N'outra occasião, S. Presidente....

O Sr. Trigueiros, Relator da Commissão de Poderes, apresentou o Parecer della ácerca das eleições dos Circulos da Guarda, Portalegre, Alemquer, Villa Real, Penafiel, Bragança, Ponta Delgada, Cabo-Verde, e Porto. — Ficou sobre a Mesa reservado para entrar em discussão.

Passando-se á Ordem do Dia, foi lido o Parecer da dita Commissão, anteriormente apresentado, sobre diversas eleições; (*) manifestando-se em varios Membros o desejo de que o mesmo Parecer fosse especialmente tractado em relação a cada Circulo, assim se resolveu, pelo que entrou em discussão a parte que respeita á eleição de Vianna: a Commissão propõe a sua approvação.

Teve a palavra em primeiro logar, e disse O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Eu estou persuadido que o Parecer da Commissão ha de ser approvado por esta Junta, mas apezar disso e da vantajosa opinião que tenho pelos illustres Membros da Commissão, não posso deixar de fazer algumas observações, dizendo qual é o meu voto, principalmente em relação ao Circulo de que se tracta.

As illegalidades de que todos nós somos testemunhas nas ultimas eleições da Capital, praticaram-se da mesma maneira nas do Circulo de Vianna; e ainda que eu não possa provar essas illegalidades de que tive noticia por cartas particulares (para não comprometter o individuo que m'as communicou), todavia ellas foram mencionadas nos Jornaes, e acham-se ao alcance de todos: essas illegalidades são taes que annullam a eleição. Os soldados foram levados á urna agarrados, e levaram chibatadas: em Caminha trocaram-se as listas da opposição por listas do Ministerio: o Batalhão 19 estava todo junto, e na frente o seu Commandante repartindo listas, as quaes eram não só carimbadas, mas tinham o numero da Companhia e o da praça! Sr. Presidente, se a Camara na Sessão passada teve a indulgencia de passar por muitas illegalidades, isto deve ter um termo, porque, se acaso fizermos das eleições um acto constante de ultrage á Nação, ninguem acreditará no Governo Representativo, que com taes eleições é uma verdadeira decepção, um verdadeiro phantasma. Para que haja Representação Nacional, e sabido que são necessarios dous requisitos — liberdade absoluta no voto dos eleitores — e toda a independencia nas pessoas dos eleitos: (apoiado) que na eleição de que se tracta não houve liberdade nos eleitores, e evidente, porque, quando se leva á urna a tropa arregimentada e com listas carimbadas, isto não póde chamar-se eleição, é um acto que nada significa; um Senador ou Deputado, eleito deste modo, se vem sentar-se nas cadeiras do Corpo Legislativo, não é um Representante da Nação, é um commissario do Governo que está olhando para a sua demissão; este homem não dá um voto consciencioso, vota sempre com o despotismo. Fallemos claro: ou queremos ter um Governo Representativo ou não; e se o Ministerio nos prepara uma restauração, declare-o francamente... (Sussurro). Eu antes quero o despotismo do que á decepção de um Governo Representativo em que o Ministerio tem homens angariados para o servirem nas eleições, authorisados a porem em obra ameaças, promessas e violencias. Mas julga o Ministerio que, por ter uma maioria nas Camaras, ha de fazer o que quizer desta Nação? Engana-se; as verdadeiras maiorias não existem nas Camaras; existem no Povo, e daqui para fóra, porque Portugal não está aqui dentro. E que se espera que o Povo julgue de um Governo que lhe apresenta Representantes que elle não reconhece? Espera-se obediencia?.... (Sussurro). Todo o homem obedece, mas é violento obedecer a authoridades illegaes, e eu estou persuadido que as Leis que sahirem desta Casa não são legaes... (Agitação).

Vozes: — Ordem, ordem.

O Orador: — Estou na ordem.... Não são legaes.... (Sussurro). O Sr. Senador não tem direito de me chamar á ordem; esse direito só o reconheço no Sr. Presidente.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: - Deixem primeiro demonstrar, a positiva ou a negativa, e depois argumentem.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Quem tem direito a votar nesta Casa são unicamente os Representantes da Nação, e qualquer individuo que não fôr eleito legalmente, ainda que se assente nestas cadeiras, não é mais do que um commissario do Poder: esta a minha opinião. — O Povo obedece quando julga que obedece legalmente, quando vê os seus interesses defendidos, e quando pela força dos debates conhece que elles não foram abandonados: é isto o que verdadeiramente dá poder aos Governos, áquem são tão proficuas as maiorias como a opposição, porque quando a opposição chega a persuadir o Povo da sua justiça, então é que este obedece, vendo que os seus interesses não foram esquecidos, mas advogados com todo o calor e independencia; de maneira que é do interesse dos proprios Ministerios a existencia de uma opposição conscienciosa. Porém o Ministerio actual não quiz trazer a estes bancos um unico individuo que não fosse da sua escolha; por isso as Leis que daqui sahirem não tem sancção, não tem garantia, nem o Povo póde ter vontade de lhe obedecer: isto são factos demonstrados. A Nação Ingleza, no meio da qual, por occasião das eleições se faz tudo (menos commetter fraudes, menos roubar actas), é corrente a doutrina que acabo de expender; alli, se um Ministerio põe em pratica quaesquer actos de corrupção, é para obter maioria no Parlamento, não para delle affastar a opposição; não exclue individuos nominadamente (como fizeram os nossos Ministros) porque sabe que dos debates da opposição nasce todo o seu poder e toda a força do Governo.

Não 'posso approvar as eleições do Circulo de Vianna, porque estou certo que alli se commetteram illegalidades de todas as especies.

No Parecer da Commissão, que acaba de ser lido pelo seu illustre Relator, fallando-se das eleições, não me recordo de que Circulo, diz-se que certo protesto é destituido de provas. Oh! Sr. Presidente, pois um protesto precisa de provas? Quem quer protestar hade levar comsigo um Tabellião? Não bastará o protesto feito perante os eleitores de uma Assembléa, não bastará isto para lhe dar legalidade? Sabemos que nas eleições de Lisboa as listas foram carimbadas; sabemos que nas do Porto um Presidente fôra esbofeteado e espancado: mas só porque isto não consta das actas poderá negar-se que taes factos sejam verdadeiros? É o que a Commissão diz a respeito desses protestos. Eu entendo, pelo contrario, que qualquer protesto feito n'uma eleição tem a seu favor a presumpção de verdadeiro, por quanto ninguem levará o descaramento ao ponto de se apresentar n'uma Assembléa a fazer protestos sem motivo fundado, e contra irregularidades imaginarias.

Concluo repetindo que não posso votar a favor das eleições do Circulo de Vianna.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, devo fazer uma confissão perante esta reunião; eu achava-me debaixo de impressões bem desagradaveis quando hoje entrei para esta Casa, reconhecendo em mim tão pequenas forças para sustentar todas as eleições pelo Circulo do Reino, parecia-me isso uma tarefa superior ás forças do meu talento; mas, Sr. Presidente, estou muito animado; estou agora convencido de que posso desempenhar a tarefa, que me impozeram. Ouvi o nobre Senador que encetou a discussão, dei a maior attenção ás suas razões, e devo confessar que d'ahi nasce a minha animação: as suas razoas para a questão, (que é o Parecer da Commissão relativamente ás eleições do Circulo de Vianna) valem tanto como se o nobre Senador nada tivera dito.

Sr. Presidente, o nobre Senador apresentou alguns principios de eterna verdade, principios luminosissimos, principios de exactidão na sua generalidade, mas a sua applicação não foi bem feita, direi mesmo, foi pessima. Disse o nobre Senador, sem que atacasse em cousa alguma o Parecer da Commissão, a respeito das illegalidades das eleições do Circulo de Vianna, que elle sabia por cartas, e ainda mais pelos jornaes que se publicam nesta Capital, das irregularidades e actos infames que tiveram logar nas eleições de Vianna. Ora, Sr. Presidente, como eu não posso ser muito extenso, porque penso que tirei de fallar muitas vezes, não deixarei de appellar para o nobre Senador a respeito do seu proprio dito. Pois o illustre Senador quereria que a Commissão julgasse por cartas e Periodicos da validade das Actas? Sr. Presidente, que é uma Commissão a respeito de eleições de uni Circulo eleitoral, em relação ao qual se apresentam Actas? É um Juiz, ou um Relator de um Tribunal a respeito de autos sobre os quaes tem que fazer o seu exame, e a respeito dos quaes tem unicamente a dar o seu Parecer, sem que para o fazer possa julgar por cartas, ou por Periodicos, ainda mesmo que elles para ella tivessem o credito que não têem. O nobre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, entre os principios que estabeleceu um delles foi, que a Nação se não poderia julgar representada neste Parlamento, que as Lis que delle emanassem seriam nullas. Sr. Presidente, não sei como o nobre orador (em quem eu reconheço tanta prudencia, a par de tantas luzes) possa emittir principios tão perniciosos! O que é o Systema Representativo desde que os partidos podem alçar o brado, e sem se incumbirem das provas, fulminar o anathema de nullidade na creação das representações? Se licito fosse esse arbitrio, com tal systema não haveria Governo possivel, e as Camaras não seriam sempre, e as Leis que dellas dimanassem nullas para as melhorias? Certamente. Ser-me-ha facil, Sr. Presidente, mostrar ao nobre Senador, que as eleições estão validas, e impossivel será para S; Ex.ª, o provar-me o contrario; por quanto; apesar de haver algumas irregularidades nas eleições de um, ou de outro Circulo, o que era, e será ainda por muito tempo inevitavel, isso não altera a validade dai eleições. Não seria necessario grande trabalho, para eu demonstrar ao nobre Senador a verdade do que acabo de referir; assim como lhe poderia demonstrar, que as suas idéas sobre eleições são de uma inconveniencia espantosa, prigosas em todos os tempos, mas perniciosissimas no actual, em que tanta tendencia se mostra para a desobediencia, e em que a desordem não precisa de estimulo. Se o nobre Senador foi chamado á ordem (não por mim, nem o será nunca, porque eu penso que aqui cada um póde dizer o que entender, e eu mesmo desejo vêr estabelecer este principio para mim) devo comtudo confessar que foi muito bem chamado á ordem, porque, como acabo de dizer, não só tinha saido fóra da questão, mas até estabelecido doutrina inteiramente fóra della, e além disso perigosa. Disse o nobre Senador, que o Governo tinha influido nas eleições: quero conceder que assim fôsse; porém daqui a provar que as eleições não são validas, vai uma muito grande distancia. Observa-se, como cousa de grande importancia, que houve listas carimbadas! Eu sou muito leal, Sr. Presidente, e por isso não fallaria em listas carimbadas: eu não influi nas eleições senão muito lealmente, e para o fazer, não me foi preciso saír de minha casa. Se eu porém me visse na posição dos illustres Senadores, não fallaria em listas carimbadas, ou de côres: eu vi listas de côr na mão de homens que seguem o seu partido; e posso mostra-las escriptas em papel de côr, por homens conhecidos, a letra d'um dos quaes posso fazer reconhecer, e (o que mais é) com seu proprio nome nellas estampado. Sr. Presidente, as eleições entre nós tomaram de um direito, que são, o caracter de uma demanda caprichosa; o demandista tenaz por menos justiça que tenha, appella sempre da primeira instancia, e recorre da segunda, e leva a sua demanda até aonde póde, mas se na ultima instancia ainda não acha Juizes venaes, que lhe dêem uma sentença de seu gosto. não tendo mais Tribunaes para que appelle, desfaz-se em injurias contra os Juizes, Letradas, é Escrivães, e começa a fazer roda em terreiro contra todos elles. Eis aqui, Sr. Presidente, ao que entre nós estão

(*) Acha-se publicado no Diario 134, a pag. 639.

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reduzidas os eleições: hontem triumpharam as eleições a favor dos nossos principios, ou interesses, ellas foram justas: ámanhã ficamos vencidos, ellas são injustas, cheias de nullidades, praticaram-se atrocidades nunca antes praticadas, é necessario então annulla-las para moralisar o Povo! Peço desculpa á Camara de ter eu mesmo saido da ordem na qual devia estar; porém eu fui a isso impellido pelo exemplo que me deu o illustre Senador; restringir-me-hei porém a ella daqui em diante, se me fôr necessario tornar a fallar sobre esta materia.

Sr. Presidente, eu dei-me ao trabalho de examinar as Actas de todos os Circulos eleitoraes, e parece-me que o Parecer da Commissão está exacto; mas se algum illustre Senador me apontar qualquer defeito na minha obra, eu prometto de a ir examinar de novo, e de vir depois aqui confessar que me enganei. Peço porém a V. Ex.ª que convide os illustres Senadores a se restringirem á ordem, o que eu tambem farei se vir que se não sahe fóra della; que me apontem os defeitos da eleição em questão, e eu a sustentarei.

O Sr. Miranda: — Eu chamei o meu collega á ordem; já o illustre Relator da Commissão ponderou os motivos que a isso o obrigaram, e eu accrescentarei que tambem o fiz, não por ter saído fóra da questão das eleições, mas porque o meu illustre collega e amigo (perdôe-me elle) se abalançou a estabelecer principios sobre eleições, falsos, muito perigosos, e que podem ser prejudiciaes fóra deste recinto.

Sr. Presidente, eu não quero entrar a este respeito em observações geraes, porque acho mais prudente calar-me; nem tambem fallar da influencia que sobre as eleições teve o Governo, porque aqui está um Sr. Ministro presente, e a elle toca o defender-se. Todavia direi, Sr. Presidente, que é uma grande injustiça o dizer-se que o Governo influiu nas eleições: quem influiu nas eleições foram pessoas, muitas em numero, e de todos os Districtos e Concelhos do Reino, que estão muito longe de se lhes poder dar o nome de ministeriaes: eu como individuo influi, e quanto pude, nas eleições; por meus principios, não com promessas como homem de negocios, e sempre o hei de fazer, e o fará todo o homem amigo do seu Paiz para bem delle; o que porém se deve estar, Sr. Presidente, é o emprego da fôrça, e o meio das fraudes (apoiados): todo o acto de violencia, e de fôrça no acto das eleições é um escandaloso attentado contra a livre expressão do voto Nacional (apoiados); mas tudo o que não fôr isto, é legal. A respeito de fraudes direi, Sr. Presidente» que se as ha, é porque a Lei foi feita como se de proposito se quizesse deixar a porta fiança a todas quantas se podessem imaginar: a primei! a base que serve para as eleições é o recenseamento; porém os recenseamentos são feitos á discrição, sem regra, e sem competencia de pessoas, de logar, e de tempo, por isso sempre muito mal feitos, e muito á pressa; se a este se ajuntam outros muitos defeitos que tem a Lei eleitoral, evidente é a necessidade da reforma desta Lei de que espero nos occupemos na Sessão actual. Espero tambem que os illustres Senadores que tem fallado contra as ultimas eleições, serão os primeiros a concorrer para que se faça uma Lei capaz de obstar aos abusos que, em realidade, ou em hypothese, tem justamente censurado.

Agora, fallando das eleições do Círculo que se acha em discussão, direi que não houve violencias, pelo menos não me constam; tambem não houve fraudes, nem eu vejo no Parecer da Commissão que se apontem illegalidades que obstem a que sejam proclamados Senadores as, pessoas a que elle se refere: em consequencia abstenho-me, Sr. Presidente, de fazer mais reflexões, e concluo por approvar o Parecer da Commissão.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, quando eu pedi a palavra achava-se fallando um illustre orador, querendo apresentar as mais negras manchas sobre o Governo, no procedimento que teve para que fossem eleitas pessoas da sua confiança: o illustre orador tem sido já bastante respondido, e bastará portanto que eu diga pouco para o convencer de que o seu juizo certamente não é exacto. Em primeiro logar, Sr. Presidente, quando se avançou que se formou um Corpo para ir ás eleições, parece inculcar-se uma especie de ataque que esse Corpo foi fazer: é verdade que muitas outras cousas se apresentam como censura ao Governo, e entre ellas listas carimbadas, de que confesso que não sei nada; assim como me não imporia saber quaes são os manejos de que a opposição, e os amigos politicos della possam ter posto em acção para conseguir os seus fins; tambem como Ministro não me importou nunca que aquelles que são authoridades do Governo, ou que lhe estão sujeitas sem que se servissem da authoridade que lhes estava confiada, fizessem quaesquer ligações com seus contrarios, e empregassem estes ou aquelles meios para as eleições. O Governo influiu nas eleições, é verdade, mas como influiu elle, Sr. Presidente? Apresentando á Nação os Projectos que julgou convenientes para fazer a felicidade dos povos, e appellando para, a Nação, como disse no manifesto que fez, em occasião propria, e que seria occioso repetir agora, visto que de todos é sabido. Em quanto a carimbarem-se listas, e a dizer-se que a tropa foi em corporação votar, responderei que com tal afinco foram olhados os interesses do Estado nos meios que o Governo se propunha adoptar, que a tropa se ligou entre si, e buscou todos os modos para que em firo os amigos politicos do Governo triumphassem, e podessem provar que elles queriam apoiar aquillo que se julgou conducente ao bem da Nação. Mas que tem o Governo com isso? Pelo contrario, muito se deve lisongear desse resultado, podendo todavia assegurar a esta Junta que não ha uma só noticia official de infracções dessa especie chegada ao Governo pelos meios legaes, e só ás Camaras é que pertence ajuizar dessa materia, aliás odiosa, com que se pertende menoscabar as acções do Governo. Mas, Sr. Presidente, parece que o illustre orador reconhecerá que ha alguma inconsideração em taxar estas eleições de illegaes, se reflectir que um Corpo tão respeitavel, como é a Camara dos Srs. Deputados, acaba de pronunciar o seu juizo favoravel a essas mesmas eleições, ás quaes certamente não cabem os nomes com que as appellidou, e de que não quero lembrar-me, Parece-me ser sufficiente quanto tenho dito para mostrar que o Governo não commetteu esses horrores, dizendo-se que a tropa fôra violentada, os soldados agarrados, etc. quando assina se provar, como ao accusador pertence, ao Governo toca então mostrar como são mal fundadas essas arguições. Por consequencia, sendo o nosso fim principal o tractar de constituir a Camara; eu como Senador eleito não posso deixar de apoiar o juizo do illustre. Relator da Commissão, de que as eleições estão validas, pois que se não apresentam factos que as invalidem, e fundado no precedente de que na outra Camara, em que ha capacidades dignas, e talentos respeitaveis, e dignos da maior contemplação, não houve a menor duvida em pronunciar a favor dellas, isto é exacto, e ella está constituida. Não vamos nós, Sr. Presidente, na Junta da Camara dos Senadores, dar um exemplo que não assentando sobre bases solidas, fará com que talvez a Nação tenha muito tempo a esperar decisões altamente importantes de que depende o seu bem-estar, e que são reclamadas pelas necessidades publicas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu não tinha tenção de me oppôr muito ao Parecer da Commissão ácerca das eleições por Vianna, só queria dizer alguma cousa relativamente á parte militar que entrou nas eleições, por que tudo aquillo que é affronta feita aos militares, confesso que me doe mais particularmente; e muita affronta se lhes fez por toda a parte nas ultimas eleições. Mas, Sr. Presidente, como se tocou na influencia que o Ministerio tinha tido nas eleições passadas, eu direi alguma cousa, e começarei por fazer uma protestação de fé a este respeito. A minha opinião é, que todo o Ministerio tem direito a influir nas eleições, mas pelo modo que acaba de referir o Sr. Miranda: porém resta saber se o Governo influiu decente e legalmente, ou não. Eu poderei provar que o Governo não influiu sómente pela persuação, ou por meio do trabalho de seus amigos politicos, o que tudo é legal: porém elle não fez isto, Sr. Presidente, começou por mudar dezenas de Officiaes militares de uns Corpos para outros; outros para a 3.ª Secção (severo castigo) para lhes tirar a influencia nos Corpos, e nas terras em que residiam, e isto por antecipação. Alguns Officiaes Superiores perderam as suas Commissões, e porque? Por se persuadir o Ministerio que o voto desses Officiaes lhes seria contrario (apoiados). O Ministerio influiu antes das eleições, removendo para a 3.ª Secção do Exercito, Officiaes benemeritos afim de intimidar os mais: eu não nego o direito de collocação, porque o Governo o tem mas neste caso abusou-se, e esse abuso é um crime. Eu já tive a honra de ser Ministro, e quando o era fui reeleito com os meus collegas; mas ouviu-se que o Ministro de então mandasse alguem para a 3.ª Secção do Exercito? Ninguem certamente será capaz de o provar. O Ministerio de 18 de Abril não demittiu, não transferiu, não castigou, nem premiou por motivo de eleições; entretanto nenhum Membro desse Ministerio deixou de ser reeleito: o Ministerio actual podia pois obter o mesmo resultado, sem o emprego dos vexames e violencias que praticou. Sr. Presidente, o castigo não chegou só aos Officiaes, chegou tambem aos Corpos em massa, e com grave prejuizo de Fazenda; por quanto, o Regimento 9 de Infanteria estava no seu quartel de Lamego, por economia de 20 réis por praça que se obtinha com a sua estada alli; porém no dia antecedente ao das eleições, porque se persuadiam que este Corpo não votaria a favor dos candidatos do Ministerio, foi disperso esse Corpo, e só ficaram os plantões e as Bandeiras no quartel! (O Sr. Ministro da Guerra: — Não é certo). É certo, Sr. Presidente, e eu o posso provar. E o que veio fazer a Lisboa o Regimento de Artilharia que estava em Santarem? Foi porque não se quis que esse Corpo votasse em parte alguma, e porque se tinha certeza que elle votaria contra o Ministerio; e por isso foi mandado saír de Santarem, aonde tinha o seu quartel permanente, tres dias antes do das eleições. Desta sorte ficaram desaffrontados os moleiros de Pernes para falsificarem a eleição de Santarem. É esta, Sr. Presidente, a influencia que eu não admitto, porque a tenho como escandalosa (apoiados). Sempre, e desgraçadamente, a tropa votou desde 1822 no sentido do Ministerio, mas estes votos eram extorquidos por influencias despidas de violencia, intimidação, ou castigo; porém este anno foram extorquidos pela força bruta, não só empregando listas carimbadas, e de côres, mas até mesmo com o numero do soldado escripto nellas, collocando-se Officiaes, ou Officiaes inferiores ao pé delles para verem se elles votavam nellas; e ainda mais, dando-lhe as listas no acto de irem para as eleições, a fim de que as não trocassem.

Nunca se vio, Sr. Presidente, que os Commandantes das Companhias de Policia, ou Guarda Municipal (que é a mesma cousa) acompanhassem os seus soldados á votação em fórma, nem se vio tambem nunca, o que aconteceu em uma Assembléa eleitoral, bem perto deste edificio, como foi o apresentar-se um Commandante com os seus soldados, e no acto de tractar-se da formação da Mesa, esse Commandante dizer «5.ª Companhia levantar braço direito» (risadas). Além destes, outros muitos factos escandalosos, se praticaram, e que é desnecessario referir, porque de todos são sabidos, e por todos foram presenciados.

Recapitulando pois digo, que eu approvo a doutrina de que todo o Governo póde influir nas eleições; porém não admitto que se empreguem violencias, iguaes áquellas que o Ministerio praticou, dizendo «Administradores Geraes, Contadores de Fazenda, Commandantes de Corpos, Juizes de Direito, Substitutos, Parochos, Escrivães, fóra, rua, porque eu quero afilhados meus nesses logares para fazer as eleições á minha vontade.» Isto é o que se não póde approvar (apoiados); mas foi isto o que se vio praticar nas ultimas eleições, e vio-se tambem que esta influencia foi assim exercida com o Regimento 19 em Vianna, talvez por medo que o Commandante possa ter do Ministerio da Guerra.... Limito-me por agora a estas observações.

O Sr. General Raivoso: — Sr. Presidente, estou persuadido que algumas authoridades publicas (não todas), e mais alguem (apoiados) usaram e abusaram dos meios ao seu alcance, para incluir ou excluir das eleições, que estamos julgando, os nomes daquellas pessoas que mais lhes agradavam ou desagradavam; mas dahi não se segue que o Ministerio deva responder pelos abusos das eleições: não vi Ordem alguma do Governo que determinasse isto; respeito muito os Srs. Ministros da Corôa, porque nelles respeito a escolha da mesma Corôa (atém d'outros motivos), e por isso nunca lhe farei arguição sem que tenha em minha mão, a prova do crime arguido ou accusado: pela mesma razão, de não ter provas, não fallarei do que tenho ouvido e lido; ouço e leio muitas cousas, mas accredito apenas o que me parece digno de credito; fallarei sómente do que eu mesmo vi, e ninguem poderá provar que não vi o que realmente vi com os maus olhos. Vi, Sr. Presidente, marchar tropas em fórma debaixo das ordens dos respectivos Officiaes, com o destino de levar à urna as suas listas; não sei se essas listas eram

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conformes, ou eram carimbadas, porque as não examinei, e nem isso me importava; basta o que vi para julgar do resto. Sr. Presidente, o Exercito de linha ou permanente, deve ser essencialmente passivo em cousas politicas, e cegamente subordinado a seus superiores: ai da Nação onde o Exercito de linha fôr politico e romantico, em vez de subordinado (apoiados). Ora quando o Official conduz o soldado á urna faz apreciar a necessidade que tem do seu auxilio neste caso politico; e eis aqui o Official dependente do soldado, e por terra toda a subordinação (apoiados geraes). Além disso, o soldado é sempre escravo da disciplina militar, excepto no momento em que vai lançar na urna a sua lista; mas se em vez de obrar como lhe parecer, fôr obrigado ás regras da subordinação, então deixa o soldado de gosar das garantias, e do bem da liberdade nesses unicos momentos, o que é não só uma tyrannia mas uma verdadeira anomalia, nem é Cidadão nem é soldado. Os regulamentos militares obrigam a todos os militares desde o primeiro General até ao ultimo soldado, mas em cousas militares; nomear Deputados de escalão não é caso militar. Por agora não se sentem os effeitos do que deixo dito, mas tempo virá em que se sintam; ha de haver muitos curiosos que façam advertir aos soldados a violencia que se lhes faz privando-os do goso da liberdade que a Lei lhes permitte.

Sr. Presidente, pelo grande movimento que observei nas eleições, conheci que havia decidido empenho em levar á urna uma grande maioria de homens de certa opinião politica, que é tambem a minha nos artigos reforma (até certo ponto), e ouvi dizer que este mesmo empenho fôra a causa primaria dos abusos das eleições não sei se é verdade ou não quanto dizem, mas seja verdade tudo ou muito menos, o certo é, que o decidido empenho de levar á urna maiorias para certos nomes, sem ser por meios honestos, é um terrivel exemplo: se o publico vir que as eleições, apesar das suas illegalidades, são julgadas validas e legaes por maioria de uma Camara que não quer suicidar-se, por isso que é Juiz em causa propria, é de esperar que os partidos redobrem de energia para levar muitas listas dos seus homens ás eleições, ainda que estas vão manchadas do sangue dos Cidadãos, certos de que, se obtiverem a desejada maioria, a Camara lá os absolverá, servindo de exemplo o que agora se praticar, Mas aonde iremos nós parar, Sr. Presidente, se isto assim continuar? Não sei, e se o sei não o quero dizer. Nestas cousas acho alguma similhança entre revoluções, e eleições que ambas são santas e justas se triumpham; mas eu que sou anterevolucionario por convicção, não estou disposto a sujeitar a justiça e direito ao cego evento de uma eleição ou revolução, e por isso rejeito uma e outra, quero dizer, rejeito as revoluções e as eleições que se parecem com ellas: minha moral, talvez austera, obriga-me a fallar deste modo (Apoiados).

O Sr. Trigueiros: — Peço a V. Ex.ª queira pôr em discussão o Parecer da Commissão a respeito da eleição de Vianna: tem-se dito muita cousa boa, estou muito edificado, mas quasi tudo fóra da ordem.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Tractarei de tomar muito pouco tempo á Camara: reconheço que a doutrina exarada pelo ultimo orador é exacta, comtudo, tendo se avançado asserções as mais desairosas para o Governo, depois de eu ter dado as razões que me pareciam convenientes, não ouvindo senão uma lingoagem forte, quando eu tinha dito ao illustre orador que lhe tocava provar as suppostas illegalidades, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa (que foi Ministro em 1839, e que em fim póde approvar ou reprovar a pratica que seguem os outros Ministros) continuou o seu discurso por longo tempo, sem ser interrompido (porque estava no seu direito) inculcando que ia provar o requesito que eu tinha julgado necessario para que fosse respondido. Mas, Sr. Presidente, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa continuou fazendo uma allusão ao Regimento N.º 9, dizendo que se tinha mandado retirar de Lamego, que tinha deixado as Bandeiras no quartel, e que esse Corpo tinha sido posto em debandada: entretanto elle não disse os motivos disso porque lhe não convinha, mas eu devo explica-los, mesmo porque, são absolutamente outros. O motivo principal porque o Regimento N.º 9 sahio de Lamego, foi porque nessa occasião tinha apparecido uma guerrilha immensa, e o scisma tinha produzido os mais desagradaveis acontecimentos; o Corpo foi por tanto mandado marchar, e fazer um serviço que era indispensavel. O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa fez uma allusão bastante offensiva para um Official que eu contemplo um dos mais dignos do Exercito, e é que, elle tinha medo do actual Ministro da Guerra, assim como de quem quer que o fosse: posso assegurar a S. Ex.ª que não ha motivo nenhum para se fazer essa allusão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa; — Se o disse, não me recordo, porque eu não era homem que dissesse que um Coronel tinha medo do actual Ministro da Guerra,

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Mas esse pensamento, Sr. Presidente, sem se apresentar prova alguma, é realmente o mais offensivo que eu esperava ouvir avançar nesta Casa, e prove-o S. Ex.ª que eu nego que elle tenha o menor fundamento se allude a um facto que poderia ser desairoso ao individuo alludido, eu posso assegurar a esta Junta que esse facto teve principio no tempo em que S. Ex.ª esteve á testa do Ministerio, e que delle se conheceu depois pelos meios legaes, e provou-se que sobre esse Official não recahia suspeita alguma que lhe fosse desairosa, nem de outro modo podia proceder-se para conservar a disciplina. O Official que tem assim a sua conducta publica clara e limpa, não póde receiar cousas dessas que se querem inculcar. Pelo que respeita aos Officiaes que tem sido removidos antes e depois das eleições, eu não ouvi que S. Ex.ª apresentasse um só nome, ou produzisse um só facto que provasse a causa da remoção. Em quanto S. Ex.ª dirigio o Ministerio da Guerra, certamente que nos casos de disciplina, nunca foi minha intenção na qualidade de Senador (que S. Ex.ª ainda não é) perguntar-lhe os motivos pelos quaes obrava deste ou daquelle modo; todavia direi não ser exacto que os motivos, em consequencia dos quaes foram removidos esses Officiaes, sejam esses que S. Ex.ª presume; são outros. E aqui concluirei porque eu não tenho obrigação de dar outros esclarecimentos, senão quando fôr perciso provar a justiça com que procedi em relação a esse facto. Pelo que respeita ás praças arregimentadas, que o nobre orador disse terem sido umas presas, e outras castigadas, posso asseverar a S. Ex.ª que em poder do Governo não existe uma unica prova disso; nego que esses factos sejam veridicos, e tenho um meio de o provar qual é aquelle a que se referio o Sr. General Raivoso, quero dizer, que não ha uma só ordem escripta: se o Governo influio como particular, cada um dos Membros do Governo tem tanto direito como qualquer outro individuo, de desejar que as eleições sejam neste ou naquelle sentido; isso, Sr. Presidente, certamente fiz eu, e cada um dos outros no seu proceder particular, usando de todos os meios legaes que estavam ao nosso alcance, exemplo que certamente não foi seguido em outra occasião, e essa eleição foi approvada; não é muito que o seja a de que se tracta, até porque (como tive a honra de dizer) ella se acha já sanccionada pela Camara dos Srs. Deputados.

O Sr. Miranda: — A questão eleitoral tem sido tractada de um modo que me parece menos conveniente e pouco em harmonia com os principios e com os factos: quem ouvisse esta discussão, quem presenciasse o que aqui se tem hoje passado, quem ouvisse o que neste recinto se tem dito, deveria julgar que as ultimas eleições se fizeram á discrição do Ministerio, ou á mercê de tal ou tal partido; porém esta proposição como proposição geral é falsa, e a maior injuria que se póde fazer a uma Nação já um pouco illustrada e amestrada pela experiencia, é suppôr que ella não fez uma escolha livre, mas que elegeu os seus Representantes por influencias particulares e condemnaveis: digo influencias condemnaveis porque influencias ha que são licitas, uteis, e até (em certas circumstancias) necessarias para illustração dos eleitores entre as quaes não póde contar-se a que não illustra, mas corrompe, qual é a influencia das promessas, ou de ameaças. Não é com a força material dos Corpos que o Governo póde influir nas eleições, mas sim com promessas e ameaças que fazem aquelles que se alcunham ministeriaes... (Uma voz: - Foi assim). Esta é que se póde reputar a verdadeira influencia do Governo. Mas qual é o meio de remover os seus resultados? Será fallando ás paixões? Será provocando a excessos mil vezes peiores que os abusos? Não, Sr. Presidente, é por meio de uma boa Lei eleitoral, e só por uma boa Lei eleitoral é que se podem previr todos estes abusos (apoiados geraes). Em quanto a não houver, hão de apparecer essas irregularidades, é outras occorrencias que como taes se notam e o não são; porque, eleições tão mansas e pacificas, em que ninguem se communique ou entenda, em que se não examinem e discutam as qualidades dos candidatos, desgraçado paiz onde se fizessem similhantes eleições, ahi estava morta a Liberdade. A Liberdade, o espirito publico, e o amor da ordem manifestam-se pelo ardor que os cidadãos mostrara quando se tracta de eleger os seus Representantes; a desgraça é que, não poucas vezes se confunde o bem publico nos interesses privados de certos individuos, classes, ou oligarchias, mas para este mal só póde haver remedio na prudencia humana. O Sr. Presidente do Conselho disse que o Governo se tinha influido nas eleições; era pelos seus principios; e mais exacto sei ia dizer S. Ex.ª que os principios manifestados pela maioria da Nação, e que o Governo em grande parte tinha manifestado em seu programma tinham offerecido o resultado natural de uma eleição livre; por isso que este resultado era conforme aos principios da grande maioria dos eleitores da Nação, e a prova é que o immenso numero de candidatos não era ministerial; eu tive a honra de ser eleito, mas por este facto, e contra outros factos, ninguem póde dizer que eu sou ministerial; eu nunca o fui nem hei de ser, hei de apoiar o actual Ministerio assim como a outro qualquer, quando vir que as suas medidas são justas; mas quando me parecerem, funestas ao bem do paiz hei de combate-las: nesta mesma Sessão espero dar provas disso. Se os Srs. Ministros não corresponderem ao programma que apresentaram, o meu voto não será de indulgencia sendo eu aliás, como sou, muito particular respeitador de todos elles, e de ter a honra de ser ex-collega e amigo de alguns; entretanto, os negocios da Patria estão em primeiro logar. Por tanto não prosigâmos nesta discussão pelo modo que se tem feito, respeitemos a opinião da maioria, porque realmente se tem reduzido a um quadro pequeno e mesquinho de interesses aparcellados e particulares uma questão toda nacional:

Tractando-se de influencias, estranhou-se que á urna fossem levadas listas de côres: mas era que logar prohibe a Lei o uso de listas de tal ou tal côr; ou qual é a côr que a Lei ordena? Onde prohibe ella que o Commandante de um Corpo vá ao acto da eleição com as suas praças? Os Officiaes, assim como os soldados devem ser recenseados pelas regras geraes da Lei, e para que haja um registo certo e permanente de todas as pessoas que tem a capacidade legal para votarem nas eleições, fixe-se um censo, e estabeleçam-se regras fixas que obstem a todo e qualquer arbitrio (apoiados). Tem-se fallado muito em listas carimbadas, mas ninguem diz uma palavra do modo porque se tem feito o recenseamento em alguns Corpos pelos seus Commandantes, que enviam um rol dos soldados que estão no caso de votar, o que será em favor da disciplina militar; porém é manifestamente contra a letra e espirito da Lei: entretanto assim se tem praticado, e não admira porque em uma discussão, que a este respeito tive com um General de muita distincção, pertendeo elle sustentar o direito que os Commandantes tinham para recensear os seus soldados! Outros abusos ha, talvez immoraes; mas não illegaes, porque a Lei em vigor os não prohibe; quando a Lei fôr clara, explicita e terminante sobre este, assim como sobre outros pontos, estou certo que o maior numero de abusos ha de desapparecer, uma vez que tambem se estabeleçam as garantias necessarias. É de notar que na Constituição de 20, proclamada em 1836, com emendas indefinidas, havia algumas garantias das quaes a mais essencial era a de não podérem ser eleitos Deputados os Secretarios de Estado, por muito boas razões que então se déram e a experiencia tem corroborado. Não obstante, esta garantia foi logo calcada aos pés por um Decreto da denominada Dictadura, por meio do qual os Ministros de então por um acto seu se declararam aptos para serem eleitos Deputados, como depois o foram. — Prescrevam-se por tanto regras fixas para as eleições; que estabelecidas e cumpridas ellas, desapparecerão todos ou a maior parte dos abusos; é este o unico remedio.

Voltando agora á questão principal, como não vejo nenhuma illegalidade provada sobre a eleição de que se tracta, approvo o Parecer da Commissão; e peço a V. Ex.ª que concorra quanto fôr possivel, para se limitar a discussão ao seu ponto preciso. Para a resolução da Junta actual pouco importa a historia de mo-

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tivos particulares, nem mesmo de incidentes extraordinarios que aliás não foram illegaes, que por tanto de modo algum podem invalidar a eleição de que se tracta.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra combatendo as minhas asserções, disse, que não era exacto o facto da marcha do Regimento N.° 9, e tambem disse que eram inexactos outros factos que se apontam commettidos no processo das eleições; e não sei que mais. Porém, Sr. Presidente, o que eu disse e repito, é que o Regimento N.º 9 tinha sido mandado para fóra de Lamego para que não votasse, e assim aconteceo: mas o Sr. Ministro da' Guerra respondeu a isto dizendo, que o fôra por effeito da apparição de uma guerrilha immensa! (palavras de S. Ex.ª): — mas essa guerrilha immensa! era tão imperceptivel que ninguem a vio; e até para admirar que no Discurso do Throno, fallando-se de um guerrilha, te não fizesse menção dessa guerrilha immensa: para mim confesso que são mistérios taes que os não sei comprehender! (apoiados) A marcha do nono Batalhão e outros para lhes tirar o direito de votar, foi annunciada muitos dias antes nos jornaes da Capital.

Tambem o Sr. Ministro da Guerra se valeu de uma ligeira palavra que eu disse a respeito de certo Official, para observar que esse facto já estava esclarecido; porém não póde negar a existencia desse facto, e isto basta.

Certificou S. Ex.ª que não linha participações officiaes dessas violencias que se diziam praticadas contra os soldados; porém ellas são verdadeiras desgraçadamente, e se o Ministro da Guerra as não sabe, devia sabe-las, porque foram a todos constantes. — Disse um illustre Senador que não era prohibido pela Lei o adoptar listas de côres: — tambem eu digo o mesmo, Sr. Presidente, mas o crime esta em se revelar o sigillo que recommenda a Lei eleitoral, dando o Commandante ao seu saldado uma lista amarella, ou azul, que diz isto por exemplo: — Batalhão n.° 17 á Infanteria, 4.ª Companhia, Soldado, Anspeçada ou Cabo n.º tantos etc. — mandando de mais a mais um Cabo de esquadra para ao pé delle, affins de vigiar se elle entrega a lista que se lhe deu, ouse a trocou por outra: por esta fórma é claro que d'alli a um quarto de hora sabe o Sargento, o Capitão, e o Coronel, em quem o soldado votou, ou deixou de votar; porque esta é a escala do serviço. E isto o que eu reprovo, Sr. Presidente, por ser um ataque feito aos soldados no acto das eleições, acto que deve ser inteiramente livre; porque é o exercicio d'um direito civil, e não uma obrigação militar.

Disse S. Ex.ª que se removeu alguns Officiaes, foi porque para isso teve motivo: isto assim será, e não me é dado o saber, quaes os motivos que S. Ex.ª teria para o fazer; mas sempre direi que esses motivos deviam ter alguma origem, a então elles deviam ser conhecidos por effeito de uma sentença dada em Conselho de Guerra: mas isto não se queria, nem era possivel querer-se: — praticou-se uma tirannia destituindo, transferindo, e passando-se á 3.ª Secção do Exercito Officiaes benemeritos, carregados de serviços, a quem hoje se não paga, e que estão morrendo á fome! Officiaes que foram camaradas do Sr. Ministro da Guerra, e a quem S. Ex.ª commandou, elogiou, e promoveu no Chão-da-feira! (apoiados) Porque foram transferidos para o Algarve, e para a sei ía Alta os Capitaes Fidié, e Rego? Que crime commetteu o Coronel do 8.º, o Major Sá Osorio de. etc. Espero que S. Ex.ª o diga. Sr. Presidente, é uma grande injuria feita á Nação o entrar força armada ao passo de carga, e bayoneta callada em uma igreja, e fazer voar a Mesa eleitoral! É injuria feita á Nação, o que succedeu to Porto na igreja dos Congregados, quando alguem salta acima de uma Mesa, e prega com os tinteiros na cara do Presidente! Mas a injuria consiste na perpetração destes actos, e não na revelação delles (Apoiados).

Ouvi dizer o Sr. Ministro da Guerra, que se deviam approvar as eleições aqui, porque tambem já o foram na outra sala. Eu bem sei, Sr. Presidente, que na outra sala se approvaram as eleições; mas tomo podia isso deixar de ser assim, quando os interessados nas fraudes, e violencias eram ao mesmo tempo Juizes em sua propria causa! Esse proceder, Sr. Presidente, não véda que o Senado reprove o que lá se tiver approvado; ou que approve o que lá se tiver reprovado (apoiados). Não admitto, Sr. Presidente, que se diga, que por as Actas dizerem que tal individuo teve tantos votos, esse individuo seja Senador legalmente; e eu provo a razão do que digo. — Supponhamos, Sr. Presidente, que todos os amigos de Diogo Alves se reuniam na Igreja dos Congregados, e que por meio da força, e ás mãos cheias lançavam na urna dez mil listas, a favor delle, seguir-se-ia

pelos Principios admittidos peias Commissões de poderes, e antes pelo Governo, reduzindo as Mesas a tribunal de contagem, que Diogo Alves era Senador, ou Deputado, porque tinha obtido dez mil votos, e nós teriamos que o receber aqui, e elle d'occupar uma cadeira nesta sala. Assim deve acontecer quando se prescindir como este anno de toda a legalidade, e moralidade das eleições. A força bruta será o eleitor geral: mas isto não póde, nem deve admittir-se, por ser um verdadeiro absurdo; e eis-aqui a verdadeira razão de conveniencia que ha, para se fazer um rigoroso exame no numero dos eleitores, e na veracidade das Actas. Sr. Presidente, eu perguntarei que importa um Lei boa, na mão de gente fraudulenta, e viciosa? De gente a quem se diz =se queres ser Commendador, ou ter Carta de Conselho, vota assim: = ou se não queres perder o teu emprego, vota nesta lista, e faz votar os teus subordinados! Isto fez-se, Sr. Presidente, e já na outra Casa se provou: até os Bispos de nova data pregaram, não o Evangelho, a paz, e a mansidão de Jesus Christo, mas a Crusada das eleições. Não houve escolha, ou valor com o Ministerio, e seus agentes, ou perder o emprego, e ser excluido das graças do Throno.

O Sr. Vellez Caldeira: — Sr. Presidente, até agora a pratica Parlamentar, e a civilidade mesmo, tem feito com que se não traga para argumento n'uma Casa, as decisões da outra, escuso dizer o porque; mas que esta conveniencia é grande todos o reconhecem por certo, e eu rogo a V. Ex.ª faça sustentar este uso (Apoiados).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A reflexão do Sr. Vellez Caldeira, não pesa sobre mim, porque não fui eu quem primeiro fez essa allusão; mas sim o Sr. Ministro da Guerra; todavia direi, que em toda a parte aonde ha Corpos Legislativos, se falla n'uma, ou outra Camara sempre que se quer apontar algum facto que tenha relação com a materia em discussão.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Ouvi dizer ao Sr. Relator da Commissão, que eu não lhe podia provar que existissem illegalidades nesta eleição: responderei que se S. Ex.ª se refere a que eu as prove pelas proprias Actas, isso é impossivel, porque é evidente, que quem commette essas fraudes não as lança na acta, para evitar assim que ellas constem. Para mim, Sr. Presidente, tenho como certo que as houve, e a propria Acta assim me induz a pensar. Em primeiro logar, porque no Acta dos Senadores diz — que entraram 5:587 listas, e na dos Deputados 6:608. Esta differença de 121 votos no mesmo acto, póde ser acaso ou negligencia; mas o mais provavel é sem duvida que houve dolo e fraude: em segundo logar, como é possivel que nos Concelhos de Melgaço, Valadares, Castro Laboreiro, e Ponte da Barca todas as listas fossem conformes, e que só escapassem dous ou tres votos a favor do Sr. João Cardoso da Cunha? Isto foi certamente effeito de dolo, porque degraçadamente nós não temos homens tão conspicuos, de tanta virtude que reunam tal unanimidade de votos; além de que, das proprias Actas se deprehende que houve fraudes nas eleições (apoiados). Pareceu ao Sr. Relator que eu fazia increpações ao seu trabalho: não Sr. essa não foi a minha tenção, e tanto o não foi, que para lhe fazer justiça devo declarar que examinei as Actas de dous, ou de tres Circulos, e que acho o Parecer exacto na exposição de tudo o que dellas consta. Agora em quanto a influir nas eleições, já disse bastante a esse respeito o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, e eu só accrescentarei que toda a influencia é licita, mas o influir com atrocidade (como aconteceu) isso é que é escandaloso, e revoltante; não é toleravel, nem nunca o podéra ser (Apoiados).

O Sr. Miranda: — Eu peço a V. Ex.ª que proponha, se se julga a materia discutida sufficientemente (Apoiados).

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, a questão actual é a discussão do Parecer da Commissão relativo ao Circulo Eleitoral de Vianna, e não outra; e por conseguinte, tudo quanto se disser, que com isso não tenha relação, é fora da questão e da ordem. — O nobre Senador o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, reconheceu a exactidão com que se acha exarado o Parecer da Commissão, o que eu estimo ouvir confessar.

Agora direi, Sr. Presidente, que se tens querido dar como existentes illegalidades na eleição de Vianna, que é força confessar ser uma das que no Reino se fizeram com mais regularidade. O nobre Barão sustentou que a eleição deste Circulo estava viciada, porque notou a differença do numero das listas que entraram na urna para Senadores e para Deputados: o illustre Orador, se lhe acontecesse a desgraça de ter tido a necessidade de examinar os papeis eleitoraes dos Circulos de todo o Reino (chamo-lhe desgraça, porque ainda a não vi maior), acharia que em todas ellas se dá essa differença a que elle chamou illegalidade, differença que proceda de uma causa muito natural, como tive occasião de observar em alguns Circulos, e sei que igualmente aconteceu em outros; não sei porque, Sr. Presidente, mas é certo haver mais empenha, e maior afan para ser Deputado do que Senador; quem tiver sido uma e outra cousa lá saberá a razão disso: ha muitos homens que querem ser Deputados, e poucos desejam ser Senadores; de modo que o primeiro empenho é sempre para fulano ser eleito Deputado, e depois é que se foi la em sicrano para Senador, se se falla, porque a maior parte das vezes o empenho pára no primeiro, o resultado é que muita gente vai votar para Deputados e menor numero para Senadores, porque não lhe fallaram para isso, porque entre nós as eleições fazem-se porque se pede (e eu hei de pedir em quanto tiver bôcca): em todos os Circulos, com excepção de uma ou outra Assembléa eleitoral, mas o resultado final sempre á o mesmo, em todos, digo, ha de haver esta differença, se bem que em alguma haverá tantas listas para Senadores como para Deputados, o que não asseguro. Ora o argumento não procede em nada; em primeiro logar, porque não são extrahidas as listas das mesma urna, que em quanto á votação são entre si independentes; em segundo logar, porque não verificamos listas de Deputados; em terceiro logar, porque a razão da differença consiste verdadeiramente no que eu referi, abstendo-me de entrar nos motivos que cada um tem para pedir antes votos para Deputados do que para Senadores: este argumento porém sempre prova alguma cousa, e é, que desejando-se atacar as eleições, produzem-se destas, razões porque as não ha melhores.

Tem-se divagado muito, Sr. Presidente; fallou-se (por exemplo) em lutas carimbadas; listas de côr: tudo se podia dizer mas era necessario prova-lo; das actas não consta isso, mas vamos á questão. Das actas da eleição do Circulo de Vianna não consta que houvesse listas Carimbadas, nem que a força militar comparecesse em fórma; finalmente é um dos Circulos em que não apparece protesto algum, e onde mesmo se não dá a coincidencia (por alguns nobres Senadores julgada impossivel!) de todos os votos de uma Assemblea recahirem em um só individuo, porque neste Circulo houve maioria de votos para as mesmas pessoas nas diversas Actas, mas não ha a reunião de todos os votos para uma só delas, se esse argumento prova vicio, que vicios lhe mostrarei eu em Assembleas aonde foram felizes!! Em prova do que digo, desafio os nobres Senadores a contrariar-me á face de todos os papeis que existem na Commissão: o que é certo porém é que neste Circulo não houve as irregularidades que os nobres Senadores lançaram em geral sobre todas as eleições. Porque um illustre Membro desta Junta (que sinto não esteja presente) vio, leu, e mesmo porque sabe, que irregularidades houve neste ou naquelle Circulo, deve acaso fulminar pena de morte contra todas as eleições, declarando que não approva nenhuma. Sr. Presidente, se isto não é um modo de proceder raivoso, se esta maneira de discutir não é um vomito de veneno que esta reconcentrado e que se lança sobre aquillo que se aborrece, não sei que seja. Voltemos á questão que se acha em discussão — a eleição de Vianna; mostrem-se os vicios, as irregularidades em que labora; diga-se — o resultado de tal Assemblea devia ser este, etc; mas dizer só generalidades, e depois concluir pela rejeição das eleições deste Circulo, confesso que este modo me espanta.

Da primeira vez que fallei, Sr. Presidente, em resposta ao meu nobre amigo o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, esqueceu-me de lhe responder a uma coarctada que elle apresentou sobre protestos; e torno a esta materia porque com effeito protestar, e mais nada, são todos

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Os documentos quantos os impugnadores das eleições podem produzir contra ellas: é por conseguinte essencial fallar ainda sobre protestos. — Disse o nobre Senador que um protesto tinha sempre validade, tinha sempre opinião a favor daquillo que delle constasse, ou um certo peso para por elle se fazer obra, e que por tanto no caso presente, os que appareciam deviam annullar certas eleições, porque ninguem se atreveria ír a casa de um Tabellião protestar por um acto que não fosse verdadeiro. Esta theoria é que não esta cá nos meus principios; isto é que eu não entendo nem por Direito, nem por não-Direito: um protesto, como aquelles que apparecem na maior parte das Actas, não tem a circumstancia de ser feito por um Tabellião, são papeis escriptos pelos signatarios, a que elles chamam protestos, e alguns dos quaes nem tem reconhecimento. Mas aonde achou o nobre Senador que um Tabellião seja obrigado a conhecer da verdade dos factos a respeito dos quaes elle escreve um protesto? O Tabellião, porque é o seu officio, escreve aquelle papel, e isso não mostra senão que a casa delle se foi fazer aquelle instrumento, e referir aquelle facto assim, se o protesto não é acompanhado de outros documentos, que provem a sua materia, o protesto é nada, ou quando muito um papel que o Tabellião escreveu, e pelo qual quiz (e quiz bem) que lhe pagassem, e com o qual o homem protestante depois de escripto sahia pela porta fora. Por conseguinte, Sr. Presidente, e preciso vir a estas idéas, e a verdadeira apreciação dellas, porque podem fazer impressão, no publico menos acautelado, estas expressões que não significam realmente nada contra as eleições, sendo comtudo as unicas razões que se produzem contra ellas.

Concluo pedindo a V. Ex.ª que ou restrinja a questão ao seu devido ponto, ou queira pôr a votos o Parecer da Commissão (Apoiados).

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, posto á votação o Parecer, quanto á eleição do Circulo de Vianna, ficou approvado.

Em seguida foi tambem approvado (sem discussão) o Parecer sobre as dos Circulos de Braga e Arganil, que as julga legaes.

Passando-se a discutir as eleições do Circulo de Viseu (que a Commissão propõem se approvem), teve a palavra

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Por modo algum farei a mais simples opposição a esta eleição, attendendo mesmo ás illustres pessoas que foram eleitas, senão achasse na redacção deste Parecer, e depois na conclusão delle, bastante contradicção, Sr. Presidente, diz-se no relatorio que faltou uma lista de votantes; e onde ha essa falta não ha Acta; ou se a illustre Commissão chamar Acta aonde faltar a lista dos votantes, teremos das fraudes a maior e a mais escandalosa; não é eleição, é o nome que se lha quizer dar; e desejaria que a illustre Commissão eliminasse deste numero das Actas estas que não trazem listas de votantes; uma Assembléa eleitoral tinha, por exemplo, dez eleitores, e suppunha-se que a Mesa era fraudulenta, e tinha empenho em que fossem cem, recebia dez listas, e na urna augmentava noventa, tendo o cuidado do não remetter a lista dos votantes: ora porque esta fraude é possivel em todos as Assembléas, quizera eu que a illustre Commissão eliminasse sempre toda a Acta que não fosse acompanhada da lista dos votantes, não só porque é de terminado por Lei, mas porque vai contra Lei, e até porque esta é o documento competente. Eu não conheço os individuos que compunham a Mesa de que se tracta, mas considero a Acta fraudulenta, e que essa Mesa foi infiel, por não mandar a lista dos votantes. Além disto ha outra reclamação contra a eleição de Arencellos das Maias, que foi o protesto do Bacharel João Tavares Ribeiro contra a chamada de eleitores que se não achavam na lista geral extrahida da Camara: (Leu parte do Parecer da Commissão, e proseguiu:) O Sr. Presidente, se se admittir que os votantes não hão de constar da lista do recenseamento apurado pela Camara, então vota quem quizer: se isto se admittir, vai um individuo da freguezia, e diz =aqui esta o meu rol = e, certo de que não ha recenseamento, começa pelo almanak, e todos os nomes que lá encontrar, diz que consta serem eleitores; a Mesa principia a contar votos aos nomes que vem no almanak, e no fim diz = lá vão dez mil votos: = na Junta da Cabeça do Circulo eleitoral não se faz mais senão sommar (segundo uma Portaria do Sr. Ministro do Reino); contam-se os dez mil votos a qualquer individuo;

e aqui temos nós proclamados Representantes, (ou o quer que fôr) porque tiveram dez mil votos de eleitores constantes de uma lista que um individuo tirou da sua algibeira! O protesto contra este facto é feito por um homem que eu não conheço {o Bacharel João Tavares Ribeiro), mas que me parece deve merecer algum credito, pois não é muito presumivel que um homem com boas cartas da Universidade de Coimbra venha fazer protestos contra a illegalidade de uma eleição sem fundamento razoavel; é possivel, mas não é provavel. Ora a illustre Commissão não se fez cargo destas irregularidades, ainda que ellas são taes que esta linha prolongada ao infinito, com uma lista de tarracha, que se podia estender até onde se quizesse, é certissimo que annullava a eleição. Eu quizera, Sr. Presidente, que isto se stygmatizasse de fórma que uma vez se exigisse do Governo, mandasse processar os auctores de taes delictos, sendo verdade, para se punirem, e sendo mentira, para stygmatizar os falsarios. Eis-aqui a razão por que eu acho incongruente esta parte do Parecer. Tambem a illustre Commissão diz que os protestos não vem acompanhados de provas: e como a ha de haver? Se a Mesa é composta de falsarios não acceita o protesto: não conheço nenhum dos cavalheiros que a compunham, mas o facto é possivel: sendo de um certo numero de individuos que não querem receber protestos, outro individuo insta, mas de balde, porque a Mesa não faz menção delle na Acta. E seremos nós aqui os sanccionadores de todas as infracções da Lei? Não: o que nos compete é mandar verificar se esses individuos são falsarios, e se elles o são, punidos; não faltam nas Ord. do Reino penas contra os falsificadores e falsarios. Sr. Presidente, parece-me que fica ainda outro protesto dos portadores das Actas de Vizeu, que fizeram reclamações fundadas nos seguintes fundamentos: (leu). Eis-aqui o ponto: será isto verdade, ou mentira? Se isto é verdade, como protestam pessoas de probidade, era necessario examinar este facto, e eliminar estes votos: e como se hão de contar estes votos cujas listas foram extorquidas? Aqui esta virificado o que acabei de dizer: quando a Mesa é falsaria, nenhuns recurso ha para o Cidadão. Que recurso teve um pobre diabo, que reclamou em Santa Maria de Belem? Um processo acintoso, e uma condemnação barbara! Por tanto, Sr. Presidente, em quanto a illustre Commissão, não destruir estas objecções, ou disser como acha regalar esta eleição na presença, de taes factos, ha de custar-me a votar por ella.

O Sr. Trigueiros: — Vejo que o nobre Barão vai tirando dos trabalhos da Commissão a materia das suas argumentações..... porem eu que tenho examinado as Actas e que lavrei o Parecer, tenho direito e estou no caso de asseverar a S. Ex.ª que se mortifica por pouco, porque relativamente ao resultado total da eleição e á validade dellas, é pouco ou nada, a somma que davam as tres Assembléas; era a seguinte: a 1.º 220, a 2.ª 165, a 3.ª 75, e deve notar que o protesto contra a ultima, é feito por pessoa que não estava no goso de seus direitos politicos por menoridade. A falta de prova com que são arguidas, e a falta de idoniedade para a arguição, eram motivos justissimos para se darem por futeis taes protestos, e que quando isto assim não fosse a verdade da eleição subsistiria sempre a mesma. E se estas tres Assembléas não fizessem eleição, que influia essa falta sobre a validade das eleições em geral! Nada. O que eu porém quero mostrar ao nobre Barão, é que eu fui tão escrupuloso, como desejo que seja. A primeira Assembléa produziu como já disse 230 votos: a segunda produziu 165 votos, e a terceira 75 votos: agora peço ao nobre Senador que somme, e verá então qual é a maioria que ainda resta aos dous Senadores eleitos. Concluo pois, Sr. Presidente, repetindo que protestos sem provas, não são protestos attendiveis; nem tambem são documentos a que se dê toda a fé e credito, para á vista delles se annullarem eleições. Além de que, em materia de eleições, o nome de um Bacharel para mim, é mais suspeito do que o seria o de um aldeão (riso), este Bacharel de que se tracta, é Bacharel como o são todos os Bachareis; fallou, disse muita cousa e no fim protestou, sem que a Mesa o tolhesse, antes lhe deu toda a liberdade para o fazer, e o vou provar com a leitura da propria Acta original, que diz assim: (leu). Ora, eu peço ao Sr. Barão que attenda a estas duas listas, e conhecerá então, que aquella por que se fez a chamada era mais legal? E que aquella por que o protestante desejava que fosse feita, era mais irregular, e portanto rojo-lhe, que mude a tarraxa (de que fallou), e que a ponha na sua lista mimosa, ou na do protestante.

Dando-se a materia por discutida, foi posto a votos o Parecer da Commissão ácerca das eleições de Vizeu, e ficou approvado.

Leu-se depois o que respeita ás de Lamego, e disse

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu, desejaria que a illustre Commissão me esclarecesse, ou fizesse vêr, quaes foram os motivo que teve para chamar pertendidas irregularidades, aos protestos de onze Assembléas eleitoraes.

Sr. Presidente, é possivel, mas não me parece provavel, que onze Assembléas distantes umas das outras, viessem fazer differentes protestos, e que a materia delles não seja verdadeira. Estes clamores parece-me que são de ametade, ou de mais de ametade das Assembléas que compõem o Círculo eleitoral de Lamego, o que não sei se é exacto, mas creio que sim; devendo observar-se que a Mesa da cabeça do Circulo eleitoral, teve a cautela de não declarar o numero das Assembléas que a compõem, talvez muito de proposito. O illustre Senador o Sr. Trigueiros, é de uma aldéa e eu de outra; e por isso elle deve saber, como eu sei, que ainda que fosse dalli uma ou duas legoas procurar o Tabellião para fazer o protesto, a Mesa que tinha interesso em que tal protesto não fosse recebido, apressava-se a fechar os trabalhos, e quando eu chegava (porque não vinha a tempo de a achar reunida) não podia fazer uso do meu protesto, e assim ficavam illudidos os meus desejos. Sr. Presidente, eu torno a repetir que desejaria muito que se attendesse a moralidade da eleição, e á legalidade da Acta, para que trazendo uma Acta vicio, se diga = os votos que contém esta Acta não se devem sommar por conter em si tal illegalidade. = Concluo pois, Sr. Presidente, como comecei, isto é pedindo á Commissão me queira esclarecer sobre o que chama pertendidas irregularidades.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — A theoria do Sr. Relator da Commissão, é absolutamente inadmissivel. Todo o Cidadão que se resolve a protestar na presença de uma avultada reunião de pessoas, é de presumir que o seu protesto assente sobre factos verdadeiros: este protesto por elle escripto é forçoso dever ser attendido, sem que se queira obrigar todo o Cidadão a ir fazer despeza perante um Tabellião para protestar, o que não é possivel. Ora, a chamar-se a esses protestos não fundados, e ousar-se das palavras pertendidas irregularidades perdôe-me o illustre Relator que lhe observe que taes palavras foram indevidamente escriptas no Parecer da Commissão, porque ellas importam o mesmo que, recusar todo o valor que a um protesto se deve dar: e isto, Sr. Presidente, parece-me que é demasiada ousadia (apoiados). Eu tive o trabalho de examinar todos os protestos, e peço licença á Camara para lêr um (leu). Com effeito quando se vê um protesto da propria Mesa eleitoral, não se póde nem levemente recusar-lhe todo o caracter de verdadeiro, a quando se patenteiam á Nação as infamias que se praticaram, é necessario que não haja nem um grão de honra no coração do homem, para approvar um tal proceder! Pela minha parte, Sr. Presidente, rejeito com indignação similhante eleição (Sensação).

O Sr. Trigueiros: — As pertendidas illegalidades, que se diz no Parecer ter havido na Assembléa eleitoral de Lamego, seriam de certo de grande importancia se existissem; porém, Sr. Presidente, é necessario pesarem-se bem os factos inculcados, e olharem-se todos elles como o devem ser, isto é, com imparcialidade. É verdade, Sr. Presidente, que em uma Assembléa appareceu o protesto que S. Ex.ª o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa acabou de lêr; porém em outra Assembléa apparece outro protesto no qual se diz, que foram admittidos a votar homens que não estavam recenseados, assim como em outros se dizem differentes cousas: mas tudo isto é dito por homens que têem a sua opinião em opposição ao sentido das eleições, nenhum destes ditos tem provas; e eis aqui a razão por que a Commissão lhe chama pertendidas irregularidades. Disse o nobre Senador que antes de mim fallou, que a minha theoria era insustentavel; porém eu peço perdão para dizer a S. Ex.ª que se engana, e a sua é que o é. Sr. Presidente, dão-se papeis a uma Commissão para sobre ellas dar o seu Parecer: pergunto eu, o que deve fazer essa Commissão? Examinar esses papeis, e dar o seu juizo, só, e unicamente

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DIARIO DO GOVERNO.

em referencia a esses documentos. Ha uma Mesa definitiva que diz, isto passou-se assim, e aquillo é falso: porque me hei de eu decidir, pelo dito vago de um ou outro, que não conheço, ou pelo dito de uma Mesa composta de pessoas idoneas, e conhecidas pela Lei? Decerto por estes. Como póde, ou deve a Commissão fazer caso de papeis que ambos nós (o orador volta-se para o Sr. Barão da R. de Sabrosa) que somos de aldêas, sabemos que são escriptos atraz de um marco, ou sobre um carro? Nenhum. Eu não quero que os protestantes vão a casa dó Tabellião, como erradamente pensou um illustre Senador, mas quero que os protestos sejam acompanhados de provas para terem força, força que sem essa prova estão mui longe de poder ler (apoiados). Se eu protestasse havia de o fazer, comprovando com documentos legaes as razões que produzisse no meu protesto. Esta theoria, Sr. Presidente, é que é sustentavel, e não a do Sr. Barão, a quem muito respeito: eu sei bem que elle não tem aquelle pensar, desempenha a condição da sua existencia; faz muito bem, porque eu faria outro tanto.

Fallando agora das Actas da eleição de que se tracta, direi, que sommados os votos dessas Assembléas, produzem 1:307 para os Senadores proclamados o que não invalidava a eleição quando nullos fossem. Se o Sr. Senador lêsse o Parecer da Commissão, não diria, que as Actas faltavam, porque da Acta definitiva se vê o contrario, e a Commissão, diz as que são, faltando apenas a de Arêgos, de donde comtudo existem as listas de votados, e votantes assignadas por toda a Mesa, que é o essencial de uma Acta, e nesta notem, que o mais votado é o Sr. Barão; por conseguinte não ficaram lá Actas, vieram todas, e tantas quantas foram as Assembléas, segundo se deprehende da Acta original em que se lêem estas palavras = compareceram todas.

Concluo, Sr. Presidente, repetindo que não admitto que se attenda a protestos que não provem os factos nelles estabelecidos: e accressentarei que, ainda concedendo que eram illegaes essas Actas, ou suppondo que taes Assembléas não tinham feito eleição, o resultado seria o mesmo: e peço aos illustres Senadores que se dêem a esse exame, e vêr-se-ha então que a eleição ainda subsiste a favor daquelles Srs. que a Commissão proclama Senadores, por uma grande maioria de votos.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, razão tinha eu em pedir á illustre Commissão quizesse ter a condescendencia de dizer-me qual era o motivo, por que chamava pertendidas as illegalidades das Assembléas eleitoraes ha pouco ennumeradas; pois desejava que esta sala visse e ouvisse (como protestou a Mesa de Castro Daire) o que alli tinham feito um Abbade, o Administrador do Concelho, o Juiz Ordinario, e não sei quem mais; porque eu queria, que, quando este Abbade fosse promovido a Bispo, a Nação soubesse a razão que o elevava a essa jerarchia: e não só merece um Bispado, mas até um Arcebispado, visto que nenhum verdadeiro Ministro da Igreja, merecia como elle o baculo ou antes o cajado. Sr. Presidente, que quadro tão exemplar, e edificante não sei ía ver um Parocho de cajado na mão na Villa de Castro Daire, dizendo aos seus freguezes, aqui não se tracta da Religião, tracta-se de eleições, ou esta lista na mão, ou este cajado nas costas: o Padre que praticou este facto, é digno do Episcopado: o Administrador do Concelho, se ainda não é Commendador, tem-se-lhe feito uma injustiça, porque se tem dado Commendas, e Cartas de Conselho a outros individuos com menos merecimentos do que elle já gosa, e que trabalharam muito menos: é a flor é a águia dos Administradores de Concelho, espanca os seus administrados para votarem como elle entende: desde já peço licença para o recommendar ao Governo (se é que ainda não está recommendado) porque quero que saiba que se o não promovi, ao menos concorri para o seu despacho, porque em fim é meu visinho (hilariedade). Agora, Sr. Presidente, sempre direi que aquella representação devia merecer mais algum conceito á illustre Commissão, ainda que não viesse a annullar a eleição, no caso de ser attendido, todavia merecia ser considerada com mais particularidade, por isso que era toda uma Mesa que assim se expressava, e entre o protesto de um individuo e o de uma Mesa eleitoral, ha espaço immenso, mas disso non curat Pretor; o illustre Relator da Commissão sabe que as Ordenações dizem que o dito de dous homens é prova, ora, protestando todos os Membros de uma Mesa, acho que o facto merecia particular menção; merecia que a illustre Commissão dissesse, nós approvamos a eleição, mas o facto de Castro Daire é de tal maneira revoltante, que o Governo deve examinar se alli, em vez de authoridades, ha uma cabilda de espancadores. Desejava que nos dissesse, nós approvamos a eleição, porque tantos votos deduzidos de tal mil, não influem no resultado, mas tambem queria que a illustre Commissão recommendasse alguns protestos ao Governo para que este mandasse verificar se os seus delegados são os sustentaculos da Lei, ou os seus principaes infractores como nós temos visto nas Provincias; e se ella desattender todos os protestos, ensina ao povo que nunca mais proteste, e que procure outros meios da se fazer attender. A theoria dos protestos, exposta pelo illustre Relator, prova demasiado: diz elle que aquelle cidadão a quem a Mesa da Assembléa eleitoral não acceita o protesto, póde ír escreve-lo a um tabellião, e remette-lo depois á Junta da Cabeça do Circulo eleitoral; mas se as Mesas eleitoraes protestadas tiverem sido pouco verdadeiras, é o resultado dessas Mesas pouco verdadeiro, porque a eleição da Mesa do Circulo compõe-se de individuos do mesmo Circulo: portanto, aquella theoria prova de mais, e é inadmissivel como disse o meu nobre amigo o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa.

Sr. Presidente, eu não tenho mais nada a dizer, e o meu fim era publicar que tanto naquelle Circulo, como em quasi todos os outros não houve senão irregularidades e falsificações, isto patenteado o resultado para mim é total mente indifferente, porque o cunho das eleições de 1840, é a fraude, ou a violencia (sussurro).

O Sr. Vellez Caldeira: — -Sinto muito ter de fallar sobre eleições, e muito mais nestas em que são votados dous Senadores, que eu respeito muito, e de um dos quaes sou amigo desde a infancia; mas, Sr. Presidente, desejando votar conscienciosamente, isto faz com que eu peça a este respeito alguns esclarecimentos á illustre Commissão. Os protestos feitos perante as Mesas, que são authoridade legal, bastam para verificar o facto? Eu entendo que quando ha um protesto feito pela Mesa, elle não só é legal, mas prova o facto, porque até pelos resultados da Mesa é que o Senador ou Deputado tem os poderes. Agora passando ao caso em questão, concorda a Commissão em que 1307 votos annullem a eleição...

O Sr. Trigueiros: — Quando se annullem.

O Sr. Vellez Caldeira: — Então, dada esta probabilidade, tirados esses votos a qualquer dos eleitos, quem me diz a mim que um Senador Substituto não venha a ter mais votos do que estes proprietarios. Que as irregularidades existiram, não ha duvida, ha uma Mesa que dá fé, (porque tem fé neste caso) de que existiram algumas, e outras são constantes das Actas das Juntas da Cabeça dos Circulos. Por consequencia desejo saber...

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, as duvidas do illustre Senador, importam uma falta de confiança na Commissão; fallando de mim (porque não respondo agora pelos outros, cada um póde escandalisar-se como quizer), eu não me escandaliso. A Commissão declara no seu Parecer, que, ainda quando estes votos se annullassem, ficariam os proprietarios proclamados com maioria, e maioria muito grande: e que me importa a mim que houvesse um certo numero de votos para um Substituto, se o Proprietario deduzindo esses votos conserva ainda uma maioria sobre todos os outros votados! O nobre Senador póde ír examinar as Actas, e achará que, mesmo quando todas estas ficassem nullas, os Proprietarios tinham mais votos que qualquer outro que os obteve no mesmo Circulo, nenhum dos quaes chegava aos primeiros: é isto o que o nobre Senador ha de encontrar, e lhe não faço vêr agora, porque a Commissão não póde vir para aqui carregada com todas as Actas. A respeito do peso que elle dá ao protesto da Mesa, eu declaro, Sr. Presidente, que lhe dou menos do que daria a qualquer protesto feito por outrem. De quem é a primeira culpa quando se passam irregularidades n'um local onde aquelle que preside protesta? Sabe V. Ex.ª o que importa esta casta de protestos: Importam um desejo illudido, uma vontade não levada a effeito... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Assim como nos Congregados). É o mesmo que acconteceu na Igreja dos Congregados do Porto: (o Sr. Barão, faz bem em me ajudar a memoria), vê o Presidente ou a Mesa, conhece que o resultado da eleição será contraria á sua opinião, Interesse, ou capricho, tracta de protestar a respeito de tudo que alli accontece! Esta casta de protestos são de muito menos importancia do que os outros, mas não são por circumstancia nenhuma, dispensados das provas a que são obrigados os outros protestantes: de outro modo, a Assembléa era nada, e a Mesa tudo! Ora, até quando julgarão os nobres Senadores que podem atacar o Parecer da Commissão uma razão que mereça este nome sem deixar o pobre Relator... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Até ao fim). Pois iremos até ao fim. A respeito deste protesto com que se quiz excitar o sentimentalismo da Junta, uma só razão ha neste de menos, e nos outros de mais: além disso, a Mesa não é Mesa senão emquanto preside aos trabalhos; o Presidente, e os Escrutinadores são Presidente e Escrutinadores sómente para assistirem áquelle acto, depois ficam sendo cidadãos, cuja opinião não importa mais que a de qualquer outro; por conseguinte não fascinemos os animos com os nomes aparatosos de Presidente, Secretario, ou Escrutinador, para dar peso á illegalidades pertendidas de que não existe prova. Eu tenho na mão a Acta de Castro Daire, e se tem gosto de ouvi-la lêr eu a leiu, ainda que desejava me dispensassem disso... Concluo que me parece não haver razão alguma para atacar a eleição de Lamego, porque na sua essencia está tão válida como outras que já estão approvadas.

O Sr. Vellez Caldeira: — Até quando, Sr. Presidente, os homens que defendem uma opinião, julgarão que os outros obram de má fé só porque defendem a contraria! Eu não ataquei as eleições de Lamego, nem a Commissão, pedi uma explicação, e disse unicamente que a Commissão dava de barato que se annullassem 1307 votos tirados aos Senadores eleitos, se isto não faria com que os Substitutos tivessem maior numero de votos. Pareceu ao Sr. Trigueiros que eu fizera uma pergunta ociosa, porque me não linha dado ao trabalho de vêr as Actas; eu li-as, e vi que nas eleições de Lamego o mais votado, tinha tido 5624 votos, dos quaes tirados 1307, ficaram-lhe 4307: ora, o Sr. Conde do Farrobo teve por este Circulo cinco mil e tantos votos, pergunto se tinha ou não mais do que os Proprietarios?...

O Sr. Trigueiros: — Tem seis mil e tantos.

O Sr. Vellez Caldeira: — Eu, Sr. Presidente, tinha perguntado se a Commissão tinha feito a conta a estes votos, e senão prejudicavam os Senadores effectivos, e deixava de prejudicar os outros; isto é exacto; e, tirada a prova dos nove, não resta duvida nenhuma. Perguntarei ainda á illustre Commissão, para que tenha a bondade de me illucidar, se a deducção dos 1307 votos não prejudica a uns e outros igualmente?

Então está claro que o Substituto é que ficava effectivo... (Sussurro), isto é. Portuguez e mathematico.

Sendo quasi quatro horas, e porque a Junta senão achava já em numero legal para deliberar, disse o Sr. Presidente que a ordem do dia para a Sessão seguinte, seria a continuação da discussão do Parecer da Commissão de Poderes sobre a validade das eleições, e fechou esta.

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