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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA SOS SENADORES.

2.ª Sessão, em 19 de Junho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Foi aberta a Sessão meia hora depois da uma da tarde; presentes 42 Srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente Sessão, ficou approvada.

Acabando-se sobre a Mesa o diploma do Sr. Visconde do Sobral, Substituto por Lisboa, o Sr. Presidente convidou os Membros da Commissão de Poderes para que passassem a examina-lo. (Saíram logo da Sala.)

Mencionou-se depois a correspondencia seguinte;

1.º Um Officio do Sr. Senador Patriarcha Eleito, accusando a recepção de outro em que se lhe participára que havia sido nomeado vice-Presidente desta Camara; conclue que comparecem logo que a sua saude o permitta — Ficou inteirada.

2.º Um dito do Sr. Marquez de Sampayo, Senador eleito por Angra, declarando que o seu estado de saude o obriga a resignar. — Passou á Commissão de Poderes.

3.º Um dito pela Secretaria da Camara dos Deputados, enviando 71 exemplares das folhas do Diario da mesma Camara, já impressas, e participando que a continuação dellas será regularmente remettida. — Foram distribuidas.

Foi lido o Relatorio da Commissão Administrativa da Casa, relativo á sua gerencia no intervallo decorrido da ultima até á presente Sessão da Legislatura. — Remetteu-se á Mesa para sobre elle dar o seu parecer.

Tiveram segunda leitura os quatro Requerimentos que haviam sido apresentados pelo Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa (V. Diario N.º 130 a pag, 616, e N.° 125 a pag. 594) em Sessão da Junta Preparatoria do 1.° de Junho, e de 26 de Maio.

Os primeiros tres foram approvados sem discussão: sobre o quarto (no qual se pedem ao Governo certas informações dos Administradores Geraes e Camaras das margens do Douro, ácerca da Convenção com a Hespanha para a livre navegação do mesmo rio), disse o seu auctor

O Sr. B. da Ribeira de Sabrosa: — Essas informações, como acaba de lêr-se, foram em parte pedidas por mim na Sessão passada, e o meu pedido foi ampliado pelo illustre Senador, o Sr. Miranda; e permita-se que eu diga que a nossa votação está dependente das informações que o Governo der a este respeito; se elle as pediu devem ellas existir na Secretaria do Reino; e eu requeiro que S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino, ou dos Negocios Estrangeiros as remetta a esta Camara.

O Sr. Miranda: — Esta materia é extremamente interessante, porque não se tracta simplesmente de um Tractado, mas sim de um grande meio de prosperidade nacional, e de um objecto administrativo, que merece toda a attenção do Governo. Em 1823, pela primeira vez, tractou-se de examinar se era possivel (de combinação com a Hespanha) melhorar, e dar maior extensão á navegação do Douro e Tejo, projecto este tão util a ambos os paizes, que, a meu ver, se não póde dar nenhuma razão plausivel em contrario (apoiados).

A navegação do Douro tornou-se mais activa e extensa durante a guerra peninsular, principalmente na parte superior do rio, pela necessidade do fornecimento do Exercito alliado, em quanto occupou as posições do Agueda; mas este exemplo, se de todo não foi perdido, certo é que não serviu de estimulo para se tractar seriamente do aperfeiçoamento da navegação daquelle rio.

Quanto ao Tejo, Sr. Presidente, em 1829 foi esta Capital espectadora de um facto, que não seria esteril em resultados se tivesse occorrido um melhor tempo que o das crueldades e inépcia de Miguel e de Fernando. Este facto foi o da chegada a esta Capital de um barco que partiu de Aranjuez, e desceu o Tejo sem obstaculo algum, excepto o do susto de um açude em frente de Toledo. Não foi porém original, porque no tempo de Filippe 2.°, por direcção do Engenheiro Antonelli, chamado o Vauban daquelle tempo, cinco barcas carregadas de trigo vieram desde o Pardo até esta Capital, em quinze dias, se bem me recordo; para o que foram demolidos os açudes dos moinhos de Toledo, pertencente ao Cabido. Porém logo que morreu Filippe 2.º, este projecto ficou em esquecimento; o Cabido de Toledo reconheceu os açudes, e dá-se por certo que um barco fôra levado em triumpho para a Casa do Cabido, e que ainda lá existia não ha muitos annos.

Em melhores tempos estamos hoje; com menos obstaculo, e com meios e recursos que então não havia, nem eram conhecidos. Emquanto Ministro, e em quanto Conselheiro distado fui sempre de opinião que se promovesse o aperfeiçoamento destes dous rios de accôrdo com o Governo de Hespanha. E agora que ha uma Convenção já feita, dependente todavia de um Regulamento, a respeito do qual carecemos de alguns dados positivos, peço aos Srs. Ministros que estão presentes, queiram recommendar ao seu collega dos Negocios do Reino procure obter todas as informações que possa alcançar sobre esta materia, e se lêem pedido, para que sendo remettidas ao Senado, possa á vista dellas tomar-se alguma medida que seja proveitosa ao Paiz (apoiados).

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Concordo com os illustres Senadores que acabam de fallar sobre a importancia do objecto; no entretanto parece-me que não é esta a occasião propria para entrar na discussão delle. Em 1835 assignou-se e ratificou-se uma Convenção sobre a navegação do Douro, e em virtude della fez-se um Regulamento para ella se poder pôr em execução; porém quando eu tive a honra de ser encarregado da Repartição dos Negocios Estrangeiros, não se achava este Regulamento na Secretaria, porque tinha sido remettido á Camara dos Srs. Deputados, e delle não tinha ficado cópia na Secretaria, e eu só pude haver á máo cópia desse Regulamento a vinte e tantos de Abril. Digo pois, que ainda que eu considere a Convenção e o Regulamento connexos entre si para o seu effeito, tambem considero a questão da Convenção decidida, e a do Regulamento, pelo que toca á sua approvação distincta daquella, brevemente será presente á Camara (apoiados).

O Sr. B. da Ribeira de Sabrosa: — Ouvi dizer a S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que o negocio do Regulamento brevemente viria ás Côrtes: parece-me foi isto o que S. Ex.ª disse, a não me enganar; porém para maior certeza minha, eu rogava a S. Ex.ª quizesse rectificar o seu dito.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: -— Eu disse, e repito, que tinha a Convenção e o Regulamento como connexos entre si para o seu effeito; mas que são distinctos, em quanto á sua approvação, attendendo ao tempo em que se veiu este a concluir. A Convenção foi approvada e rectificada, quando o podia ser, segundo os artigos da Carta Constitucional; mas não foi assim o Regulamento, que em muito poucos dias será apresentado ás Côrtes.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Mas o Tractado não se póde pôr em execução sem o Regulamento, logo o Regulamento faz parte do Tractado, e este para se pôr em pratica precisa primeiro que o Regulamento seja approvado pelas Camaras.

O Sr. Presidente: — Eu não posso deixar progredir esta discussão, porque agora a questão induz-se simplesmente a saber — se se hão de pedir ao Governo estes papeis.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu sustentei o meu requerimento, e depois de mim fallou o Sr. Miranda, e sinto que só depois de eu o ler V. Ex.ª se lembrasse de que a discussão não podia progredir; mas como o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, pedindo a palavra, alguma cousa fallou sobre a materia do requerimento, forçoso foi então responder a S. Ex.ª

O Sr. Presidente: — Quando o Sr. Miranda começou a fallar não podia eu advinhar que elle entraria na discussão desta materia, senão teria feito logo a mesma observação que fiz pouco depois: tudo isto versa sobre um mal intendido, porque o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros disse que estava na mente de que o Regulamento viesse ás Camaras, e o Tractado não póde ter execussão antes disso.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu respondi ás observações que fez o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, e Miranda; mas creio que o Sr. Barão me não entendeu, segundo infiro do modo por que S. Ex.ª ultimamente fallou. Eu não disse que o Regulamento havia de ser posto em practica sem que primeiro fosse approvada pelo Corpo Legislativo; o que eu disse foi que sobre o Regulamento é que devia versar a decisão. Accrescentarei que eu não pude mandar consultar sobre o Regulamento, porque o não tinha, tendo só podido obter o exemplar que delle existia muito tarde, como já disse.

Não havendo quem pedisse a palavra, foi o Requerimento posto a votos, e approvado.

Leu-se outro, tambem do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, para se recommendar ao Governo que se adie a arrematação do fornecimento do Exercito, etc. (V. Diario N.° 125, a pag. 594).

Teve a palavra

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, como o Requerimento que acaba de lêr-se ainda não entrou em discussão, parece-me que se ganhará algum tempo fazendo eu uma declaração á Camara a este respeito. — O facto a que o Requerimento se refere passou já, e não era exacto o que nelle se diz; por quanto o que o Governo simplesmente fez não foi mandar arrematar o fornecimento, e sim pô-lo a lanços, e nada mais; e isso está feito,

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, o que acaba de dizer o Sr. Minis-

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tro em Guerra nunca se practicou; mas direi que a verdade é, que recebidos esses lanços ficava o Sr. Ministro da Guerra na liberdade de os poder adoptar. É certo que ha uma Lei a este respeito, mas essa Lei tem sido suspensa muitas vezes, e por mim mesmo o foi o anno passado, porque ordenei ao Commissario em Chefe, que não podesse a lanços o fornecimento do Exercito, porque eu queria que elle fosse fornecido por Administrações Regimentaes, do que se tira grande proveito, como o mostra o resultado das que já existem, e se mais não ha, não é por culpa minha; porque reconheço que a criação dellas é o melhor methodo a seguir, não só por ser mais barato, e por conseguinte em beneficio da Fazenda, mas tambem em proprio proveito do soldado, porque elle come melhor pão (apoiados). Agora accrescentarei, que ainda desejo que S. Ex.ª não mande arrematar o fornecimento, especialmente nesta occasião em que os cereaes estão por uma grande carestia, quando daqui a dous mezes estarão por um preço muito menor; e assim se pouparão á Fazenda publica talvez duzentos contos de reis (Apoiados).

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu levantei-me simplesmente para fazer uma pequena observação sobre o que acaba de dizer o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa. — Não ha obrigação restricta imposta ao Governo, de pôr a lanços a arrematação do fornecimento ao Exercito na época da Lei, porque a Lei é vaga, e mui vaga a este respeito; porém a verdade é que todas as Administrações o têem feito no fim de Maio desde que se conta por anno financeiro; e tambem é verdade que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa o não fez quando esteve encarregado da Pasta da Guerra. O Governo porem, querendo acertar, tractou de se certificar do que seria mais conveniente, e desceu a todas as informações precisas. Porém esta questão não é para agora; quando della se tractar, eu mostrarei que o illustre Senador está enganado emquanto a essas economias de que fallou; e mostrarei tambem que o Ministerio actual tem tanto interesse pela Fazenda Publica, como póde tem qualquer outro membro desta Casa.

O Sr. Miranda: — Eu peço á Camara que accredite que o maior desperdicio que se faz ao Estado, é no fornecimento do Exercito, e que, por tanto, é neste ramo onde se poderá, em beneficio do Thesouro e do Exercito, fazer uma grande economia (apoiados). Diga-se o que se disser contra esta asserção, é isso o que eu poderei provar ao illustre General o Sr. Ministro da Guerra; e prova-lo com a exactidão dos algarismos, e com a evidencia dos factos. - Sr. Presidente, é

notavel que sendo esta questão, pelo menos, duvidosa, e estando os productos da nossa agricultura tão baratos, e tanto ao desbarate, nem ao menos se tenha tentado uma experiencia nas Provincias! Se eu estivesse em Trás-os-Montes me offereceria ao Governo para ser seu agente, e ver-se-ía como os Corpos aquartellados nessa Provincia eram fornecidos, por administrações regimentaes, pela terça ou quarta parte menos da somma por que o são hoje segundo o systema em pratica. Já nas Côrtes das Necessidades se agitou esta questão, nomeou-se uma Commissão para propôr os meios de chegar a este fim, e a Commissão de quatorze Membros em que entravam Generaes de esperiencia e de saber, o Ministro da -Guerra e o Commissario em Chefe do fornecimento do Exercito foram unanimes nas muitas vantagens e consideravel economia que resultariam da abolição do Commissariado, e da creação das administrações regimentaes.

Mas por agora não quero entrar nesta questão. (O Sr. Presidente do Conselho: — Se a materia entra em discussão, peço a palavra.) S. Ex.ª disse que quando tractarmos a questão fará vêr que essas economias não são o que parecem; veremos: e se o mostrar crit mihi magnus Apollo: entretanto, lisongeio-me muito de que o Sr. Ministro não concluisse a arrematação, e espero que o Governo tracte de fazer quanto antes alguma economia naquelles artigos em que desde logo é possivel. Pela minha parte me offereço para apresentar um Projecto para effectuar, ao menos, unia parcial, que se reduz a pagar a dinheiro as forragens dos Generaes, e Officiaes de todas as graduações que não pertencem aos Corpos do Exercito; não agora, mas em occasião mais opportuna.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, depois das explicações dadas por S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, peço licença para dizer que desisto do Requerimento.

A Camara annuiu.

O Sr. Trigueiros, servindo de Relator da Commissão de Poderes, leu e mandou para a Mesa o seguinte

Parecer.

«A Commissão tendo examinado o Diploma do Sr. Visconde do Sobral, Senador Substituto, eleito pelo Circulo de Lisboa, achando-o na devida regra, e conforme á respectiva Acta, é de parecer que seja admittido a prestar juramento, e tomar assento. Sala da Commissão, 19 de Junho de 1810. = José Cordeiro Feyo = Felix Pereira de Magalhães = Barão de Argamassa = José Curry da Camara Cabral = Como Relator, Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros.»

Foi approvado sem discussão, pelo que, sendo o Sr. Visconde do Sobral introduzido pelos Srs. Secretarios, prestou juramento, e tomou logar.

Leu-se depois o Requerimento do Sr. Zagallo, apresentado em Junta Preparatoria de 29 de Maio, para se recommendar ao Governo que não leve a effeito a actual organisação do Exercito, em quanto não fôr discutida a proposta, por elle, na Sessão passada, etc. (V. Diario N.° 129, o pag. 609.)

E disse

O Sr. General Zagallo: — Por mais de uma vez se tem fallado sobre este objecto, e eu tenho mostrado a necessidade que ha de acceder a esse Requerimento; por isso escuso de cançar mais a Camara, e espero que ella o ha de tomar em consideração.

O Sr. Presidente: — Este Requerimento não sei se poderá agora ser decidido, visto que não é da natureza daquelles em que simplesmente se pedem esclarecimentos; accresce que não está dado para Ordem do dia.

O Sr. General Zagallo: — Reservou-se para segunda leitura — logo que o Senado estivesse installado: parece que deve ser resolvido, pela mesma razão que o foram os do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

O Sr. Presidente: — Tudo isso são questões. O que fez a Junta Preparatoria não obriga a Camara; mas, quando mesmo se podesse admittir o contrario, acontece que a decisão dos Requerimentos do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa limita-se a pedir documentos ao Governo, seguindo exemplos bem ou mal intendidos; agora a materia de que se tracta é muito mais grave para se poder resolver por uma simples leitura.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Tracta-se primeiro que tudo de que o Senado seja coherente, e que havendo-se dispensado muitas vezes o Regimento (e não ha muitos dias que se dispensou a respeito de alguns Requerimentos nas Juntas Preparatorias) se não entre agora na methaphysica do objecto sobre que versa o Requerimento do Sr. Zagallo, que já tem sido assumpto de discussão nesta Sala: adia-lo só porque não foi dado para Ordem do dia, parece-me que não seria muito coherente, porque, ha momentos, se resolveu o contrario a respeito de outros. Além disso, o Requerimento do Sr. Zagallo já se adiou em outra occasião para se discutir logo que o Senado estivesse constituido: se ainda hoje se torna a adiar, passa a época em que elle póde servir de alguma cousa, e quando depois se fôr a tractar da materia... aprés la mort le médecin.

O Sr. Presidente: — O que acaba de dizer o Sr. Baião da Ribeira de Sabrosa mostra que é sempre mau o affastar-se da rigorosa execução da Lei: os seus Requerimentos não se póde reputar que tivessem segunda leitura, porque a Junta Preparatória não era a Camara dos Senadores; entretanto os objectos de que nelles se tractava eram de tal natureza, que se dispensaram certas formalidades para remetter logo os Requerimentos ao Governo: ora se a discussão do negocio proposto pelo Sr. Zagallo devesse concluir por ser mandado a uma Commissão, como parece que o exige a sua importancia, ainda neste caso essa discussão era inutil, porque as Commissões ainda não existem; por tanto não acho inconveniente em que se reserve o debate do mesmo Requerimento para depois de se acharem nomeadas as Commissões, attenta a circumspecção que deve observar-se em assumptos de tal gravidade (Apoiado).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Uma simples recommendação ao Governo não me parece objecto sobre que deva ouvir-se uma Commissão...

O Sr. Presidente: — Qualquer recommendação feita pela Camara ao Governo julgo que é cousa de importancia: portanto o Requerimento será dado para Ordem do dia, e tomo isso na minha responsabilidade como Presidente.

O Sr. Miranda: — Eu tinha pedido a palavra sobre a ordem: a questão é muito simples; não se diga, se assim se quer, que se recommenda ao Governo, mas que se leva á sua consideração. Toda a Camara está nesta disposição, e parece-me que V. Ex.ª o podia assim propôr á votação, cortando-se a questão pela raiz; e parece-me, creio eu, que toda a Camara será deste accôrdo. Por conseguinte com esta emenda na redacção póde V. Ex.ª pôr o Requerimento á votação pelo modo que acabo de indicar.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, coherente com os principios que já aqui enunciei sobre este objecto, repetirei alguma cousa do que então expuz á consideração dos Membros da Assembléa. Eu disse que não podia considerar a Junta Preparatoria do Senado authorisada para fazer recommendações ao Governo, que incluissem decisões, e nada menos do que uma decisão imporia isto, a qual tende a suspender um objecto a respeito do qual as attribuições do Governo são inteiramente livres; declarei essa doutrina governativa, que foi apoiada pelo illustre Senador que tinha proposto se fizesse esta advertencia ao Governo. Disse eu que me não julgava ligado pela simples declaração de um dos Membros da Junta Preparatória, e mesmo de um Senador, a alterar aquillo que era da marcha governativo, e nestes termos parecia-me a questão tão grave como hoje pareceu a V. Ex.ª Reconheço a necessidade de que os Ministros tenham uma consideração muito grande pela opinião geral dos Membros das duas Camaras Legislativas, mas quando se tracta de cousas que são relativas a actos proprios do Governo, quando se fazem objecções a esses actos, convem muito que objectos á sua natureza sejam pensados nas Camaras, a fim de que o Ministerio se não ache em tortura, quando se veja na necessidade de obrar de um modo contrario á recommendação que recebeu. E aqui ponho fim, dizendo que não considero que o Requerimento tenha já tido primeira leitura, porque sómente ao Senado depois de constituido (e não á Junta Preparatoria) póde caber o fazer alguma recommendação desta especie; por tanto acho que o Requerimento deverá reservar-se para segunda leitura, e então a Camara resolverá o que melhor lhe pareça.

O Sr. General Zagallo: — São tres as razões com que se obsta á approvação do meu Requerimento, primeira a sua inoportunidade; segunda a nenhuma necessidade de o attender; e terceira o não ter havido tempo para se pensar sobre elle. Mas, Sr. Presidente, depois do que se tem passado nesta Camara sobre o objecto em questão, e depois do que eu já disse ha pouco parece haver algum empenho em insistir tanto nas razões mencionadas, e tantas vezes rebatidas! Parece com effeito tão extraordinario que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra diga hoje que ainda não é tempo de discutir o meu Requerimento, por conter materia muito grave! Eu não sei, Sr. Presidente, em que consiste a gravidade do objecto de uma recommendação ao Governo, uma recommendação não obriga o Governo a cousa alguma, e só o colloca na collisão de se conhecer, se elle é ou não zeloso pela Fazenda Publica, segundo attende ou não á recommendação feita, mas se nisto consiste a gravidade a que allude S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, tem elle muita razão, porque o credito de um Ministro não deve ser de pouca monta para elle! Em consequencia do que tenho dito, não só é opporiam a occasião de se decidir o meu Requerimento, por ter havido tempo, e mais que tempo de reflectir sobre elle, mas é absolutamente necessario que se decida, para evitar as consequencias que pódem resultar do procedimento contrario. Porém seja qual fôr o resultado, que possa ter, o meu fim está cumprido em dar conhecimento do seu objecto á Nação, habilitando-a para ajuizar qual é mais conveniente, se o levar a effeito a organisação actual do Exercito sem vantagens para o serviço, ou sobrestar neste objecto em beneficio da Fazenda Publica (Apoiados),

O Sr. Presidente: — A discussão não póde continuar hoje sem que a Camara expressamente o determine: eu vou propôr se o Requerimento deverá ficar adiado, na intelligencia de que entrará em ordem do dia logo depois de nomeadas as Commissões.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Quei-

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ra V. Ex.ª propor o Requerimento á votação, e o Senado decidirá o que quizer.

O Sr. Presidente: — Eu lhe vou dar razão porque entendia dever propo-lo do modo que disse; era porque o não queria propôr de maneira que rejeitado pela Camara ficasse a discussão finda, ao mesmo tempo que, pondo-o á votação como eu entendia, provavelmente ficava o Requerimento reservado para se tractar depois da nomeação das Commissões, e neste supposto eu o daria para ordem do dia na primeira Sessão.

Ó Sr. General Zagallo: — Para mim é muito indifferente que o Requerimento seja ou não rejeitado, o que eu quero é que a Camara decida se elle deve ser ou não approvado; porque rejeitado elle, sobre a Camara ficará tambem essa responsabilidade.

O Sr. Marquez de Loulé: — Sr. Presidente, eu pediria nesse caso que o Sr. Ministro da Guerra declarasse se até á decisão da Camara elle sobreestará no complemento da nova organisação do Exercito; porque então não haveria inconveniente nenhum em adiar a materia por alguns dias, nem mesmo o author do Requerimento, talvez se oppozesse a isto.

O Sr. General Zagallo: — Eu apoio inteiramente a idéa do Sr. Marquez de Loulé, por isso mesmo que o Sr. Ministro dos Negocios da Guerra não tem querido fazer essa declaração, nem hoje mesmo que estava habilitado para isso!

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Eu pedi a palavra sobre a ordem, por me persuadir que não devemos sair della entrando na discussão de objectos tão graves. A approvação on desapprovação do Requerimento é porém já em si de tanta importancia que senão deve tomar uma decisão sem discussão; não é um simples Requerimento, como V. Ex.ª muito bem observou, sobre o qual se possa tomar uma deliberação immediata. É isto o que peço á Camara que tome em consideração, porque o Requerimento importa o recommendar ao Governo que suspenda na execução do que é hoje uma Lei; para a derogar é preciso outra Lei, e o voto desta Camara só não basta, é de muito peso e sempre o será, mas não póde alterar toma Lei vigente, que o Governo deve executar em quanto senão fizer outra.

O Sr. Castro Pereira: — Parece-me que, para sairmos desta questão, seria bom que V. Ex.ª propozesse á Camara como questão prévia se se considera ou não esta como segunda leitura, porque considerada assim segue-se o que manda o Regimento que é a discussão.

O Sr. Miranda: — Têm-se dado a esta questão um sentido que ella não tem; o que quiz o meu illustre collega o Sr. Zagallo, foi unicamente levar á consideração do Governo os Projectos de Lei que tinha aqui apresentado, visto que parecia que o Ministerio, n'outro tempo, queria dar uma nova fórma ao Exercito (idéa em que creio hão estará hoje) augmentando o número dos Corpos, quando o numero das praças de pret é tal que não chega pára o completo dos Corpos que actualmente existem. Esta idéa é tão simples, que o Sr. Ministro da Guerra podia, desde já, fazer uma declaração de que leria isso em vista. Se eu estivesse no seu logar, te-la-ia feito. No Requerimento não se dá ordem alguma ao Governo, o qual póde fazer tu deixar de fazer aquillo que se recommenda no mesmo Requerimento (apoiado). Quando uma Camara Legislativa submette qualquer idéa á consideração do Governo, nunca se entende que elle tenha obrigação de se conformar com essa idéa; a Camara, obrando assim, chama a attenção do Ministerio sobre uma especie que julga interessante, e o Ministerio cumpre ou não cumpre o que se lhe indica, conforme julga conveniente, e debaixo da sua propria responsabilidade. Por tanto, esta materia não é objecto de mui dilatada discussão; quanto a mim, julgo-me tão habilitado para agora votar nella, como hei de estar depois de um debate muito largo. Dou esta explicação porque disse há pouco que se podia votar immediatamente, e ainda me parece que o melhor meio de concluir a questão é votar já sobre ella; o Sr. Ministro tem ouvido muito mais do que se lhe ha de dizer no corpo do Requerimento; este já teve o seu resultado, ir por escripto ao Governo, ou deixar de ir, presentemente vem quasi a ser o mesmo: tem-se dito mais do que era necessario, não porque a materia não seja importante, é importantissima; mas porque na recomendação que sé faz ao Governo nada mais se faz que levar á sua consideração motivos que se julgam attendiveis, em vista dos quaes fará o que entender, porque também é sobre elle que pesa toda a responsabilidade.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, se V. Ex.ª me dá licença eu direi sobre a ordem, que não sei que duvida ha em pôr o Requerimento á votação pura e simplesmente; se o Senado entende que elle não vale a pena, rejeita-o, não sei que escrupulo a Mesa póde ter era offerecer este negocio á decisão da Camara.

O Sr. Presidente: — Vou ler o Requerimento, e por essa leitura se verá que se está argumentando sobre principios falsos (leu, e proseguio). Isto é uma recommendação feita por esta Camara ao Governo para que suspenda a Lei da organisação do Exercito....

O Sr. Miranda: — V. Ex.ª tem razão, e creio que o Sr. Zagallo convirá em que ahi se faça uma alteração.

O Sr. Presidente: — Não posso deixar de responder ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa que na Mesa não ha falla de vontade, e que estou prompto a propôr o Requerimento da maneira que se julgue melhor. Considero esta materia de gravidade sufficiente para que se lhe applique a doutrina das recommendações ao Governo de que muitas vezes se abusa; e propondo que se reservasse para ser decidida depois de nomeadas as Commissões, creio que propunha uma cousa justa e rasoavel.

O Sr. Cordeiro Feyo: — Pedi a palavra para dizer que me não achava em circumstancias de poder votar naquelle Requerimento, não sabendo ainda quando a Camara approvará o Projecto a que se refere. E será nestes termos que eu hei de ir fazer uma recommendação ao Governo para que obste ás suas attribuições? Por tanto, se se propozer já o Requerimento á votação, declaro que não posso votar por elle.

O Sr. Vellez Caldeira: — A ordem é agora propôr se com effeito esta materia deve entrar já em discussão: em todo o caso é necessario fazer distincção; uma cousa é recommendar esta Camara ao Governo, outra cousa é remetter o Requerimento ao Governo; se a Camara disser quo o manda remetter ao Governo com recommendação, então recommenda; mas se remette o Requerimento simplesmente, não faz mais, neste caso, senão transmittir.

O Sr. Marquez de Loulé: — Sr. Presidente, eu convenho com V. Ex.ª que a materia é grave e importante, mas tambem se o Sr. Ministro da Guerra accedesse ao que eu pedia, isto é, se declarasse que em quanto a discussão não tivesse logar elle não tomaria decisão alguma sobre este ponto, estava tudo remediado: assim conciliava-se tudo; os que quizessem pensar tinham tempo para o fazer, e os que estavam dispostos a votar já não perdiam nada.

O Sr. Serpa Machado: — Eu sobre objectos que são alheios á minha profissão, receio sempre intrometter-me, e procuro obter esclarecimentos dos entendedores da materia, ouvindo-os com attenção: vi que o requerimento em questão tinha em vista suspender a execução de uma Lei militar por attenção a outra que ainda não está nem proposta, nem discutida, nem promulgada: este objecto é de muita gravidade; por consequencia parece-me que seria uma irregularidade o tractarmos de um negocio desta natureza sem que houvesse algum tempo de antecipação para meditar sobre elle. Ora ainda que o Governo tenha de fazer a suspensão por algum tempo, importa o mesmo que suspender a execução da Lei; isto é um antecedente de grande importancia, que póde pôr o Governo em grandes embaraços, eu ainda não sei bem o effeito dessa recommendação: nem sei de que sirva recommendar ao Governo que tome isso em consideração, pois que aqui estão dous dos Srs. Ministros que tem ouvido a discussão, e uma vez que ficam na liberdade de fazer o que quizerem, não é preciso nem decente o recommendar; mas se esta recommendação tem alguma influencia moral não devemos tornar uma deliberação com leveza, e repentina. Por tanto sou de voto que este negocio fique deferido por dous ou tres dias, por evitar surprezas, que são sempre nocivas ás deliberações, e á perfeição dos actos legislativos, ou de outros quaesquer que sáiam desta Camara (Apoiados).

O Sr. General Zagallo: — Parecia-me, Sr. Presidente, que o objecto do meu requerimento era já muito sabido nesta Camara, por que aqui se demonstrou a necessidade de elle se decidir ainda mesmo em Junta Preparatoria; eu mostrei então que isso era muito necessario para não se annullarem as economias que estão propostas no meu Projecto de Regulamento, cujo objecto me pareceu dever merecer á Camara toda a attenção; e dizerem agora alguns Srs. que não estão ao facto do objecto do requerimento, depois delle estar em discussão uns poucos de dias, parece-me que isso revela a intenção de querer demorar este negocio; mas ò meu effeito está produzido pelo que se tem dito a tal respeito; por tanto pouco me importa que o meu Requerimento passe ou não, devendo com tudo notar-se que elle só pede uma recommendação ao Governo, o qual póde attender ou não, como lhe parecer, mas no caso contrario ficará sujeito á censura que a Nação com justiça lhe pode fazer (apoiado).

O Sr. Trigueiros: — Eu declaro que ainda não entendi a questão; porque a primeira que eu vi tractar foi se tinha ou não segunda leitura, não vi que a Camara decidisse que a tinha tido, mas ouvi depois dar por decidido o que senão votou: estou ouvindo á discutir, estou ouvindo fallar sobre a materia que ainda não está em discussão, por que ainda senão decidia que tinha tido segunda, leitura; e em quanto isto senão decidir, não sei como se possa estar discutindo, e perdendo o tempo. Em regra, os Requerimentos quando são apresentados á Camara, tem primeira e segunda leitura, e depois devem ir a uma Commissão; é o que se tem, seguido, e esta é a minha opinião. Eu apoio o Sr. Zagallo em seu principio, por que quer por principio de economia que o Governo suspenda a execução de uma Lei, mas se eu mesmo não sei se é exacto o que diz o illustre Senador a respeito da economia como posso votar? Por consequencia, digo que o que se deve decidir, é se o Requerimento está ou não em discussão, esta é a ordem; tudo que fôr fóra disto é perder tempo.

O Sr. Presidente: — Ha mais de meia hora que eu quiz propôr á Camara o mesmo que agora pedem.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — O illustre Senador fez o seu Requerimento que não póde ter logar; porque agora não se póde interromper a discussão sobre que já tem fallado muitos Senadores. Eu não esperava que o Sr. Serpa Machado viesse hoje pôr em duvida se a Camara tinha direito de recommendar ao Governo: se esta doutrina fosse exacta, ficavam os Corpos Legislativos de mãos e pés atados. Toda esta questão tem sido acompanhada de uma certa fatalidade, por que se entendeu que era melhor esta discussão do que uma votação do Senado dizendo: rejeito, ou approvo.

O Sr. Presidente consultou a Camara sobre se o Requerimento do Sr. Zagallo entraria já em discussão, e se decidiu affirmativamente. Teve então a palavra

O Sr. General Zagallo: — Disse o Sr. Trigueiros que ainda duvida da necessidade de se fazer este Requerimento, por que ainda não sabia se se leva a effeito a organisação do Exercito, nem tinha certeza se do meu Projecto resultavam algumas economias. Para mostrar a S. Ex.ª o que elle deseja, e vem a ser que de se adoptar o meu Requerimento, e do Governo lhe dar a attenção devida, resulta muita economia, e basta que eu informe a S. Ex.ª que o meu Projecto contém não menos do que a suppressão de doze Estados Maiores, e Menores, cuja economia é evidente a todas as pessoas, ainda que não sejam militares; por tanto se se levar a effeito a organisação actual, baldados ficarão os meus esforços, porque os Estado Maiores que vão crear-se, ficarão existindo por muito tempo, ainda que o meu Projecto seja approvado. Por este lado julgo que S. Ex.ª, o Sr. Trigueiros, ficará satisfeito; e para o acabar de tranquillisar, eu vou mostrar-lhe que não ha necessidade nenhuma de se levar a effeito a mencionada organisação actual; por quanto não se augmentando com ella a força das praças de pret, como era preciso, visto que o Governo não tem podido completar os Corpos que actualmente existem, segue-se que similhante acto só poderá produzir despeza, e nenhuma utilidade para o serviço. Nem eu pretendo criminar o Sr. Ministro da Guerra, por não ter concluido o recrutamento que lhe foi votado, porque esse defeito provém da Lei; mas sabendo já isto mesmo S. Ex.ª, quando organisou os batalhões 12 e 15, pois que para terem praças de pret, foi preciso mandar-lhas de outros Corpos, é com effeito para notar que ainda depois disso queira S. Ex.ª organisar mais, para ter o mesmo resultado, isto é, um augmento de despeza sómente, e nenhum de força. Ora com a approvação do meu Requerimento não se inhibe o Governo de effectuar, ou deixar de effectuar a supposta organisação, por isso mesmo que nelle se tracta d'uma re-

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commendação, e não d'uma determinação. Por tanto peço que elle se ponha á votação, para ser rejeitado, ou approvado, segundo a Camara entender.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: - O que acaba de dizer o illustre General, tende nada menos do que inculcar que o seu plano conseguirá que o Exercito possa passar com menos propostas, do que aquellas que o Governo está no direito de fazer á Officialidade a quem as deve fazer: porém, Sr. Presidente, desse objecto ainda senão tractou, quando elle se discutir eu direi qual é a minha opinião a esse respeito. Quer agora o illustre General, que o Senado faça uma recommendação forte ao Governo, para que este não faça aquillo que a Lei lhe permitte fazer. Ora, Sr. Presidente, não tendo eu tido um particular conhecimento do plano de S. Ex.ª, nem sabendo mesmo se elle é tendente a diminuir o numero dos Batalhões que já existem, não posso por isso absolutamente comprometter-me a cousa alguma; e é tambem esta a razão porque eu não posso satisfazer ao que pedio o Sr. Marquez de Loulé.

Sr. Presidente, eu julgo que uma recommendação feita ao Governo pelo Senado, ou pela outra Camara, é certamente um objecto digno da maior consideração, e é por isso que eu desejára que os membros desta Casa não pronunciassem a sua opinião, sem se certificarem primeiro daquillo que fosse o mais conveniente. Sendo eu Ministro tenho, como me cumpre, este negocio muito em vista; e parecendo-lhe indispensavel que o Governo tome sobre este objecto algumas medidas, para evitar que no fim deste mez se possa achar alguma falta no serviço do paiz, não posso por este motivo comprometter-me pela adopção de um piano que eu ainda não conheço: foram estas, Sr. Presidente, as razoes que me decidiram a objectar, a que esta materia fosse agora resolvida. E além destas razões a outra de não poder eu entender como se podesse justamente tomar como primeira leitura, a que linha tido o Requerimento na Junta Preparatoria, contra o que é minha opinião; porém isto está já decidido, e a Camara resolveu que o Requerimento se discutisse. Concluo portanto dizendo que tome a Camara a deliberação que julgar conveniente, te o Ministerio ha de atender muito ás recommendações que lhe forem feitas pelo Senado; mas está certo que quando tiver razões para obrar em sentido contrario, a Camara não deixará de approvar as decisões do Governo. (Vozes: — Certamente).

O Sr. Tavares d'Almeida: — Eu principio por dizer que se estivesse presente no momento em que se votou (tendo eu sahido fóra) e decediu que se tractasse já do Requerimento, votaria contra; porque eu não vi que o mesmo Requerimento depois que a Camara se julgou constituida, fosse lido, senão hoje pela primeira vez, e por isso devia tambem considerar-se ser esta a sua primeira leitura: porém como a Camara decidiu que entrasse já em discussão este objecto, submetto-me á sua deliberação.

Agora, Sr. Presidente, farei uma pergunta a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Guerra, e vem a ler, se S. Ex.ª tracta de organisar o Exercito em virtude das disposições de uma Lei? Se é assim, então o Governo está obrigado a cumprir essa Lei, porque uma Lei qualquer só por outra é que se destroe, e não por um simples Requerimento feito aqui, e só deferido pelo Senado. Estão marcados os tramites que se devem seguir quando se apresenta um Projecto de Lei: é apresentado n'uma Camara, e depois de discutido e approvado, passa a outra, e de lá vai á sancção. Logo, em quanto tudo isto senão fizer, não póde approvar-se o Requerimento que tende a sustar a acção, ou authorisação de uma Lei.

Sr. Presidente, ninguem mais do que eu quer economias; porém quero que tudo isso se faça sem se commetterem irregularidades. Quer o illustre author do Requerimento que se suspenda a execução de uma Lei, até que se approve um Projecto que a este mesmo respeito S. Ex.ª apresentou ao Senado: mas pergunto eu, já o illustre Senador sabe se o seu Projecto será approvado nesta Casa? Sabe elle se ainda mesmo sendo-o aqui, será approvado na outra? Tem elle certeza de que, passando em ambas as Camaras, obterá a Sancção Real? Certamente não o sabe. Então digo eu Sr. Presidente, como podemos nós com justiça fazer que se suspenda a Lei existente em um objecto tal, e por tempo indeterminado, e de mais a mais dependendo de tanta incerteza? Não é possivel. Se o illustre Senador porém, quer preencher o seu desejo, tem um meio mais legal de que lance mão, e póde usar delle para que se faça nova Lei; porém não por esta fórma.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — O Sr. Tavares d'Almeida acaba de dizer, que não é admissivel o Requerimento do Sr. General Zagallo, porque tende a derogar uma Lei, Lei que o Ministerio tem obrigação de cumprir: este argumento é falso; porque a Lei é facultativa, e se o Governo o não julgar necessario, póde deixar de preencher os corpos. O desejo do illustre Senador era que a Camara recommendasse este objecto ao Governo; porém á approvação do Requerimento objecta o Sr. Ministro da Guerra dizendo que o não póde approvar por ter referencia ao Projecto que o Sr. Zagallo apresentou nesta Camara, Projecto que o Sr. Ministro diz não conhece. Em quanto a isto tem S. Ex.ª razão porque o Projecto não está discutido, não sabemos se o será, e ainda menos se passará em Lei; mas eu adherindo ás idéas do Sr. Zagallo, que são tambem as minhas, pelas razões que acabo d'expender, não adhiro comtudo á maneira como o seu Requerimento é concebido. Adhiro ás idéas do Sr. Zagallo porque reconheço que não é possivel que nós tenhamos um maior Exercito do que actualmente temos, por differentes razões, e a maior de todas ellas é porque não ha nem para pagar ao que hoje existe, estando esta classe a morrer á fome, e cheia das maiores necessidades (apoiados). Porém, Sr. Presidente, ainda isso seria toleravel, se o augmento dos corpos augmentasse o Exercito; porém não é assim. Pelo Orçamento que aqui se apresentou o anno passado, vemos que havia 3:120 Officiaes: só isto basta, Sr. Presidente, para devorar o Thesouro; e então se nós fossemos augmentar o numero dos Officiaes, o resultado seria peiorar a condição dos que hoje existem, razão bastante para eu reputar intempestivo o augmento do numero dos corpos.

São por tanto todos estes motivos os que me obrigam a apresentar uma Substituição ao Requerimento do Sr. Zagallo, a qual vou lêr:

Que se recommende ao Governo que sobreesteja na organisação do Exercito, até que se fixe a força de mar e terra. — Foscôa.

Nós temos obrigação em todas as Sessões de fixar a força que deve haver, tanto de mar como de terra, e por conseguinte não póde o Governo fazer nada antes disso, em sentido contrario (apoiados). Quando esse objecto entrar competentemente em discussão nas Camaras, é a occasião para o Ministerio apresentar as suas reflexões, e se á vista dellas se achar que o Exercito convém ser augmentado, então as Camaras o authorisarão (Apoiados).

O Sr. General Zagallo: — Eu adopto a Substituição offerecida pelo Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa, e a faço minha, pedindo á Camara que consinta em que eu retire o meu Requerimento que se acha na Mesa (Apoiado).

A Camara annuio; e entrou logo em discussão a Substituição, tendo a palavra

O Sr. General Zagallo: — Disse o Sr. Ministro da Guerra que não estava informado se os meus Projectos diminuíam ou não a força do Exercito; porém disso não tenho eu culpa, porque o meu Projecto está na Camara ha muito tempo, e o Sr. Ministro da Guerra como Membro daquella, os podia ter visto. Entretanto posso informar a S. Ex.ª, que o meu Projecto conservando o mesmo numero de Companhias e Baterias, que actualmente existem, regularisa o numero dos Officiaes Superiores das diversas armas, em relação á natureza de cada uma, concentrando aquella força em um menor numero de Corpos, de que resultará melhor serviço, mais exacta disciplina, e uma grande economia, de que muito se precisa. Agora em quanto ao odioso que o Sr. Ministro quiz lançar sobre o meu Projecto, direi que está enganado, porque um dos fundamentos em que eu baseio a minha Proposta é a desigualdade das Promoções que ha entre as diversas armas, por quanto os Corpos de Infanteria tem dous Officiaes Superiores, e os das outras armas tem tres, achando-se por isso os Officiaes daquella muito lezados a respeito dos destas. Daqui se vê pois, que o meu Projecto além da economia que produz, como terei occasião de demonstrar, tende tambem a pôr em harmonia o Exercito, relativamente a todos os objectos que lhe dizem respeito; conseguindo-se cura elle um fim muito diverso daquelle que S. Ex.ª suppunha. Em quanto porém a ser elle approvado, ou deixar de o ser, isso pouco importa; porque como tenho mostrado, que nenhuma utilidade resulta de se levar a effeito a actual organisação do Exercito, de que resulta sómente um augmento de despeza, claro está que approvando-se o meu requerimento, se evita esta despeza, independentemente da approvação do meu Projecto.

Respondendo ao que o Sr. Tavares d'Almeida enunciou, quando disse que o meu requerimento atacava a disposição de uma Lei, permitta S. Ex.ª que eu lhe diga, que isso não é exacto; porque a Lei da organisação de Um Exercito determina sómente o maximo dos quadros, que o devem compôr, ficando ao Ministro da Guerra o prudente arbitrio de regular as Promoções pelas necessidades do serviço, e pelas quantias de dinheiro postas á sua disposição; não devendo jámais confundir-se a força das praças de pret, que as Côrtes annualmente decretam, com a força dos quadros do Exercito, que é determinada pela Lei da sua organisação, e que as circumstancias podem levar a effeito, sem necessidade de nova Lei, e em quanto aquella não fôr derogada. Se o principio em que se estribam os que se oppoem ao meu requerimento fosse verdadeiro, então infringida estava a Lei da actual organisação do Exercito, não só pelo Sr. Ministro da Guerra que está presente, mas até pelos seus antecessores, inclusivè o mesmo que referendou o Decreto de dita organisação, por isso que deixaram de a levar a effeito em uns poucos de Corpos, procedendo assim como zellosos da Fazenda publica, e não como infractores do dito Decreto, como se pertende.

Em consequencia como o meu requerimento só exige uma recommendação, para que o Sr. Ministro da Guerra use do prudente arbitrio que a Lei lhe faculta, e que os seus antecessores adoptaram, julgo eu que nenhuma duvida deveria haver em o approvar. Entretanto como pela substituição do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa se conseguem os mesmos fins a que me propunha, eu a adopto, pedindo a V. Ex.ª a queira mandar pôr á votação.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Não me parece que se tracte agora de decidir a questão se a actual organisação do Exercito, é melhor do que a que propõe o Sr. Zagallo, ou se esta é preferivel áquella. A discussão versou em primeiro logar sobre um Requerimento do Sr. Zagallo, o qual tendia (como explicaram com muita clareza os Srs. Tavares de Almeida e Serpa Machado) a suspender a execução de uma Lei, e apezar das explicações que deu o Sr. Zagallo, devo declarar que nem me convenceram, nem destruiram os argumentos apresentados pelo Sr. Tavares de Almeida; esta é que é a questão que devemos decidir. Disse tambem o Sr. Zagallo que mandando-se o Requerimento ao Governo, que este o podia acceitar e seguir a recommendação ou deixar de attender a ella como lhe parecesse; quer dizer, que se o Governo annuisse áquella recommendação e houvesse falta no serviço, gritava-se contra elle porque apezar de se julgar a organisação proposta pelo Sr. Zagallo melhor do que a actual, se diria que se devia cingir á Lei; e se o Governo observasse a Lei, e em virtude della, elevasse os Corpos á força necessaria nos limites da força decretada, tambem se gritava contra elle por não attender á recommendação que se lhe tinha feito. É incontestavel a doutrina estabelecida pelo Sr. Tavares de Almeida, que para abolir uma Lei é preciso outra. Depois de se ter dito muito sobre este assumpto, foi-se buscar um novo principio de argumento que tornaria inutil toda a precedente discussão; a força do Exercito ha de ser determinada nesta Sessão; sobre esta força ha de começar a discussão na Camara dos Srs. Deputados, e em virtude da que se decretar é que se hão de organisar os Corpos....

O Sr. General Zagallo: — Essa é a força de cada anno...

O Sr. Ministro: — Mas é da força estabelecida em cada anno que depende a que se deve dar aos Corpos, e o numero dos que se devem organisar. — O Requerimento tende a que se não effectue a organisação do Exercito emquanto não estiver approvada uma nova organisação, e assim continuaria a incerteza em todo o Exercito, e muitos militares honrados ficarão com receio de não terem a existencia com que contam visto que dependeria da approvação deste novo Projecto, a respeito do qual póde haver diversas opiniões.

Disse o illustre Senador que o Governo foi authorisado a formar até certo numero de Corpos, mas ponderou que as difficuldades do recrutamento tinham impedido a organisação desses mesmos Corpos; tudo isto nos levaria a entrar em questões muito importantes mas alheias do que se tracta, que é o Requerimento do Sr.

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Zagallo. O suspender a organisação actual do Exercito em quanto não houver outra, tende ao contrario do fim desse Requerimento, porque eu não creio que tenham resultado bens nenhuns das differentes organisações que se tem decretado sucessivamente; todas tem tido por assim dizer um principio de execução, mas nenhuma delas se completou, de maneira que não tem sido possivel conhecer pela pratica as vantagens e os defeitos que podem ter. Esta ultima ainda não teve completa execução, e esta liga-se hoje com as circumstancias particulares de muitos Officiaes, que são presentes a todos os Membros desta Camara, e que se não podem deixar de ter em consideração. Quanto aos motivos de economia, não cedo ao auctor da Proposta nos desejos de a promover, como posso provar com factos do tempo em que eu tive a honra de ser encarregado interinamente da Repartição da Guerra, sem que deixasse ao mesmo tempo de attender aos direitos dos militaras.

O Sr. Miranda: — Estimei muito que o Sr. Zagallo retirasse o seu requerimento, porque, em quanto á redacção precisava de algumas emendas; a substituição do Sr. Barão de Villa Nova da Foscôa é mais accommodada ás fórmas e principios, e está, por assim dizer, no meu terreno: agora não se tracta da organisação do Exercito, nem de qual é a organisação mais conveniente para a sua força e disciplina. Todos nós temos desejos de que haja um Exercito bem organisado e forte, mas tambem é necessario aliviar o povo durante a paz, estar prompto, forte, e vigoroso para a guerra; si vis pace páre bellum: portanto, toda a economia é pouca, e não julgo precisos grandes argumentos para provar que a proposta do S. Zagallo contem algumas providencias da maior importancia. E da ultima evidencia que o Exercito se torna mais dispendioso e menos disciplinado, quando se augmenta o numero de Corpos com o mesmo numero de soldados: um Official que commanda um Batalhão de cem homens, tem uma força que apenas chega para os camaradas dos Officiaes; é necessario que o Commandante de um Corpo o seja de uma força proporcional ao destino deste Corpo, porque só assim póde ter a instrucção e disciplina necessaria, e estar apto para poder servir com proveito no tempo de guerra. O Sr. Ministro da Guerra sabe isto muito bem, e sabe que para indisciplinar um Exercito é meio caminho diminuir o numero de bayonetas e espadas, e augmentar o dos Corpos, Estados Maiores, etc. etc. Alem disto para andar a tropa bem paga é preciso fazer outras economias, que se não fazem em objectos em que se podem e devem fazer. É neste sentido que o Sr. Zagallo apresentou o seu requerimento: mas, pediu elle que se alterasse a Lei da organisação actual? Não; porque effectivamente não ha nenhuma. A Lei da organisação militar é o voto annual do Corpo Legislativo, sobre as forças de mar e terra. Sr. Presidente, em nenhum Governo Representativo ha uma força permanentemente legal, porque o voto do orçamento póde alterar essa Lei. Tanto isto assim é, que ainda ninguem se lembrou de accusar o Sr. Ministro da Guerra, porque não levou a effeito a organisação para que está authorisado; ainda a ninguem passou pela imaginação esta idéa, por que todos estão persuadidos que o Sr. Ministro póde leva-la a effeito sómente até ao ponto que lhe parecer conveniente. Quando se dá ao Governo a faculdade de recrutar, e elle não recruta porque não quer, póde faze-lo; e lembrou-se alguem de accusar o Sr. Ministro por não ter concluido o recrutamento? Certamente não. E porque? Porque nos Governos Representativos não ha pé de paz. As Camaras fixam annualmente a somma que julgam necessaria para as despezas do Ministerio da Guerra. E se os Srs. Ministros em vez de multiplicarem a força effectiva, multiplicarem sine curas, eu levantarei a voz neste logar contra ellas, assim como em tempo mostrarei algumas que já existem (apoiados). Nas circumstancias em que se acha o paiz, não se devem fazer despezas que não seja absolutamente necessarias; quando faltam meios para o que é indispensavel, quando o Estado tem tantas dividas e encargos, quando todos os pagamentos andam atrazados, é tempo de se não fazer uma despeza só, sem primeiro, e severamente se examinar se o serviço para que ella se destina é ou não indispensavel (apoiado). Portanto, Sr. Presidente, eu entendo que no requerimento do Sr. Zagallo ha uma razão que vale por todas, a d'economia: esta Camara não póde, (visto que se offerece occasião) deixar de ponderar ao Ministerio as circumstancias em que a este respeito nos achamos, em quanto se não discute o orçamento. E, que mais se exige do Governo se não a sua consideração?.... A materia é muito clara, repare-se; não se tracta de convidar o Governo a violar a Lei; chama-se pura e simplesmente a sua attenção para que no caso de ter intenção de dar algum desenvolvimento a essa Lei, queira sobre-estar, como póde fazer, até occasião conveniente. Quando se tractar do orçamento voltaremos á questão da somma que se ha de votar para o Ministerio da Guerra, e desta somma depende essencialmente a idéa fixa de qualquer organisação. Não se requer um adiamento até que seja discutido e approvado o Projecto do Sr. Zagallo, nem essa é a sua intenção: quanto a mim respeito esse Projecto como uma demonstração de muitas economias que podem realisar-se com proveito do Exercito, e em beneficio da disciplina e instrucção militar; objectos estes que merecem a mais séria attenção dos Sr.s Ministros.

Concluo que deve ser approvada a substituição do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; o fim está já conseguido, em vista das idéas que se tem desenvolvido nesta discussão, todavia, como está sobre a Mesa, peço que prò fórma se ponha á votação.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, a questão mudou alguma cousa de figura com a substituição a que o Sr. General Zagallo teve a bondade de annuir; mas, apezar disso, não posso deixar de repetir a parte da doutrina que já expendi, e é, que como Ministro da Corôa, difficilmente poderia concordar em restringir as suas prerogativas: se uma Lei fosse proposta para prohibir ao Governo usar, até certo ponto, da sua authoridade, só depois de convencido poderia concordar na vantagem della. Não obstante as idéas de economia serem as do tempo, e deverem por isso dominar a qualquer pessoa, não posso deixar de dizer que ainda não está feita a demonstração de que da proposta do Sr. General Zagallo hão de resultar as economias em que se tem fallado. S. Ex.ª inculcou que pelo seu Projecto se evitariam propostas, porque a força do Exercito, segundo o systema adoptado, é pouca para poder haver mais Corpos; logo o seu Projecto parece-me que tendia a diminuir a força do mesmo Exercito: senão entendi bem o illustre Senador, não foi por falta de deferencia que tenho para com elle. Um illustre orador lembrou que havia tres mil seiscentos e tantos Officiaes; permitta-se-me que se observe não ser isto exacto, são muito menos, creio que tres mil cento e vinte, a muitos dos quaes as Camaras votaram subsidios para podérem viver, porém não se acham no serviço, em consequencia das desgraçadas crises porque temos passado: mas, Sr. Presidente, se o numero dos Officiaes é já muito grande, parece contraproducente o não se querer que haja maior numero de Corpos; tanto mais, se se demonstrar que com um maior numero de Officiaes em serviço, que em todo o caso vencem soldo, se póde manter melhor a disciplina, e que sendo, portanto, esse numero proporcional ás necessidades do serviço, não se deve considerar um augmento de despeza: e a Camara póde estar na certeza de que, em quando fôr compativel com as exigencias do serviço, o Governo não fará augmento mas sim tractará de diminuir as despezas, procurando não faltar á justiça daquelles que servem. Agora o que certamente é horroroso é dizer-se que pelo Ministerio da Guerra se fazem despezas irregulares a esmo, apreciando-as por sommas redondas, e sem entrar na questão verba por verba, como seria necessario para calcular se essas sommas eram aquellas que cada um devia receber segundo a Lei; não se attendeu a isto em outra occasião, e cortou-se no orçamento mais de um terço daquillo que o Governo propunha, mas depois augmentou-se tambem alguma cousa da mesma maneira: quando chegarmos a essa emaranhada questão, espero que seja este anno decidida com justiça, e que se attenda a que, sendo o Ministerio da Guerra composto principalmente de um grande pessoal, se reconhecerá ser indispensavel ter os fundos correspondentes votados para o pagamento de todo esse pessoal; quanto ao material, é onde se poderão fazer maiores economias, caso se demonstre que as cousas se não acham na devida ordem: eu sou um dos que trouxe bastantes Projectos á outra Legislatura, por entender que algumas cousas precisavam de remedio, ainda hoje estou nos meus principios, e os exporei quando haja uma discussão regular, em tempo conveniente. Quanto a esta, digo á Camara que presisto nas minhas convicções, de que não mudei desde a Junta Preparatoria, apezar das razões (que então se trouxeram e hoje repetiram) de economia. A Camara decidirá o que lhe parecer mais conveniente, na certeza de que a ultima proposta que foi mandada para a Mesa não está talvez muito longe das idéas do Ministerio, apezar das quaes comtudo elle não se julga obrigado a declarar neste momento quaes as que tem.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A questão neste momento parece-me ser já muito simples, e reduz-se a saber, se é conveniente que o Poder executivo augmente a força do Exercito no momento em que as Côrtes devem fixar a força de mar e terra: o Governo deve apresentar o seu orçamento, veremos então o que pede o Sr. Ministro da Guerra, se isto ha de acontecer em 7 ou 8 dias, para que se ha de augmentar a força do Exercito? Collocar ou deslocar Officiaes não é organisar: eu lisongeio-me de ter seguido uma marcha contraria; todas as vacaturas que houveram chamei um addido, e quando não havia addido chamei um Official da 3.ª Secção; e Sr. Presidente, talvez mais do que outros, tenho eu pugnado pelas prerogativas da Corôa, e quando podia ser perigoso para mim. Ninguem nesta Sala pertende aggredir as prerogativas da Corôa: é improprio, por tanto insinuar tal pensamento. Parece-me que a questão é simples, e se poderia votar. Diz o Sr. Ministro que differentes alterações se tem feito no orçamento para o Exercito; porém eu direi a S. Ex.ª que os 2:900 contos, que eu acceitei, chegaram para as despezas correntes; mas quando as despezas, e a contabilidade se confundem nada póde chegar.

O Sr. Tavares de Almeida: — Ouvi algumas razões com as quaes me não conformo.

Disseram que a Lei da organisação do Exercito, e de que se falla, era facultativa, e não era Lei: é sim senhores; e mesmo facultativa para o Governo é uma Lei, e só por outra se póde derogar. O Sr. Miranda disse que uma recommendação não era nada, e que o Governo podia desprezar se quizesse, e eu digo, que uma recommendação do Senado é, e deve ser alguma cousa para o Governo, e ninguem dirá, eu faço-lhe esta recommendação mas não faça caso: por consequencia existe uma Lei, e esta só se revoga por outra, e não por uma recommendação.

O Sr. Lopes Rocha: — Sr. Presidente, estou persuadido que a minha primeira obrigação é olhar qualquer proposta que se apresenta pelo lado Constitucional, e que depois de estar convencido que ella é conforme á Constituição, ou pelo menos que esta se lhe não oppõe, é que eu posso entrar na questão da sua utilidade e merecimento. O Artigo 35.° da Constituição diz «Os Poderes Politicos são essencialmente independentes: nenhum póde arrogar as attribuições do outro.» a questão portanto reduz-se a saber se ha Lei que mande organisar o Exercito, e se esta Lei é preceptiva, ou permissiva e facultativa como se tem dito. Quem ha de resolvera questão não somos nós, é a mesma Lei. A de 4 de Janeiro de 1837 diz assim «Hei por bem determinar que as armas de Cavalleria, e Infanteria do Exercito sejam organisadas da maneira que abaixo se segue.» Ora ninguem poderá metter-me na cabeça que estas palavras «Hei por bem determinar que sejam organisadas são facultativas e não preceptivas; por consequencia recommendar ao Governo que não leve a effeito a actual organisação do Exercito decretada por uma Lei, é o mesmo que recommendar-lhe que não cumpra essa Lei, e que falte ao seu dever e obrigação, e como se esta Camara o fizesse daria um terrivel exemplo de inconstitucionalidade, e iria invadir as attribuições do Poder Executivo, voto contra o requerimento.

O Sr. Serpa Machado: — A recommendação desta Camara não é a de um amigo para outro; deve dar-se-lhe consideração: não posso deixar de reconhecer que na Constituição do Estado não apparece este direito das recommendações é verdade que elle se tem entroduzido nos nossos usos (ou abusos) Parlamentares, de ordinario para se perder o tempo inutilmente: mas em que occasião? Quando se reconhece que uma Lei é froxamente e mal executada, então se recommenda a sua execução. Isto se tem feito; mas agora estabelecer que uma das Camaras tem a faculdade de recommendar a não execução de uma Lei, isto parece-me que é contra os principios Constitucionaes. Dizem os illustres Senadores que aquella Lei não e uma Lei preceptiva; ella é na verdade facultativa para os Ministros, mas nós não lemos liberdade de lhe

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DIARIO DO GOVERNO.

restringir essa faculdade; só a elles pertence, e não a nós suspender a organisação do Exercito e nunca por meio de uma recommendação; isto seria coartar os direitos que a Constituição dá aos Ministros da Corôa, e fazer uma invasão no Poder Executivo. O Sr. Lopes Rocha acaba de lêr um Artigo da Constituição; mas ha outro Artigo muito terminante que diz, que a factura das Leis, a sua interpretação e suspensão pertence ao Corpo Legislativo, e não póde pertencer a uma fracção desse Poder Legislativo. A substituição que fez o illustre Barão de Villa Nova de Foscôa á proposta do Sr. Zagallo, deu a entender os inconvenientes que havia nesta materia; mas esta segunda, e perdoe-se-lhe que o diga, sendo a mesma, é um pouco mais artificiosa e disfarçada, não deixa de laborar nos mesmos inconvenientes da primeira: a primeira proposição era inadmissivel; pois que como podemos nós comparar uma Lei que está feita com uma cousa que está por fazer: da Lei da organisação do Exercito todos devemos ter conhecimento; mas não de uma Lei que está em Projecto: o mesmo digo quanto ás idéas do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; como podemos nós saber o que se ha de decidir, quanto á força do Exercito, quando nós não temos disso conhecimento. Portanto opponho-me a que uma recommendação desta natureza se faça ao Governo, e seria offender as prerogativas da Corôa, e a divisão dos Poderes: e faria perder o decoro a esta Camara. Desenganemo-nos, senhores, em quanto os Legisladores tractarem de executar, e os executores tractarem de legislar, havemos de continuar no estado em que nos achamos: isto é, sem haver fiel na balança politica; e está em contínuas oscilações e movimentos (apoiados geraes).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Se esta Casa pertendesse o que diz o Sr. Lopes Rocha, era o Senado mais atrevido que podesse imaginar-se; mas ninguem tractou ainda aqui de dizer ao Governo que não cumpra as Leis; o que se faz é dizer a opinião dos Membros desta Casa, a quem parecia, que não era agora occasião de tractar daquelle augmento do Exercito. Qual é a razão porque o Senado entrou nesta questão? E porque parece que alguns Membros delle sabiam que havia intenção, de augmentar a força, augmento com que o Thesouro não podia; mas em todo o caso o Governo fica com as mãos abertas para fazer o que quizer; mas a sua responsabilidade duplica. O Senado não tem querido coarctar a liberdade ao Governo; o Senado não tem querido mais que dar um Conselho ao Governo. Outro illustre Senador o Sr. Serpa Machado disse, que os Corpos Legislativos tinham exorbitado: é verdade; mas o exemplo veio do Congresso das Necessidades. Ninguem negará que a Constituição diz, e manda que a Corôa nomêe e discuta livremente os seus Ministros; e em todos os Parlamentos se dirigem mensagens á Corôa, para que mude o seu Conselho: a Corôa umas vezes diz que sim, outras vezes diz que não. Assim tem acontecido em Inglaterra. Em París a Camara dos Deputados remetteu umas poucas de vezes o requerimento do Coronel Lorier ao Poder Executivo, que fez o que entendeu. E muito me admira ouvir um orador tão antigo, e tão erudito como o Sr. Serpa Machado sustentar uma doutrina tão errada. Por consequencia, não colhem aquelles argumentos: outras vezes os Corpos Legislativos recommendam á Clemencia do Soberano, etc. etc, e pensa-se com isto coarctar as prerogativas da Corôa? Não? Portanto nós adoptando um requerimento em que se recommenda um objecto ao Governo, não fazemos mais do que o que se tem feito sempre: a Camara dos Deputados tem recommendado ao Governo algumas pensões, e o Governo não as tem attendido, por não as julgar nas circumstancias da Lei. Portanto este caso é simples, e reduz-se a saber, se convem ou não que o Exercito se augmente em cifra, antes que as Côrtes fixem a força de mar e terra. Esta opinião póde o Senado dar.

O Sr. Miranda: — Neste estado da questão occorre-me o antigo proverbio Francez: que le trop sçavoir fait tort á la science, vendo eu que se tem confundido uma Lei, meramente facultativa, com uma Lei imperativa, o que não era de esperar de tão sabios Jurisconsultos como os que têem fallado, tambem não esperava que se quizesse restringir a liberdade de uma Camara, a ponto de lhe tirar o direito de levar ao conhecimento do Governo qualquer aviso ou informação, a fim de a tomar em consideração, quando de direito, e de facto, qualquer das duas Camaras teve sempre a faculdade e a liberdade de representar, indicar, e até de recommendar o que julga conveniente ao bem publico. E se assim é, em quanto á substancia da proposta, como é que no substancial da mesma se encontra a violação das fórmulas constitucionaes? Ninguem impelle o Sr. Ministro a fazer o que se lhe recommenda ou insinua; póde faze-lo, e póde deixar de o fazer. Está no seu direito. Os Representantes do Povo que vem tomar assento nestas cadeiras, não conhecem, nem podem conhecer todas as difficuldades em que o Governo póde achar-se envolvido; é da obrigação dos Srs. Ministros vêr se o que se lhes representa é justo ou não, para o attenderem, ou deixarem de attender, como lhes cumpre. O que eu desejo é que o Governo seja forte, e firme nas providencias que julgar de conveniencia publica; não desejo condescendências, mas forte e firme com razão, com justiça, e depois de bem informado. Eu não esperava que esta questão chegasse ao ponto de ser considerada como uma questão de tão alta importancia, quando outras insinuações se têem dirigido ao Governo sem nenhum reparo: este modo diverso de vêr as mesmas cousas procede de um accidente momentâneo, como acontece muitas vezes; portanto, e para não se prolongar uma discussão, já bastante dilatada, peço a V. Ex.ª que ponha á votação se a materia está sufficientemente discutida (apoiados).

Vozes: — Votos. Votos.

(O Sr. Presidente do Conselho está em pé).

Vozes: — Falle, falle. (Sussurro).

O Sr. Visconde de Porto Covo: - V. Ex.ª sabe muito bem manter a ordem, mas permitta que eu diga que não é por acclamações de falle, falle, que um membro qualquer deste Senado deve usar da palavra, porque a Camara tem um Regimento (apoiados). Requeiro pois a V. Ex.ª que proponha á Camara se julga a materia sufficientemente discutida, como já havia requerido o Sr. Miranda.

O Sr. Serpa Machado: — Sr. Presidente, eu acho que é sempre muito regular que depois de um membro qualquer desta Camara ter fallado duas vezes sobre a materia, peça em seguimento a V. Ex.ª que proponha a votos se ella se julga sufficientemente discutida: é isto o que acaba de fazer o Sr. Miranda, pertendendo por esta fórma tolher a palavra áquelles membros da Camara que a haviam podido, e que della precisavam usar por o não terem feito, ou pelo menos tantas vezes quantas o Regimento lhe permitte, sem fim me parece pouco airoso que se queira negar a outrem aquelle direito de que cada um já usou.

O Sr. Presidente: — O Regimento determina expressamente que quando haja um requerimento para se consultar a Camara sobre se julga a questão sufficientemente discutida, esse requerimento seja logo posto á votação: eu vou faze-lo, mas parece-me conveniente dizer que o Sr. Presidente do Conselho tinha a palavra.

Consultada a Camara resolveu que a materia não estava discutida: teve então a palavra O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Qualquer cousa que eu continue a dizer sobre a materia, muito pouco podera servir para elucidar a questão; quanto mais que eu supponho que a Camara se acha habilitada para tomar a deliberação que julgar mais justa; mas o que eu não posso é deixar de dizer nesta occasião, que muito me admira o vêr que se faz um argumento por querer o Governo augmentar a força do Exercito, Sr. Presidente, eu declaro á Camara que ainda não formei uma opinião a este respeito, e talvez eu não esteja muito longe das idéas exaradas na substituição do Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa; mas accrescentarei agora, que não considero que deva ser eu quem restrinja as prerogativas que tenho, que me são dadas por Lei; e que me não hei de suicidar a miro mesmo. Além de que, ainda se não provou que isto seja uma questão de economia, porque, para estar isso provado, era necessario que se fizesse a confrontação, porém essa não se fez. Conseguintemente, esta questão não póde ser denominada questão de economia, mas sim da marcha governativa, e esta não póde embaraçar-se por um simples requerimento que aqui se faça. Se o Governo entender que deve suspender o seu proceder, elle o fará, mas não se obriga; porque deve a Camara ter em vista que em quanto se não adotar outra Lei, a que existe é a que o Governo ha de cumprir.

Depois de fazer estas reflexões limito-me a pedir o que já requereu outro illustre Senador, e vem a ser, que V. Ex.ª pergunte á Camara

se julga a questão sufficientemente discutida, e votar-se o requerimento para senão perder mais tempo com esta discussão, do que aquelle que já se gastou inutilmente, e em prejuizo do Paiz; (apoiado).

Consultada novamente a Camara, decidir que a materia estava sufficientemente discutida.

O Sr. Presidente poz á votação a substituição do Sr. Barão da Villa Nova de Foscôa, e ficou rejeitada.

Mencionou-se um Officio pelo Ministerio do Reino, fazendo sciente que Sua Magestade a Rainha Designara o dia 20 corrente, para Receber no Paço das Necessidades, pelo meio dia, a Deputação encarregada de participar à Mesma Augusta Senhora que a Camara dos Senadores se achava constituida. — Ficou inteirada.

O Sr. Vellez Caldeira: — O estado de saude do Sr. Raivoso é conhecido; e os Medicos aconselharam-no a ír ás Caldas da Rainha: encarregou-me pois que participasse ao Senado isto mesmo, certificando que logo que volte comparecerá.

O Sr. Miranda: — O Sr. Macedo não póde comparecer hoje por se achar molesto.

Passando-se á Ordem do dia; elegeu-se a Commissão de Administração.

Neste primeiro escrutinio (de 41 listas) ficaram eleitos, pelas seguintes maiorias,

Os Srs. Pereira de Magalhães..36 votos

Tavares de Almeida..... 31 »

Miranda................ 29 »

Aguilar................ 27 »

Trigueiros............. 27 »

Barão de Rendufe....... 21 »

Procedeu-se a segundo escrutinio para um membro que ainda faltava; e, sobre 36 listas, ficou eleito

O Sr. Conde de Linhares, por.... 22 votos

O Sr. Presidente declarou que na Sessão seguinte teria a palavra o Sr. Lopes Rocha, que se achava inscripto; deu para Ordem do dia a continuação das eleições das Commissões Geraes da Casa, e fechou a Sessão pelas quatro horas e meia.

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