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DIARIO DO GOVERNO.

Poderia o Governo Britannico fornecer uma prova mais authentica da sua má vontade, do seu rancor contra Portugal, por isso que Portugal não quiz receber de joelhos, e com as faces no chão os seus imperiosos, e aviltadores mandatos! Poderia o Governo Britannico rejeitar em linguagem mais soberba, e provocadora a generosa mediação do Gabinete das Tuillerias? Se o Governo Inglez não tivesse a firme tenção de provocar-nos a um rompimento, para que á sombra delle, fartasse melhor a traiçoeira ambição que o devóra, recusaria elle a mediação do Rei dos Francezes? Não certamente. Se o Ministerio de 18 de Abril tivesse tido a fortuna de encontrar M. Thiers á frente dos negocios em França, e M. Guisot Embaixador em Inglaterra, nunca a proposta mediação houvera sido rejeitada; mas, Sr. Presidente, o Conde Sebastiani é Diplomata da eschola de Bonaparte, e todos os Diplomatas desta eschola são ainda contrarios á liberdade, e á independencia da Peninsula. Aviltar-nos na Europa, por isso que nós quizemos um dia ser Portuguezes, e não Escravos brancos, ou Irlandeses, que valle o mesmo; provocar-nos a um rompimento, para invadir depois as nossas Possessões Ultramarinas, é o unico pensamento, é o unico fim da imperiosa Politica, e das offensivas condições que o Gabinete Britannico tem querido impor-nos, como a um povo conquistado.

Nem para outros fins quereria o Governo Britannico recusar-nos uma garantia das nossas Possessões Ultramarinas, por vã que fosse, e o reconhecimento dos limites, declarações e reservas admittidas, até agora, em todos os Tractados. Nem para outros fins quereria o Governo Britannico entregar os Subditos leaes da Rainha de Portugal á authoridade cubiçosa, e ao cutello interesseiro dos Crusadores Britannicos.

Sr. Presidente, a posição em que estou collocado, e a insolita arrogancia do gabinete de S. James, exige que eu declare, que o Governo da Rainha teve mui solidos fundamentos (como S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros poderá verificar no seu gabinete) para esperar que o Governo Britannico conviesse na mediação proposta. E tanto mais quanto é certo, que ao systema das mediações deve a Europa 25 annos de repouso.

Alguem houve, cuja informação na historia diplomatica eu não invejo, nem cubiço, que pareceu estranhar o pedido desta mediação. Singular contradicção! Quer negociar um Tractado á tout prix: a dignidade da Corôa, a honra, a independencia, e os interesses da Nação não lhe importam, mas não quer a mediação para que o Governo Britannico possa crucificar-nos mas commoda, e clandestinamente! Requintado patriotismo! Ora Sr. Presidente, a verdade é, que depois da acclamação do Sr. D. João 4.° quasi sempre temos negociado á sombra das mediações. E para não ir mais longe, a mediação do Gabinete de Madrid, fez o Tractado de 1786 com a França a respeito de Cabinda. E como a negociamos nós em 1801? E não seria a mediação de Inglaterra quem separou o Brasil de Portugal? O Ministerio de V. Ex.ª mesmo pedio uma mediação da França e da Inglaterra nos negocios de Roma; e o que vai, e o que tem ido por essa Europa? As cinco Potencias mediaram annos inteiros entre a Belgica, e a Hollanda. As mesmas Potencias medeiam hoje entre o Egypto, e a Turquia.

Quem fez a paz de Gand? A mediação do Rei dos Paizes-Baixos. O que se procurou no Mexico? A França ainda ha pouco acceitou no Rio da Prata a mediação do Commandante das forças navaes dos Estados-Unidos. O que se faz hoje em Napoles?

Tem por tanto mais ancia de morder, do que boa fé, ou informação, aquelle que entendeu, que a honra nacional soffria, quando recorria a uma Nação amiga, parenta, e poderosa como mediadora.

O Ministerio que tive a honra de presidir, firme nos principios de não comprometter per actos seus, nem a paz publica, nem a honra Nacional; e determinado tambem a esgotar, antes de um rompimento, todos os meios de conciliação, compativeis com a Soberania da Corôa, e com os interesses nacionaes, não se intimidou com a rejeição da mediação da França, nem com a linguagem bombástica do gabinete de S. James, mas continuou no systema d'aproveitar todos os meios de conciliação, que podessem apresentar-se.

Uma occasião se apresentou logo para uma conciliação, se o Governo Britannico andasse de boa fé, e foi a Convenção d'Angola, proposta, e pedida ao Vice-Almirante Noronha, pelo Tenente Tucker, Commandante de alguns Crusadores na Costa Occidental d'Africa. O que fez neste caso o Governo Portuguez? V. Ex.ª o sabe, Sr. Presidente, que me fez a honra de me dar o seu mui acertado e cordial conselho. O Governo Portuguez confirmou essa Convenção, porque viu nella a base de uma negociação, e viu os elementos de um Tractado que, sem aviltar Portugal, nem consentir no saque, e ludibrio dos Subditos da Rainha, podia satisfazer a philantropia, egoísta da Nação Ingleza, e os fins d'alta politica, e generosa humanidade, enunciados no preambulo do Decreto de 10 de Dezembro de 1836. E o que fez o Governo Britannico? O que fez esse Governo, que tem vomitado contra Portugal tantas imputações sem fundamento, cuja inexactidão eu tive a fortuna de patentear? Que fez o philantropico Governo Britannico? Rejeitou aquella Convenção, menoscabou o Official que a propoz, conservando-lhe com tudo o commando, em que a sua palavra fôra desautorada pelo seu Governo, e repellio a negociação que podia mui facilmente fundamentar-se naquella Convenção. E então, Sr. Presidente, qual é o Governo despresador dos Deuses, quebrantador de Tractados? E aquelle que franca, e generosamente amplia o espirito, e a letra do Tractado de 22 de Janeiro de 1815, a Convenção de 28 de Julho de 1817, e o Artigo addicional de 11 de Setembro do mesmo anno, adaptando-os já, e sem Tractado de commum accordo, ás novas circumstancias, ou aquelle que recusa todas estas vantagens, só porque os Governos de Portugal lhes não tem querido conceder, o direito, e o gosto de enforcar os Portuguezes? Não será injurioso exigir de Portugal aquillo que nem a França, nem o Rei de Napoles, nem a Dinamarca, nem a Suecia quizeram conceder-lhe? Poderá nascer ainda em Portugal Ministro que entregue assim ao arbitrio, ao ludribio dos estrangeiros os Subditos da Rainha, seus irmãos, seus concidadãos, e talvez aquelles a quem deva a recuperação da patria? Horresco referens (sensação)! Eu sei que existem Godois imminentemente sórdidos, e vendáveis que trocariam por uma mão cheia de ouro e mesmo de cobre, a Corôa da Rainha, a honra, e a vida dos seus compatriotas, mas esses não espero eu ver, durante o Governo Representativo, ao lado da Rainha de Portugal. Eu, Sr. Presidente, e os meus generosos collegas morreríamos de vergonha, e de remorsos quando soubéssemos que um Portuguez preso no meio do Oceano, pobre, roubado, sem amigos, sem parentes, e sem defensor, fôra arrastado a terra estranha e sentenciado alli, não por seus pares, não por seus juizes naturaes, mas por um Tribunal de Estrangeiros, authorisado por uma concessão, extorquida á sua Nação pela prepotencia á outra Nação (Apoiados).

Neste estado, Sr. Presidente, estavam as nossas relações com a Inglaterra, quando Sua Magestade a Rainha, me fez a graça de dispensar os meus serviços no Seu Conselho, no dia 26 de Novembro proximo passado: isto é, o Governo Britannico dizendo: Ultimatum, ou a morte, o desdouro, ou o alfange; e Portugal respondendo: o alfange, ou a morte sim, mas o desdouro, e Ultimatum nunca.

Taes foram, Sr. Presidente, os principios, tal foi a religiosa convicção que dirigiu o Ministerio a que tive a honra de presidir; e ou nós nos enganámos muito, ou comprehendemos bem os sentimentos de todos os Portuguezes, presadores da dignidade da Coroa, e da independencia da sua Patria.

Sr. Presidente, quando a Rainha Sanccionar o Ultimatum de Mr. Gerningham, ou quando render vassallagem ao bill de 10 de Julho, deve quebrar o Sceptro, e fazer presente da sua Corôa á Rainha da Inglaterra. Finis Poloniae... E o Portuguez que quizer viver livre, independente, e sem a marca da escravidão no rosto, sacuda as correias de seus çapatos, tome o bastão do peregrino, e emigre. (Apoiados geraes.)

Sr. Presidente, se eu tenho mostrado que a conducta, e as exigencias do Governo Britannico deixam vêr que esse Governo não quiz nunca negociar bona fide de Gabinete a Gabinete, mostrarei tambem que as ordens, e premios dados á sua Marinha, manifestam hoje as paixões traiçoeiras que ferviam n'alma do Gabinete de S. James. Farei vêr, Sr. Presidente, como, ao mesmo tempo que o Ministro de Inglaterra offerecia em Lisboa palavras de paz, e negociava com V. Ex.ª os Crusadores Inglezes, tansformados em Corsarios de Barbaroxa, commettiam os mais escandalosos attentados contra a bandeira e contra os Subditos da Rainha de Portugal, e mostrarei tambem com os documentos Inglezes na mão, que o Governo Britannico, longe de punir aquelles violadores do Direito das Gentes, e dos Tractados, generosamente os premiava com postos, e commissões vantajosas.

Em 20 de Setembro de 1836, isto é, quando o Ministro Britannico negociava com V. Ex.ª, o Tenente Bosanquet, Commandante do Brigue de S. Magestade Britannica, o Leveret, commetteu aos olhos das Authoridades de Moçambique, e debaixo da nossa bandeira, as maiores violencias contra a tripulação de um navio Hespanhol alli fundeado, e contra os Empregados da nossa Alfandega, que exerciam nelle as funcções de exame, e de visita.

Queixou-se o Governo Portuguez ao Governo Britannico; e que satisfação deu este ultimo Governo? Respondeu com outro insulto acompanhado de escarneo (veja-se a nota do Sr. Rebello de Carvalho a Lord Palmerston em data de 7 de Fevereiro de 1839, e os documentos relativos á captura do Diógenes, Classe B. N.° 31. — Portugal.) Admittiu o Governo Britannico que aquelle Official havia commettido irregularidades, e depois, não só não mandou impedir essas mesmas irregularidades, mas em 2 de Fevereiro de 1839 participou ao Cavalheiro Rebello de Carvalho, que o Governo de S. Magestade Britannica estava determinado a premiar e promover o Tenente Bosanquet, e que assim o communicasse ao seu Governo em Portugal! Não é bem lisongeira, não é bem conciliadora esta satisfacção! E note-se bem, que a revolução de 9 de Setembro, que tantos aleives soffre, não podia saber-se em Moçambique em 20 do mesmo mez. Não foi portanto, nem o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, nem o Sr. Manoel de Castro Pereira, nem a minha humilde pessoa, o alvo daquelles tiros, foi sim o pavilhão da Rainha, a honra de Portugal, e o Ministerio do Sr. Duque de Palmella.

Premiado o crime em um Tenente que violou o 2.º artigo das Instrucções annexas á Convenção de 28 de Julho de 1817, que determina, que nenhuma embarcação empregada no trafico da escravatura possa ser visitada dentro de qualquer porto, era de esperar que os mesmos attentados se repetissem, por isso que eram premiados? Assim aconteceu. O Commandante do Brigue Inglez Rover, Tenente Eden, tomou tambem em despreso dos Tractados, e das convenções a Escuna Flor de Loanda ao Sul do Equador. A legalidade desta preza pareceu duvidosa, não só á Commissão mixta de Inglezes, Brazileiros no Rio de Janeiro, mas até ao mesmo apresador, e a Mr. Ouseley, Ministro da Gram-Bretanha na Côrte do Rio.

Protestou tambem o Governo Portuguez. E que satisfação recebeu? Outro insulto, e outro escarneo. O Gabinete Britannico mandou communicar ao Governo Portuguez, que o Guarda Marinha, Armitage, fôra promovido a 2.º Tenente em recompensa da parte que havia tomado no apresamento da Flor de Loanda. Este procedimento é tanto mais escandaloso, quanto é certo, que neste mesmo tempo era Lord Howard mandado negociar, e effectivamente negociava, com o Sr. Visconde de Sá da Bandeira um Tractado para reprimir o trafico. Isto é, quando o Governo Britannico para dar desenvolvimento ás Convenções de 1817, e ao Decreto de 10 de Dezembro de 1836, pretendia obter o direito de Visita, e apresamento ao Sul do Equador, mandava já por anticipação violar essas Convenções, e tornae as nossas embarcações. Não é este um bello modo de negociar? O exemplo é seductor; e assim em Dezembro de 1838, e Abril de 1839, tambem alli se não podia saber que a minha humilde pessoa presidia ao Conselho da Rainha, foi a Marinha Ingleza á Ilha de Bolama, antiga Possessão Portugueza na Costa de Guiné, Provincia de Cabo-Verde. Esta Ilha, habitada por Colonos Portuguezes, era defendida por uma bandeira, e tres pés de Castello..... Nestas circumstancias foi assaltada pela tripulação de uma Embarcação de Guerra Ingleza, a nossa bandeira foi arreada, e os Colonos saqueados. A nossa bandeira serviu de mortalha a meia duzia de garrafas de vinho que os bons Inglezes tiveram a fortuna de encontrar em casa de um dos habitantes, e tudo isto foi levado em triumpho com os pretos forros, e captivos para a Serra Leôa. (Sensação.) A violencia foi tal que as Authoridades