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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

7.ª Sessão, em 30 de Junho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella.)

Tres quartos depois da uma hora da tarde foi aberta a Sessão, e verificada a presença de 44 Srs. Senadores.

Leu-se a Acta da Sessão precedente, que foi approvada.

O Sr. Presidente disse que na Sala proxima, estava o Sr. Manoel Duarte Leitão, Senador pelo Circulo da Guarda, cuja eleição se achava já approvada, e que por tanto ía ser introduzido; effectivamente o foi pelos Srs. Secretarios, e depois de prestar juramento tomou logar.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.° Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, que acompanhava uma Mensagem da mesma, incluindo um Projecto de Lei sobre ser o Governo authorisado a reintegrar, nos postos legalmente adquiridos, todos os ex-Officiaes do Exercito, e ex-Officiaes inferiores, que em consequencia dos acontecimentos politicos de 9 de Setembro de 1836 pediram e tiveram a demissão do serviço. — Passou á Commissão de Guerra.

2.° Um dito pelo Ministerio da Justiça, acompanhando um authographo (Sanccionado por Sua Magestade) do Decreto das Côrtes, respectiva Carta de Lei, sobre ser o Governo authorisado a alterar o Artigo 29 do Decreto de 29 de Novembro de 1836, relativo aos Contadores dos Juizos de 1.ª Instancia de Lisboa. - Foi mandado para o Archivo.

Por se achar inscripto para apresentar um Projecto de Lei, teve a palavra, e disse

O Sr. Pereira de Magalhães: — Senhores! No estado de desorganisação em que se acham todos os ramos da publica administração, a maior serviço que um Representante do Povo póde prestar ao seu Paiz é de propôr as Leis organicas, e regulamentares de que depende o desenvolvimento, e consolidação da Lei Fundamental, e de concorrer para que se criem, e regulamentem as instituições adequadas aos principios por ella sanccionados; porque sem aquellas Leis, e sem estas instituições, todos os direitos e todas as garantias, por mais amplas que sejam, não passam de um desejo e de uma promessa sem realidade; e a Lei Fundamental, sem a vida, sem a força, e sem a defeza, que só as Leis e as instituições lhes podem dar, ou se definha, e morre como inanida, ou é anniquillada ao primeiro choque das facções. Se são necessarios exemplos bastará recordar a facilidade com que foram destruidas as duas primeiras Constituições que nos regeram, e que a Nação havia jurado com enthusiasmo, e defendido á custa dos maiores sacrificios, de que só nos resta a gloria de os haver feito, e os estragos da guerra civil que foi necessario sustentar. A mesma sorte, eu firmemente o creio, espera a que actualmente vigora, se despresando o que nos ensina a experiencia, não nos apressarmos a dar-lhe vida e força por meio das Leis e das instituições do que carecem, para que pelo seu desenvolvimento e consolidação os direitos e garantias, que nella estão consignados, sejam uma realidade; e para que possa resistir aos ataques de seus inimigos, seja qualquer a côr da bandeira com que se acobertem.

Penetrado eu destes principios venho submetter á vossa illustrada consideração um Projecto de Lei da maior importancia, e que é geralmente reclamado.

Comprehende, 1.º a organisação desta Camara em Tribunal de Justiça — 2.° a sua com-

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petencia tanto nos delictos individualmente commettidos pelos Membros da Familia Real, pelos Ministros e Secretarios d'Estado, pelos Senadores e pelos Deputados, como na responsabilidade dos Ministros e Secretarios d'Estado — 3.° a ordem do Juizo tanto na accusação como na sentença, ficando assim regulamentados os Artigos 61 e 116 da Constituição, e organisado o Tribunal de Justiça dos Senadores, que o serviço publico póde chamar de um para outro momento ao exercicio de suas importantes funcções.

Eu reconheço que o assumpto deste Projecto é pela sua gravidade superior aos limites dos conhecimentos de quem, como eu, nunca os teve sufficientes, e vive retirado dos negocios publicos, cuja gerencia é a melhor das escholas; mas confiado na vossa benevolencia, e na vossa consumada sabedoria e experiencia, espero, que reconhecendo a pureza das minhas intenções, supprireis as minhas faltas, e emendareis os meus erros.

Nesta certeza passo a expôr os principios que me guiaram na coordenação deste Projecto, não com aquella extensão que pedia a gravidade do objecto e a importancia da materia, que é vastissima e complicada, mas de modo que sem abusar da vossa paciencia, nem fatigar a vossa attenção, vos faça conhecer o meu pensamento, reservando para a discussão, se a ella fôr admittido, o seu maior desenvolvimento.

O Projecto póde dividir-se em tres partes: na primeira tracta-se da organisação do Tribunal e da sua convocação tanto durando as Sessões das Côrtes Geraes, como estando fechadas, ou dissolvida a Camara dos Deputados.

As regras e principios que nesta parte do Projecto se estabelecem não são arbitrarias, derivam-se, como vereis, ou da mesma organisação desta Camara como Camara, ou da letra e espirito da Constituição, e especialmente dos Artigos 63, 110 e 111.

Na segunda parte vem em primeiro logar a competencia do Tribunal em geral, como está consignada no Artigo 61 da Constituição, declarando-se, que comprehende os co-réos e cumplices dos delictos, por ser principio incontroverso em jurisprudencia criminal, que a authoridade a quem compete processar e julgar os delinquentes, compete-lhe tambem julgar e processar os co-réos e cumplices: segue-se a qualificação dos delictos da competencia do Tribunal, e das suas respectivas penas.

Estes delictos, segundo o Artigo 61 da Constituição, são de duas especies; pertencem á primeira, os que forem individualmente commettidos pelos Membros da Familia Real, pelos Ministros e Secretarios d'Estado, pelos Senadores e pelos Deputados: pertence á segunda especie, a responsabilidade dos Ministros e Secretarios d'Estado.

Em quanto aos delictos da primeira especie, entendi que não careciam de ser qualificados nesta Lei, pelo estarem na Lei geral, que deve ser applicada ás Pessoas designadas no Artigo 61 da Constituição, como a outro qualquer individuo que commettesse esses delictos; porque a Lei, quer puna, quer premeie, é igual para todos; e porque a Constituição sómente quiz fazer excepção em quanto ás formulas, de que tractarei no logar competente.

Pelo que diz respeito á responsabilidade dos Ministros, que é a segunda especie, se nós tivessemos um Codigo Criminal completo e perfeito, bastaria fazer remissão a esse Codigo; mas na falta delle, forçoso é qualificar e definir este Projecto os casos em que se póde fazer effectiva a responsabilidade dos Ministros; e consignar com toda a precisão e clareza as penas correspondentes.

Esta é sem duvida a parte mais difficil do meu Projecto, e obriga-me a invocar de novo a vossa benevola attenção sobre algumas considerações que devo fazer, posto que muito geraes, ácerca da importante doutrina da responsabilidade dos Ministros.

Sanccionado o principio de que o Rei é impeccavel, e que não póde fazer mal — que a Sua Pessoa é sagrada e inviolavel, a condição essencial e a consequencia necessaria deste principio é a responsabilidade dos Ministros pelos actos officiaes do Poder Executivo, ou seja propondo, ou seja aconselhando, ou seja executando quaesquer medidas que affectem a propriedade, a liberdade, e a segurança publica ou particular.

O fim da responsabilidade dos Ministros não é unicamente para punir os abusos que elles podem commetter no exercicio das suas funcções, a sua maior utilidade é preveni-los; porque o Estado nenhum interesse tem em que os Ministros sejam punidos, o seu interesse real é que se não commettam abusos.

Esta condição dos Governos representativos, isto é, a responsabilidade dos Ministros, é tanto em favor do Estado como dos mesmos Ministros, quando pela pureza da sua consciencia e pela elevação dos seus sentimentos não receiam o exame dos seus actos, que sómente lhes póde produzir testimunhos de satisfacção e de reconhecimento; e para todos os Ministros em geral é uma advertencia permanente, que os presevera de insinuações ás vezes tão poderosas, que, apesar de reconhecidamente prejudiciaes á Causa Publica, não poderiam resistir-lhes; e é tambem um estimulo que excita o seu zelo, a sua actividade, e o seu amor pelo bem publico, como o perigo de uma empreza arriscada inflamma o valor militar.

Isto posto, passo a considerar a responsabilidade nas suas differentes especies.

Os Ministros são responsaveis, 1.º ao Rei, que os nomeia, e póde livremente demittir, e de quem são servidores, e exercem a Authoridade: 2.° á Nação, de quem regem os destinos, e administram a Fazenda.

Estas duas especies de responsabilidade Ministerial garantem-se reciprocamente; porque a responsabilidade para com o Rei é de todos os dias; e esta vigilancia permanente do Soberano é uma garantia para a Nação, tanto estando as Côrtes reunidas, como separadas. — A responsabilidade para com a Nação garante o Rei de que seus Ministros o não enganaram; porque muitos olhos os veem, e muitas vozes os denunciariam ao Rei e ao Paiz. Por outro lado, se os Ministros fossem sómente responsaveis ao Rei, facil lhes seria enganar um só homem, e a segurança do Throno e do Estado estaria dependente de uma falta ou de um delicto ministerial — e se o fossem sómente ás Côrtes, a vigilancia sobre os seus actos estaria por muito tempo interrompida, a dignidade, a authoridade e Poder Real soffreria muito desta exclusão, e pareceria que os Ministros eram do Povo e não do Rei, de que resultaria grave compromettimento á unidade monarchica, e á salvação do Estado.

Na responsabilidade para com a Nação deve distinguir-se a responsabilidade geral, e a responsabilidade juridica e pessoal de cada um dos Ministros. A responsabilidade geral é mais importante, e tão real como a juridica e pessoal: é a principal, a mais perigosa para os Ministros, e a mais util para o Estado; porque sendo o Governo obrigado a submetter ao assentimento das Côrtes os seus actos principaes, sujeita-os a uma discussão publica, que é um verdadeiro processo nacional, em que se discute a conducta dos Ministros e de todos os seus agentes, e os interesses mais valiosos do Povo; é uma responsabilidade constante, que liga todos os passos dos Ministros, que os modifica a cada instante, e que os persegue em toda a parte: ella dá aos Representantes da Nação o direito de interpellação para explicações verbaes, ou apresentação de documentos officiaes; e os seus effeitos são, que se pela discussão e exame se conhece que os Ministros tem compromettido, ou se encaminham a comprometter a liberdade, a segurança e a propriedade publica ou particular; por simples inhabilidade ou incapacidade as Côrtes retiram-lhes a sua confiança, e dirigem uma Mensagem ao Throno, e por ultimo negam-lhes o voto do orçamento. Esta responsabilidade deriva-se da natureza das Instituições Constitucionaes, e do facto da existencia dos Poderes Politicos, e existindo sómente na ordem publica, está fóra da jurisprudencia, e não póde ser objecto de uma Lei, que nada lhe póde accrescentar, nem diminuir.

A responsabilidade juridica consiste no direito de accusar a julgar os Ministros pelos delictos que commetterem no exercicio de suas funcções; mas esta responsabilidade é muito mais fraca e muito mais perigosa para o Estado do que a responsabilidade geral; porque 1.° é limitada sómente áquelles casos, quando a geral é a todos os actos do Governo; porque 2.° o interesse do Estado não está sómente em que todos os maus Ministros sejam accusados e julgados, mas sim em que não continuem a ser Ministros; e é certo que pela responsabilidade juridica só poderão ser accusados e julgados aquelles contra quem se provar negligencia dolosa, infidelidade, ou decipação, quando pela responsabilidade geral deixarão de ser Ministros todos aquelles que forem perigosos ainda que innocentes, e aquelles que forem incapazes, ainda que probos; 3.º porque se se pretendesse exercer o direito de accusar e julgar os Ministros por cada um dos actos por que o Governo póde prejudicar o Estado, ou abusar do Poder, ou mostrar a sua incapacidade e negligencia, o uso tão frequente desse direito, paralysada o Governo, tornando a sua marcha incerta e timida, e por conseguinte todo o Governo seria impossivel; 4.° porque devendo todos os casos de responsabilidade ser bem caracterisados na Lei, seria impossivel uma tal Lei, e a impunidade a sua consequencia necessaria; pelo contrario, a responsabilidade geral dispensa o Legislador do cuidado de especificar as diversas hypotheses em que os Ministros podem delinquir, porque comprehende todas; e sem Leis especiaes, sem formulas juridicas, e sómente pela energia propria do Governo representativo, e pela discussão publica, poem em toda a evidencia a maldade e incapacidade dos Ministros; denuncia ao Rei e ao Povo os seus erros e faltas; e dá meios efficazes para os separar dos negocios, sem que d'ahi resulte prejuizo ao Estado, antes vantagens reaes.

Estabelecidas como ficam as differentes especies de responsabilidade ministerial, e conhecida a differença que existe entre ellas, sabido é que a responsabilidade juridica é a que está consignada no Artigo 116 da Constituição, e que faz o objecto desta parte da minha Proposta, determinando e qualificando os casos em que se póde fazer effectiva, e estabelecendo as penas correspondentes.

Quando se tracta de especificar n'uma Lei os actos de que resulta delicto ou damno capaz de produzir a acção da responsabilidade juridica contra os Ministros, todos os Legisladores se têem visto em grandes difficuldades; porque não ha disposição legal que deva ser enunciada, com maior clareza e precisão; e nenhuma ha que offereça maior impossibilidade e maior perigo: desenvolver aqui esta impossibilidade e perigo seria abusar muito da vossa paciencia; bastará saber, que por mui solidas razões se tem reduzido os casos de responsabilidade ao de traição, comprehendendo todo o attentado contra os direitos de segurança, liberdade, e propriedade publicos ou particulares, politicos ou civis; e ao de concussão, comprehendendo todo o abuso de poder, por peita, ou soborno, ou fraude da fortuna publica ou particular; e reduzido as penas á de morte, deportação e prisão perpetua ou temporaria, e á pecuniaria, ficando ao prudente arbitrio do Tribunal a graduação destas penas, segundo a gravidade dos casos.

É deste modo que se tem simplificado os casos de responsabilidade, e removido as difficuldades que apresenta a factura da Lei; mas a Constituição, além dos casos de traição e concussão, estabelece outros mais, e com quanto senão possa duvidar de que estão comprehendidos naquelles, fui obrigado, em respeito á Lei fundamental, a defini-los todos, e a estabelecer a pena correspondente a cada um delles.

Na definição dos casos de responsabilidade marcados na Constituição, e no estabelecimento das respectivas penas, não podia confiar-me na minha limitada capacidade, e necessitando de auxilio estranho para me ajudar em tão espinhoso assumpto, não hesitei em lançar mão de Projectos que em outros tempos foram offerecidos á Representação Nacional; por ter eu em toda a consideração o voto de seus distinctos Proponentes, que comtudo modifiquei como entendi que ficava mais conforme aos principios da época actual.

Resta-me fallar da terceira parte do Projecto, em que e tracta da ordem do Juizo, tanto da accusação como da sentença.

Sendo duas as especies de delictos da competencia do Tribunal, e distinguindo a Constituição estas duas especies, commettendo a accusação dos da primeira ao Procurador Geral da Corôa, e os da segunda á Camara dos Deputados, é em conformidade com estas disposições constitucionaes, que no Projecto se estabelecem regras especiaes para cada uma destas accusações; e como a necessidade dessa distincção já não existe quando se tracta de julgar os delinquentes, as regras que se estabelecem no Projecto são communs ás duas especies de delictos.

Em quanto ás formulas do processo, puz o maior cuidado em que, tanto no nascimento como no desenvolvimento da accusação, o accusador e accusado tivessem todos os meios de averiguar a verdade, e de obter justiça; o que

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se não poderá conseguir em um Juizo, que, como o Tribunal dos Senadores, decide em primeira e ultima instancia, sem haver o maior rigor nas formulas, e a maior lentidão e madureza nas deliberações, a falta destas condições engana a boa fé, e torna impotente a innocencia; e é firmado nestes principios, que são de primeira intuição, que estabeleci as regras da ordem do Juizo tanto na accusação como na sentença, e é por elles que devem ser explicadas.

No fim do Projecto acha-se uma clausula, que merece uma explicação especial; é a indemnisação dos prejuizos causados ao Ministro injustamente perseguido por uma accusação dolosa. É regra certa no Direito ordinario que o accusado, que justificou a sua innocencia, tem acção de perdas e damnos contra o accusador; o Ministro, porque e Ministro, não deve ser privado dos salutares effeitos desta regra juridica; mas como o caracter de Deputado torna inviolavel o accusador, que o interesse publico exime de outra qualquer responsabilidade que não seja a moral, o Estado que tira todo o proveito deve em compensação indemnisar a sua victima.

Tenho preenchido o encargo que me impuz, expondo os principios mais geraes em que se basifica o Projecto de Lei que offereço á vossa consideração; elle é indispensavel, porque tende a prevenir males de grave transcendencia; urgente porque é geralmente reclamado como o unico antemural do Povo contra o arbitrio do Poder, e porque tende a regulamentar dois dos mais importantes Artigos da Constituição.

Se a proposição deste Projecto de Lei fosse feita pelos Ministros da Corôa, tornar-se-ia suspeita para os desconfiados, e para os exaltados de todos os partidos politicos: uns diriam que era demasiadamente indulgente, outros que era severamente affectada, e todos reputariam como jactância dos Ministros, o que talvez não fosse senão patriotismo, lealdade, e amor do bem publico. Se tivesse origem na Camara dos Deputados, poderia ressentir-se da inclinação que lhe é natural, e mui louvavel, para ampliar o principio democratico com detrimento da authoridade do Governo, e os Ministros obrigados então a sustentar ahi as prerogativas da Corôa, poderiam sob esse pretexto esquivar os seus actos á responsabilidade a que estão sujeitos. Nestas circumstancias só a Camara dos Senadores póde pela sua posição ser a medianeira, pondo este importante objecto nos seus justos limites, e unindo os dois principios oppostos sem sacrificar nenhum delles, e sem que a sua lealdade e independencia se torne suspeita.

O Orador leu então o seguinte

PROJECTO DE LEI.

capitulo I.

Organisação do Tribunal de Justiça dos Senadores.

Artigo 1.º A Camara dos Senadores no exercicio das funcções judiciarias que lhe competem pelo Artigo 61 da Constituição, denominar-se-ha = Tribunal de Justiça dos Senadores.

Art. 2.º O Presidente da Camara dos Senadores fica sendo o Presidente do Tribunal até á conclusão do negocio para cuja decisão a Camara se constituir em Tribunal.

§. 1.º Os Secretarios da Camara ficam sendo os Escrivães do Tribunal de Justiça.

Art. 3.° No impedimento do Presidente da Camara faz as suas vezes o vice-Presidente; no impedimento dos Secretarios fazem as suas vezes os Vice-Secretarios.

Art. 4.º O Procurador Geral da Corôa exerce, perante o Tribunal de Justiça dos Senadores, as funcções do Ministerio Publico, excepto nos casos em que é exercido pela Camara dos Deputados.

Art. 5.° Os Continuos e Porteiros da Camara servirão de Officiaes de diligencia do Tribunal.

Art. 6.° Se a Camara dos Senadores houver de constituir-se em Tribunal de Justiça quando as Côrtes estiverem dissolvidas, os antigos Senadores reassumem as suas funcções até á decisão do negocio para que se constituio o Tribunal; e tanto neste caso como no de estarem fechadas as Sessões das Côrtes servirá de Presidente do Tribunal o ultimo Presidente da Camara, e de Escrivães os ultimos Secretarios.

Art. 7.° Tanto durante as Sessões das Côrtes, como quando estiverem fechadas ou dissolvidas, o Presidente da Camara dos Senadores convocará o Tribunal de Justiça logo que lhe seja competentemente requerido, dando immediatamente parte ao Governo assim da convocação como do seu objecto.

CAPITULO II.

Da competencia do Tribunal de Justiça dos Senadores.

Art. 8.º Em virtude do disposto no Artigo 61 da Constituição compete ao Tribunal de Justiça dos Senadores conhecer 1.° dos delictos individuaes commettidos pelos Membros da Familia Real, pelos Ministros e Secretarios de Estado, e pelos Senadores e Deputados: 2.º da responsabilidade dos Ministros e Secretarios d'Estado.

Art. 9.° O Tribunal de Justiça dos Senadores em todos os delictos da sua competencia, julga igualmente todos os co-Réos e cumplices seja qualquer que fôr a sua qualidade.

SECÇÃO 1.ª

Dos delictos commettidos pelas pessoas designadas no Artigo 8.° n.° l.

Art. 10.° Os delictos individuaes commettidos pelos Membros da Familia Real, pelos Ministros e Secretarios de Estado, pelos Senadores e Deputados, estão definidos nas Leis geraes, e serão punidos com as penas estabelecidas nas respectivas Leis penaes.

SECÇÃO 2.ª

Da responsabilidade dos Ministros e Secretarios d' Estado.

Art. 11.° Os Ministros e Secretarios de Estado são principalmente responsaveis: 1.º Pela falta de observancia das Leis.

2.° Pelo abuso do poder que lhes é confiado.

3.° Por traição.

4.º Por peita, suborno, peculato ou concussão.

5.º Pelo que obrarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos Cidadãos.

6.º Por dissipação ou mau uso dos bens publicos.

Art. 12.° Os Ministros e Secretarios de Estado são responsaveis por falta de observancia das Leis:

§. 1.° Quando não cumprem as Leis, ou fazem o contrario do que ellas ordenam.

§. 2.º Quando não fazem effectiva a responsabilidade dos seus subalternos.

§. 3.º Os delictos designados neste artigo serão punidos com remoção para fóra da Côrte e seu Districto por tempo de um até tres annos.

Art. 13.° São responsaveis pelo abuso do poder que lhes é confiado:

§. 1.º Quando usam mal da sua authoridade nos actos não especificados na Lei, que tenham produzido prejuizo ou damno provado ao Estado, ou a qualquer particular.

§. 2.° Os delictos designados neste §. serão punidos com as penas estabelecidas no Artigo 12.° §. 3.°

§. 3.° Quando usurparem alguma das attribuições dos outros poderes do Estado.

§. 4.° Os delictos designados no §. antecedente serão punidos com inhabilidade perpetua ou temporaria para todos os empregos publicos e prisão de dous até quatro annos, ou sómente com a perda do emprego.

Art. 14.° São responsaveis por traição:

§. 1.º Quando por factos pessoaes, ou por ordens verbaes ou escriptas, por elles assignadas ou referendadas, por tractados, convenções, ou ajustes feitos dentro ou fóra do Reino

1.º Tentam destruir a Religião Catholica Apostolica Romana, que é a Religião do Estado, ou a Authoridade Real, ou a ordem da successão á Corôa, ou a Constituição do Estado, ou a fórma estabelecida do Governo, ou o Poder Constitucional de algum dos tres ramos do Poder Legislativo.

2.° Attentam contra a Pessoa e vida d'El-Rei, ou da Rainha, ou de outro qualquer dos Membros da Familia Real, ou contra o livre exercicio dos Poderes Politicos do Estado, ou contra a independencia, integridade, ou defeza da Nação.

§. 2.° Os delictos designados neste artigo serão punidos com a morte natural, ou prisão perpetua ou temporaria, ou degredo perpetuo ou temporario, ou inhabilidade perpetua ou temporaria para empregos publicos.

Art. 15.° São responsaveis por peita, suborno, peculato ou concussão:

§. 1.º Por peita: quando acceitam dadiva, ou promessa della para tomarem qualquer resolução em negocio pendente no Ministerio a seu cargo,

§. 2.° Os delictos designados no §. 1.º serão punidos com inhabilidade perpetua ou temporaria para todos os empregos publicos e multa do valor da peita, dobrado ou triplicado.

§. 3.° Por suborno: quando por sua influencia ou pedido corrompem alguem para obrarem contra o seu dever no desempenho de funcções publicas, ou quando se deixam corromper por influencia ou pedido de alguem para obrarem contra o seu dever, ou deixarem de obrar o que devem no desempenho das obrigações do Ministerio a seu cargo.

§. 4.º Os delictos designados no §. 3.° serão punidos com suspensão dos empregos publicos que occupar por um até tres annos, ainda que se não verifiquem os effeitos do suborno.

§. 5.º Por peculato: quando descaminham ou deixam descaminhar bens do Estado, ou quaesquer Titulos, Livros ou Documentos, que por virtude do seu officio vieram ao seu poder.

§. 6.° Os delictos designados no §. 5.° serão punidos com prisão perpetua ou temporaria, e inhabilidade perpetua ou temporaria para empregos publicos.

§. 7.° Por concussão: quando extorquirem ou exigirem rendas, impostos, tributos ou outros quaesquer rendimentos do publico, que não estiverem authorisados por Lei, ou quando por si ou por interposta pessoa, ou por contractos simulados comprarem, venderem, negociarem, ou tomarem qualquer especie de interesse em negocio do Estado, cuja administração, arrecadação, ou pagamento está a seu cargo.

§. 8.º Os delictos designados no §. 7. serão punidos com degredo perpetuo ou temporario, ou prisão perpetua ou temporaria, e inhabilidade perpetua ou temporaria para empregos publicos.

Art. 16.° São responsaveis pelo que obrarem contra a liberdade, segurança e propriedade dos Cidadãos:

§. 1.° Quando attentam contra os direitos individuaes dos Cidadãos, garantidos no Titulo 3.º Cap. unico da Constituição da Monarchia Portugueza.

§. 2.° Os delictos designados no §. 1.º serão punidos com prisão temporaria e reparação do damno.

Art. 17.° São responsaveis por dissipação ou mau uso dos bens publicos:

§. 1.° Quando ordenam o pagamento de despezas que não estão estabelecidas por Lei, quando augmentam as que estão estabelecidas por Lei, quando desviam os dinheiros publicos da sua legal applicação, quando celebram contractos manifestamente lesivos, ou contra a fórma estabelecida pelas Leis, ou quando não empregam todos os meios ao seu alcance para a boa arrecadação, conservação e guarda de tudo quanto pertence ao Estado, e está a cargo do seu respectivo Ministerio, ou finalmente quando não poem ou não conservara em bom estado a contabilidade do seu Ministerio.

§. 2.° Os delictos designados no §. 1.º serão punidos com as penas marcadas no Art. 16.° §. 2.º

SECÇÃO 3.ª

Regras geraes na applicação das penas.

Art. 18.º Na imposição das penas estabelecidas na Secção antecedente se observarão as regras seguintes:

1.ª A ordem do Rei vocal ou por escripto não salva aos Ministros da responsabilidade.

2.ª Para ter logar a imposição de qualquer pena é necessario que se prove que o Accusado obrou espontaneamente e com dólo manifesto.

3.ª Em todos os delictos de que resultar damno ou ao Estado ou a algum Particular, além da pena, será condemnado na reparação do damno causado.

CAPITULO III.

Da Ordem do Juizo.

SECÇÃO 1.ª

Da accusação pelo Procurador Geral da Corôa.

Art. 19.° Nos crimes cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador Geral da Corôa.

§. Unico, Estes crimes são, os que individualmente commetterem os Membros da Familia Real, os Ministros e Secretarios de Estado, os Senadores, e Deputados.

Art. 20.° Ás Justiças Ordinarias compete tomar conhecimento das querellas e denuncias dadas na conformidade das Leis contra as pessoas designadas no §. unico do Artigo 19.° pelos crimes que individualmente commetterem, recebendo as querellas ou denuncias, inquerindo testemunhas, procedendo aos exames necessarios para a formação do corpo de delicto, e recolhendo todas e quaesquer provas que o possam comprovar.

Art. 21.° Nenhum Senador ou Deputado com tudo poderá ser preso sem ordem da respectiva Camara; e nenhum Membro da Fami-

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lia Real, e Ministro e Secretario de Estado podera ser preso sem ordem d'El-Rei passada pela Mordomia-Mór, excepto nos casos de flagrante delicto.

Art. 22.° Se algum Senador ou Deputado fôr pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento dará conta á respectiva Camara pelo seu Presidente, e remetterá ao da Camara dos Senadores o processo da querella ou denuncia com todos os documentos e provas que tiver obtido; e continuará a recolher todas a» demais que vierem á sua noticia, de que fará igual remessa.

§. Unico. Se fôr pronunciado algum Membro da Familia Real, ou Ministro e Secretario d'Estado, o Juiz suspendendo igualmente todo o ulterior procedimento, dará conta a El-Rei pela Mordomia-Mór, e remetterá ao Presidente da Camara dos Senadores o processo da querella ou denuncia, como fica determinado neste Artigo a respeito dos Senadores e Deputados.

Art. 23.º O Presidente da Camara dos Senadores remetterá ao Procurador Geral da Corôa os processos de querella ou denuncia, com todos os documentos e provas, que tiver recebido das Justiças Ordinarias, para requerer o que convier e fôr de Direito para instrucção do processo.

Art. 24.° O Presidente da Camara dos Senadores, tendo por Adjuntos dois Senadores por elle nomeados, é o Juiz de instrucção do processo, e defere a todos os requerimentos do Procurador Geral da Corôa.

Art. 25.º No caso em que o Accusado tenha sido preso em flagrante delicto, ou que o deva ser em razão da gravidade do delicto, o Presidente da Camara dos Senadores com os Adjuntos, sendo requerido pelo Procurador Geral da Corôa, passará ordem confirmatória da prisão feita, ou para se effeituar, designando em qualquer destes casos o local que deve servir de prisão ao Accusado.

§. Unico. Quando o Presidente passar esta ordem convocará o Tribunal dentro de vinte e quatro horas para confirmar ou revogar a referida ordem, ou o local da prisão.

Art. 26.° Logo que o Procurador Geral da Corôa declarar que o processo está completamente instruido, o Presidente convocará o Tribunal que por escrutinio secreto e á pluralidade absoluta de votos nomeará uma Commissão de nove Membros para examinar o processo e provas, e dar o seu parecer sobre se tem ou não logar a accusação.

Art. 27.º Decidindo o Tribunal que não tem logar a accusação, mandará passar ordem que será assignada pelo Presidente e Adjuntos, para serem soltos os Accusados se estiverem presos. Decidindo que tem logar a accusação, mandará 1.° que se passe ordem, que tambem será assignada pelo Presidente e Adjuntos, para serem presos os Accusados, se ainda o não estiverem, designando o local da prisão: 2.° que o Procurador Geral da Corôa, apresente dentro de quinze dias o Libello accusatorio com os documentos que o comprovem, e o rol das testimunhas que hão de ser produzidas na accusação.

§. Unico. Estas decisões serão tomadas á pluralidade absoluta de votos.

SECÇÃO 2.ª

Da accusação dos Ministros e Secretarios de Estado pela Camara dos Deputados. Art. 28.° É privativa attribuição da Camara dos Deputados decretar a accusação dos Ministros e Secretarios d'Estado, para se lhes fazer effectiva a responsabilidade nos casos expressos no Artigo 116 da Constituição, e definidos no Artigo 12 e seguintes da presente Lei.

Art. 29.° A Camara dos Deputados não póde comtudo tomar conhecimento da accusação dos Ministros e Secretarios d'Estado senão por denuncia dada por cinco de seus Membros, ou por qualquer Cidadão nos casos especificados, nos Artigos 15.°, e 26.° da Constituição.

Art. 30.° Para ser attendida a denuncia deve 1.° ser datada e assignada pelos Denunciantes: 2.° conter em Artigos os factos criminosos em que é fundada: 3.º apontar os textos das Leis infringidas, a natureza dos delictos commettidos, e as penas correspondentes: 4.° as provas, que sendo de documentos devem juntar-se a denuncia, e sendo de testemunhas, a relação dos nomes, moradas, e qualidade de cada uma dellas.

Art. 31.º A denuncia será lida por um dos Deputados signatarios della em Sessão publica, salvo o caso especificado no Artigo 44 da Constituição, e terá na Mesa segunda leitura immediatamente depois da primeira, e ficará adiada por tres dias ao menos.

Art. 32.° No dia que se tiver fixado para a terceira leitura, se depois desta parecer á Camara que os fundamentos da Denuncia são impertinentes ou destituidos de indicios sufficientes, passará á ordem do dia; e no caso contrario ordenará; que por via do Secretario da Camara se communique ao Ministro accusado a copia da denuncia com a de todos os documentos e provas para responder por escripto no termo de oito dias, que poderão ser prorogados por outros oito requerendo-o o Accusado.

Art. 33.° Findo o prazo de tempo concedido para o Accusado responder, a denuncia entrará em discussão com a resposta do Accusado ou sem ella, e se decidirá se tem ou não logar a nomeação de uma Commissão especial para dar o seu parecer sobre se tem ou não logar a accusação.

Art. 34.° Esta Commissão será composta de nove Membros, nomeados por escrutinio secreto á pluralidade absoluta de votos. Os Deputados denunciantes não podem fazer parte desta Commissão, nem votar em nenhum das questões relativas á accusação.

Art. 35.° A Commissão assim nomeada fica investida de toda a authoridade, jurisdicção e fé publica para proceder a todas as averiguações, pedir documentos e esclarecimentos ao Governo, ou a qualquer Repartição Publica, proceder a exames, recolher todas as provas, inquerir testemunhas, fazer perguntas ao Ministro accusado, afim de por todos os modos e meios que lhe parecerem mais proprios a illustrar os factos em que se fundar a accusação.

Art. 36.° Dentro do espaço de quinze dias, ou quando muito de um mez, a Commissão dará o seu parecer, propondo ou a rejeição da denuncia, ou a accusação do Ministro, e neste caso proporá igualmente os Artigos della.

Art. 37.° No caso de que a Commissão proponha a accusação do Ministro, será a sua proposta submettida a tres debates consecutivos com oito dias de intervallo, e no fim de cada um delles se proporá á votação da Camara a rejeição da denuncia.

Art. 38.° Se terminado o terceiro debate a Camara dos Deputados decidir pelos votos de dois terços dos Membros prementes, que tem logar a accusação, a decretará nos termos seguintes:

A Camara dos Deputados da Nação Portugueza decreta a accusação contra o Ministro e Secretario de Estado dos Negocios de... F... pelo delicto de.....e a envia á Camara dos Senadores com todos os documentos a e provas para proceder na fórma da Constituição e da Lei.

Art. 39.° O Decreto da accusação será escripto em duplicado, e assignado pelo Presidente e Secretarios da Camara: um dos authographos será apresentado a El-Rei por uma Deputação de sete Membros da Camara afim de ser dado á execusão por qualquer dos Ministros e Secretarios d'Estado, que não seja o accusado: o outro authographo será remettido ao Presidente do Senado com todo o processo original, ficando cópia.

Art. 40.° O Decreto de accusação será intimado ao Ministro accusado por aquelle que El-Rei designar dentro de vinte e quatro horas estando na Côrte, ou o mais breve possivel estando fóra della, dando-se logo parte ás Côrtes de se ter effeituado a intimação.

Art. 41.° Os effeitos do Decreto de accusação principiam desde o dia em que fôr intimado o Accusado, e são:

1.° Ficar o Accusado suspenso do exercicio de todas as funcções publicas até á Sentença final, e inhabilitado para ser provido em outro qualquer emprego publico.

2.° Ficar sujeito á accusação criminal.

3.° Ser preso nos casos em que segundo a Lei tem logar a prisão e com as formalidades nella prescriptas.

4.° Suspender-se-lhe metade do ordenado ou soldo que tiver do Estado.

Art. 42.º A Camara dos Deputados nomeará uma Commissão de sete Membros para sustentar a decretada accusação perante o Tribunal de Justiça dos Senadores, dando o competente Diploma a cada um dos nomeados para com elle se apresentar no Tribunal aonde será junto ao processo.

Art. 43.° Nos casos em que a publicidade ou a demora possam ameaçar a segurança do Estado ou a Pessoa d'El-Rei, a Camara dos Deputados deliberará em Sessão secreta a suspensão e custodia do Accusado, mas logo que cessar o perigo o processo será publico.

SECÇÃO 3.ª

Da Sentença e seus effeitos.

Art. 44.° Recebido o Libello accusatorio documentos e rol de testimunhas, ou do Procurador Geral da Corôa nos casos em que póde accusar, ou o Decreto de accusação contra algum Ministro e Secretario d'Estado, e apresentado o Libello accusatorio, provas documentaes, e rol de testemunhas pelos Commissarios da Camara dos Deputados, a Camara dos Senadores designará o dia em que ha de constituir-se em Tribunal de Justiça para julgar os Accusados, os quaes serão notificados por carta d'um dos Secretarios para nomearem, Advogado que os defenda, e comparecerem no Tribunal no dia designado.

§. 1.º Com a notificação se remetterá aos Accusados cópia do Libello accusatorio, dos documentos comprovativos, e rol das testimunhas da culpa e da accusação.

§. 2.º Se os Accusados estiverem presos expedir-se-ha ordem para que sejam conduzidos ao Tribunal com segurança e decencia.

§. 3.° Entre a notificação e o comparecimento dos Accusados mediará pelo menos oito dias, que poderão ser prorogados por mais oito requerendo-o os Accusados.

§. 4.° Os Accusados remetterão ao Tribunal quarenta e oito horas antes do dia do comparecimento, rol das testimunhas da defesa, e cópia authentica dos documentos que houverem de apresentar, que será entregue aos Accusadores.

§. 5.º Se os Accusados não nomearem Advogados, o Presidente do Tribunal os nomeará á revella, e os que forem nomeados não poderão escusar-se sob pena de suspensão de um até dois annos.

§. 6.° Os Accusados podem nomear tantos Advogados quantos forem os Accusadores, sendo muitos os Accusados poderão nomear cada um dois Advogados.

§. 7.° O processo original com todos os documentos e provas estará patente na Secretaria da Camara para ser examinado tanto pelos seus Membros como pelos Accusadores e Accusados ou seus Advogados.

Art. 45.° Todos os Senadores ausentes serão avisados com a devida antecipação por carta especial do Presidente da Camara para virem tomar assento no Tribunal no dia designado para a sentença.

Art. 46.° Constituida a Camara dos Senadores em Tribunal de Justiça no dia designado o Presidente verificará o numero de Senadores presentes, os quaes sómente podem votar na Sentença; e dará conta dos motivos da ausencia dos que não comparecerem.

Art. 47.° Nenhum Senador póde escusar-se ou ser recusado pelos Accusadores ou Accusados, excepto

1.° Sendo parente dos Accusadores ou Accusados em linha recta de ascendentes ou descendentes, sogro, ou genro; em linha collateral sendo irmão, primo co-irmão, ou cunhado em quanto durar o cunhadio.

2.° Tendo deposto como testimunha na formação da culpa, ou tenha sido dado em rol para ser produzido na accusação ou na defeza.

3.° Tendo demanda por si, ou por sua mulher sobre a maior parte dos seus bens.

4.° Sendo herdeiro presumptivo.

Art. 47.° Os Accusados comtudo podem recusar até seis Senadores sem declarar motivo algum.

Art. 48.° Concluidos estes actos preparatorios, e presentes os Accusadores, Accusados, Advogados, será lido por um dos Secretarios o processo, libello accusatorio, e documentos offerecidos em prova; seguir-se-ha o inquerito das testemunhas da accusação, depois as da defesa.

§. 1.º As testemunhas devem estar n'uma casa separada da do Tribunal, e separadas tambem as da accusação das da defesa; sendo inqueridas pelo Presidente uma por cada vez publicamente, tendo prestado primeiro juramento de dizerem toda a verdade.

§. 2.° E permittido aos Accusadores, aos Accusados, e aos Membros do Tribunal fazerem perguntas ás testimunhas, e requerer a sua acariação, e mesmo que se retirem umas depois de inqueridas e que fiquem outras para serem reperguntadas.

Art. 49.° Concluido o inquerito das testemunhas segue-se a discussão dos Accusadores e Accusados ou seus Advogados, sendo ouvidos

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primeiro os Accusadores, que poderão replicar a defeza, mas os Accusados ou seus Advogados poderão treplicar: esta discussão e verbal e será regulada pelo Presidente de modo que nem Accusadores nem Accusados falle mais de duas vezes, devendo estes ter sempre a palavra em ultimo logar.

Art. 50.° Finda a discussão o Tribunal se formará em Sessão secreta para discutir o objecto da accusação; e finda a discussão se tornará publica a Sessão para se proceder á votação e lavrar-se a Sentença.

§. 1.º Para melhor regularidade da votação o Presidente fará na Sessão secreta os quesitos que julgar convenientes para sobre elles recahir a votação; sendo essenciaes os que disserem respeito ás circumstancias attenuantes do delicto.

§. 2.° Não podem assistir á votação nem os Accusadores, nem Accusados, nem os seus Advogados.

§. 3.° Se a votação ficar empatada ficará absolvido o Accusado.

Art. 51.° A Sentença será escripta no processo por um dos Secretarios, e assignada pelo Presidente e por todos os Senadores que votaram.

§. 1.º Desta Sentença não ha recurso.

Art. 52.º Se a Sentença absolver os Accusados serão estes postos logo em liberdade se estiverem presos, e restituidos aos empregos que d'antes occupavam, sendo indemnisados dos ordenados ou soldos que deixaram de receber — Sendo condemnatoria será remettida ao Governo por cópia authentica assignada pelo Presidente e Secretarios para a fazer executar.

Art. 53.° Se fôr condemnado algum Ministro e Secretario d'Estado, e El-Rei lhe perdoar a pena, não poderá exercer mais algum emprego publico; nem gosará dos Direitos politicos.

CAPITULO IV.

Disposições Geraes.

Art. 54.° As disposições do Decreto de 13 de Janeiro de 1837 ficam sendo subsidiarias em tudo aquillo em que forem applicaveis aos casos ommissos na presente Lei.

Art. 55.° Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Sala da Camara dos Senadores em 22 de Junho de 1840. = O Senador por Aveiro, Felix Pereira de Magalhães.

Ficou para segunda leitura.

O Sr. Trigueiros, servindo de Relator da Commissão de Poderes, leu e mandou para a Mesa os seguintes

Pareceres.

1.º — A Commissão de Poderes tendo examinado a Acta definitiva, e mais papeis do Circulo eleitoral de Angra do Heroismo, verificou ter sido eleito Proprietario Francisco de Lemos Bettencourt, e Substituto o Marquez de S. Payo, e havendo fallecido o primeiro, e renunciado o segundo o seu logar por impossibilidade fysica; a Commissão é de parecer, que se lhe acceite a sua escusa, e se officie ao Governo para mandar proceder a nova eleição.

Sala da Commissão, 30 de Junho de 1840. = José Cordeiro Feyo = Felix Pereira de Magalhães = José Curry da Camara Cabral = Como Relator, Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros.

2.° — A Commissão de Poderes, tendo examinado o requerimento do Sr. Senador Manoel de Castro Pereira, no qual requer que a Commissão declare no seu parecer de verificação de poderes, se os Srs. Senadores eleitos estão comprehendidos nas cathegorias marcadas no Art. 77 da Constituição da Monarchia, ou inseridos no recenseamento dos Cidadãos elegiveis para Senadores, a que a Lei de 9 de Abril de 1838 manda proceder, revertendo á Commissão os pareceres sobre aquelles Srs. Senadores, que já estivessem approvados: a Commissão entendeu, que estando já approvados uns, impressos outros, e sendo necessario recorrer ao Governo para obter as listas do recenseamento, e talvez a outros esclarecimentos, o que importaria grande demora, com grave detrimento da Causa Publica, que exigia a prompta instalação desta Camara, que o parecer de verificação não devia ser por tal motivo paralysado, pois que a Commissão não tinha feito senão o que todas as Commissões anteriores fizeram; porém sendo indubitavel, que qualquer daquellas condições é essencial para a validade das eleições, a Commissão é de parecer que se requisitem ao Governo as listas dos recenseamentos para Senadores, e que volte á Commissão o parecer da Commissão sobre a verificação de poderes, para fazer seus exames, e dar de novo o seu parecer. Casa da Commissão, 20 de Junho de 1840. = Felix Pereira de Magalhães = José Curry da Camara Cabral, como relator = Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros.

O 1.° Parecer foi approvado sem discussão: sobre o 2.° disse

O Sr. Marquez de Loulé: — Parece-me que não é sufficiente o estar o nome de um individuo nas listas publicadas pelo Governo para elle ser considerado como tendo todas as qualidades necessarias para poder ser eleito Senador, bem como julgo, que a circumstancia de um ou outro nome não ter sido comprehendido nessa lista não é sufficiente para deixar de se julgar válida a eleição de qualquer Cidadão, que esteja nesse caso. Apoio muito o Requerimento do Sr. Castro Pereira, para que se faça mais algum exame do que aquelle, que até aqui se tem feito, sobre a eleição de cada um dos Membros desta Camara; quero dizer, não basta unicamente examinar se houve ou não irregularidade nas eleições, mas convêm igualmente saber se os eleitos estão comprehendidos nas cathegorias legaes: entretanto não julgo que o Parecer da Commissão satisfaça a todas as condições, visto que póde acontecer que alguns eleitos não tenham seus nomes nas listas, assim como que outros nellas inseridos não devessem ahi estar.

O Sr. Trigueiros: — O illustre Senador que acaba de fallar, pensa como eu pensei, porque as suas idéas são exactamente as idéas que eu já manifestei á Camara, quando o Sr. Castro Pereira apresentou o seu requerimento. Depois disso, Sr. Presidente, a Commissão cedeu, e eu tambem, da sua primeira opinião, e conhecemos que pelo menos deviam ser presentes á Commissão as relações dos cidadãos habilitados para Senadores, com o fim de vêr se os eleitos se achavam nesta lista como recenseados. Porém, Sr. Presidente, não se segue do Parecer que serão annulladas as eleições daquelles que faltarem nessa lista, só porque alli se não encontram os seus nomes: o Parecer da Commissão funda-se na deferencia, que se deve ter para com o preceito da Lei que demanda para a validade da eleição a circumstancia do recenseamento; póde com tudo dar-se o caso de apparecer algum eleito que não esteja nas listas, se assim acontecer, a Camara não póde logo decidir que elle não tome assento, porque se o fizer, ha de ser depois de muitos exames, e nunca proceder de leve em materia de tão alta importancia. (Apoiados). Sr. Presidente, eu já trouxe um facto á consideração da Camara, pelo qual se prova que póde acontecer que o nome de um cidadão não esteja na lista dos recenseados para poderem ser eleitos Senadores, estando elle comtudo recenseado: e comigo mesmo se deu um caso especial, que eu apresentei perante o Senado, de que elle conheceu, e ao qual deferiu. Digo pois, que se tal circumstancia se der a respeito de alguem, deve ficar com o direito de defender o seu logar, e fazê-lo mostrando á Camara que, apesar de não estar na lista o seu nome, está comtudo nos termos de poder ser eleito Senador, por ter os requisitos exigidos pela Lei. — Em consequencia parece-me, Sr. Presidente, que agora não se deve continuar nesta discussão, mas sim esperar que venham esses esclarecimentos do Governo, e que quando a Commissão der o seu parecer, então é occasião de discutir no sentido, que o fazemos agora. (Apoiado).

O Sr. Miranda: — Eu hei de votar contra o Parecer, e faço-o porque me parece que o requerimento é apresentado fóra de tempo, e tambem porque me não parece justo que se venha pôr em questão a legalidade dos diplomas depois de proclamados os Senadores: são estas, Sr. Presidente, as razões porque eu declaro que approvo as idéas da Commissão, mas desapprovo o Parecer, por ser a sua apresentação feita muito fóra de tempo.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu declaro que voto pelo Parecer, porque não quero que do Senado se faça a Casa dos vinte e quatro (Riso).

O Sr. Castro Pereira: — Pedi a palavra para dizer que o meu illustre amigo, o Sr. Miranda, naturalmente não estava presente quando se apresentou esse Requerimento; isto não teve logar no primeiro dia em que aqui se discutiram os Pareceres da Commissão de Poderes, porque então não me occorreu essa idéa, mas o fiz logo depois. Por consequencia, se esse Parecer entra já em discussão, eu exporei as razões que tive para fazer o Requerimento; mas a mim parece-me que V. Ex.ª podia pôr o Parecer agora mesmo á votação.

(Alguns Srs. Senadores pedem a palavra).

O Sr. Presidente: — Esta discussão não póde ter hoje logar; o Parecer fica sobre a Mesa para ser tractado em outra Sessão.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, desde o dia 6 de Maio, que a minha saude tem soffrido consideravelmente, e alguns houve em que a minha vida correu risco: em tempo competente tive a honra de participar a esta Camara o meu incommodo, e que brevemente esperava poder apresentar-me; porém a molestia progrediu mais do que eu esperava, e por isso só hoje o pude fazer. Pareceu-me que devia á Camara uma explicação ácerca do motivo da minha involuntaria falta.

O Sr. General Zagallo: — A Commissão de Guerra acha-se installada: nomeou — Presidente o Sr. Duque da Terceira, Secretario o Sr. Conde de Linhares, e a mim Relator. — A Camara ficou inteirada.

Estando presente o Sr. Ministro da Fazenda, passou-se á Ordem do dia, e foi lido o seguinte

Parecer.

A Commissão de Fazenda examinou o Projecto de Lei enviado a esta Camara pela Camara dos Deputados, pelo qual o Governo é authorisado para continuar a receber os impostos estabelecidos, com as condições que no mesmo Projecto se declaram. A Commissão, considerando que está imminente o fim do anno economico; que mui graves inconvenientes resultariam da suspensão da cobrança dos direitos pagos nas Alfandegas; e que o prazo de tres mezes estabelecido no Projecto é justo nas circumstancias actuaes: é de parecer que este Projecto deve ser declarado urgente, e approvado pela Camara. Casa da Commissão, 27 de Junho de 1840. = Visconde do Sobral = Barão de Villanova de Foscôa = José Cordeiro Feyo = Manoel Gonçalves de Miranda = Barão do Tojal.

Projecto de Lei (a que se refere o Parecer).

Artigo 1.° Durante o primeiro trimestre do anno economico de mil oitocentos e quarenta a mil oitocentos e quarenta e um, fica o Governo authorisado para arrecadar todos os impostos e rendimentos publicos, que, na conformidade das Leis em vigor, se acham estabelecidos, e para applicar o seu producto ao pagamento das despezas publicas, na conformidade do que foi determinado na Carta de Lei de 31 de Julho de 1839, que regulou as despezas do corrente anno economico.

§. unico. O Governo effectuará em cada mez, pelo menos, o pagamento de um mez de seus respectivos vencimentos a todas as classes dependentes dos diversos Ministerios, segundo a ordem estabelecida desde a ultima interrupção, que houve nos pagamentos.

Art. 2.° Esta authorisação cessará, se antes de findar o prazo marcado no Art. 1.°, fôr legalmente decretada a receita e despeza do proximo futuro anno economico.

Palacio das Côrtes, em 23 de Junho de 1840. = João de Sousa Pinto de Magalhães, Presidente = José Marcellino de Sá Vargas, Deputado Secretario = João Antonio Lobo de Moura, Deputado Secretario.

Declarando o Sr. Presidente que estava em discussão o Parecer da Commissão, approvou-se sem debate a urgencia nelle proposta, resolvendo-se tambem que immediatamente se tractassem os respectivos Artigos na especialidade.

Leu-se por tanto o primeiro, e teve a palavra

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, em qualquer parte aonde o systema representativo é conhecido, sempre que o Governo pede subsidios pecuniarios, é praxe e direito o pedirem-se por essa occasião algumas explicações ao Ministerio, e particularmente ao Sr. Ministro da Fazenda, explicações, que eu vou pedir, e de que careço, menos para esta votação do que para outras. Do que eu acabo de dizer poder-se-ía argumentar que as explicações que eu vou pedir não vem para aqui; porém não é assim, Sr. Presidente, porque eu intendo que tudo isto tem estreita connexão entre sr.

Começarei por tanto por pedir a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda, que nos queira informar em que estado estão as contas com o nosso Agente financeiro, que foi o Sr. Mendizabal contas que é de crer estejam muito adiantadas, porque para esse fim, e para as examinar no tempo em que eu estive no Ministerio, se havia nomeado uma Commissão. Desejo pois saber se o ajustamento destas contas tem pro-

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gredido, ou se hão de progredir quando morrer o Sr. Mendizabal; (Riso.) apesar de que eu já estou intimamente persuadido que o saido dessa conta ha de sentir tanta difficuldade em saír da algibeira do Sr. Mendizabal, como as contas têem sentido em saír da sua cabeça,

O Sr. Ministro da Fazenda: — A Commissão encarregada de liquidar as contas do Sr. Mendizabal tem adiantado muito os seus trabalhos; ainda hoje esteve comigo, e me deu conta delles; agora que desses trabalhos resulte uma liquidação de contas, da qual se possa desde já dizer o saido, é quasi impossivel, porque não se póde liquidar um saldo (como S. Ex.ª conhece) sem que o devedor satisfaça ás requisições que lhe são feitas; pediram-se algumas ao agente do Sr. Mendizabal aqui em Lisboa, mas não se julgou sufficientemente instruido para responder. A Commissão está nas vesperas de dar por concluidos os seus trabalhos sobre aquillo que é possivel, e está effectivamente liquidado; sómente restará a outra parte, a respeito da qual póde haver alguma discussão; espero comtudo poder brevemente apresentar essa liquidação.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa; — Eu fico inteiramente satisfeito com o que S. Ex.ª o Sr. Ministro da Fazenda acaba de dizer, porque eu já sabia que o agente que o Sr. Mendizabal aqui mandou é mudo; por quanto, tendo-se dirigido a elle a Commissão, pedindo explicações, elle poucos esclarecimentos tem dado; chegou. Sr. Presidente, e declarou-se mudo! Sobre isto nada mais direi.

Outro ponto que eu desejaria vêr explicado é, que negociação teve logar para se levantar a somma de tres milhões de que o meu nobre amigo o Sr. Marquez de Saldanha foi portador para Inglaterra?

O Sr. Ministro da Fazenda: — Essa questão ainda está, por ora, dependente de negociações, e se se ha de pagar isso que se reclama, ou mais ou menos segundo o estado das liquidações; creio que o Sr. Senador não duvída disto: quanto aos meios de pagamento, eu me encarrego de os propôr á Camara, como é proprio do Ministro da Fazenda, e não só a respeito do estado ordinario, mas tambem das dividas extraordinarias.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — S. Ex.ª certamente me fará justiça em acreditar, que não é para embaraçar o Governo, e muito menos o seu Ministerio, que eu faço estas perguntas: — faço-as para certeza minha. É facto sabido. Sr. Presidente, que S. Ex.ª o Sr. Marquez de Saldanha, foi portador desse dinheiro em titulos; mas para que o Ministerio podesse dispor de tres milhões em titulos era necessario praticar uma grande operação, e esta ser feita com antecipação, porque o portador della já está em Londres: mas era isto um negocio que pela sua gravidade, e importancia, o Governo devia ter trazido ás Côrtes (Apoiados). Sr. Presidente, toda a garantia do Governo representativo consiste, em não se dispor de dinheiros publicos, senão publicamente, e com authorisação legal, e se isto se não fizer, então nós estamos aqui illudindo o Povo, e caminhando debaixo das formulas apparentes do Governo representativo, mas sem que o seja (Apoiados). Sobre este objecto tambem nada mais direi, porque não quero embaraçar o Sr. Ministro.

Agora ainda direi algum cousa, para satisfazer, a quero de mim exige, que eu faça certas instancias nesta Casa. — Sr. Presidente, eu recebi uma carta de Faro, datada de 25 do corrente, na qual me dizem, que os prets se tem alli atrazado tres quinzenas, e os soldos de dous a tres mezes. Não sei como isto possa ser, Sr. Presidente: o que eu vejo porém é, que o Governo tem recebido as mesmas sommas que a passada Administração, e que, apesar disso, os pagamentos se têem atrasado, e tanto; não podendo eu conceber como, recebendo elle quantias iguaes ás que anteriormente se recebiam, deixe atrazar tres mezes os pagamentos ma 8.º Divisão! — Além disto, Sr. Presidente, dá-se uma muito notavel circumstancia, e vem a ser, que em Lisboa se conta o mez de 30 dias, e no Algarve de 63 dias! É esta uma reforma no Kalendario muitissimo espantosa, e reforma no Kalendario de que por certo não tinha noticia o meu nobre Collega o Sr. Miranda, distincto calculador (Riso), Sr. Presidente, ás classes inactivas estabelecem-se a ordem dos pagamentos pela fórma que todos sabem: e de que procederá tambem a fatalidade, de que sendo as rendas as mesmas, o atrazo no pagamento a esta classe vá em progresso?

Pedia pois ao Sr. Ministro da Fazenda que, sem comprometter a solidariedade do Governo, se servisse dizer alguma cousa para consolo desta classe; e explicar-me tambem, qual é a razão porque sendo o mez em Lisboa de 30 dias, no Algarve é de 63 dias. (Algumas vozes: Tambem no Porto o mez é de 63 dias.) Ouço dizer, Sr. Presidente, que tambem no Porto é de 63 dias: — aqui temos mais uma novidade (Apoiados). Concluo pois. Sr. Presidente, dizendo que estimaria ouvir S. Ex.ª que me dissesse qual é a razão, porque não diminuindo os rendimentos, os atrazos vão sendo cada vez maiores.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Sou chamado a dar explicações sobre varios objectos em que fallou o illustre Senador. Principiarei por dizer, a respeito das negociações estrangeiras, que ellas ainda se estão tractando, e que em quanto se tractam não posso dar conta dellas a esta Camara, e estou persuadido que o Governo não tardará muito em fazer um Relatorio especial a este respeito, que me parece satisfará o Senado.

Agora passarei a fallar sobre o Algarve, e explicarei a conducta do Governo ácerca deste ponto: para o Algarve tem sido remettidos 22 contos de réis cada mez, desde que eu entrei no Ministerio, como fizeram os outros anteriores; aconteceu porém que os temporaes do inverno passado foram tão successivos, que atrazaram a remessa de um mez, e como nem sempre ha meios para fazer saír embarcações de guerra, havendo de mais a mais falta dellas, isso e a incerteza do tempo, deu logar a que as remessas não fossem tão regulares; entretanto tenho tornado dinheiro na Praça, e applicado, além dos 22 contos, o producto da Contadoria do Algarve para esse mesmo fim. Não sei se faltam tres mezes ou tres semanas, mas (perdoe-me o illustre Senador) eu entendo que alguma cousa ha de exaggeração no atrazo que ennunciou: o atrazo não é tanto, e breve será nenhum, porque o dinheiro vai o ha de distribuir-se.

Emquanto ás classes inactivas, direi tambem o que me parece satisfará o illustre Senador. Esta Administração quando principiou na gerencia dos negocios, estabeleceu a linha dos pagamentos que projectava, como está marcada na Portaria de 20 de Dezembro de 1839, alterou em parte o que se tinha annunciado a respeito das classes inactivas, porque os meus principios neste ramo, íam de encontro ao systema de andar aos saltos nos pagamentos; pagar dous mezes atraz, e ficar devendo outros adiante, não é systema de fazenda, não é nada; e então entendi que devia continuar os pagamentos posteriores na ordem dos mezes que se íam seguindo. Eu estou ha sete mezes no Ministerio, e estes pagamentos tem-se feito ás classes activas seis mezes; ainda senão abriu o septimo, mas ha de abrir-se brevemente: a falta de meios faz ás vezes com que se atrazem os pagamentos das classes inactivas, mais do que os das activas, annunciam-se os pagamentos, e vão-se fazendo a medida que se apuram os fundos para elles. Disse o illustre Senador que não concebe como a actual Administração, tendo tantos ou mais meios que a antecedente, possa chagar a atrazar os pagamentos: mesmo concedendo que haja esse atrazo, digo que a receita não é, nem tem sido tamanha como era então; o Ministerio não tem tido auxilios extraordinarios, e tem feito face á despeza publica ordinaria e extraordinaria; isto apresenta de quando em quando difficuldades, e difficuldades graves, mas que se tem vencido até agora; a circumstancia das classes inactivas estarem um pouco mais atrazadas que as activas, desapparecerá cedo, e provém principalmente de que a receita não corresponde sempre ao calculo, ás vezes um mez diminuo a receita em alguns contos de réis: aqui estão alguns Ministros, que serviram na Repartição em que me acho, que o conhecem por experiencia.

Não sei se fallou tambem nos Egressos (vozes: — não, não). Então parece-me que com isto tenho satisfeito ao illustre Senador, a respeito de todos os pontos que tocou,

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Acabo de ouvir dizer ao Sr. Ministro da Fazenda, que manda 22 contos mensalmente, e isto me faz admirar mais, que a 8.ª Divisão Militar, e parte da 7.ª estejam tão atrazadas como me escrevem; porque eu estou certissimo que lhes pagava com 19:700$ réis, que o brigue Liberal conduzia mensalmente, accrescendo uma razão favoravel, e vem a ser, que as classes inactivas do Algarve recebem todas por Lisboa, e no meu tempo só na 8.ª Divisão Militar notava uma unica viuva de um soldado, e tudo o mais recebia pela 1.ª, e 6.ª Divisão. Em quanto porém á receita, direi, que entendo que o Governo actual tem a mesma, que tinha-o a que eu tive a honra de Presidir. Aquella Administração tinha ã seu favor uma operação que acabou em Dezembro; mas em Dezembro continuou o Governo a receber 100 contos de réis do Tabaco que então ficou desembaraçado, os quaes juntos a outros 100 contos aproximadamente das Contadorias, vem a ser os mesmos 200 contos, que recebia o Sr. Manoel Antonio dê Carvalho. Eu concordo em que a renda diminuirá, e diminuirá por exemplo: se o meu paiz, o Douro, não exportar vinhos, porque não os exportando ha de a receita ser muito menor, porque então deixam de se receber doze mil réis, que por cada pipa se pagam de direitos, direitos muitissimo excessivos, e a respeito do que eu já em outro tempo levantei a minha voz no Congresso Constituinte, porque não ha nada mais desigual. Por agora termino esta questão; não quero mais esclarecimentos.

O Sr. Ministro da Fazenda: — Pedi á palavra simplesmente para dizer bagatella, para mostrar que as Contadorias não produziram aquelle rendimento. As Contadorias acham-se muito mal montadas, e estão fóra da acção fiscal do Governo; por consequencia, como quer o Sr. Senador, que as Contadorias produzam a receita que se lhes manda em rol? Explicasse isto assim pelas quantias immensas que se lançam para as execuções; logo que para alli vão morrem, e o Thesouro não espera d'ahi auxilio quasi nenhum. Eu tenciono apresentar um trabalho ás Camaras, que alguma cousa proveja de remedio ao mui que procede das Contadorias estarem montadas do modo que actualmente se achara: basta a mudança de um Contador para causar mil transtornos; ainda no dia de hoje algumas Contadorias se resentem das mudanças que houve em 1836 (apoiados). Com isto parece-me ter explicado a pergunta que acaba de fazer o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa redarguiu, que tambem muito haviam concorrido para a confusão, em que se acham as Contadorias, as demissões e mudanças de Empregados feitas pela actual Administração.

O Sr. Ministro da Fazenda: — O illustre Senador, a fallar a verdade, dirigio-me uma arguição que eu não esperava, e para que não, estava preparado. Eu entendo que o Governo procedeu com muitissima justiça e com muitissimo zelo pela Fazenda Publica, quando substituio alguns Empregados Publicos; e peço licença ao illustre Senador para lhe dizer que me não queira obrigar a dizer mais alguma cousa a este respeito... Eu não sou homem que me devirta em mudar Empregados Publicos; entretanto se mudei alguns tive para isso motivos fortes, e.......... não direi mais nada.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Eu entrarei nesta questão por onde devia acabar; porque as circumstancias são extraordinarias: já não ha 24 horas, passadas as quaes o Governo possa legalmente receber os impostos, e por consequencia como a acção do Governo não póde parar, é de necessidade que este Projecto se approve hoje; se assim não fosse, eu teria de fazer algumas perguntas a S. Ex.ª; e para que me não diga que consinto tacitamente, voto pelos artigos do Projecto, reservando-me todavia para fazer, em occasião opportuna, algumas perguntas que neste momento mesmo poderiam, ter logar, porque sempre ha o direito de as fazer, mas que eu não farei com o fim de que o Projecto passe quanto antes, attenta a sua extrema urgencia (Apoiados).

O Sr. Miranda: — Eu levanto-me não para sustentar o Parecer da Commissão que ainda não foi impugnado, pedi a palavra para felicitar o Sr. Ministro da Fazenda, pelas idéas que acabou de emittir, e que eu desejaria levasse a effeito, apresentando quanto antes ás Côrtes um Projecto sobre a reforma da arrecadação da Fazenda, porque em quanto o systema da arrecadação da Fazenda estiver montado como está actualmente, não póde haver regularidade na cobrança, nem é possivel a fiscalisação. A desordem tem chegado a tal excesso que não ha hoje empregos no Estado que sejam tão apetecidos nem tão rendosos e pingues como os do Contador da Fazenda, O systema actual em theoria é o mais monstruoso e contrario a todos os principios, e na pratica é, o que uma triste experiencia tem mostrado (apoiado). Por consequencia esta é uma das medidas que mais altamente reclamam as necessidades publicas, e eu muito me lison-

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DIARIO DO GOVERNO.

geio de que o Sr. Ministro tenha a idéa de apresentar um Projecto de Lei, que occorra a taes inconvenientes, como acaba de indicar.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Voto pelo Projecto, porque não quero dar logar a que nenhum Empregado Publico attribua ao Senado ou a mim, humilde pessoa, o atraso nos seus pagamentos (Apoiado).

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o Artigo 1.º do Projecto posto á votação e ficou approvado (Dous Membros sahem da Sala).

O Sr. Conde de Linhares: — Sr. Presidente, eu peço, que sejam chamados os Srs. Senadores, que sahirem... (rumor) Cada um que tem esta ou aquella opinião, declara-a alto; o mais não me parece muito proprio....

O Sr. Vellez Caldeira; — Não ha injustiça mais flagrante! Pois se os Senadores que sahiram votaram no 1.º Artigo do Projecto, que e o principal, como poderiam elles ter duvida de tomar parte na votação dos outros?....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa (entrando): — Como o illustre Senador não quer que se beba agua, cá vou para o meu logar..... mas em fim, para lhe mostrar a minha obediencia, declaro que não quero votar (Tornou a sahir).

Immediatamente foram approvados sem discussão, assim o §. unico como o Art. 2.º

Em seguida teve logar a eleição dos tres Membros que ainda faltavam para completar a Commissão Diplomatica. — Neste segundo escrutinio (de 40 listas) ficaram apurados

Os Srs. Barão de Rendufe, por 20 votos.

Miranda............. 19

Barão da R. de Sabrosa 14

O Sr. Presidente deu para ordem do dia, Pareceres de Commissões, a leitura da ultima redacção e os Artigos do Regimento interno que se acham approvados, e a discussão do Parecer da Mesa sobre as Substituições propostas ao Tit. 9.º do Projecto do mesmo Regimento: fechou a Sessão pelas tres horas e meia.

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