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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

5.º Sessão, em 23 de Junho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Um quarto depois da uma hora da tarde foi aberta a Sessão, estando presentes 39 Srs. Senadores.

Lida a Acta da Sessão antecedente, pediu a palavra, e disse

O Sr. Vellez Caldeira: — A Acta está exacta, o que não é exacto é o meu requerimento que hontem fiz: suppunha então que a cerca do extincto Convento dos Carmelitas da Cidade de Lagos, que a Camara Municipal da mesma Cidade pede para estabelecer alli o Cemiterio, vinha comprehendido no Projecto de Lei N.º 97, vindo no fim da Sessão de 1839 da Camara dos Deputados, mas não é assim. O requerimento da Camara Municipal de Lagos, é dirigido directamente a esta Camara, e ainda não foi considerado: tinha já sido remettido á Commissão de Fazenda, que não chegou a dar Parecer sobre elle; e acaba, com outros papeis, de ser remettido á nova Commissão de Fazenda. Chamo a attenção desta sobre o requerimento da Camara Municipal de Lagos, e peço aos illustres Membros da Commissão queiram dar o seu Parecer com a brevidade que lhes fôr possivel.

Não havendo outra observação, foi a Acta approvada.

Teve segunda leitura o Projecto de Lei sobre Segurança Publica, apresentado na Sessão precedente pelo Sr. Lopes Rocha (V. Diario N.° 156, a pag. 768). Sendo concedida a palavra ao seu Auctor, disse,

O Sr. Lopes Rocha: — Tenho muito pouco a dizer sobre este Projecto, porque o deixo á sabedoria da Camara: eu já disse quando tive a honra de o apresentar, que a necessidade delle estava justificada pelos clamores geraes, que de todas as partes o exigiam, e que o rigor das suas medidas era consequencia das circumstancias desgraçadas a que se tinha deixado chegar o Reino: o Projecto (sendo admittido) ha de ir a uma Commissão; ella lhe fará as emendas e alterações que julgar convenientes; e então será Lei, não o que eu propuz, não o que a Commissão apresentar, mas aquillo que a Camara approvar.

O Projecto foi admittido, e mandado á Commissão de Legislarão.

Á de Poderes se remetteu o diploma do Sr. Domingos Corrêa Arouca, Senador eleito por Moçambique, que foi enviado para a Mesa pelo Sr. Miranda.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, hontem quiz fazer um requerimento para que desta Camara se pedissem á dos Srs. Deputados os Projectos de Lei que na Sessão passada aqui tinham sido approvados, e para alli remettidos; V. Ex.ª fez-me a reflexão de que, remettendo-se daqui Projectos identicos, provavelmente isto iria despertar a idéa de mandar tambem para esta Camara os que estavam lá: eu acceitei esta reflexão, e esperava hoje pela correspondencia para vêr se na leitura della apparecia a remessa desses Projectos; e como a não vejo, peço á Mesa me informe se elles estarão na Secretaria.

O Sr. Secretario Machado: — Não podem estar, porque então estariam aqui, e ter-se-ía dado conta delles.

O Sr. Trigueiros: — Sr. Presidente, estes Projectos não só são o fructo de muitos trabalhos, mas até de muitas Sessões, e estou persuadido que de grande importancia pela sua materia, e pelos clamores geraes que os reclamam: eu fui informado na Secretaria da Camara dos Srs. Deputados a respeito da sua remessa, que hoje alguns haviam de vir para aqui, e que outros não podiam ser mandados, porque se tinham perdido nas Commissões. Ora, Sr. Presidente, sem que eu queira analysar esta falta, limitar-me-hei simplesmente a pedir pela brevidade do tempo, que da Secretaria desta Casa sejam tiradas copias dos registos, que alli devem existir, da Lei dos Contrabandos de Cereaes, e da Lei sobre o Terreiro, que ambas se perderam: parece-me que aproveitariamos alguma cousa se assim o fizessemos, porque são de primeira necessidade; e nós podemos fazer um serviço ao Paiz se quanto antes as tornarmos a remetter áquella Camara, e alli forem approvadas. Eu peço que se consulte a Camara se podemos chamar da Secretaria os Projectos que devem existir nos registos, e torna-los a remetter depois aonde convier para o seu andamento.

O Sr. Presidente: — Não póde haver objecção nenhuma, porque os Projectos remettidos a outra Camara na Sessão passada caducaram, e por tanto póde o Senado renova-los da maneira que entender.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Pedia a V. Ex.ª me quizesse fazer a honra de dar a ordem na Secretaria para que se pozessem sobre a Mesa aquelles Diarios do Governo em que estão exaradas as listas dos elegiveis para Senadores; e darei já a razão: parece-me que o Cavalheiro eleito por Moçambique não se acha em nenhuma das cathegorias da Lei. Á vista das listas poderá verificar-se o que eu digo.

O Sr. Presidente: — Não ha inconveniente. Como ainda se não acha presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, passamos á Ordem do dia.

Devia eleger-se a Commissão de Petições, mas (sobre proposta do Sr. Tavares de Almeida) resolveu-se que a Mesa indicasse os respectivos Membros.

Seguiu-se a eleição da Commissão de Marinha e Ultramar: apurado um escrutinio, de 38 listas, (içaram eleitos pelas seguintes maiorias:

Os Srs. V. de Sá da Bandeira com... 37 votos

Costa e Amaral.......... 31

Lopes Rocha............. 28

Barão do Tojal.......... 27

Curry................... 25

Conde de Linhares....... 24

Marquez de Loulé........ 23

Havendo entrado o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, leve a palavra para lhe dirigir algumas interpellações, e disse

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, o meu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá dá Bandeira publicou, e distribuio um Folheto no qual prova da maneira mais incontestavel que, durante o Ministerio a que S. Ex.ª presidira, fizera Portugal todos os exforços, offerecêra todos os sacrificios, e acceitará todas as condições, compativeis com a dignidade da Corôa, e com os interesses nacionaes, na esperança, e para o fim de concluir um Tractado com a Grã-Bretanha, que devesse reprimir, ou acabar, se possivel fosse, o barbaro trafico da Escravatura em todas as Possessões Ultramarinas da Rainha de Portugal.

Mostrou tambem S. Ex.ª argumentando com os documentos apresentados ao Parlamento pelo Gabinete Britannico, que, se o desejado Tractado, depois de negociado com Lord Howard de Walden, não fôra rectificado, toda a imputação competia ao Governo Britannico, e não ao Governo de Portugal; pois foi o Governo Britannico quem, contra a boa fé, desnegou a obra de seu Plenipotenciario, e conservou-o em Portugal.... onde o tinha desconceituado.

O credito do Ministerio a que tive a honra de presidir, reclama que eu mostre ao Senado, antes de me dirigir a S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, ao roeu Paiz, a to das as Nações, e á Inglaterra em particular, que, desde o dia 18 de Abril do anno passado, até ao dia 26 de Novembro, o mesmo espirito, o mesmo desejo de conciliação animara sempre os Ministros que Sua Magestade Se Dignara chamar ao Seu Conselho naquelle mencionado dia; e que pelo contrario o Governo Britannico, longe de querer negociar com Portugal, empregara contra elle todos os meios de provocação, violencia, depredação, e insulto, que a sua prepotencia podera imaginar a fim de rejeitar todos os modos da conseguir aquillo que fingia desejar!

Sr. Presidente, logo que eu principiei a exercer as funcções de Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios Estrangeiros, pedio-me o Ministro d'Inglaterra uma entrevista. Conversámos sobre differentes objectos. Fallou-se de Goa, cuja venda o meu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá da Bandeira rejeitára, e que eu depois rejeitei tambem, e por fim entramos nos motivos que podiam ter produzido o mallogro do Tractado negociado entre o meu nobre amigo, e o Ministro de Sua Magestade Britannica. Nesta conferencia disse eu a Lord Howard de Walden, que, apenas entrado no Ministerio, mal podia eu estar ao facto de uma negociação tão complicada como a do Tractado sobre o trafico, nem, abismado em trabalho, como estava na presença das Côrtes, e obrigado por motivos especiaes, ao expediente de tres Secretarias, poderia dispor do tempo necessario para examinar, como devia, o estado daquella negociação; mas que, logo que as Côrtes se fechassem, eu me occuparia com todo o zelo, e assiduidade daquelle negocio, não só para sustentar os Direitos Magestaticos da Rainha, mas para o fim tambem de procurar pôr termo aos attentados que a Marinha Britannica estava commettendo contra a bandeira de Portugal, e contra as vidas, e propriedades dos Portuguezes, tanto ao Norte, como ao Sul do Equador etc. etc. Que estas foram as minhas idéas, senão tiverem sido as mesmas palavras, provarei eu com o mesmo officio de Lord Howard de Walden, dirigido a Lord Palmerston no dia 28 d'Abril: isto é, dez dias depois da minha entrada no Ministerio. Eis aqui o officio de Lord Howard. Depois de tractar varios objectos, termina referindo-se ao que eu lhe dissera «and adding the assurances of his anxious desire to do what he could to bring about, in all questions, a better state of relations with Great Britain, than had of late existed» — Vide Class. B Further correspondence, pag. 102 — N.° 57: Documentos apresentados ao Parlamento pelo Gabinete Britannico.

Sr. Presidente, é necessario que o Ministro Britannico observasse bastante força de convicção nesta minha promessa, e reconhecesse bem os motivos da dilação que eu reclamava, para que elle assegurasse ao seu Governo o desejo que eu tinha de restabelecer as relações d'amizade, e boa harmonia com a Inglaterra. Observarei agora, que no mesmo dia em que Lord Howard escrevia assim ao seu Gabinete, tambem Lord Howard me transmittia uma Nota mui volumosa, que Lord Palmerston lhe enviara, em resposta a outra do Sr. Visconde de Sá da Bandeira, escripta onde meses antes (E por esta occasião absolverei o Ministro d'Inglaterra de qualquer imputação na redacção daquella Nota, por isso que Lord Palmerston apresentou ao Parlamento dous documentos para demonstrar, que essa, e outras Notas foram preparadas na Chancellaria do seu Ministerio. Lord Palmerston é Poeta, quem sahe se com esta declaração quiz fazer um Epigrama!! Ou elle tinha tanto amor ao seu trabalho, que não quiz deixar a outro a gloria da paternidade!

No dia 5 de Maio transmittio-me Lord Howard outra estirada Nota para servir do resposta áquella, que o Sr. Visconde de Sá da Bandeira lhe havia dirigido em 6 de Outubro do anno antecedente, isto é, sete mexes antes que fosse respondida. Ainda depois recebi um longo Memorandum sobre a materia das duas Notas antecedentes. De sorte que, em quinze dias, vi-me sepultado debaixo do peso de mais de duzentas folhas de papel, que comprehendiam tudo quanto podia responder-se ás duas mencionadas Notas do Sr. Visconde de Sá da Bandeira, em data de 22 de Maio, e 6 de Outubro de 1838.

Este retardamento em responder da parte do Governo Britannico, e esta accumulação de Notas em tão poucos dias não foi casual; os factos provaram depois, que o Gabinete Britannico se demorou a responder todo o tempo que lhe foi necessario para extractar, cercear, e imprimir aquelles documentos com que esperava surprehender o Parlamento, e não queria dar tempo a que o Governo de Portugal fizesse ver a falsidade das lucubrações que enviara a Lord Howard nas duas Notas de 28 d'Abril, e 5 de Maio.

Depois que Lord Howard me enviou toda a citada correspondencia, teve comigo outra conferencia. Repetio as reflexões que me havia feito antes, para diminuir o terror que me inspirava o affrontoso Ultimatum de Mr. Jerningham etc. Tractei de fazer-lhe vêr quanto eram mal fundadas algumas asserções contidas nas duas Notas que de havia remettido, particularmente aquella com que, em menoscabo da

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boa fé, se pretendia imputar ao Governo Portuguez o rompimento da negociação, quando era evidente, como já se demonstrou, que esse rompimento viera do Governo Britannico. Assim o disse, e assim o havia escripto a Lord Howard. Repeti tambem, que logo que as Côrtes se fechassem, eu me dedicaria inteiramente aos negocios de Inglaterra, mas accrescentei, que, fossem quaes fossem os meus desejos de assignar um Tractado, que abafasse o ressentimento que a Nação Portugueza principiava a manifestar contra o tom imperioso e violento que o Gabinete de S. James empregava contra a sua mais antiga, e fiel alliada, e contra a exorbitancia das suas pretenções, nunca eu me resolveria, nem a vilipendiar a Corôa de Portugal, nem a comprometter a independencia do meu Paiz, e a minha propria honra, assignando o avillador Ultimatum, que Mr. Jerningham apresentára. Ultimatum que só a prepotencia podia offerecer, ou a cobardia acceitar. Que e tas foram as minhas razões provarei eu tambem com a leitura d'outro officio que Lord Howard escreveu ao seu Governo em 20 de Maio, aonde se encontram as seguintes expressões «The Baron assured me of his anocious wish to treat on all pending matters, with the sincerest desire to bring about a good understanding with the British Government. It is evident, however, with regard to the signature of the treaty, the Baron is not disposed to give away.» Vid. Classe. B. pag. 108 — N.° 63 dos citados documentos.

É evidente pois, Sr. Presidente, que os meus desejos de negociar eram sinceros, e que eu não pedia mais, que o tempo necessario para senhorear-me da materia; tempo que a pratica, e a conveniencia diplomatica concede sempre a todos os Ministerios novos. Pratica que Lord Palmerston, ou menos resentido, ou mais esperançado.... pareceu querer conceder a SS. Ex.as os Srs. Ministros n'uma das suas fallas no Parlamento. O tempo revelará quaes eram os motivos das suas esperanças, e até que ponto se realisaram.

É evidente, repito, que até ao fim de Maio não tinha o Ministerio Britannico motivo algum para suspeitar a lealdade das expressões do Governo da Rainha. Isto é tanto assim que, nestes tempos, Lord Howard mesmo me cumprimentava peias medidas que o Ministerio de 18 d'Abril mandara tomar pelas Repartições da Fazenda, e da Marinha, para impedir que sahisse do Tejo qualquer Embarcação que podesse dar logar á mais remota suspeita, de que o seu destino podesse vir a ser o trafico da Escravatura.

O Senado foi testemunha da deferencia, que eu manifestei nesta Sala para com o Governo Britannico, quando se tractou de publicar alguns documentos officiaes (apoiado), e o Barão de Moncorvo, quando partio para Londres, foi incumbido de fazer saber ao Governo Britannico, que o Ministerio de 18 d'Abril não duvidava negociar, com tanto que a independencia da Corôa, e a honra da Nação, não fossem sacrificadas.

Obrigado a mostrar, que o Ministerio, a que tive a honra de presidir, não deu motivo algum ao Governo Britannico para apresentar ao Parlamento o monstruoso Bill de 10 de Julho, seja-me permittido dizer, que poucas semanas antes o Governo Britannico se expressava a meu respeito de um modo obsequioso, como é possivel vêr no Gabinete dos Negocios Estrangeiros. Apezar de tudo isto, apezar das noticias officiaes d’Angola, e do Rio de Janeiro, que patenteavam os continuados exforços que o Governo Portuguez estava empregando para fazer cumprir rigorosamente o Decreto de 10 de Dezembro; apezar do castigo infligido a diversas Authoridades taxadas de negligencia na execução das Ordens do Governo; apezar em fim, das ordens dadas, repetidas, e executadas pela Marinha Portugueza no apresamento das Embarcações negreiras; o Gabinete Britannico apresentou ao Parlamento em 10 de Julho de 1839 esse façanhoso Bill contra a independencia da Corôa de Portugal, e contra a honra, e interesses da Nação Portugueza, acompanhado d'um preambulo, ou libello injusto, desmentido pelos factos, e recheado de falsidades, e vituperios contra um povo antigo, e fidelissimo alliado, que, em quanto á Nação Ingleza, só devia accusa-se de um erro, ou de um delicto, isto é, o d'haver-se imolado cegamente, ha 200 annos, aos interesses, e á tyrannica preponderancia d'Inglaterra.

Aquelle Bill, Sr. Presidente, é em todas as suas clausulas, a violação mais flagrante da Convenção de 28 de Julho de 1817, e das estipulações do Artigo addicional de 11 de Setembro do mesmo anno, por isso que essas estipulações não poliam ter tido ainda de commum accordo, adaptadas ás novas circumstancias alli mencionadas: e por consequencia, todo o apresamento de Navios Portuguezes por Cruseiros Inglezes ao Sul do Equador, é illegal, é um crime, é um roubo, porque é feito contra os Tractados; e nós ainda não constituimos os Inglezes nossos Juizes, nem lhes demos carta de corso contra as nossas Embarcações. O Parlamento Britannico não póde legislar para Portugal. Além disso, Sr. Presidente, esse Bill calumniador, avaro, e tyrannico, é não só offensivo dos Direitos da Rainha de Portugal, que desde o Campo d'Ourique até hoje, não deve o seu Throno senão á espada, e á lealdade dos Seus Subditos, mas attenta contra a independencia de todas as Nações, cujo commercio se pertende anniquilar, e é o rompimento mais escandaloso dos Tractados existentes entre Portugal, e a Grã-Bretanha, Tractados leoninos a que devemos a nossa ruina. Graças á negligencia dos nossos negociadores.

Sr. Presidente, alguns Lords, capitaneados pelo maior homem da Europa, stigmatisaram, e protestaram cavalheiramente contra a enormidade, e tendencia daquelle Bill; mas na Camara dos Communs, foi esta medida de orgulho, saque, e usurparão votada em silencio, e aplaudida!!! Na Casa dos Communs d'Inglaterra, onde retumbou tantas vezes a voz eloquente de Mr. Canning, proclamando os principios mais generosos de Politica, de Justiça, e de Liberdade; nesta Camara, Sr. Presidente, aonde o immortal Fox sustentou annos inteiros os direitos dos Povos livres; nesta Camara, Sr. Presidente, tal foi a surpreza, ou tão grande a corrupção, que não houve alli, nesse dia, um só homem justiceiro, um Tony, um Whig, um Radical, um Quaker, ou Methodista, que tivesse alma para sentir, e coração para stigmatisar a enormidade daquella medida injusta, impolitica, e revoltante. Fuit, fuit isla quondam in hac republica virtus.

Parece, Sr. Presidente, que Bonaparte, moribundo em Santa Helena, legara todos os vicios do seu coração infiel, e ambicioso aos Ministros da Rainha Victoria, esperando que, fructificando alli, acarretassem sobre a Inglaterra os mesmos odios, as mesmas armas, e a mesma liga que o desthronaram.

Logo que o Governo da Rainha soube que esse afrontoso Bill fôra regeitado na Casa dos Lords, quando apresentado pela primeira vez, abafou o seu justo resentimento, e animado sómente dos dezejos mais puros de vir a um arranjamento com a Grã-Bretanha, ordenou immediatamente ao Barão de Moncorvo, que na primeira entrevista que podesse ter com Lord Palmerston, lhe fizesse saber, que o Governo Portuguez, apesar do injurioso Bill apresentado por S. S.a, e das falsidades exaradas no seu preambulo, o Governo Portuguez, enfiado nos seus Direitos, e na sua justiça, estava ainda determinado a entrar em explicações para o fim de concluir o dezejado Tractado, que o Governo Britannico tinha pedido, e mandado negociar e por fim rejeitado, depois de negociado. O Governo que assim obra, depois dos vituperios vomitados no Parlamento por Lord Minto, por Lord Brougham, Lord Palmerston o quejandos, não dezeja certamente romper allianças, quebrar Tractados, ou provocar insultos, e hostilidades. Não excita á guerra, como se tem affirmado em Portugal, e em Inglaterra, ou por estupidez, ou por dinheiro, porque os Governos Britannicos corrompem tudo.

Mas, Sr. Presidente, o rancor que alguem nutre contra Portugal, desde o dia 5 de Novembro de 1836 não lhe permittiu deixar passar mais que uma semana, antes de apresentar-se o novo Bill, no qual o veneno era o mesmo, mas enrolado em folhas variadas.

Aconteceu por isto, que, quando o Barão de Moncorvo recebeu aquellas novas instrucções, já o segundo Bill estava em andamento. O Corpo Diplomatico em Londres, nem ignorou estas instrucções, nem ignorou os bons dezejos do Governo Portuguez, nem deixou d'avaliar a precepitação do Governo Britannico, precipitação que lhe convinha para adiantar o seu plano d'usurpação, ou d'extorsão.

Desta sorte, Sr. Presidente, foi sanccionada aquella medida de violencia, egoismo, e d'espoliaçâo por uma Soberana innocente; mas bloqueada então por seus Ministros em Windsor Castle porque um Rei da Grã-Bretanha é o primeiro escravo da Oligarchia, que alli domina.

Nestas circumstancias o Governo da Rainha fez aquillo, que o seu dever, e a sua lealdade ao Throno, e ao seu Paiz lhe aconselhavam. Resentio a fêa ingratidão, e desleal atropelamento do Governo Britannico, e como não podia appellar para a ultima razão dos Reis. (Lord Palmerston, se minha memoria me não falta, tem brios tão guerreiros que estranhava um dia que Portugal não declarasse a guerra á Inglaterra!!!) porque não tinha 80 Naus de Linha, e só por isto, appellou para as Potencias signatarias do Congresso de Vienna, e fez vêr aos Gabinetes Estrangeiros a falsidade dos factos, e dos principios em que o Governo Britannico se fundava para offender-nos, e despojar-nos. Portugal fallou, e fallou alto, e contra a esperança, e sarcasticas prophecias de um Diplomata, a Europa, e America ouviram Portugal.

Os Publicistas d'ambos os Mundos, que tinham escutado as raivosas accusações do Governo Britannico, ouviram tambem a defeza de Portugal, e ambos os Mundos fazem hoje justiça á nossa boa fé, e á nossa lealdade.

Os mais distinctos Jornaes Inglezes, Francezes, e Alemães tem reconhecido, e advogado a nossa causa, e as vistas de criminosa ambição, e da sordida avareza do Gabinete Britannico tem sido denunciadas. Avareza por que o corso enriquece a Grã-Bretanha, e os parentes d'altos funccionarios......

Oh! Sr. Presidente, se os heroes do Nilo, e do Cabo de S. Vicente podessem arrombar a campa, e vêr a Marinha Ingleza arvorar o Pavilhão de S. Jorge para renovar com elle a memoria dos Flibusteiros, tornariam a morrer de dôr, e de vergonha. Essa vergonha seria maior, essa dôr mais intensa, quando observassem que a Marinha Ingleza era mandada cometter, sem prévia declaração de guerra, toda a especie de insulto, saque, incendio, e matança contra a Nação Portugueza; isto é, a mais fiel, e mais antiga alliada da Inglaterra, que não só lhe deu o seu ouro, e verteu o seu sangue para engrandecê-la, mas até levou a sua demencia ao ponto de conceder aos Inglezes privilegios, que os mesmos Portuguezes não gozam (apoiados)! Mais avisada andou a Hespanha em 1667, e 1645; e o Rei de Napoles em 1816. A primeira vendendo aos Inglezes os privilegios que nós gratuitamente lhes concedemos, e o segundo abolindo aquelles que alli gosavam.

Não tractarei agora, Sr. Presidente, por isso que tem sido feito mil vezes, da insolita arrogancia, da tyrannica pretenção do Governo Britannico, tentando por motivos especiosos, legislar para todas as Nações do Mundo. E qual é o resultado? A Marinha da União despreza o Bill, e trafica tão livre, e ousada como dantes. A bandeira Russa cobre o trafico, as bandeiras Hollandeza e Franceza fazem o mesmo, não s'intemidam, e traficam impunemente á sombra mesmo dos navios do Estado! E que faz o Governo Britannico? Soffre, dissimula, e cala.

Porque, Sr. Presidente, sinto dize-lo, mas é impossivel deixar de o confessar. O Governo Britannico nesta desgraçada contestação com Portugal, despedaçado em consequencia dos antigos erros do seu Governo, e modernas dissenções, representa maravilhosamente o caracter de fanfarrão de Comedia: arromba as portas de Portugal, por que essas portas estão abertas; mas quando se tracta dos Estados-Unidos da America do Norte, da Russia ou da França, o gabinete Britannico tem fallado sempre de joelhos, e com o chapéu na mão.

Em fim sanccionado o Bill, entendeu o Governo da Bainha que ao mesmo tempo que devia manifestar o seu ressentimento, e fazer vêr a injustiça d'uma aggressão ião revoltante, filha do amor proprio offendido do Gabinete Britannico, mas não exigida, nem pelo seu decoro, nem pelo direito publico, devia tambem, na falta de forças iguaes, ou ao menos approximadas, recorrer áquelles meios que todas as Nações tem empregado, e empregam hoje mais que nunca, quando ha motivos que podem conduzir a um rompimento. Assim procurou por meio de uma mediação, restabelecer entre as duas Coroas, as relações de reciproca vantagem, e antiga amizade.

Pedio pois a mediação da França. A França prestou-se. E qual foi o resultado? Eu vou lêr uma Nota de Lord Granville ao Marechal Soult, que mostrará com toda a evidencia a que ponto chega o orgulho, e rancorosa fatuidade do Gabinete de S. James. (Leu e analysou).

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Poderia o Governo Britannico fornecer uma prova mais authentica da sua má vontade, do seu rancor contra Portugal, por isso que Portugal não quiz receber de joelhos, e com as faces no chão os seus imperiosos, e aviltadores mandatos! Poderia o Governo Britannico rejeitar em linguagem mais soberba, e provocadora a generosa mediação do Gabinete das Tuillerias? Se o Governo Inglez não tivesse a firme tenção de provocar-nos a um rompimento, para que á sombra delle, fartasse melhor a traiçoeira ambição que o devóra, recusaria elle a mediação do Rei dos Francezes? Não certamente. Se o Ministerio de 18 de Abril tivesse tido a fortuna de encontrar M. Thiers á frente dos negocios em França, e M. Guisot Embaixador em Inglaterra, nunca a proposta mediação houvera sido rejeitada; mas, Sr. Presidente, o Conde Sebastiani é Diplomata da eschola de Bonaparte, e todos os Diplomatas desta eschola são ainda contrarios á liberdade, e á independencia da Peninsula. Aviltar-nos na Europa, por isso que nós quizemos um dia ser Portuguezes, e não Escravos brancos, ou Irlandeses, que valle o mesmo; provocar-nos a um rompimento, para invadir depois as nossas Possessões Ultramarinas, é o unico pensamento, é o unico fim da imperiosa Politica, e das offensivas condições que o Gabinete Britannico tem querido impor-nos, como a um povo conquistado.

Nem para outros fins quereria o Governo Britannico recusar-nos uma garantia das nossas Possessões Ultramarinas, por vã que fosse, e o reconhecimento dos limites, declarações e reservas admittidas, até agora, em todos os Tractados. Nem para outros fins quereria o Governo Britannico entregar os Subditos leaes da Rainha de Portugal á authoridade cubiçosa, e ao cutello interesseiro dos Crusadores Britannicos.

Sr. Presidente, a posição em que estou collocado, e a insolita arrogancia do gabinete de S. James, exige que eu declare, que o Governo da Rainha teve mui solidos fundamentos (como S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros poderá verificar no seu gabinete) para esperar que o Governo Britannico conviesse na mediação proposta. E tanto mais quanto é certo, que ao systema das mediações deve a Europa 25 annos de repouso.

Alguem houve, cuja informação na historia diplomatica eu não invejo, nem cubiço, que pareceu estranhar o pedido desta mediação. Singular contradicção! Quer negociar um Tractado á tout prix: a dignidade da Corôa, a honra, a independencia, e os interesses da Nação não lhe importam, mas não quer a mediação para que o Governo Britannico possa crucificar-nos mas commoda, e clandestinamente! Requintado patriotismo! Ora Sr. Presidente, a verdade é, que depois da acclamação do Sr. D. João 4.° quasi sempre temos negociado á sombra das mediações. E para não ir mais longe, a mediação do Gabinete de Madrid, fez o Tractado de 1786 com a França a respeito de Cabinda. E como a negociamos nós em 1801? E não seria a mediação de Inglaterra quem separou o Brasil de Portugal? O Ministerio de V. Ex.ª mesmo pedio uma mediação da França e da Inglaterra nos negocios de Roma; e o que vai, e o que tem ido por essa Europa? As cinco Potencias mediaram annos inteiros entre a Belgica, e a Hollanda. As mesmas Potencias medeiam hoje entre o Egypto, e a Turquia.

Quem fez a paz de Gand? A mediação do Rei dos Paizes-Baixos. O que se procurou no Mexico? A França ainda ha pouco acceitou no Rio da Prata a mediação do Commandante das forças navaes dos Estados-Unidos. O que se faz hoje em Napoles?

Tem por tanto mais ancia de morder, do que boa fé, ou informação, aquelle que entendeu, que a honra nacional soffria, quando recorria a uma Nação amiga, parenta, e poderosa como mediadora.

O Ministerio que tive a honra de presidir, firme nos principios de não comprometter per actos seus, nem a paz publica, nem a honra Nacional; e determinado tambem a esgotar, antes de um rompimento, todos os meios de conciliação, compativeis com a Soberania da Corôa, e com os interesses nacionaes, não se intimidou com a rejeição da mediação da França, nem com a linguagem bombástica do gabinete de S. James, mas continuou no systema d'aproveitar todos os meios de conciliação, que podessem apresentar-se.

Uma occasião se apresentou logo para uma conciliação, se o Governo Britannico andasse de boa fé, e foi a Convenção d'Angola, proposta, e pedida ao Vice-Almirante Noronha, pelo Tenente Tucker, Commandante de alguns Crusadores na Costa Occidental d'Africa. O que fez neste caso o Governo Portuguez? V. Ex.ª o sabe, Sr. Presidente, que me fez a honra de me dar o seu mui acertado e cordial conselho. O Governo Portuguez confirmou essa Convenção, porque viu nella a base de uma negociação, e viu os elementos de um Tractado que, sem aviltar Portugal, nem consentir no saque, e ludibrio dos Subditos da Rainha, podia satisfazer a philantropia, egoísta da Nação Ingleza, e os fins d'alta politica, e generosa humanidade, enunciados no preambulo do Decreto de 10 de Dezembro de 1836. E o que fez o Governo Britannico? O que fez esse Governo, que tem vomitado contra Portugal tantas imputações sem fundamento, cuja inexactidão eu tive a fortuna de patentear? Que fez o philantropico Governo Britannico? Rejeitou aquella Convenção, menoscabou o Official que a propoz, conservando-lhe com tudo o commando, em que a sua palavra fôra desautorada pelo seu Governo, e repellio a negociação que podia mui facilmente fundamentar-se naquella Convenção. E então, Sr. Presidente, qual é o Governo despresador dos Deuses, quebrantador de Tractados? E aquelle que franca, e generosamente amplia o espirito, e a letra do Tractado de 22 de Janeiro de 1815, a Convenção de 28 de Julho de 1817, e o Artigo addicional de 11 de Setembro do mesmo anno, adaptando-os já, e sem Tractado de commum accordo, ás novas circumstancias, ou aquelle que recusa todas estas vantagens, só porque os Governos de Portugal lhes não tem querido conceder, o direito, e o gosto de enforcar os Portuguezes? Não será injurioso exigir de Portugal aquillo que nem a França, nem o Rei de Napoles, nem a Dinamarca, nem a Suecia quizeram conceder-lhe? Poderá nascer ainda em Portugal Ministro que entregue assim ao arbitrio, ao ludribio dos estrangeiros os Subditos da Rainha, seus irmãos, seus concidadãos, e talvez aquelles a quem deva a recuperação da patria? Horresco referens (sensação)! Eu sei que existem Godois imminentemente sórdidos, e vendáveis que trocariam por uma mão cheia de ouro e mesmo de cobre, a Corôa da Rainha, a honra, e a vida dos seus compatriotas, mas esses não espero eu ver, durante o Governo Representativo, ao lado da Rainha de Portugal. Eu, Sr. Presidente, e os meus generosos collegas morreríamos de vergonha, e de remorsos quando soubéssemos que um Portuguez preso no meio do Oceano, pobre, roubado, sem amigos, sem parentes, e sem defensor, fôra arrastado a terra estranha e sentenciado alli, não por seus pares, não por seus juizes naturaes, mas por um Tribunal de Estrangeiros, authorisado por uma concessão, extorquida á sua Nação pela prepotencia á outra Nação (Apoiados).

Neste estado, Sr. Presidente, estavam as nossas relações com a Inglaterra, quando Sua Magestade a Rainha, me fez a graça de dispensar os meus serviços no Seu Conselho, no dia 26 de Novembro proximo passado: isto é, o Governo Britannico dizendo: Ultimatum, ou a morte, o desdouro, ou o alfange; e Portugal respondendo: o alfange, ou a morte sim, mas o desdouro, e Ultimatum nunca.

Taes foram, Sr. Presidente, os principios, tal foi a religiosa convicção que dirigiu o Ministerio a que tive a honra de presidir; e ou nós nos enganámos muito, ou comprehendemos bem os sentimentos de todos os Portuguezes, presadores da dignidade da Coroa, e da independencia da sua Patria.

Sr. Presidente, quando a Rainha Sanccionar o Ultimatum de Mr. Gerningham, ou quando render vassallagem ao bill de 10 de Julho, deve quebrar o Sceptro, e fazer presente da sua Corôa á Rainha da Inglaterra. Finis Poloniae... E o Portuguez que quizer viver livre, independente, e sem a marca da escravidão no rosto, sacuda as correias de seus çapatos, tome o bastão do peregrino, e emigre. (Apoiados geraes.)

Sr. Presidente, se eu tenho mostrado que a conducta, e as exigencias do Governo Britannico deixam vêr que esse Governo não quiz nunca negociar bona fide de Gabinete a Gabinete, mostrarei tambem que as ordens, e premios dados á sua Marinha, manifestam hoje as paixões traiçoeiras que ferviam n'alma do Gabinete de S. James. Farei vêr, Sr. Presidente, como, ao mesmo tempo que o Ministro de Inglaterra offerecia em Lisboa palavras de paz, e negociava com V. Ex.ª os Crusadores Inglezes, tansformados em Corsarios de Barbaroxa, commettiam os mais escandalosos attentados contra a bandeira e contra os Subditos da Rainha de Portugal, e mostrarei tambem com os documentos Inglezes na mão, que o Governo Britannico, longe de punir aquelles violadores do Direito das Gentes, e dos Tractados, generosamente os premiava com postos, e commissões vantajosas.

Em 20 de Setembro de 1836, isto é, quando o Ministro Britannico negociava com V. Ex.ª, o Tenente Bosanquet, Commandante do Brigue de S. Magestade Britannica, o Leveret, commetteu aos olhos das Authoridades de Moçambique, e debaixo da nossa bandeira, as maiores violencias contra a tripulação de um navio Hespanhol alli fundeado, e contra os Empregados da nossa Alfandega, que exerciam nelle as funcções de exame, e de visita.

Queixou-se o Governo Portuguez ao Governo Britannico; e que satisfação deu este ultimo Governo? Respondeu com outro insulto acompanhado de escarneo (veja-se a nota do Sr. Rebello de Carvalho a Lord Palmerston em data de 7 de Fevereiro de 1839, e os documentos relativos á captura do Diógenes, Classe B. N.° 31. — Portugal.) Admittiu o Governo Britannico que aquelle Official havia commettido irregularidades, e depois, não só não mandou impedir essas mesmas irregularidades, mas em 2 de Fevereiro de 1839 participou ao Cavalheiro Rebello de Carvalho, que o Governo de S. Magestade Britannica estava determinado a premiar e promover o Tenente Bosanquet, e que assim o communicasse ao seu Governo em Portugal! Não é bem lisongeira, não é bem conciliadora esta satisfacção! E note-se bem, que a revolução de 9 de Setembro, que tantos aleives soffre, não podia saber-se em Moçambique em 20 do mesmo mez. Não foi portanto, nem o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, nem o Sr. Manoel de Castro Pereira, nem a minha humilde pessoa, o alvo daquelles tiros, foi sim o pavilhão da Rainha, a honra de Portugal, e o Ministerio do Sr. Duque de Palmella.

Premiado o crime em um Tenente que violou o 2.º artigo das Instrucções annexas á Convenção de 28 de Julho de 1817, que determina, que nenhuma embarcação empregada no trafico da escravatura possa ser visitada dentro de qualquer porto, era de esperar que os mesmos attentados se repetissem, por isso que eram premiados? Assim aconteceu. O Commandante do Brigue Inglez Rover, Tenente Eden, tomou tambem em despreso dos Tractados, e das convenções a Escuna Flor de Loanda ao Sul do Equador. A legalidade desta preza pareceu duvidosa, não só á Commissão mixta de Inglezes, Brazileiros no Rio de Janeiro, mas até ao mesmo apresador, e a Mr. Ouseley, Ministro da Gram-Bretanha na Côrte do Rio.

Protestou tambem o Governo Portuguez. E que satisfação recebeu? Outro insulto, e outro escarneo. O Gabinete Britannico mandou communicar ao Governo Portuguez, que o Guarda Marinha, Armitage, fôra promovido a 2.º Tenente em recompensa da parte que havia tomado no apresamento da Flor de Loanda. Este procedimento é tanto mais escandaloso, quanto é certo, que neste mesmo tempo era Lord Howard mandado negociar, e effectivamente negociava, com o Sr. Visconde de Sá da Bandeira um Tractado para reprimir o trafico. Isto é, quando o Governo Britannico para dar desenvolvimento ás Convenções de 1817, e ao Decreto de 10 de Dezembro de 1836, pretendia obter o direito de Visita, e apresamento ao Sul do Equador, mandava já por anticipação violar essas Convenções, e tornae as nossas embarcações. Não é este um bello modo de negociar? O exemplo é seductor; e assim em Dezembro de 1838, e Abril de 1839, tambem alli se não podia saber que a minha humilde pessoa presidia ao Conselho da Rainha, foi a Marinha Ingleza á Ilha de Bolama, antiga Possessão Portugueza na Costa de Guiné, Provincia de Cabo-Verde. Esta Ilha, habitada por Colonos Portuguezes, era defendida por uma bandeira, e tres pés de Castello..... Nestas circumstancias foi assaltada pela tripulação de uma Embarcação de Guerra Ingleza, a nossa bandeira foi arreada, e os Colonos saqueados. A nossa bandeira serviu de mortalha a meia duzia de garrafas de vinho que os bons Inglezes tiveram a fortuna de encontrar em casa de um dos habitantes, e tudo isto foi levado em triumpho com os pretos forros, e captivos para a Serra Leôa. (Sensação.) A violencia foi tal que as Authoridades

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da Serra Leoa mandaram restituir tudo quanto se havia tão illegalmente apresado.

Quando eu recebi esta noticia, acompanhada de um energico protesto feito em Cabo-Verde pelas Authoridades, e pelos Colonos defraudados, portesto a que me reporto, dirigi-me ao Governo Britannico, e reclamei como devia contra tantos, e tão repetidos attentados. O Governo Britannico é tão imperioso no que exige, como tardo, e lento em attender ao que delle se reclama. Respondeu-me pois, pouco mais ou menos, que mandaria examinar os factos. Creio que o exame não póde ainda arranjar-se a sabor, porque não me consta que Lord Palmerston os tenha já examinado.

No Estado da India não perde o Governo Britannico nem occasião, nem motivo de nos hostilisar, mas para nos consolar quando nós nos queixâmos, responde, que se as transgressões das nossas fronteiras se repetirem, o Governador de Bombaim terá a generosidade de restabelecer a paz com os suas proprias forças, isto é, usurpando Gôa, alva da infernal cubiça da Companhia das Indias, e do Gabinete de Inglaterra. Digo isto, Sr. Presidente, para fazer vêr, como não esfria nunca no coração do Gabinete Britannico o antigo plano de expulsar do Oriente todas as bandeiras, menos a sua.

Peço ainda licença á Camara para observar que a Marinha Ingleza era mandada praticar todos estes attentados contra a bandeira, e contra os subditos da RAINHA ao mesmo tempo que o Governo Britannico fingia querer negociar em Lisboa com o Sr. Duque de Palmella, com o meu nobre amigo o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, e comigo mesmo. A Marinha Ingleza violava os Tractados; despresava as Convenções; desembarcava á mão armada em as nossas Possessões, e assenhoreava-se da nossa propriedade, ao mesmo tempo que o Gabinete Britannico apregoava em Londres, e o mandava apregoar na Europa (a um Governo que dispõem de tantos meios, nunca faltam jornaes que lhe vendam a consciencia e a patria) que o Governo Portuguez, que se arriscava a perder as suas Possessões Ultramarinas para condescender com as vistas cavilosas, e com a philantropia, mercantil, e egoísta da Gram-Bretanha, era o despresador dos Deuses, o quebrantador de Tractados, e o insultador da philantropia Britannica. Generosa e christianissima philantropia Ingleza, que grangêa 20 milhões de amphião para envenenar todos os annos cem mil chinas, e que declara guerra ao Imperador, porque não quer consentir que os Inglezes envenenem os seus vassallos! Ás reflectidas provocações, aos attentados repetidos que eu tenho mencionado, seguiram-se outros nas aguas do Zaire, e nos mares d'Angola. Um crusador Inglez mandou içar a nossa bandeira no tope do navio Portuguez Neptuno, e forçou o Paquete d'Angola a testimunhar o calculado insulto, a preversidade Argelina de o espedaçar e submergir! (Movimento.)

Nos portos do Brasil os crusadores já não procuram pretos, procuram o nosso ouro, e aonde o encontram, levam-no.

Agora mesmo que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros diz que negocêa, os crusadores Britannicos apresam sem distincção o sal mandado de Benguela para Angola, os destacamentos que navegam d'Angola para Mossamede, e até as escunas do Governo. Ainda que Portugal tivesse a cobardia de submetter-se ao Bill de Lord Palmerston, nunca essas presas seriam licitas, por isso que foram feitas contra navios empregados em commercio permittido, e outras porque foram feitas antes da existencia do Bill. Este só foi sanccionado a 24 de Agosto de 1839, e o Almirantado tinha mandado correr sobre as nossas embarcações a 15 do mesmo mez.

Quem bem conhecia a Politica da Gram-Bretanha era o illustre, mas fallecido Rei, que em 1782 escrevia ao Conde da Lousan, Vice-Rei da India, as seguintes palavras: «Deveis ter entendido que a Gram-Bretanha, posto que minha Alliada, é a Nação mais infesta, e prejudicial aos meus dominios.»

Sr. Presidente, vou terminar a minha exposição, e pedir a S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros queira ter a condescendencia de informar-me:

Primo — Em que estado se acha a negociação do Tractado com a Gram-Bretanha para o fim de supprimir o trafico da escravatura ao Sul do Equador, Tractado que o Ministerio prometteu negociar?

Secundo — Se S. Ex.ª recebeu satisfacção alguma, como pareceu esperar, pelos attentados, commettidos pelos cruzadores Britannicos contra as nossas embarcações nas aguas do Zaire, nos mares d'Angola, á vista dos portos e fortalezas do Imperio do Brasil?

Tertio — Se no Tractado, de que o Ministerio deu tão boas esperanças na Sessão passada, se estipulam as perdas, e damnos, que possam dever-se aos Portuguezes interessados nas embarcações apresadas contra a fé dos Tractados pelos cruzadores Britannicos ao Sul do Equador?

Quarto — Se o Governo Portuguez admittiu a obrigação de pagar juros de pensões e soldos, que podessem ser devidas a alguns estrangeiros, que estiveram temporariamente ao serviço de Portugal?

Quinto — Que decisão tomou o Governo a respeito da reclamação de Lord Stuart de Roth-say?

Sexto — Que resposta tem dado o Governo Britannico á reclamação de Columbo?

Septimo — Qual foi o resultado da missão extraordinaria do Marquez de Saldanha a Londres?

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, eu não entrarei (nem creio que o nobre Senador que acaba de fallar tem desejo que eu entre) em explicações, que tragam uma discussão sobre a serie de factos que S: Ex.ª enumerou: respondendo portanto á sua pergunta, quanto em mim cabe neste momento, devo dizer-lhe que o Governo não foi menos solicito do que qualquer dos Governos anteriores, em sustentar a dignidade da Corôa de Portugal; estimei comtudo ouvir ao illustre Senador que elle não deixou pelos factos que mencionou verificar um rompimento, e d'ahi inferi eu que o nobre Senador tambem não quereria effeituar esse rompimento. Debaixo destes mesmos principios é que, eu tambem, e a Administração a que tenho a honra de pertencer, procedemos: foi certamente o negocio das nossas relações com Inglaterra, o objecto mais importante e mais urgente de que tivemos de nos occupar. Eu não posso satisfazer hoje ás perguntas do nobre Senador, porque todas versam sobre negociações que estão pendentes; mas não tardará muito tempo em que a respeito de algumas seja plenamente illustrado, porque julgo do meu dever dar conhecimento ás Camaras do resultado das negociações a que alludem os quesitos apresentados pelo nobre Senador.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Ninguem respeita mais a S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros do que eu, por todas as qualidades que lhe reconheço, e elle tem; mas não é possivel, Sr. Presidente, que neste estado da Sessão eu me possa contentar com similhante explicação; e se o Senado me dá licença, contarei uma historia com que me entretinham quando era rapaz... {Vozes— diga, diga). Houve um Medico que prometteu a certo Rei, que em dez annos havia de ensinar um macaco a fazer versos heroicos; alguem advertiu ao Medico que isso não era possivel: mas elle respondeu — não se afflija vossê que no espaço de dez annos já terá morrido, ou o Rei, ou eu, ou o macaco. Mutatis mutandis é a doutrina do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: o anno passado disse-se-me — espere para o anno que será satisfeito, tudo se ha de fazer; agora responde-se-me que ainda não é tempo; e para o anno que vem terei alguma resposta similhante: porém em todo este espaço, ou eu morro, ou S. Ex.ª desapparece do Governo; e fico sem ter a explicação. Assim não é possivel, Sr. Presidente, e por mim declaro que me não posso contentar com esses mysterios do Governo, porque em fim o Ministerio póde esconder aquillo que escreve, mas não aquillo que faz. E como ha de o Ministerio esconder que mandou a Londres o illustre neto do Marquez de Pombal com uma corda ao pescoço pagar dividas, parte das quaes não deviamos, e pedir perdões de injurias que não fizemos? Eu desejo que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não confunda certa firmeza louvavel no seu logar, com uma obstinação inconveniente: S. Ex.ª obstina-se n'um mysterio diplomatico que nunca existiu, e assenta levar os negocios á sua conclusão com uma reserva, que os factos desgraçadamente não justificam. Como póde o Governo deixar de satisfazer a uma pergunta tão simples, como a do estado das reclamações de Lord Stuart? Lord Stuart reclamou em 22 de Outubro de 1831, e V. Ex.ª Sr. Presidente, respondeu que se carecia de uma resolução das Côrtes. Eu tenho aqui as Actas do Conselho de Ministros desse tempo, e posso dizer ao Senado o que S. Ex.ª julga dever calar.

O Sr. Presidente: — Peço licença para observar ao nobre Senador que não ha objecto algum de debate: fez as perguntas para que tinha prevenido o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; o Sr. Ministro disse que julgava contrario ao serviço responder actualmente a essas perguntas; por tanto parece que esta discussão não póde continuar...

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Na fórma do Regimento, eu tenho sempre a palavra duas vezes sobre qualquer materia; S. Ex.ª deu-me uma resposta demasiado diplomatica, mas que me não satisfaz na minha qualidade de Senador, e seria uma tyrannia que se me tolhesse o direito de replicar.

O Sr. Presidente: — Pois continue: eu queria concluir que no caso de continuar a discussão era preciso que se mandasse para a Mesa uma proposta.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Como eu tenho o direito de fallar duas vezes, usarei delle largamente, já que S. Ex.ª foi tão reservado. — S. Ex.ª não póde dizer-me em que estado se acha a negociação do Tractado com a Grã-Bretanha para a suppressão da escravatura; por tanto concluirei eu que essa negociação está como estava, apezar de S. Ex.ª nos ter dado outras esperanças a Sessão passada, não só no Discurso da Corôa, mas n'outra Sala. Farei ver que no Tractado de Vienna, que V. Ex.ª mesmo negociou se estipulou a indemnisação de perdas e damnos para os proprietarios das embarcações Portuguezas que haviam sido illegalmente apresadas ao Norte do Equador (se bem me lembro) desde 1810 até 1814, estipulando-se logo 300 mil libras sterlinas, e depois as Commissões em Londres entregaram muito mais, como ninguem sabe melhor do que V. Ex.ª: ao menos quero reclamar que, em qualquer Tractado que se fizer com Inglaterra, não fiquem desgraçados e sem alguma indemnisação aquelles Portuguezes que á sombra da sua bandeira navegavam bona fide. S. Ex.ª na Sessão passada de alguma sorte deixou perceber que pedira satisfação por um navio que a Marinha Britannica havia mettido a pique nas aguas do Zaire; ao menos do banco dos Ministros sahiram algumas expressões que significavam o que acabo de dizer, se a minha memoria me não falha; e então, no fim de um anno, não ha de o Governo dizer, se recebeu alguma explicação a este respeito! Tambem póde ser segredo; mas eu digo que se S. Ex.ª o tivesse sabido já o tinha publicado; e como o não publicou, concluo eu que nenhuma resposta recebeu ainda. — A respeito dos juros de soldos e pensões, é fama publica (e na minha posição sempre me sirvo deste argumento) que S. Ex.ª, o meu nobre amigo o Sr. Marquez de Saldanha fôra portador de tres milhões de Ex-chequer bills, ou Bilhetes do Thesouro para pagar certas dividas, liquidadas, ou não liquidadas, e que nessas despezas entra o pagamento de juros de soldos, e pensões, juros que nunca se pagaram senão por Lei, ou Tractado. E em quanto a Lord Stuart por uma pensão, de que deve desistir, e que V. Ex.ª lhe negou em 22 de Outubro de 1834, sendo Presidente do Conselho de Ministros; não sei se o Ministerio admittio esta reclamação; pois sei que S. Ex.ª, recebeu uma nova reclamação em 19 de Fevereiro. E a isto que resposta deu o Governo? Sr. Presidente, ha dous modos de conduzir os negocios, ou com muito mysterio, ou com muita publicidade; eu admitti o segundo, por ser aquelle que mais convinha ás nossas circumstancias. Que resposta deu o Governo Britannico á reclamação de Columbo? Eu sei que ha grandes homens em Inglaterra que são de opinião que se nos deve uma indemnisação por Ceilão etc. Ora, quanto á embaixada do Sr. Marquez de Saldanha, tendo o Governo disposto de mais tres milhões de cruzados na vespera da reunião das Côrtes, não seria urgente que SS. Ex.ªs viessem dizer os motivos que a tal excesso os havia forçado? Parece que as Cortes tinham obrigação de o saber, e o Governo de justificar estas transacções, ou então não fallemos mais em Governo Representativo.

Limito-me por agora a estas observações, mas não quero perder o direito de pedir ao Senado me conceda a palavra uma terceira vez, depois de ouvir o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. Presidente, eu tambem tenho conhecimento da historia que contou o nobre Senador, e posso-lhe dizer que não foi com aquelle sentido que eu declarei as minhas intenções, porque, se dependesse só do meu desejo, francamente

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lhe daria todas as explicações que pede, e mesmo lhas darei confidencialmente, confiando muito na sua honra; portanto repito, que quando eu disse que tudo o que é relativo ás reclamações Inglezas será presente á Camara, não era pensando um tempo indifinido; não se lhe pôde dar conhecimento hoje do estado do negocio, mas talvez dentro em oito ou quinze dias; nesta Sessão de certo. Accrescentarei que conheço muito bem até aonde chega a authoridade do Governo; conheço muito bem que o Governo não póde dispor de fundos sem authorisação das Côrtes, principios que eu approvo, porque esse é o grande freio nos Governos Representativos. O nobre Senador lembrou-se de uma circumstancia de que eu confesso que me esqueceu inteiramente; confesso que não pensei que o Sr. Marquez de Saldanha era neto de Marquez de Pombal; mas se eu me lembrasse dessa circumstancia, seria mais um motivo para que eu o mandasse; porque é de certo uma maior garantia de que S. Ex.ª sustentaria a independencia Nacional; e por isso ainda mais convencido estou de que a escolha foi bem feita (Muitos apoiados).

Em quanto ás outras observações referindo-me á resposta que dei, de não poder satisfazer aos quesitos em geral, direi, pelo que toca á requisição de Lord Stuart, que está eliminada das reclamações. Sobre o negocio do Zaire, tambem me cumpre declarar com franqueza que, depois da reclamação que o Governo fez, se recebeu uma resposta pela qual se communicavam que esses navios a que se refere, não eram Portuguezes. É este um facto de que se deviam procurar provas, sendo aliás sabido que aquelles que se empregam no trafico da Escravatura, procuram todos os meios de illudir as Leis; portanto foi preciso averiguar o caso, mas tendo do feito para êsse fim todas as diligencias possiveis, ainda até hoje não obtive as informações necessarias para formar unia opinião exacta. É o que posso dizer a este respeito; e quanto ao mais, pedirei ao nobre Senador que tenha alguma paciencia; e sómente por pouco tempo, porque certamente elle não tem mais desejo do que eu, de fazer cessar a incerteza do Publico, e de dar conhecimento do negocio logo que estiver concluido.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A historia seria infantil, mas produziu o desejado effeito. S. Ex.ª que não fallaria, talvez em dez annos, fallou em cinco minutos, e muito bem. A respeito do Zaire, estimarei muito que não fosse Portuguez o Brigue mettido a pique, será essa uma offensa de menos; mas se não era Portuguez para que se arvorou a nossa bandeira, e se obrigou o Paquete de Loanda a presencear a façanha.... Agora em quanto á missão do meu nobre amigo, o Sr. Marquez de Saldanha, perdoe-me S. Ex.ª Sr. Ministro, nunca o illustre neto do Marquez de Pombal, a quem a inveja tem negado dez palmos de terra que o sepultem nesta Patria, que elle regenerou, e nesta Capital que elle vingou do furor dos elementos, deveria ter sido obrigado a incumbir-se de uma missão tão deploravel. Tinha Portugal um brasão; havia na familia de Pombal um timbre; o seu preclaro fundador tinha forçado a Gram-Bretanha, a mandar aqui um Embaixador a desculpar o attentado que um navio Britannico commettera contra um navio neutro, ou alliado na costa do Algarve. A missão mesquinha do nobre Marquez obscureceu aquella gloria, e apagou na sua familia aquelle timbre, eis aqui para mim um motivo de coração Portuguez para que, por voto meu, nunca o Marquez de Saldanha receberia uma missão tão abaixo da sua posição. Aconteceu o mesmo que acontecera com Pio 6.º quando este, contra o voto dos seus familiares, se determinou a ir a Vienna pagar a divida, que Clemente 7.° contrahira, quando, pondo os pés sobre o collo de Henrique 4.º, dizia orgulhoso super aspidem et basiliscum ambulabis, et conculcabis leonem, et draconem.

Tenho a honra de ser amigo do Sr. Marquez de Saldanha, dediquei uma bella parte da minha vida ao seu serviço, e tive por isso muita pena quando soube que S. Ex.ª acceitará uma missão tão infeliz (Pausa).

Mencionou-se um Officio (que acabava de chegar) da Presidencia da Camara dos Deputados, acompanhando uma Mensagem da mesma, que incluia um Projecto de Lei sobre continuar o Governo na percepção dos impostos, e rendimentos Publicos, na conformidade das Leis em vigor, durando o primeiro trimestre do futuro anno economico, e applicar o seu producto ao pagamento das despezas Publicas, segundo o determinado na Carta de Lei de 31 de Junho de 1839. Concluida a sua leitura,

disse

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu pedia a V. Ex.ª e á Camara que julgasse este Projecto urgente, porque elle é urgentissimo, para o Governo não ter graves embaraços na cobrança dos impostos, visto que poucos dias lhe faltam para acabar o direito que elle tem a percebe-los. O Governo não perdeu um momento, V. Ex.ª sabe que ainda não estavam acabadas de constituir ambas as Camaras, já elle tinha apresentado na Camara dos Srs. Deputados a competente proposta. Rogo portanto a V. Ex.ª e á Camara que tenha muito em vista a necessidade que ha de decidir quanto antes esse Projecto.

Foi remettido á Commissão de Fazenda com urgencia.

O Sr. Presidente disse que a Mesa propunha para Membros da Commissão de Petições Os Srs. Vellez Caldeira,

Marquez de Fronteira,

P. J. Machado.

Foram approvados.

Consultou depois a Camara sobre o numero de Membros que deveriam compôr a Diplomatica; o resolveu que fossem cinco. Seguidamente teve logar um escrutinio de 36 listas para a eleição da referida Commissão; ficaram apurados sómente

Os Srs. Duque de Palmella por 25 votos

Conde de Villa Real 19.

Não se achando a Camara já em numero legal para proseguir nos trabalhos dados para Ordem do dia, declarou o Sr. Presidente que a de Sabbado 27 do corrente (a proxima Sessão), seria o complemento da eleição da Commissão Diplomatica, e leituras: fechou esta pelas tres horas e meia.

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