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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

13.ª Sessão, em 13 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.º Secretario.)

Pela uma hora e meia da tarde foi aberta a Sessão, verificando-se a presença de 49 Srs. Senadores. — Tambem estavam presentes os Srs. Ministros dos Negocios do Reino, e da Justiça.

Leu-se, e approvou-se a Acta da Sessão precedente.

Sobre proposta do Sr. Presidente, resolveu a Camara que a Commissão de Poderes passasse immediatamente a examinar o diploma do Sr. Francisco de Serpa Saraiva, Substituto por Coimbra, que se achava sobre a Mesa, e para esse fim lhe foi remettido.

Mencionou-se um Officio pelo Ministerio da Guerra, incluindo um authographo do Decreto das Côrtes (Sanccionado por Sua Magestade) sobre ser o Governo authorisado a, reintegrar os ex-Officiaes e Inferiores, que deram as demissões em consequencia dos acontecimentos politicos de Setembro de 1836. — Para o Archivo.

O S. Presidente: — O Sr. Duque da Terceira não se acha presente por incommodo de saude.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Mando para a Mesa uma Representação dos habitantes das Freguezias de Santa Maria, e Sant-Yago, do Concelho que foi de Monsarás, pedindo que se não derogue a Lei, que os annexou ao Concelho de Reguengos. — Foi mandada á Commissão de Administração.

O Sr. Taveira: — Tenho a honra de mandar para a Mesa uma proposta de Mr. Thierry, que se offerece, mediante as clausulas nella descriptas, a tirar do fundo dos rios os cascos de toda a conta de embarcações, que por terem ido a pique, ou por outra qualquer circumstancia ahi se acharem. A Camara, se assim o julgar conveniente, poderá mandar esta proposta a uma Commissão, que dê sobre ella o seu parecer.

O Sr. Presidente: — Parece-me que o destino competente seria remette-la ao Governo.

O Sr. Taveira: — Se assim parecer á Camara, eu tambem me não opponho.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Este Cavalheiro já apresentou um Projecto ao Governo, e ha muito poucos dias tornou a apresentar as suas propostas com algumas alterações. O Projecto que apresentou, se bem que á primeira vista parece bastante vantajoso, comtudo como era necessario empregar sommas de dinheiro para que o Governo não estava habilitado, por isso não tinha ainda acceitado as condições; pensou primeiro sobre ter os meios necessarios, para depois dar uma resposta. Ultimamente Mr. Thierry modificou esta sua proposta, e o Governo occupa-se em fazer aquillo que fôr mais conveniente. É o que posso dizer á Camara sobre este assumpto.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Parece-me que os termos desta, como de qualquer Petição, é ser remettida a uma Commissão para dar o seu parecer; se acaso ti Commissão entende que ha Lei, diz que sé remetta ao Governo; e se acaso é precisa uma medida legislativa, então a Commissão a proporá; e é o que se pratica nesses casos.

O Sr. Presidente: - Isto não é uma Petição, mas sim um papel que vem á Camara com o titulo de Proposta.

O Sr. Miranda: — Eu entendo que este requerimento, ou esta representação, não passa de uma offerta, e deve-se dirigir ao Governo; a Commissão não tem nada afazer, nem deve entrar na discussão do exame do Projecto, e o Governo se o achar conveniente é que ha de dizer selem logar; qualquer Commissão não póde entrar na discussão de se o Projecto é exequivel ou não exequivel, porque não é nenhuma academia de hydraulica, e ao Governo é que compete dizer o que entender, e se elle julgar que é admissivel, então o dirá, e pedirá os meios á Camara. Por isso digo que essa proposta deve ser dirigida immediatamente ao Governo. (Apoiados.)

O Sr. Presidente: — Se este papel tivesse a fórma de Petição, proporia, que fosse á Commissão de Petições, mas parece-me que ha inconveniente em as Commissões se occuparem de propostas que pertencem ao Governo, uma vez que algum Membro da Camara as não faça suas.

Resolveu-se que fosse remettida ao Governo. Teve segunda leitura o seguinte Parecer.

«A Mesa, a quem foi, por esta Camara, commettido o exame do relatorio, e contas da Commissão incumbida da gerencia administrativa, desde a ultima Sessão das Côrtes, vem offerecer o seu juizo ácerca dos citados documentos.

«A Mesa tendo examinado os Livros de contabilidade, Folhas, e documentos respectivos, os achou conformes com a conta apresentada pela Commissão, e reconheceu terem sido legaes todas as despezas nelles contidas, e é de parecer, que se deve dar quitação á Commissão; e igualmente é de parecer, que a despeza extraordinaria das tabuinhas para as janellas da Sala das Sessões, e da Secretaria, feita pelo Inspector do Palacio, sob sua responsabilidade, lhe deve ser abonada, attenta a justificada e reconhecida necessidade d'uma tal obra. Palacio das Côrtes, em 1 de Julho de 1840. = Duque de Palmella, Presidente = Polycarpo José Machado, Senador, Secretario = Conde de Mello, Senador, Secretario.

Foi approvado sem discussão.

O Sr. Zagallo, na qualidade de Relator da Commissão de Guerra, leu e enviou á Mesa o parecer della, sobre os primeiros dez Artigos do Projecto de Regulamento para a organisação e administração do Exercito, offerecido á Camara pelo mesmo Sr. Relator. — Mandou-se imprimir para entrar em discussão.

Como Relator da Commissão de Fazenda, leu o Sr. Miranda, e tambem enviou á Mesa, o parecer da referida Commissão, ácerca do Projecto de Lei para a creação do Tribunal de Contas, adoptado pelo Sr. Pereira de Magalhães. — Mandou-se igualmente imprimir para ser discutido.

O Sr. Trigueiros, servindo de Relator da Commissão de Poderes, leu o seguinte Parecer.

«A Commissão de Poderes, tendo examinado o diploma do Sr. Francisco de Serpa Saraiva, Senador Substituto por Coimbra, o qual já foi proclamado, tendo sido sua eleição approvada em logar do proprietario, o Sr. Marquez de Saldanha, e achando-o em devida fórma, e em tudo conforme á Acta difinitiva, é de parecer que o dito Sr. Senador deve prestar juramento, e tomar assento na Camara. Sala da Commissão, 13 de Julho de 1840. = José Curry da Cantara Cabral Como Relator, Venancio Pinto do Rego Cêa Trigueiros = Felix Pereira de Magalhães.

Foi approvado sem discussão, e logo introduzido na Sala o Sr. Serpa Saraiva, acompanhado pelos Srs. Secretario, e tendo prestado juramento tomou logar.

Passando-se á Ordem do dia, foi lido o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, (V. Diario N.° 158, a pag. 848), e disse

O Sr. Presidente: — Antes de se entrar na discussão deste Projecto, seria conveniente que a Camara resolvesse sobre o methodo que nella convém seguir-se; quero dizer, se será na fórma do Regimento, se na generalidade da materia, ou »e especialmente paragrapho por paragrapho.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sem me oppôr áquillo que qualquer Senador podér indicar, parecia-me que podia-mos dispensar a discussão em geral, e entrar logo na especial dos paragraphos, porque cada um de nós ha de dizer na especialidade aquillo que diria na generalidade: segundo o mostra a experiencia, parece-me, que este seria o modo mais seguro de adiantar este negocio.

O Sr. Miranda: — Eu persuado-me que a discussão por paragraphos será extremamente longa, e parece-me que para se evitar este inconveniente, e o inconveniente contrario de unia discussão em globo, se poderia dividir em duas partes; na primeira poderiam discutir-se conjunctamente os negocios estrangeiros, e na segunda tudo que é relativo á administração interna do paiz: deste modo teremos duas discussões geraes, o uma de todos os paragraphos desde o principio até áquelle que começa = A Camara verá com muita satisfação, etc. e a outra dahi por diante até ao fim: nestas duas discussões geraes se comprehendem respectivamente todas as especies, que são homogeneas, mas se a discussão fosse por paragraphos, tor-nar-se-hia talvez longa em demasia, expendendo-se, e repetindo-se, sobre objectos diversos, as mesmas idéas, o que daria em resultado um grande desperdicio do tempo, que nos cumpre aproveitar para objectos de igual, ou de maior importancia, que as necessidades publicas reclamam.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, desde 1820 que se estabeleceu uma regra de discutir a Resposta ao Discurso do Throno, e não vejo motivo para que essa regra se altere este anno; convenho nas boas intenções do nobre Senador, mas reprovo o methodo por elle proposto. O exemplo que se nos deu relativamente ao modo desta discussão, se me fosse licito, com franqueza diria que foi infinitamente lastimoso; discutiu-se uma cousa oito dias, e no fim não se sabia o que era que se tinha approvado! É um facto novo na historia dos Parlamentos; nem penso que nenhum dos illustres Senadores queira partilhar esta honra, esta gloria. A Commissão que dividisse as materias da Resposta á sua vontade; não tiveram os nobres Senadores em sua mão coordena-la como disse o Sr. Miranda. Certamente: mas agora que ella está dividida nos pontos que aqui se acham exarados, não sei porque se ha de pedir um novo methodo de discussão. Fallou-se em economia de tempo, mas a inversa é verdadeira: maior confusão ha de vir da discussão segundo o modo que S. Ex.ª propõe, do que se ella seguir o methodo simples, regular, e costumado. Se querem discussão geral, e discussão especial, de boa vontade entrarei nellas; mas não querer, nem uma nem outra cousa, parece-me excessiva pretenção. É o que entendo sobre a ordem; esta questão todos entramos nella de boa-fé; não digo mais nada, e deixo-a á sabedoria do Senado.

O Sr. Miranda: — A proposição que fiz não tende a que deixe de se tractar cada materia a que o Discurso do Throno se refere, e o illustre Senador póde tocar aquellas que quizer. A minha proposta é conforme á natureza do Projecto: o Discurso do Throno é, e assim se deve reputar, o reflexo da opinião do Governo; neste Discurso fazem-se referencias relativas fios negocios estrangeiros, e aos negocios internos do Paiz; porém quaesquer que ellas sejam, reputam-se e devem regular-se como a expressão das opiniões, e como o resultado das inspirações dos Ministros da Corôa. Esta doutrina é corrente: de outra maneira nem seria verdadeiro, nem ficaria illeso o dogma constitucional da inviolabilidade de Rei; em consequencia é forçoso admittir que tudo o que ha de verdadeiro, de grande, e de generoso no Discurso do Throno, pertence ao Chefe do Estado, e que tudo quanto ha nelle sujeito ás observações das Camaras, e póde ser objecto de discussão, fica por conta dos Ministros; e co-

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são pensamentos do Governo elles têem obrigação de os explicar e desenvolver. Assim na Resposta ao Discurso do Throno ha, por assim dizer, duas respostas; uma respeituosa e concisa, dirigida ao Chefe do Estado; outra verbal, de explicações e exame, com todas as fórmas de debate parlamentar, que é, segundo me expliquei, a resposta dirigida aos Ministros. A primeira foi o trabalho da Commissão; a Resposta ao Discurso do Throno, que se acha impressa e distribuida. A respeito desta, mui limitada seria a discução; porém como ella serve de texto para a discussão dos diversos assumptos a que allude, o texto e a materia são dous objectos de natureza mui distincta. Isto supposto creio eu que a discussão será previa, quanto basta, e menos vaga, fazendo-se, quanto ás materias, as duas grandes divisões que indiquei; sobre cada uma das suas partes póde cada um dos Membros desta Camara pedir as informações que bem quizer, e dizer aquillo que entender; e se no contexto da Resposta houver alguma modificação a fazer-se, a cada um dos Membros desta Camara fica livre o propo-la, por meio de emendas ou substituições parciaes. Na minha proposta não fiz referencia alguma ao que se passou na outra Camara; não fiz mais do que pedir que a discussão deste Projecto fosse dividida em duas partes, sobre o que a Camara decidirá o que melhor lhe parecer. O que eu altamente reprovo, e não quero, é que se pertenda restringir e abafar a discussão, e a apparencia de allusão que parece haver nas palavras do illustre Senador, eu a rejeito completamente, e do modo mais solemne pela parte que me toca. A minha opinião é que se tractem todas as materias de interesse publico com todo o vagar, e com toda a attenção que me Tecerem, segundo a sua importancia; e neste sentido e a este respeito entendia eu que o methodo por mui indicado, tendo algumas vantagens, não teria em contrario o menor inconveniente; entretanto não insistirei sobre este ponto, porque, com tanto que não se admitta o que se entende por uma discussão em globo, eu não me opporei a qualquer outro meio que se julgue o mais proprio para regular-se a discussão.

O Sr. Leitão: — Não me parece que se deva alterar a regra geral estabelecida, não só os Artigos do Regimento, que já foram approvados por esta Camara, mas até em quantos Regimentos de Corpos Legislativos tem havido entre nós; a regra geral é que haja uma discussão na generalidade; mas se por algumas razões attendiveis se dispensa esta discussão na generalidade, deve necessariamente seguir-se a discussão na especialidade: ora não havendo razão nenhuma para se alterar esta regra geral, porque se ha de alterar sem motivo! Mas não é só sem motivo, é que as mesmas razões que o illustre Senador acaba de produzir para se alterar o Regimento, são essas mesmas que me convencem de que deve haver a discussão na especialidade deste Projecto. Diz-se que se deve dividir em duas grandes discussões; uma pelo que pertence aos negocios estrangeiros, e outra relativamente aos interesses do Paiz: cada uma destas divisões contêem especies distinctas, e se o illustre Senador diz que não deve haver confusão nas questões, qual é a razão por que se não ha de discutir na especialidade cada um destes objectos? Por ventura, quando se tractar dos negocios do interior, póde discutir sem confusão, por exemplo, os negocios judiciaes, negocios administrativos, e ao mesmo tempo o paragrapho que tracta da força maritima? Poderão as especies differentes ser tracta das conjunctamente sem confusão? Por esse mesmo motivo apresentado pelo illustre Senador é que eu digo que se não deve alterar, e a Camara não deve dispensar uma regra geral, estabelecida em todos os Regimentos, sem uma razão sufficiente. Se é para não gastar tempo que lembrou esse arbitrio, mais mal gasto é com discussões similhantes a esta que me parece não merecia a pena de nos demorarmos nella. (Apoiados,)

O Sr. Serpa Machado: — A questão que se suscitou é relativa ao modo como se ha de discutir esta materia. Ora, Senhores, permitta-se-me dizer, que ha certos erros, que a experiencia tem feito vêr (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A quem?) que é preciso emendar Nós temos dois grandes objectos a tractar na Camara, uns são principaes, outros preliminares, ou preparatorios; ter grandes discussões ácerca dos preparatorios, e deixar os principaes em silencio, é um erro de grande consequencia, erro, que infelizmente se tem verificado até pelo que fizeram a? Camaras transactas; porque certamente a discussão da resposta ao Discurso, do Throno, que é objecto secundario em relação á factura das Leis, que é missão principal dos Corpos Legislativos, essa discussão, digo, por muito prolongada deu occasião a grandes murmurações, e dezar para alguma das Camaras antecedentes, e a dizer-se, que aquella resposta era como as obras de Santa Engracia, isto é, que não tinha fim nem complemento. Portanto é necessario empregar todos os meios para diminuir estas justas murmurações, tractando este objecto preparatorio sem faltar ás considerações, que lhe são ineherentes, mas ao mesmo tempo sem prolixidades inconvenientes. Parece-me pois, que a proposta do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, para se dispensar a discussão na generalidade, e entrarmos na especial, é justa, porque a Camara mesmo pelo Regimento póde dispensar o debate geral sobre certos objectos, e este talvez seja um daquelles, que mereça essa dispensa; agora quando descermos á especialidade, é, que me parece, que se offende o Regimento, visto que este Projecto, ainda que contém differentes partes distinctas, não tem comtudo Artigos separados, porque é a estes que o Regimento se refere, quando manda examinar em especial os Projectos de Lei, que ordinariamente são divididos em diversos Artigos; mas na resposta ao Discurso do Throno a doutrina, ainda que se refere a especies particulares, todavia é um todo, é uma resposta em que cada um dos Senadores póde fallar promiscuamente, e sem interrupção, uns apoiando, e outros combatendo os diversos assumptos, que se forem examinando. Todos sabem o que é uma resposta ao Discurso da Corôa, e quanto se distinguem de um Projecto de Lei; são cheias de generalidades sobre cousas já feitas, ou ácerca daquellas que se projectam fazer: portanto, ainda que esta não tenha senão uma discussão seguida e homogénea, eu entendo, que essa discussão não passe a cada uma de suas proposições em especial, aliás teremos uma discussão indefinida, porque se cada Senador podér fallar sobre cada ponto, tantas vezes quantas permitte o Regimento, nunca sairemos da questão deste Projecto de resposta, e cairemos no mesmo desagrado, e execração em que caiu alguma das Camaras extinctas. Portanto, approvo, que haja uma só discussão, mas que seja em relação ao todo do Projecto de resposta, e que não seja permittido a cada orador fallar especialmente, sobre cada proposição distincta e especificamente; por outro modo a discussão terá uma extensão demasiada, ofenderemos o Regimento com damno do serviço publico. Senhores, desenganemo-nos, é necessario aproveitar o tempo dignamente: em Nações, que se acham já constituidas, como Inglaterra e França, estas respostas concluem-se em prazos rasoaveis, e nós que ainda não estamos constituidos, ou o estamos mal, havemos de prolongar esta questão, de maneira, que não saiamos daqui, quando apenas falta mez e meio para completar o termo da Sessão Ordinaria? Lembremo-nos, que ha uma infinidade de Leis afazer, e outras que devemos coordenar, ou emendar dentro desse tempo. Por conseguinte, conformo-me de certo modo com a opinião do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, para que haja sómente uma discussão, mas entendo, que esta discussão deve versar no todo do Projecto, e não em cada uma de suas partes em especial, visto que ellas não são rigorosamente Artigos, como os de uma Lei.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu quereria pedir ao illustre Senador apresentasse as provas da execração em que caíram as ultimas Côrtes; é possivel que ellas fossem execráveis no conceito do nobre orador, e no de mais alguem, mas em quanto as provas senão produzirem, eu sustento o contrario. A verdade é que nesta Camara nem houve resposta ao Discurso da Corôa! {Apoiados). Appello testis... (Vozes: — É verdade, é verdade). Além disso, Sr. Presidente, o termo execrável para as Côrtes passadas, é infinitamente injusto, e infinitamente apaixonado (apoiados). Eu tive a honra de fazer parte das Côrtes passadas, e não hei de consentir por minha parte, nem por parte dos meus amigos, que a ellas se applique a denominação de execráveis, porque o não merecem (apoiados). Disse o illustre Senador, que ha objectos secundarios: é verdade, porque tambem os ha ternários, quaternários, e tudo o mais que S. Ex.ª quizer; mas o que eu não concedo é, que o objecto de que se tracta seja um desses. Tambem o illustre Senador disse que, se se discutir pelo modo que eu propuz, ficaremos aqui eternamente; porém isto não é mais, que uma gratuita conjectura do illustre Senador, mas sem base em que se firme. Sr. Presidente, se os Ministros da Corôa entendiam, que deviam introduzir no seu Discurso, sem especies, a verdade é que se deve responder a cada uma dellas, e conseguintemente a resposta da Camara deve conter outras tantas especies: isto é o que costuma praticar-se em todos os Paizes. Pelo methodo indicado, isto é, paragrapho por paragrapho, cada um diz o que quer a respeito delle, e eu repito que hei de dizer o que quizer, e V. Ex.ª ha de ter a paciencia de me ouvir, porque fallarei de fórma tal, que não darei occasião para que V. Ex.ª me chame á ordem. Tambem direi em resposta ao illustre Senador, que nem sempre as discussões das respostas ao Discurso do Throno, se reduzem sómente a tractar dos objectos geraes, porque eu tenho visto praticar o contrario disto: por exemplo, toda a importancia da discussão da resposta ao Discurso da Corôa, em nas Camaras de França, se reduziu a uma palavra— Nacionalidade de Polonia. — O mesmo aconteceu no tempo de Carlos X, e em 1830, porque então toda a importancia da resposta ao Discurso do Throno foi, se devia, ou não introduzir-se nella a celebre palavra cependant.

É isto, Sr. Presidente, o que eu quiz dizer em resposta ao illustre Senador.

O Sr. Serpa Machado: — Quando eu disse que as Camaras passadas tinham merecido a execração ou desprezo, por se ter demorado tanto a Resposta ao Discurso do Throno, não quiz referir-me a esta Camara, por isso que aqui não houve tal discussão; fallei do Corpo Legislativo em geral, e o que eu disse ainda sustento, e todos estão por certo bem presentes no que então se passou, sobre pôr-se ou não naquella resposta o verbo cooperar, cuja conjugação passou em proverbio. Concluo pois, sr. Presidente, dizendo que o melhor methodo a seguir-se é o que apontei, porque de se adoptar resultará a maior brevidade na discussão, e conseguintemente economia de tempo.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu levantei-me para pedir a V. Ex.ª que proponha á Camara que se discuta a Resposta ao Discurso do Throno paragrapho por paragrapho, por ser este o methodo que sempre aqui se tem Segundo em taes discussões (apoiados). Aproveitarei agora esta occasião para dizer o que a similhante respeito se pratica em Inglaterra. Alli, a Resposta ao discurso do Throno é o que elles chamam echo do mesmo Discurso; e pelo que respeita aos objectos que nesse Discurso se promettem trazer ao conhecimento das Camaras, fica salvo aos membros dellas o direito para fazerem as reflexões que entenderem, quando essas materias são apresentadas, porque é então que melhor se póde entrar nessa discussão á vista dos documentos. Nada mais direi por agora, e concluo pedindo a V. Ex.ª queira propôr ao Senado o meu requerimento, isto é, que se discuta a Resposta ao Discurso do Throno paragrapho por paragrapho (Apoiados).

Não havendo quem mais pedisse a palavra, consultada a Camara, resolveu que o Projecto de Resposta fosse tractado paragrapho por paragrapho.

Leu-se por tanto o

§. 1.° A Camara dos Senadores cumpre com um dos seus primeiros deveres assegurando a Vossa Magestade que ouviu com a mais séria, e respeitosa attenção o Discurso, que Vossa Magestade do alto do seu Throno pronunciou na abertura das Côrtes, e protesta que empregará o maior zelo, e efficacia para que se resolvam na presente Sessão as graves questões, ácerca das quaes Vossa Magestade julgou indispensavel consultar o voto geral da Nação.

Foi approvado sem discussão, e passou-se ao

§. 2.° Oxalá que os trabalhos desta Camara possam contribuir para satisfazer esse voto, assim como as justas, e beneficas intenções de Vossa Magestade organisando o Paiz, tornando exequivel a sua Constituição, e firmando por meio de instituições permanentes a liberdade inseparável da ordem!

Teve a palavra

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Tendo sido honrado por esta Camara com a nomeação de Membro da Commissão que devia apresentar o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e tendo-a eu assignado com declaração, cumpre-me explicar o motivo porque assim o fiz.

Sr. Presidente, este artigo diz assim: (leu). Por isto talvez a alguem parecerá, que a Commissão considera que o Paiz se não acha orga-

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nisado; porém, Sr. Presidente, a minha opinião é a contraria desta, porque entendo que o Paiz se acha organisado, organisação que teve principio em 1832, e que depois foi melhorada pelas reformas que se fizeram em 1835, 1836, e 1837. Temos pois, Sr. Presidente, uma organisação fiscal, judiciaria, e administrativa (apoiados), esta é a minha opinião, e accrescentarei que sendo eu em 1339 Membro de uma Administração, esta apresentou ás Côrtes varios Projectos para se fazerem reformas; porém devo dizer que se bem reconheço a necessidade de reformas, estou longe de approvar inteiramente os Projectos apresentados pelo Governo ultimamente á outra Camara; porque me parece que algum destes Projectos tende, ou por outra, é opposto em parte ao espírito da Constituição. (apoiados). Eu não proporei comtudo uma alteração na redacção deste artigo; mas se algum dos illustres Senadores propozer alguma outra redacção que seja mais coherente com a minha opinião, do que o é esta que aqui se acha, eu a adoptarei.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu tive a honra de ser Membro da Commissão de Constituição no Congresso Constituinte, e tomei parte na discussão dos trabalhos preparatórios, e tambem na discussão em geral do Projecto de Constituição; e, Sr. Presidente, devo declarar que nunca entendi tomar parte nos trabalhos, ou feitura de uma Constituição que não fosse praticável, nem tambem entendi nunca que o Paiz se não achava organisado (apoiados). Na Commissão pois, e no Congresso, conheci eu um grande numero de pessoas eminentemente dedicadas ao systema representativo, e á Dynastia reinante, as quaes pelos principios que professavam, não podiam nunca fazer uma Constituição que fosse impraticavel (apoiadas). Sr. Presidente, jámais alguem ouvio dizer, que, a Grã-Bretanha tinha uma Constituição impraticavel, só porque os catholicos não estavam emancipados, ou o Bill, que ampliou o direito eleitoral, não tinha passado: assim digo eu de Portugal; ninguem deve dizer, que a Constituição é impraticavel, ou que o Paiz está desorganisado, só porque faltam algumas Leis organicas. É por tanto, Sr. Presidente, por estas razões (sem me querer estender mais em comprova-las) que eu proponho a eliminação das seguintes palavras do artigo: = organizando o Paiz, tornando exequivel a sua Constituição, e firmando por meio de instituições permanentes a liberdade inseparável da ordem. — Entendo que estas palavras não podem passar com justiça, e voto contra ellas, porque assim o exige o decoro do meu Paiz; (Apoiado).

O Sr. Miranda: — Eu não me opponho a que se altere uma ou outra palavra do artigo, para que elle tique redigido com mais clareza; todavia devo declarar que para mim a redacção é muito clara. O artigo diz assim: (leu). E que quer dizer isto? Isto em rigor não significa que o Paiz não esteja organisado: quer dizer que a organisação do Paiz tem muitos defeitos, e que para remedia-los são indispensaveis muitas reformas.

Sr. Presidente, é necessario confessar que, o que deu grande credito ao Ministerio actual na Sessão passada, foi a proposta das reformas que nella apresentou; e a prova disto está no resultado que offereceram as ultimas eleições (apoiados). Não é agora a occasião propria para entrar nesta discussão; porque se o fosse, com muita facilidade eu sustentaria esta these. Sr. Presidente, posso affirmar, e sem temeridade que neste Paiz não ha o que propriamente se chama administração, e digo que a não ha, porque eu não entendo o que seja administração em palavras. A administração é essencialmente activa, factos e obras são os seus resultados; e aonde estão estas obras, estes factos? Em esperanças e nada mais; nem outra cousa póde ser, attenta a organisação dos agentes da authoridade publica, um complexo de authoridades em parte eleitas pelo povo, e em parte nomeadas pelo Governo! Sr. Presidente, esta organisação, por sua propria natureza, é unia contradicção manifesta, e tão manifesta quanto a experiencia de todos os dias vai attestando que é impossivel que a administração publica possa existir sem as reformas que as necessidades publicas nos tem indicado. Outro tanto se póde dizer da administração da justiça, cujos defeitos são de todos conhecidos; verdade é que em parte nossos males tem a sua origem na immoralidade publica, que a falta de execução das Leis tem promovido; porém em parte é o resultado de alguns principios, bons por certo, quando applicaveis; porém não entre nós sem restricções, como o dos jurados, por exemplo como a experiencia tem provado; porque a falta de policia, a impunidade, e o temor das ameaças fazem e tem feito que os Jurados não se atrevam a sentenciar os criminosos (apoiados). A administração da fazenda vai cada vez em peior; vai em peior porque os empregados de fazenda nas Provincias, e aqui mesmo, não estão sujeitos á acção fiscal, nem para serem exactos e activos tem algum dos estimulos que tinham os antigos Corregedores, como agentes da Fazenda. Apontei estas reformas de passagem; que se eu quizesse descer a miudezas, em muitas outras fallaria,

Agora, Sr. Presidente, tambem tocarei em um ponto em que aqui se fallou, e o farei em muito poucas palavras. Alludo á falta que o Chefe do Estado tem de um Conselho que O illustre, que lhe sirva de guia em todas as crizes Ministeriaes, que por intervalos tão curtos se succedem; e que obste ao poder discricionario dos Ministerios que no estado presente se acham senhores, e sem freio ou contradicção legal, do Supremo poder da administração do Estado. Nada mais absurdo em uni Governo Representativo, em um bom Governo, do que ser executor responsavel das Ordens do Rei, e de funcções temporarias, o mesmo que propõem e aconselha. Em realidade propôr, aconselhar, e executar, em nome do Rei, ou da Rainha, em um Governo Representativo, não está mui longe do motu proprio, sciencia certa, poder real absoluto e supremo, dos Governos do principio divino.

Bem se vê pois que a expressão — organisando o Paiz — que se acha no paragrapho em discussão, não significa que o Paiz está de todo desorganisado, nem, bana fide, se póde assim entender; o que significa é que muitas providencias são necessarias para se achar bem organisado; e isso ninguem o póde negar. É tambem evidente que, em quanto o Paiz não se achar bem organisado, em quanto os agentes do Governo não forem escolhidos por seus talentos, moralidade, e virtudes civicas, e em quanto as Leis, não forem cumpridas, a Constituição será uma compilação de Direitos e Garantias, mas pratica o exequivel não, o não passará, em lingua moderna, de uma mentira, ou de uma decepção. Este é o sentido obvio e natural do paragrapho, e o seu enunciado é verdadeiro; infelizmente o é. Apezar disto se alguem entende que outras palavras podem com mais clareza exprimir este mesmo pensamento; por minha parte, ainda que approvo a redacção tal qual se acha, não me opporei a adoptar qualquer outra melhor que se proponha.

O Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa: — Sr. Presidente, o illustre Orador disse, que o paragrapho estava bem redigido, e eu estou persuadido que está pessimamente redigido; e mesmo o illustre Senador acabou por assim o reconhecer, quando admitte, que se façam alterações na redacção.

Sr. Presidente, este paragrapho é o que na linguagem dos Rhetoricos se chama um epiphonema, isto é, exclamação depois da narração, e o seu sentido fica completo, sendo supprimida a ultima parte, conforme a emenda do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que eu adopto. No caso da Camara tambem a adoptar, é necessario, que este paragrapho se una ao primeiro por ser parte delle. E>ta successão de participios por aqui abaixo, que arrastam longamente o periodo, só servem de exprimir idéas falsas. — Organisando o Paiz. = Será certo que o Paiz não está organisado? Nós não estamos no estado dos Tapuias ou Botecudos; nós temos todas as Authoridades Judiciaes, Administrativas, Civis, e Militares, e temos Leis. Diz o illustre Senador reformas consideraveis = é o que aqui quer dizer = organisar — então diga reformar; porque falta uma ou outra Lei regulamentar não está por isso desorganisado o Paiz. A expressão — tornando exequivel a Constituição — não é mais exacta. A Constituição é exequivel e está em execução, e da parte do Governo está que ella não seja falseada. Em quanto á ultima parte = firmando em instituições permanentes a liberdade = as instituições não são permanentes; não ha nada permanente senão a Constituição, o mais é susceptivel de todas as alterações; e então eu antes diria instituições solidas, como diz o Discurso da Corôa. Por tanto adopto a eliminação desta parte do paragrapho, salvo se se offerecer alguma emenda mais conforme com a verdade, que mereça ser adoptada. (Apoiado.)

O Sr. Conde de Villa Real: — Sr. Presidente, se as frases deste paragrapho quizessem inculcar que se queria destruir a Constituição, eu votaria contra elle; eu sou Cartista, segundo a expressão geral com que se designa as opiniões, apezar disso não quereria voltar á Carta por uma revolução; e eu considero que a Nação não é exclusivamente nem Cartista, nem Setembrista, nem Miguelista; em todos estes partidos ha homens de bem, que querem a ordem, e que querem que o Paiz sé organise. Não se trata aqui da organisação dos Indios, mas sim dos Povos civilisados; e eu considero, como conveio o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que o Paiz não está organisado.... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não convenho.) O Orador: — Considero que uma Constituição sem que haja Leis, que dêem uma organisação ao Paiz, não satisfaz as suas necessidades: é nesse sentido que eu entendo que a palavra exequivel não é mal apropriada sem dar idéa de que se pretenda destruir a Constituição. Tambem conviria porém em alguma nova redacção na qual fosse mais bem exprimida aquella idéa.

O Sr. Leitão: — O Sr. Senador Miranda, defendendo a redacção do paragrapho 2.° do Projecto, não deixou com tudo de dar a entender, que era possivel redigir-se melhor, e que exprimisse mais exactamente as idas que se devem exprimir; e o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa quer que a ultima parte do paragrapho se elimine: eu tenho a honra de apresentar á Camara uma emenda, e terei muita satisfação se podér conciliar neste objecto as opiniões dos dous illustres Senadores. A emenda é a seguinte: Depois das palavras = Vossa Magestades = Melhorando a organisação do Paiz, tornando exequiveis todas as disposições da sua Constituição, e firmando as instituições necessarias para manter a liberdade inseparável da ordem. = (Apoiados.) Esta é a emenda que eu proponho, Sr. Presidente: conservando-se as expressões que se acham no Projecto da Resposta, necessariamente se ha de tirar de duas consequencias uma; ou que o Paiz não tem organisação, ou que ao plano da organisação que existe se quer substituir um outro; mas nem uma nem outra cousa é: por quanto, o Governo nas suas Propostas de Lei não tracta senão de melhoramentos e refórmas. E com que razões podemos nós dizer que o Paiz não se acha organisado? As Leis da organisação não são aquellas, que regulam o exercicio dos Poderes politicos, que estabelecem a estructura e a disposição das partes do Corpo politico para que elle possa preencher a sua destinação? E poderemos nós dizer que, porque falta alguma cousa, não está o Paiz organisado? Não é possivel. Em virtude de que Lei está o Senado deliberando. Em consequencia de uma Lei organica. Em consequencia de que Lei trabalham as Administrações, e os Juizes? É verdade que estas Leis precisam de algumas reformas, mas não se póde concluir disto, que não ha organisação no Paiz: eu reconheço tanto, como qualquer outro, que é da maior importancia procurar emendar todos os defeitos que haja nas Leis da organisação, porque quando os Povos são mal governados, sempre é mais ainda pelos vicios da fórma do Governo, do que pelas faltas dos que governam: reconheço que a desordem, e a injustiça são sempre resultados necessarios das organisações defeituosas; e que se as differentes partes do Corpo politico forem discordantes, nunca se obterá um bom Governo. Eu sou o primeiro que conheço, que melhoramentos se precisam; que é necessario, por exemplo, fazer alguma reforma nos Jurados, sem alterar a natureza desta instituição; que alguma reforma é tambem necessaria nas Administrações; mas poder-se-ha dahi deduzir, que não ha organisação no Paiz? Por maneira nenhuma: logo, dizendo nós na Resposta ao Discurso da Corôa, que faremos, enquanto em nós couber, para melhorar a organisação do Paiz, temos satisfeito. Tornando exequivel a sua Constituição: parece que estas palavras do Projecto querem dizer, que nas circumstancias actuaes a Constituição se não póde executar; mas o que é exacto é que algumas disposições não são ainda exequiveis, porque fallam as Leis que hão de regular a sua execução: isto é o que se exprime nesta emenda.

Sr. Presidente, acabarei apresentando uma razão, que me parece, que pouca resposta poderá ter: e é, que o mesmo Governo no seu Relatorio que fez aos Projectos, que apresentou na outra Camara, diz assim (leu.) O Governo reconheceu pois, como principio fundamental, e declarou, que a maior parte das disposições das Leis organicas existentes se haviam de conservar, e que só se devia reformar o que fosse

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digno de reforma. Disse mais o Governo, que a sua Proposta era = Proposta para a revisão das Leis organicas da Administração publica: que quer dizer = revisão? = É um novo exame para emendar os defeitos, que se encontrarem.

Eu poderia aqui concluir; mas o Sr. Miranda fallou em diversas cousas que me parece que pertenciam mais a outro paragrapho, que um o paragrapho 12.º, e nem mesmo talvez ao 13.º, mas sim que sómente poderão ser tractadas quando se nos apresentarem as Propostas do Governo: entre tanto sempre direi que o illustre Senador fallou no estabelecimento de um Conselho para aconselhar a Corôa: estou concorde, e convenho, que é preciso, que o Governo tenha quem o aconselhe, mas este Conselho é que não póde ser Tribunal, nem ter jurisdicção (Apoiados.) Deste objecto nós tractaremos, agora não me estendo mais, só fiz esta reflexão, porque o illustre Senador fallou sobre este ponto; nem mesmo quando se tractar do paragrapho 12.° é occasião; é sómente, quando se tractar do Projecto; e declaro que ainda que convenho em que haja um Conselho do Governo, me hei de sempre oppôr a que esse Conselho seja Tribunal, e tenha jurisdicção, e que farei todos os esforços para combater taes idéas, e para que entre nós nunca tenha logar tal instituição.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, a emenda que acaba de apresentar o illustre Senador em nada contraria, no meu modo de pensar, o espirito com que estava redigida a parte do paragrapho que deverá ficar eliminada pela approvação de tal emenda; explica-o mais, mas nem por isso se segui», segundo a minha humilde opinião, que diga cousa diversa da que se dizia no paragrapho: com tudo sendo eu partidista da clareza e precisão, e desejando, que em materias desta natureza nada fique ambiguo, não desconvenho em qualquer redacção mais clara.

O nobre Senador o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, segundo entendi, pareceu-me que alguma demasia achava nos Projectos apresentados pelo Governo para a reforma de varias disposições administrativas, judiciarias, e de fazenda, mas entendi depois, que elle tinha modificado, ou antes explicado esta sua opinião, porque de outra sorte eu teria a honra de mostrar que a Administração actual não innovou as bases das reformas, que tinham sido apresentadas ao Corpo Legislativo no tempo da mui esclarecida Administração de que o nobre Visconde fez parte; póde ser que fossem agora mais desenvolvidas, mas o illustre Senador bem sabe que o tempo decorrido desde a apresentação dellas tem fornecido muitos exemplos cuja experiencia dirigiu o Governo nesses desenvolvimentos.

Entendi eu, que as palavras do paragrapho, como está redigido, quando se diz, que o desejo desta Camara é, que se torne exequivel a Constituição do Estado — nunca se podiam tomar como dando idéa de que a Constituição em nenhuma de suas partes era exequivel, sendo certo que, quando mesmo alguma ou algumas o não fossem, nem por isso se poderia dizer, que a Constituição do Estado era inexequivel, porque uma Constituição é composta de principios e disposições especialissimas, e a deficiencia de qualquer delles não prejudica absolutamente esse todo. Porém, Sr. Presidente, assim melhor é; porque debalde se apresentará a Constituição mais bem combinada a que o juizo humano possa chegar, se acaso as Leis que são destinadas a organisar o Paiz, e tornar effectivas as disposições dessa Constituição, não forem para isso adequadas; se acaso não for mantida a ordem relativamente á administração do Paiz e á segurança individual; se na administração da justiça não houver quem proteja o meu e o teu; se na administração da Fazenda não houver boa arrecadação e boa distribuição na receita e na despeza; se tudo isto acontecer de que serve ter uma bella Constituição? Não são as palavras de uma Constituição que a fazem amar ou não amar; são os effeitos que ellas produzem no corpo social, e estes effeitos nunca podem ser senão a obra de boas leis; quando estas faltarem podemos dizer sem medo de errar, que não existe Constituição. — Entretanto a emenda apresentada pelo nobre Senador, o Sr. Leitão, é mais explicativa, indica pensamento mais positivo, diz onde está o mal, inculca o que é necessario emendar; e então póde talvez remover essa idéa, se alguem a tivesse, mas creio que não existe em cerebro Portuguez — de fazer alteração na Constituição do Estado: ao menos o Governo está disposto a mantê-la sacramentalmente, e entende que, tal qual, della póde vir a fortuna da Nação, uma vez que as Leis organicas que se fizerem sejam adequadas ao seu cumprimento.

Agora seja-me permittido dizer duas palavras de passagem, concordando com o illustre Senador, que não é aqui o logar proprio de entrar em similhante assumpto; mas póde a demora (por que não sei quando se chegará a este capitulo) fazer com que a leitura das palavras do nobre Senador, visto que são transcriptas pelos Tachygraphos, deixe alguma suspeita, que convem já fazer desapparecer, em quanto ao Tribunal Superior Administrativo. O Governo ainda não apresentou este Projecto, mas prepara-se para isso, e eu declaro ao nobre Senador que, segundo o entende o Ministerio, elle não póde ser mais do que um Conselho consultivo sem jurisdicção alguma propria: elle servirá para esclarecer o Governo em materias importantissimas, por que na verdade actualmente existe um inconveniente que todos sentimos, e que ninguem mais que o Governo sente: Sr. Presidente, com a morte de todos os corpos consultivos a que o Governo recorria em casos graves, e que eram de importantissimo auxilio os fórma do Governo que acabou, perdeu-se tambem todo o recurso que o Ministerio podia tirar dos talentos, da experiencia o do saber de altos funccionarios, que o deviam illustrar em materias difficultosas; hoje existem sómente dois Conselheiros do Governo, o Procurador da Corôa e o da Fazenda; é mister confessar que os individuos que actualmente desempenham estes cargos, são homens de consumada habilidade, da muitissimo zelo, e de improbo trabalho, mas são só dois individuos, e não esta destinado pela natureza que uma só cabeça possa réu mr todos os talentos; é necessario por tanto chamar outros; e para que isto aconteça o Governo apresentará a sua Proposta, mas esse Conselho não será um Tribunal, póde o illustre Senador ficar descançado (Apoiados).

Ainda ha outra consideração que não devo deixar sem resposta. — Na verdade, commettem-se grandes crimes, e uma grande parte delles fica impune pelas razões que allegou o nobre Senador e muitos outros; mas não nos assustemos, a continuação desta desordem não tem ido era augmento, ainda que pouco tem diminuido; o Governo tem procurado, pelos meios de que póde dispor, que são poucos, que os crimes diminuam, e ha de proseguir nessas diligencias; se nas correspondencias publicadas pelos Jornaes se tem notado excesso de crimes, é por que os mesmos Jornaes não alludem aos que em outras partes tem deixado de haver; avaliam-se os factos que occorrem em certos districtos, e não se tem em contemplação os factos que não occorrem em outros, e por isso da leitura dessas correspondencias parece que os crimes tem tido augmento, quando assim não é, sendo certo que infelizmente pouco tem diminuido; as razões são claras, e é escusado dize-las a esta Assembléa. - Eis aqui, Sr. Presidente, a minha opinião, como Membro do Governo, sobre a emenda do illustre Senador, e sobre os pontos tocados pelo erudito Senador o Sr. Miranda.

O Sr. Lopes Rocha: — Eu tinha pedido a palavra para propôr uma emenda á redacção deste paragrapho, emenda, que me parecia conciliar o melindre dos nobres Senadores, apezar de que ella, em parte, já foi prevenida pelo Sr. Manoel Duarte Leitão; - eu a mando para a Mesa, e diz assim: depois das palavras beneficas intenções de Vossa Magestade = eu diria = concorrendo para se fazerem as Leis que ainda faltam, e de que depende a organisação completa do Paiz, tornando exequivel a Constituição, e firmando por meio de Leis adequadas a liberdade inseparável da ordem. = Eu insisto em que se adoptem estas palavras = Concorrendo para se fazerem as Leis — achando-se o mais prevenido com a emenda do Sr. Manoel Duarte Leitão, porque na verdade Sua Magestade não faz as Leis, concorre para ellas com o Corpo Legislativo.

O Sr. Serpa Machado: — Sr. Presidente, eu assisti á discussão do Projecto na Commissão, em que tive a honra de ser Membro, mas não estive presente quando se lhe deo a ultima redacção, em consequencia adopto as idéas que se apresentam, mas lendo com alguma attenção este paragrapho, parece-me, que aquella idéa que apresentou o Sr. Leitão é a mesma que está no paragrapho. — Todos sabem, que as Constituições exigem Leis organicas que as tornem exequiveis; e que estas Leis, depois de feitas com imperfeição, muitas vezes necessitam de melhoramento; pelo que pertence ás Leis que ainda não estão feitas, temos o exemplo em o Tribunal de Coutas; que importo, que a Constituição diga, que haja o Tribunal de Contas, se a Lei regulamentar ainda não está feita? E muitas Leis, das já formadas, são tão defeituosas, que precisam de reforma; por tanto este defeito de organisação refere-se á necessidade de fazer as Leis que ainda faltam, e a reformar as que estão mal feitas, como são as Leis administrativas, as Leis do processo, e sobre qualificações e escolha dás Jurados, etc. Por tanto parece-me, que, no pensamento, todos estamos concordes, porque a expressão da Commissão refere-se a melhoramentos na organisação, e então não haveria embaraço em que nós fizessemos uma redacção mais clara. Quando se diz, que a Camara deseja que os seus trabalhos possam contribuir para satisfazer as beneficas intenções de Sua Magestade, é evidente que esses trabalhos se referem ás Leis que se hão de fazer, ou ás emendas que se hão de dar áquellas que já existem. Portanto, e tando nós todos concordes no sentido destas palavras, não devemos oppôr-nos a que se adopte uma redacção mais clara; todavia como cada um tem se ir modo de enunciar os seus pensamentos, ainda sobre os mesmos assumptos, seria talvez conveniente mandar as emendas á Commissão ou á Mesa, para não embaraçarmos esta discussão com materias de redacção.

(O Sr. Presidente deixou a Cadeira, a qual foi logo occupada pelo Sr. Secretario Machado.)

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu principiarei dando parabens á minha fortuna, uma vez que dei occasião á illustre Commissão de se expressar, de dizer quaes eram os seus pensamentos, porque as palavras certamente lhe faltaram; concordo com os illustres Membros que elles queirão dizer aquillo que agora tem explicado, mas, permittam-me SS. Ex.ªs, por cada um dos quaes tenho o maior respeito, que eu diga outra vez, que as suas palavras, taes como as leis no Projecto, não combinam por modo algum com aquillo que alguns acabam de enunciar, é ao que dou toda a minha adherencia.

Respondendo ao illustre Senador, que attribuiu o resultado das ultimas eleições aos Projectos que o Governo tinha apresentado seja-me licito faze-lo pár contrariedade; S. Ex.ªs póde entende-lo assim, e eu entendo que esse resultado proveio de differentes causas que nada tem com os Projecto do Governo, Disse mais S. Ex.ª que a Commissão não queria dar a entender que tudo precisava de reforma, mas depois accrescentou, que era necessario reformar tudo. Qual dellas é a verdadeira? Se se me diz que é necessario reformar tudo, essa é a primeira cousa que eu nego, porque a Constituição foi copiada da Carta, com pequenas excepções, tanto assim que foi accusada disto mesmo: a mim ainda me lembra quando se dizia: = Para que foi necessaria uma revolução (para que não concorri), que necessidade houve de um Congresso de quinze mezes para copiar a Carta? = Mas, por que se não fizeram essas Leis, cuja necessidade tanto agora se repete, nos annos de 1834 e 1835? Então era mister desenvolver a Carta, como agora a Constituição. Quanto mais que o Sr. Silvestre Pinheiro e Filippe Ferreira tinham escripto a parte mais importante desses trabalhos, que, se bem me lembro, não eram muito para desprezar. Por tanto se a Constituição actual depende de Leis organicas, como se diz, tambem de Leis organicas dependia a Carta, e tanto que logo depois da Restauração se dizia em Portugal (alludindo á carencia dessas Leis) que a Carta não era uma realidade, expressão tomada do Francez — la Charte n'est pas une réalité — diziam elles quando Luiz 18.º voltou a París, disseram-no depois, e agora, que são passados dez annos que se emendou a Carta, agora mesmo ainda os Francezes dizem = la Charte n'est pas une réalité: (Riso) quanto a mim, eu tive sobejas razões para repetir estas palavras.... Dizer-se ao Throno que é necessario organisar o Paiz, é «ma asserção absoluta, que deixa entender, que elle carece de uma organisação em todos os ramos de administração, o que não é exacto: carece sim de uma disposição Legislativa que regule a transferencia dos Juizes de Direito, da qual S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, se dispensou cavalheiramente; carecerá ainda de outras mais, convenho nisso: mas não é verdade dizer = que o Paiz não está organisado. (Apoiado.) Este mesmo raciocinio applico, mutatis mutandis, á exequibilidade da Constituição. Por que lhe faltam

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algumas Leis organicas, não póde dizer-se, que a Constituição não é praticável, porque então tambem eu sustento que a Carta não era exequivel.... (Uma voz: — Não.) Não? Erit mihi magnus Apollo quem me mostrar o contrario; ao menos eu sempre vi nos Diccionarios que praticavel é synonimo de exequivel, confesso que depois que sei a segunda palavra tenho-a sempre repetido na accepção da primeira, e parece-me que assim o diz um grande Litterato que o dos conhecemos bem.

Disse o illustre Senador que queria um Conselho d'Estado. É possivel que eu vote por elle, mas não me comprometto a isso, porque ainda não tenho opinião formada a este respeito, mas parece-me que a existencia de um Conselho d'Estado é incompativel com a responsabilidade ministerial.... (Uma voz: — Oh! Oh. — Sussurro.) Veremos se o é ou não; por agora digo só isto, e não fallo mais neste ponto.

S. Ex.ª, o Sr. Conde de Villa Real, disse, que as palavras que eu desejava fossem substituidas significavam aquillo que todos nós pertendemos: aos meus olhos essas palavras não significam de certo aquillo que eu pertendo, mas é possivel que o contrario representem aos olhos de S. Ex.ª cada um vê com os seus; por mim entendo, que estas expressões são uma condemnação absoluta das Leis que existem, e da Constituição que nos governa, ou de tudo quanto se tem feito no Paiz ha quatro annos a esta parte, idéa porque eu não posso votar.

Não me parece proprio mandar outra vez á Commissão as Substituições que se tem apresentado, fallo só das Substituições, depois das explicações dadas pela illustre Commissão, não terei duvida de approvar qualquer das emendas propostas, porque comprehendem todas o meu pensamento. Peço licença para retirar a proposta que fiz para a eliminação da ultima parte do paragrapho.

O Sr. Duque de Palmella: — Eu lamento a ausencia de um illustre Membro da Commissão, que preparou o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, o Sr. Patriarcha Eleito, auctor, como acaba de dizer o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, de um Livro muito apreciavel sobre os Synonimos da Lingua Portugueza, não só pela circunstancia de ser Membro da Commissão, mas tambem porque nos poderia illustrar relativamente ao merecimento da questão que aqui se agita. A mim parece-me que é uma méra questão de palavras, e estou persuadido que, quando os Srs. Ministros fizeram dizer no Discurso do Throno, que o Povo anciosamente desejava vêr organisado o Paiz, não entenderam por forma alguma ameaçar com alterações na essencia da Constituição. As palavras das Respostas aos Discursos da Corôa costumam ser um echo dos mesmos Discursos com algumas variantes nas phrases, e com algumas inversões na fórma. Entretanto, tomo a dizer que não foi, nem podia ser a intenção do Ministerio, quando fez pronunciar do alto do Throno o Discurso a que tractamos de responder, ameaçar com alguma alteração na Constituição, e sem conserva-la tal qual está, e tal qual nós todos a jurámos; é indubitavel que algumas Leis precisam de ser reformadas para se tornarem exequiveis e proficuas. Alguns illustres Senadores têem tambem fallado em reformas, mas é preciso confessar que não é tão necessario reformar as antigas Leis, como fazer algumas Leis novas.

Agora devo dizer que de tudo quanto tenho ouvido nesta discussão, expendido pelos illustres Senadores que me precederam, e todos com a intenção de acertar, unia unica cousa me parece clara e exacta e é uma observação, creio que do S. Barão de Villa Nova de Foscôa, sobre a palavra — permanentes. Esta palavra escapou na redacção do paragrapho, e em logar della substitua-se a palavra solidas: permanente não há nada, nem mesmo a Constituição, que o Sr. Barão de Villa Nova de Foscôa citou, como tal se não póde em rigor absoluto considerar permanente, porque nada lia neste mundo que o seja: entretanto esta palavra não se acha no Discurso do Throno, e por isso não haveria inconveniente, antes vantagem em se trocar, como disse, pela palavra solidas.

Em fim, se a opinião da Camara propender em geral para que este paragrapho fique mais claro, e mais especificado, ainda mesmo afastando-se um pouco do paragrapho, correspondente do Discurso a que responde, com tanto que não implique contradicção com aquelle o Discurso, o que eu não apoiaria por certo, eu não tenho duvida em que se faça a conveniente alteração: se alguma dessas emendas propostas, entre outras a do Sr. Manoel Duarte Leitão, agradar mais á Camara, em meu nome e do Sr. Miranda (que somos os dois Membros da Commissão que assignaram sem restricção alguma este Projecto) declara que não temos duvida em annuir a ella. O Sr. Serpa Machado ultimamente não se achou presente na Commissão; assistiu a uma Sessão em que se ponderou o Discurso, e preparou o esboço da Resposta, mas não tomos conhecimento da redacção: elle poderá dizer alguma cousa, no caso de se não conformar com esta nossa opinião.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Eu pedi a palavra para uma explicação, porque tendo eu dito, que era a minha opinião, que as Leis existentes careciam de algumas reformas, S. Ex.ª o Sr. Ministro do Reino alludindo a isso disse, que os Projectos que elle havia apresentado ás Camaras, já o haviam sido pela Administração de que eu fiz parte; porém S. Ex.ª não se lembrou do seu Projecto sobre o Censo, Projecto com o qual eu não me podia conformar, porque elle não só tende a destruir a liberdade das eleições, mas tambem porque poem em perigo o Systema Representativo, dando ao Governo uma preponderancia muito nociva nas mesmas eleições (Apoiados).

O Sr. Barão do Tojal: — Parece-me, Sr. Presidente, que esta discussão tem versado mais sobre reducção, do que sobre principios, e eu apesar de não saber muito bem o Portuguez, porque me appliquei mais ás linguas estrangeiras, que estudei fóra do paiz onde fui educado, tenho apesar disso redigido uma pequena emenda, a qual me parece, que, adoptando-se, tornaria o paragrapho mais claro.

Sr. Presidente, este documento vai espalhar se pelo mundo, e ha de ser lido por muitos individuos, que não observam esta discussão, e que por isso mesmo podem dar a este paragrapho uma interpretação muito differente da que nós pertendemos, e conseguintemente menos verdadeira (apoiados). É esta a razão, porque me parece ser justissimo Conveniente, que a materia seja redigida pela maneira mais clara possivel; e supponho, que o paragrapho em discussão póde soffrer alguma modificação. Diz elle o seguinte: (leu). Até aqui parece-me bom mas não assim, o que daqui por diante se diz (leu). Parece-me, Sr. Presidente, que a palavra exequivel posta neste logar, importa tornar praticavel a sua execução; porém eu entendo para mim, que isto não é assim: carecerá de alguma modificação filha da pratica, isso sim, mas exequivel é já a Constituição (apoiados).

O paragrapho diz mais Isto: (leu). Esta palavra permanente collocada aqui, não a acho justa; porem nenhumas razões produzirei para o mostrar, porque já o nobre Duque de Palmella, que acabou de fallar, disse, que ella escapara á Commissão: permanente nenhuma Lei o é, nem mesmo a Constituição: regimen Constitucional tem a Inglaterra ha 500 annos, e todos os dias está alterando as suas leis; nada neste mundo se póde dizer, que é permanente. Lerei pois a minha emenda, que mandarei para a Mesa, para que a Camara a tome na consideração, que julgar mais conveniente: é a seguinte Depois da palavra Magestade = dando uma verdadeira execução á sua Constituição, e armando por meio de medidas justas e efficazes a Liberdade Constitucional, e melhorando a Administração geral do Paiz. = Barão do Tojal. Fallou-se aqui, Sr. Presidente, relativamente a Conselho d' Estado, como uma medida de summa importancia, e daquellas de que os Corpos Legislativos se devem occupar na presente Sessão, attenta, a conveniencia, que d'ahi resultará para os negocios publicos: eu, Sr. Presidente, apoio essa medida, sem comtudo ella absolver a responsabilidade Ministerial. Todo o homem que tem sido Ministro conhece (e tambem eu o conheço, que fui Ministro onze mezes, em época de grande civilisação) o extraordinario embaraço em que constantemente, e a cada passo, se vê um Ministro (que é claro não poder ter conhecimento expecial, de tantos e tão variados negocieis de que tem a tractar a todo o instante), e isto por falta desse Mentor a que elle possa recorrer, e esta percisão dá-se mais particularmente em questões financeiras. Eu achei-me Ministro na occasião em que me foi necessario praticar um acto de Banca-rota, ó qual foi a suspensão do pagamento dos dividendos da nossa dívida estrangeira. Reuni para isso os meus collegas, apresentei este negocio, e dei a minha opinião a respeito delle.;.mas o resultado foi encolheram-se todos e dizerem-me, que tomasse eu as medidas que julgasse mais convenientes! Então eu cercado de, muitissimas difficuldades, entendi posto que ainda teria podido contrahir um emprestimo para esse fim, a 3& por cento pelo menos, que devia levar a effeito esse acto, por que assim o pedia o bem do meu Paiz, e dos proprios credores estrangeiros a final: porém, Sr. Presidente, esse acto tomei eu todo sobre mim. Muitas outras circumstancias desta naturesa se dão a todo o instante, acontecendo, que bastantes vezes o Ministro não terá conhecimento cabal, ou completo da materia (porque o conhecer de todas não é dado a homem nenhum), estando privado de recorrer a uma authoridade sanccionada para se esclarecer. Digo pois, que a existencia desse Conselho fará com que muitas vezes os negocios publicos caminhem melhor, som comtudo (entenda-se) lavar-se aos Ministros as mãos da responsabilidade, que por Lei lhes é imposta (Apoiados).

O Sr. Lopes Rocha: — Eu peço licença para retirar a minha emenda, porque adopto a d» Sr. Duarte Leitão.

O Sr. Baião do Tojal: — Tambem eu, Sr. Presidente, retiro a que havia feito; porque approvo a do Sr. Duarte Leitão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu igualmente retiro a minha emenda debaixo das mesmas vistas.

A Camara annuiu a estes requerimentos, e disse

O Sr. Duque de Palmella: — Tambem eu sr. Presidente, pela minha parte, e pelados Membros da Commissão, que estão presentes nenhuma duvida tenho em adoptar essa emenda; e isto já eu disse, e depois de vêr que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, a ella senão oppunha; porque se eu visse, que os Ministros da Corôa queriam, que se conservasse aqui esse eccho, então eu insistiria nesta redacção. Todavia, couto vejo pie a emenda do Sr. Duarte Leitão, se póde considerar como ama verdadeira emenda de redacção, sem que por esta se alterem os principios, nenhuma duvida; tenho em approva-la; a intenção foi a mesma no Governo, na Commissão, e na Camara apoiados).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino (Para uma explicação): - Pedi a palavra porque me parece, que não fui bem ouvido pelo nobre Senador, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira. Eu disse, que no tempo em que S. Ex.ª servi no Ministerio, foram apresentados Projectos, que serviram de base áquelles, que a Administração actual apresentou á Camara dos Deputados na Sessão antecedente; e pelo que toca á Lei do Censo, não se fez tão pouco innovação, porque esse mesmo Projecto tinha já sido apresentado na dita Camara: então como se tractou unicamente da parte da Reforma Administrativa, e Leis organicas de Administração, Justiça, e Fazenda, que foi aquillo que aqui se mencionou por um nobre Senador, referiu José a esses Projectos, disse eu, e creio, que com exactidão, que o Governo foi procurar as suas bases no Projecto apresentado pela Administração em que o nobre Visconde de Sá da Bandeira servira; não tinhamos tractado da Lei do Censo, nem esta é a occasião propria a tractar della; mas creio, que; não será difficil remover elo animo de S. Ex.ª a persuasão em que (com o devido respeito) me parece tem estudo até agora, de que esse Projecto sobre o Censo, póde pôr em perigo o Systema Representativo em Portugal, porque se nos persuadíssemos disto, eu, e a Administração de que faço parte, temos a necessaria coragem para rejeitar tudo, quês possa fazer perigar, não só o Systema Representativo, mas, e principalmente a Constituição Portugueza (Apoiados repetidos).

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o §. 2.° posto á votação, e ficou approvado com a emenda do Sr. Leitão.

Leu-se depois o

3.° A Camara dos Senadores ouviu a communicação, que Vossa Magestade se dignou fazer-lhe, de se achar nomeado um Plenipotenciario junto á Santa Sé, e abraça com muita satisfação as esperanças, que Vossa Magestade manifesta de vêr em breve aplanadas todas as difficuldades, que tem obstado ao completo restabelecimento da boa intelligencia com a Côrte de Roma, na certeza de que uma tal reconciliação, sem lesar as immunidades da Igreja Lusitana, satisfará aos votos geraes, e conscienciosos da Nação.

Teve primeiro a palavra, e disse.

O Sr. Castro Pereira: - Sr. Presidente, será me querer oppôr de maneira alguma á redacção do paragrapho de que se tracta, o qual me parece estar muito bem escripto, quero com tudo aproveitar esta occasião para fazer algu-

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ma pergunta a S. Ex.ª Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros» relativamente ás nossas negociações com a Côrte de Roma.

Uma circumstancia particular, Sr. Presidente, me fez conhecer o estado em que se achavam as Provincias do Norte no anno de 1836, e então pude observar de perto, que os sectarios da usurpação se aproveitavam de algumas irregularidades que se notavam no exercicio das funcções ecclesiasticas em differentes Dioceses do Reino, para augmentarem assim o numero dos partidistas da mesma usurpação. Tendo eu tido depois a honra de ser chamado aos Conselhos de Sua Magestade, e estando a meu cargo a gerencia dos negocios estrangeiros, logo que pude, procurei saber o estado em que nos achavamos com a Côrte de Roma; e notei que as diligencias do nosso Governo, para restabelecer as antigas relações com o de Sua Santidade, ha viam sido infructuosas; e que este negocio lia via sido posto de parte, desde certo tempo, por motivos que me não cumpre agora avaliar. Entendendo eu porém então, que o bem do Paiz exigia que se lhe desse impulso, tractei do mesmo negocio de accôrdo com os meus collegas, e empreguei nelle a possivel actividade, aproveitando-me do muito zelo, habilidade, e experiencia do Conselheiro Migueis, nosso Encarregado de Negocios em Roma, e alli geralmente estimado e relacionado com muitas das principaes pessoas da Côrte de Sua Santidade. Desde esse tempo começaram as negociações com aquella Côrte, com maiores ou menores difficuldades, e no anno de 1838, por occasião de vir aqui o sobredito Conselheiro Migueis, a negocios seus, aproveitou o Governo de Sua Magestade aquella feliz opportunidade para se informar dos meios mais faceis de poder seguir com fructo as negociações, assim como a de dar ao dito Encarregado de Negocios um verdadeiro e cabal conhecimento do quo se tinha passado em Portugal, a fim de poder elle em Roma rectificar os factos, cuja verdade havia sido alli muito alterada. Foi nesse tempo que o Ministro dos Negocios Ecclesiasticos (que me parece era então o meu nobre amigo o Sr. Manoel Duarte Leitão), nomeou uma Commissão para propôr a Sua Magestade tudo quanto julgasse condescendente para as negociações com, a Côrte de Roma; e eu tive a honra de ser um dos membros dessa mesma Commissão.

No anno seguinte, 1839, continuaram nossas negociações com a Côrte de Roma com melhor aspecto do que até então; e inalando, por essa occasião, o Conselheiro Migueis com o Governo, para que S. Magestade se dignasse mandar alli um Enviado Extraordinário, na fórma que o mesmo Conselheiro havia já por vezes requerido, julgou a Administração daquelle tempo, e a meu vêr muito bem, que te não devia mandar a Roma um novo Agente, mundo de instrucções e do caracter de Ministro Plenipotenciario, sem previamente ter a certeza = de que este havia, não sómente ter entrada na Côrte, e ser alli bem acolhido e bem tractado; mas principalmente que havia de ser recebido por Sua Santidade na qualidade de Ministro acreditado da Rainha de Portugal = sendo mui geral a opinião de que se de via preferir para essa Missão pessoa, que não estivesse actualmente em exercicio de funcções Diplomatica, para não expor a Corôa a algum desar. Vi porém depois, que o actual Ministerio escolhera para a mesma Missão um dos nossos mais distinctos Diplomaticas, o qual se achava empregado em uma das principaes Côrtes da Europa; e, por essa sua particular posição, não pôde ir como outro qualquer individuo, apresentar-se em Roma, sem que se conheça o motivo porque foi.

A Administração de 1839 pensou tambem, que senão devia proceder á nomeação de Prelados para as Sés vagas em quanto senão decidisse a questão principal que embaraçava todas as negociações, que hoje é conhecida por todos, e vem a ser a admissão dos Bispos, nomeados pelo usurpador, nas Dioceses para que foram por elle propostos e confirmados por Sua Santidade. Taes eram, segundo a minha opinião, as idéas em que estava o Ministerio daquelle tempo.

Vendo eu porém agora que o, actual Ministerio, que não supponho menos zeloso dos interesses da Corôa, mandára um Diplomático a Roma; que escolhera para isso um dei alta cathegoria, e actualmente, empregado; e que S. Magestade nomeara alguns Bispos, e deixara com tudo de nomear Prelados para m Ses que foram providas no tempo do Sr. D. Miguel, entendi que tudo estava concluido; mas vendo ao mesmo tempo que não obstante estas medidas, se não tranquilizam os animos dos fieis; vendo que nas Provincias do Reino, em logar de ter diminuido nas pessoas timoratas o susto e a desconfiança, tem estes augmentado; vendo que gente da melhor fé julga que as difficuldades são insuperaveis; e desejando muito tranquilisar essa gente respeitavel dirijo a S. Ex.ª o Sr. Ministro de Negocios Estrangeiros, ou a qualquer outro dos seus collegas as seguintes perguntas:

1.º Se houveram motivos, posteriores á sua entrada na Administração, que os induzissem a crêr, que a negociação se concluiria promptamente, mandando agora um Diplomatico a Roma!

2.º Se confiam que os Bispos nomeados sejam brevemente confirmados por sua Santidade?

Porque conseguido isto está conseguida a conciliação com Roma.

No caso que Suas Excellencias não possam responder terminantemente as minhas perguntas, espeto que ao menos me digam alguma cousa que possa tranquilisar a consciencia de pessoas de boa fé, amantes do Governo da Rainha, pois que muitas destas conheço aflictas e consternadas por causa deste negocio importantissima.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Depois das grandes alterações que dentro de poucos annos, tem havido em Portugal nos negocios ecclesiasticos, taes, como a abolição dos dizimos, a extincção das Ordens Religiosas, a alteração nos Cabidos, talvez convenha muito quando se restabeleceram as nossas relações com a Santa Sé, que o Governo de ao seu Plenipotenciario instrucções para que possa negociar uma Concordatas sobre esta hypothese direi alguma cousa.

Ha um ponto importante sobre que estamos em divergencia ha muito tempo com Roma: é o Padroado Real das Igrejas da India e outras partes da Asia. No começo das nossas descobertas e conquistas, o Papa Eugenio IV, por Bulla de 1442 concedeu a Portugal o Padroado das igrejas que se erigissem nos Paizes que se descobrissem. Este Padroado foi confirmado por quatorze ou quinze Papas, aos Reis de Portugal que o exerceram como Mestres da Ordem de Christo. Comtudo a Congregação da Propaganda de Roma constantemente tem procurado introduzir Vigários Apostólicos nomeados pela Santa Sé, em logar dos Prelados apresentados pela Corôa Portugueza; este negocio leiu chegado nos ultimos annos a ser mais seria, porque S. Santidade o Papa Gregorio XVI, por uma Bulla, desmembrou em 1836, a Ilha de Ceylão do Bispado de Cochim que é do Padroado Real, e fez nova demarcação das Dioceses pertencentes ao mesmo Padroado. O Governo tem reclamado sobre isso, mas tem sido difficultoso chegar a um arranjo conveniente.

A maior parte das terras em que se exercia o Padroado Real está hoje sujeita ao dominio da Companhia Britannica; mas pelo Tractado de 1661, pelo qual a Ilha de Bombaim foi dada á Inglaterra, em dote da Senhora Infanta D. Catharina que casou com o Rei Carlos 2.º estipulou-se que todas as cousas relativas á Igreja Catholica ficariam no mesmo pé em que se achavam então, e estipulou-se tambem que se as terras que tinham sido de Portugal viessem, por qualquer modo, a ser possuidas pela Corôa Ingleza, ahi se conservariam os mesmos os direitos do Padroado que Portugal tinha então. Sobre este ponto quiz chamar a attenção do Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

Outro objecto conviria que S. Ex.ª tivesse presente tambem, para o caso de se fazer uma Concordata e é a reducção do numero das Dioceses e a sua demarcação, porque estão divididas da maneira a mais irregular; por exemplo, em quanto a Diocese de Braga tem upa extensão e população muito grande, a d'Elvas a tem muito pequena.

Deve tambem procurar-se obter da Santa Sé a diminuição dos Dias Santos de guarda. Um escriptor Portuguez do seculo passado calculou que Portugal perdia mais de tres milhões por anno em consequencia de finte e tantos Dias Santos. Applicando o mesmo calculo, ao estado actual, a perda annual presentemente em Portugal e Ilhas deve subir a cinco ouseis, milhões de cruzados.

É igualmente objecto importante para o nosso Paiz o obter dispensa da prohibição de comer carne em certos dias do anno, abstinencia que faz com que paguemos annualmente aos Estrangeiros tres ou quatro milhões de cruzados por peixe salgado. Parece-me que será facil obter esta concessão, porque era Hespanha o Povo tem a permissão de comer carne em quasi todos os dias do anno. Creio que será tambem facil obter a dispensa dos Dias Santos, porque o Papa pela Concordata com Bonaparte reduziu a quatro o numero de Dias Santos de guarda em França. Estas dispensas, que importara por anno em valores de trabalho equivalentes a oito ou dez milhões de cruzados, são da maior, consequencia para a prosperidade do nosso Paiz: e muito particularmente para o bem estar das classes pobres e para o augmento da agricultura e população.

O Sr. Duque de Palmella: — Levanto-me simplesmente para dizer duas palavras, e de maneira nenhuma objectar ás perguntas que, para tranquillisar a consciencia das pessoas timoratas, que existem neste Reino, o Sr. Manoel de Castro Pereira dirigiu ao Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos. Comtudo supponho que essas perguntas, e as repostas que se possam dar a ellas, nada influem para se approvar o paragrapho em discussão.

Neste paragrapho declara-se, que a Camara dos Senadores ouvio a comunicação, de se achar nomeado um Plenipotenciario junto á Santa Sé, e abraça com satisfação as esperanças de per em breve aplanadas todas as difficuldades, que tem obstado ao completo restabelecimento da boa intelligencia com a Côrte de Roma. Esse passo que deu o Governo de Sua Magestade demonstra, que a negociação fez algum progresso, mas não se segue d'ahi, que não possa falhar, porque em quanto não está terminada, póde ainda recuar, póde mesmo talhar inteiramente; não se segue tão pouco, que seja este um passo decisivo, mas é um progresso que fez a negociação, porque não póde deixar de ser a consequencia da communicação, que se recebeu, da Côrte de Roma, de que o Plenipotenciario enviado seria alli recebido, e tractado, como compete ao Ministro de uma testa coroada,.......

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Isso estava cá lia muito tempo.

O Orador: — O terem-se os Ministros actuaes aproveitado desta offerta, não póde deixar de merecer a approvação da Camara.

Em quanto á questão principal, que tem tornado difficil a reconciliação com a Côrte de Roma, todos sabem qual ella é; a approvação dos Bispos propostos pelo usurpador da Coroa de Portugal, e onerados pela Santa Sé, não obstante a contenda, que então existia sobre a possessão da Corôa Portugueza, não obstante a legitimidade que todos devemos considerar, que estava da parte da Rainha (apoiados), não obstante uma protestação solemne, que Sua Magestade Imperial publicou, quando assumi o a direcção dos negocios de Sua Augusta Filha, que dirigiu ao Summo Pontifice, e que o deveria fazer suspender ao menos a resolução para a qual então parecia inclinar-se, e que logo depois levou a effeito, de reconhecer o usurpador da Corôa de Portugal. Portanto não é possivel, creio eu, que os Ministros da Corôa desistam de sustentar a este respeito, as immunidades da Igreja Lusitana (apoiados): isso aqui está indicado no Projecto, e essas immunidades consistem principalmente, em que os Bispos providos pela Santa Sé, são sempre propostos pelo Soberana. A este respeito comtudo, assim como em todas as negociações diplomaticas, poderá haver algum meio conciliatório; este caso não é novo na historia da Europa, e entre outros podem-se citar dous exemplos bem recentes, e quasi identicos; refiro-me ás desintelligencias da França com a Santa Sé, depois das revoluções de 1789, e da de 1830, e é sábado que nem por isso se deixou da restabelecer a boa, harmonia entre as duas Potencias. Algum dos methodos que, então se seguio, poderá agira concorrer para as difficuldades de Roma, se aplanarem ácerca de Portugal. Nada direi sobre as indicações do Sr. Visconde de Si da Bandeira, relativamente ao que o Governo podera estipular na concordata; são opiniões que se devem examinar; e resolver quando esse ponto fôr tomado em consideração, do que actualmente senão tracta.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Não sei se poderei responder ao nobre Senador, que teve a delicadeza de prevenir-me, muito antes de tomar a palavra sobre este objecto, de que ía fazer-me algumas perguntas a respeito dos negocios de Roma; eu agradeço a S. Ex.ª esta urbanidade, e procurarei, além de outros deveres, que me ligam de respeito, e consideração para com elle; ainda por este motivo dar-lhe aquelles esclarecimentos, que me seja pos-

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sivel na situação era que actualmente me acho.

Póde o nobre Senador ficar descançado sobre um ponto, em que me pareceu hesitar pela incerteza do facto, e vem a ser, se sim, ou não, a Administração actual mandou um Plenipotenciario á Côrte de Roma, sem um motivo especial, que fizesse crer, que esse Plenipotenciario alli seria recebido. O Governo em 21 de Dezembro do anno passado, teve fortes motivos para poder contar com certeza, que o sou Plenipotenciario seria bem recebido; dado isto Cessa o escrupulo do nobre Senador....

O Sr. Castro Pereira: — Perdoe-me V. Ex.ª Eu perguntei - se havia novos motivos para crer, que a negociação seria bem succedida.

O Sr. Ministro: — Portanto penso, que cessa o outro escrupulo, que vinha a ser consequencia desta incerteza; isto é, que não havendo certeza da recepção do Plenipotenciario, conviria antes que o Governo, no caso de querer mandar alguem sem ella, enviasse alli um homem, que não tivesse um caracter publico, e tão eminente como o daquelle, que mandou, para que na pessoa delle, não recebesse o Governo Portuguez um desaire pela rejeição do seu Plenipotenciario; porque dado o caso, quero dizer, a certeza de que o Plenipotenciario seria recebido, cessava o receio, pela sua consequencia, no desaire do caracter publico de um Funccionario importante.

Ora muitos tem sido, como o nobre Senador sabe, porque é história que (para me explicar na phrase vulgar) lhe tem passado pelas mãos; muitos tem sido os pontos de controversia, que tem havido entre a Corôa Portugueza, e a Santa, Sé, depois da entrada ominosa, e funesta do usurpador em 1828 neste Reino. Eu não faço o processo á Santa Sé, nem quero usar de expressões, que me possam estar mal a mim como Membro da Administração, mas creio, que não sairei dos meus limites se disser, que da parte da Corôa Portugueza está toda a justiça, e que da parte da Curia Romana, tem estado toda a injustiça; isto é permittido dize-lo, e não podemos fazer insistencia nas nossas justas pertenções sem nos firmarmos nestas bases: é o que o Governo tem feito. Quaes desses pontos sejam mais difficeis de vencer pela nossa parte, e quaes o sejam menos, não o poderia eu dizer agora; mas posso affirmar que ultimamente o comportamento da Curia Romana a nosso respeito, tem desagradado (e o Ministerio o sabe officialmente) aos Bispos sectarios do usurpador que se tem desgostado cabalmente; e não passarei d'aqui, mas este simples facto mostra que algum progresso a nosso favor tem feito a negociação e sendo isto assim, as minhas palavras, provocadas pelo nobre Senador, devem até certo ponto levar um balsamo de esperança, ás consciencias timoratas de alguns nossos concidadãos. O nobre Senador fallou de scisma: eu peço a S. Ex.ª que distinga o scisma causado por escrupulos sinceros n'uma parte dos habitantes de Portugal, talvez me atreva a dizer que na melhor, do scisma politico que é um pretexto, uma espada de incendio nas mãos dos homens, que pertendem levar a conflagração ás Provincias, seduzindo os animos sinceros, e desacautelados pela ignorancia dos habitantes dos nossos campos, a quem não é preciso dizer mais do que — aquelle é herege — para os fazer tomar as armas (apoiado). Nós não estamos no estado de barbaridade e ignorancia, qual alguns escriptores estrangeiros, alguns homens de grande nota pertendem figurar o nosso Paiz: desgraçadamente Portugal não vai na dianteira da civilisação, mas tão pouco vai na retaguarda della: é certo porém, que o povo em toda a parte é o povo, as idéas religiosas tem um grande imperio sobre elle, e esta arma manejada por homens, cuja hypocrisia tem chamado a si a attenção dos povos singelos do nosso Paiz, póde muito: eis o que é o scisma. O Governo tem procurado desvanece-lo apresentando á frente das Dioceses homens illustrados; estes homens não tem feito tudo, direi ainda, não tem feito muito; porque para se fazer alguma cousa, no estado de prevenção em que se acham os espiritos, precisamos acabar as nossas questões com a Côrte de Roma, e nisto vou de accôrdo com o nobre Senador, mas nós não podemos acaba-las sem conservar a dignidade da Corôa, e sem zelar na conservação das immunidades da Igreja Lusitana. Todos sabemos, que esta é a historia, das nossas relações com a Corte de Roma; ninguem ignora quão tenaz, e pertenciosa ella é, e que nunca cessa de apresentar obstaculos, indo sempre por diante, ou se esteja em negociações, ou não. A prova disto é o que disse o nobre Senador, o Sr. Visconde de Sá, relativamente á Bulla de Eugenio 4.º; pertenções constantes sobre a nomeação de Vigarios, e até de Bispos para aquellas remotas partes nunca se interromperam. Estas questões são as em que Roma falla menos, mas dá Bullas, que depois não quer revogar, e nós temo-nos visto algumas vezes obrigados (estando em paz com o Chefe da Igreja) a ir á India pôr um veto em Bullas do Santo Padre; elle não se tem escandalisado muito, ainda que não gosta: Roma a dizer que quer, e nós a dizer, que não queremos: até um tempo prevalecemos nós, mas agora não tem acontecido assim: não era de estranhar, que as desgraçadas dissenções civis, que tem abrasado o nosso Reino, e que hão diminuido esta força publica que vem da união, o que se sente tanto dentro, como fóra do Paiz, não era de estranhar, digo, que essas mesmas dissenções fossem muito desvantajosas ás justas pertenções, que a Corôa de Portugal tem ao Padroado da India. Isto, quanto a que disse o nobre Visconde de Sá, que não sei como aqui veio agora por incidente, cujas observações acho firmadas em razões muito sólidas, relativamente a este ponto.

Agora, Sr. Presidente, quanto ás nomeações, feitas pelo Governo, de Bispos, para occuparem as Sés do Reino, que se acham vagas, quero dizer, algumas dellas, o Governo até aqui tem estado satisfeito pelo bom acolhimento que essas nomeações acharam na maior, e na mais sensata parte dos habitantes de Portugal, e espera que ellas não merecerão reprovação nesta Camara, porque o Governo muito disvelado andou procurando homens de pura Religião, de morai respeitavel, de costumes irreprehensiveis, e de conhecimentos que se tornam indispensaveis aos principaes pastores dos povos; e por esta occasião não póde o Governo deixar de dizer que, sem embargo de poder ver-se esta nomeação desagradaria na Côrte de Roma, alli mesmo se disse, com especial relação ao Sr. Patriarcha Eleito, e a respeito de todos os outros, que o Governo tinha escolhido homens respeitaveis, e que por isso merecia elogio, (apoiados.) Ainda que a Santa Sé não no-los deseja dar; mas o elogio vindo neste caso da boca do adversario não deixa de ser mais recommendavel.

Quanto á divisão das Dioceses do Reino; quanto á necessidade da diminuição dos dias festivos; e quanto aos dias de abstinencia: direi, que em todas estas cousas o Governo reconhece a necessidade de prover, mas eu peço á Camara, que se digne de attender a estas considerações. O Governo julgou que, em quanto as negociações com a Côrte de Roma estivessem pendentes, devia sobre-estar, tocando o menos possivel em cousas, que podessem servir de pretexto para o taxar de menos religioso (apoiado); e por este motivo sobre esteve, ainda que em muitas occasiões tem tractado em Conselho da diminuição de algumas destas irregularidades, aliás grandes necessidades, reclamadas pelos povos; mas se as tractasse de as remediar actualmente, note-se, que seriam os mesmos povos que as reclamam, os que nos taxariam de hereges. Esta Camara sabe quanto é delicado entender com preconceitos publicos. Pelo que toca aos inconvenientes, que resultam á prosperidade do commercio, da industria, em fim, de todos os ramos, que devem merecer a attenção do Governo, pela introducção do peixe estrangeiro, eu concordo com o nobre Senador, que fallou a este respeito; mas elle me permittirá, que eu ajunte algumas observações ás suas, pelas quaes, e com o assentimento da Camara, talvez eu possa mostrar que não é tanto o escrupulo de comer carne, como a falta de meios para a poder comer, quem obriga os Portuguezes a jejuar, e a comerem bacalhau. Como Membro do Governo desejo eu muito, que os preceitos religiosos sejam observados pelo povo, e quizera, que as reflexões do nobre Senador, fossem de exacta verdade: mas, fallemos com franqueza, estará hoje muito severa a consciencia dos povos, para guardarem os dias de abstinencia? Sr. Presidente, desgraçadamente o povo não come carne, porque a não tem, e se a podesse comer quatro vezes por dia, não deixaria de o fazer; nesta parte a disciplina está um pouco relaxada: com isto não faço censura aos povos, mas este é o facto: se acaso os nossos meios de prosperidade crescerem aponto de haver viveres baratos para o povo, elle deixará de comprar o mais barato que lhe vem de fóra; se as nossas pescas prosperarem de modo que o atum, a sardinha, e os outros pescados venham a ser vendidos no mercado por preços mais commodos, o povo ha de antes attender a isso. do que á consideração do Governo pelo Chefe da Igreja. Por consequencia, a necessidade de certos alimentos para o sustento do povo dentro do Paiz, faz com que se importe de fóra aquillo, que cá lhe falta: isto é o que me parece, que em realidade acontece, sem embargo de que eu confesso, que para muitas pessoas, mas não para a maior parte, será a razão do escrupulo religioso, a razão da preferencia que dão ao peixe. Todavia não me opponho a que se adopte a conveniente providencia, pelo contrario, quizera eu que podessemos ao menos chegar, neste ponto, áquillo a quo chegou Hespanha, que não tem senão um dia de abstinencia na semana, creio, que a Sexta feira: será muito bom, até porque se evita um escandalo, que se costumava praticar nas nossas fronteiras, cujos habitantes íam em certos dias comer carne, a terras de Hespanha, porque lá não era pecado, sendo-o aliás come-la em Portugal (riso), e elles julgavam que não tinham violado o preceito da Igreja, indo comer carne a uma legoa de distancia de suas casas: e não tanto da carne que comiam, como do vinho que bebiam, resultavam ás vezes grandes desordens.

Eu não sei, mas parece-me, que o nobre Senador que primeiro fallou, e que me fez a honra de me dirigir algumas perguntas, não poz de maneira alguma em duvida (nem isto cabia na sua alçada) o direito do exercicio que o Governo fez da prerogativa da Corôa, nomeando os Bispos; agora sobre a conveniencia de o fazer, ou......

O Sr. Castro Pereira: — Eu perguntei se havia algum motivo novo, que désse esperanças fundadas de que essas nomeações seriam confirmadas.

O Sr. Ministro: — O Governo teve seus motivos, e motivos que julgou ponderosos, para nutrir esperanças de que estas nomeações viriam em fim a approvar-se, mas nestas negociações, sabe o illustre Senador muito bem, que não devemos em tudo apresentamos á mercê daquelle, que julga nos póde contrariar; e quando outras razões não houvesse (que as houve) essa de mostrar que o Governo Portuguez conhecia o seu direito, e que o havia exercitado em casos menos urgentes, do que o actual, algum proveito póde causar aos nossos negocios: quando de alguns se tracta, cumpre não apparecer o mais fraco, antes muito ao contrario.

Julgo ter satisfeito, como pude, aos desejos do illustrado, e habil Senador, que me fez a honra de dirigir-me as suas perguntas.

O Sr. Conde de Villa Real: — Eu muito poucos minutos tirarei á Camara, porque as perguntas que fez o nobre Senador, que fallou primeiro, não envolvem a idéa de desapprovação do paragrapho que elle declarou approvar; por tanto só me levanto para responder a algumas observações que fez sobre a escolha da pessoa que se mandou a Roma.

Animado dos mesmos desejos que mostrou o illustre Senador, de que quanto antes se restabeleçam as relações com aquella Côrte, julguei que era conducente para este fim a nomeação do Plenipotenciario que foi á Côrte de Roma; esta idéa foi lembrada ha tempos pela Commissão de que o nobre Senador fez parte, mas é certo que não se verificou então, devendo-se dahi inferir que as circumstancias ainda nessa occasião não o permittiram, porque de facto não se nomeou a ninguem. Occorreram porém motivos como disse o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, que indicaram ao Governo que era chegada a occasião de se mandar um Plenipotenciario a Roma. Sendo Ministro naquelle tempo logo designei o Visconde da Carreira. As primeiras qualidades que se devem procurar para uma Commissão desta natureza, é a aptidão e a capacidade dos individuos, mas tambem se deve considerar se nelles concorrem as circumstancias necessarias, para que haja a certeza de merecer confiança na Côrte para onde vão, e que sejam bem recebidos e bem acolhidos, particularmente em circumstancias tão melindrosas. O nobre Senador que fallou primeiro sabe muito bem que não é extraordinario que um Ministro accreditado em uma Côrte, seja enviado a outra em Missão extraordinaria. Além dos motivos acima referidos pelos quaes foi nomeado o Visconde da Carreira, tambem pensei que pela sua posição poderia chegar com mais brevidade a Roma, e assim teria acontecido se causas fortuitas não tivessem occasionado a sua demora. Em quanto a ser ou não recebido, tanto desar seria não ser recebido sendo Ministro em outra Côrte, como sendo nomeado de novo;

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e póde haver circumstancias que o habilitem melhor, porque um Ministro, que está em uma outra Côrte, já tem um caracter, que lhe facilita entrar em relações que promovam a conclusão dos negocios com mais brevidade do que um que fosse de novo.

Só quiz dar estes motivos porque é a unica cousa que eu devo dizer; parecendo-me que em uma questão de tanta importancia, e que ainda está pendente quanto menos se fallar melhor será (Apoiados).

Tendo dado a hora, o Sr. Presidente interino consultou a Camara, e decidio-se que, não obstante, continuasse a Sessão até á conclusão da discussão do paragrapho. — Seguidamente deu a palavra a

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Ouvi S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, responder ao Sr. Castro Pereira, e ninguem lhe responderia melhor, quanto á polidez dos termos, mas S. Ex.ª illudiu perfeitamente a questão, e não respondeu a nenhum dos quisitos; não sei se satisfaria ao illustre Senador, a mim certamente não!

Agora permitta-me V. Ex.ª que eu faça uma pequena historia, relativa a essa Administração de que fiz parte. Quando tive a honra de ser chamado á Administração estavam, para assim dizer, interrompi ias as negociações com Roma; a Santa Sé não quiz reconhecer S. Magestade a Rainha, nem receber alli um Representante com caracter publico; mas foi fortuna que alli estivesse o Sr. Migueis, homem que é muito bem recebido pelos Capaccini, e Roumet, personagens por quem eu tenho muita consideração, não só por aquellas informações que delles tenho recebido, e por aquellas que tem dado -sempre o Sr. Migueis, mas porque me pareceram sempre, principios á parte, favoraveis á Rainha de Portugal. Ora, como a Santa Sé não recebia agente com caracter publico, forçoso foi communicar com ella indirectamente por intervenção do Sr. Migueis. A estas communicações indirectas e verbaes respondeu a Santa Sé com uma nota verbal, em que se expunha, pouco mais ou menos, que a Santa Sé não abriria relações regulares com a Côrte de Portugal, nem cederia de certas pretenções, em quanto a Côrte de Portugal não respondesse áquella Nota verbal: — não se respondeu; e quando eu tive a honra de entrar para o Ministerio, ainda ella estava sem resposta. Foi então que o meu nobre amigo e collega o Sr. João Cardoso da Cunha, se occupou em organisar a Commissão de que já se fallou, e teve algumas conferencias com o Sr. Castro Pereira, Bispo Conde, e creio tambem que com o Sr. D. Manoel de Portugal, e em resultado expediram-se algumas Notas para Roma ao Sr. Migueis, que foram presentes aos Monsenhores Capaccini etc. e á força de ouvidas, e repetidas, obteve-se que os Ministros da Santa Sé se adoçassem muito (peço licença para o dizer, mas o uma verdade); e depois a Santa Sé, ou alguem por ella, disse ao Sr. Migueis, que a Santa Sé confirmaria os Prelados, que S. Magestade Se Dignasse nomear para as Dioceses vagas; e que em quanto ás Dioceses cujos Prelados estavam ausentes, seriam regidas por um de dous modos, ou por Vigarios Apostólicos nomeados pela Santa Sé, ou por Vigarios Capitulares nomeados por Sua Magestade a Rainha, mas que receberiam a jurisdicção dos Prelados nomeados por D. Miguel! Nisto, Sr. Presidente, ninguem de certo conviria (apoiados).

Então entendi eu, e os meus collegas, que não acceitando as duas ultimas propostas, não devia fazer-se uso da primeira, para não expormos a Corôa da Rainha a algum desaire. Depois disso, os Srs. Ministros nomearam Prelados; porém não me consta que fossem já confirmados pela Santa Sé. (O Sr. Ministro das Justiças: — Ainda isso se lhe não pedio) Sr. Presidente, repito que a Santa Sé ainda não confirmou essas nomeações. E á vista da resposta de S. Ex.ª pergunto eu, para que nomeou esses Prelados, senão havia de pedir a confirmação! Só para as eleições? Talvez!... Direi mais, Sr. Presidente, que a respeito do Bispo, nomeado para Leiria, creio que alguma cousa sobreveio, que alguma repugnancia houve que multiplica os embaraços; assim como em Braga tambem ha a respeito do Arcebispo.... (O Sr. Ministro das Justiças: — É falso) Quando te diz que é falso demonstra-se logo; e o dizer que é falso sem o provar, é muito feio em um Parlamento: - quando isto assim se não fizer, e se costume a dizer que é falso, eu fico authorisado para responder é mentira o que se responde onde, — Sr. Presidente, eu sustento o que disse, e hei de nisso insistir em quanto se me não provar o contrario.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sem querer interromper o nobre Senador, e com o fim de vêr se posso diminuir um pouco o seu azedume... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa; — Começou agora.) não terei difficuldade em dizer que S. Ex.ª não recebeu informações exactas. A demora que houve na recepção, (não digo bem) em tornar posse o Sr. Arcebispo de Braga proveio de uma questão pessoal: o Clero abraçou a nomeação com agrado, e recebeu o Prelado com devoção, mas (como dizia) uma questão de interesse pessoal fez demorar um pouco a conclusão do negocio. Isto com tudo foi questão pessoal em que o publico nenhuma parte tomou. Não se póde dizer que foi repugnancia em o receber, porque estas expressões significam uma certa união do Clero e do povo, que se esforçara para o repellir. Nada disto houve, nem o negocio passou de uma simples correspondencia que versava no interesse pessoal de um Empregado, que não é agora necessario nomear. Pelo que toca ao Sr. Bispo de Leiria, a informação que o nobre Senador teve pecca pelo mesmo lado que peccou a que teve a respeito do Sr. Arcebispo de Braga; foi igualmente uma questão pessoal.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não posso deixar de agradecer ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, a confirmação, que tão depressa fez, do que eu acabava de dizer, lia não dei ao que disse o caracter de completa exactidão; disse só que me parecia, porém do que acaba de dizer o Sr. Ministro do Reino se conhece que tinha havido uma incognita.... mas que eu não sabia o que ella valia.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, eu sou franco, e sem diplomacia nenhuma neste negocio, e o nobre Senador me perdoará se eu o taxo de menos franco e mais diplomatico. Tractava-se da resistencia que se dizia haver no Cabido de Braga sobre a posse do novo Prelado: eu disse (contradizendo as informações dadas a S. Ex.ª, porque tambem as tive) que não havia tal cousa, e que a demora da posse versou sobre questão pessoal de individuo (numero um), mas eu accrescentei, a respeito do Prelado de Braga, que a sua nomeação fôra geralmente, e sem excepção, abraçada pelo Clero archiepiscopal: e pelo que toca ao de Leiria, que essa questão tinha sido menos significante, e por tanto menos tempo durou. Ora isto, no meu modo de entender, quer dizer que a posse dos dous Prelados não teve resistencia nenhuma; mas o nobre Senador conclue que houvera uma incognita... Parece-me que não, porque o facto é que não houve resistencia do Clero, nem do povo.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu reporto-me inteiramente ao que acaba de dizer, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, e os illustres Senadores fumem na opinião que quizerem. Eu pergunto aos Srs. Ministros, se elles quererão mandar as informações, que a este respeito eu lhes pedi! Não respondem.... basta.

O Sr. Ministro da Justiça: — Permitta-me o illustre Senador que eu diga duas palavras. A respeito de Braga já o Sr. Ministro do Reino explicou o que havia a dizer; não houve uma unica pessoa, nem um só Eclesiástico que resistisse a que o Sr. Arcebispo Eleito tomasse posse; não ha um só facto em contrario. Pelo que respeita ao Sr. Bispo Eleito de Leiria, o que ha é um escrupulo de consciencia sobre a pessoa que lho deve conferir a jurisdicção, se deve ser o Sr. Patriarcha Eleito, se o Cabido, mas isto nada tem com a nomeação que o Governo fez: o Sr. Guilherme Henriques, que conhece muito bem o Direito Canónico, sustenta que a jurisdicção lhe deve ser conferida pelo Sr. Patriarcha Eleito, mas não quer revolver essa difficuldade sem que todos estejam de accôrdo; disto tracta o Governo a fim de remover causas que possam influir tia consciencia dos povos. Pelo que pertence aos outros Bispos nomeadas, foram para as suas Dioceses, e sabe-se que, longe de haver qualquer repugnancia, pelo contrario houve a maior satisfacção nos povos para onde foram mandados, que os receberam mirto bem. (Apoiados.)

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, eu tambem acceito a explicação do Sr. Ministro das Justiças; porém direi, que eu já sahia que era uma questão de consciencia a que retardava que o Sr. Guilherme Henriques (pessoa áquem eu muito respeito) tomasse posse do seu logar: em quanto a Leiria assim será; mas pelo que respeita a Braga creio que alguma cousa houve mais do que isso. Deixemos pois esta questão, que fica em pé.

Agora direi, que ha muito tempo que Roma convinha numa Enviatura de Portugal; porém o que a Santa Sé nunca prometteu foi o recebe-la com caracter publico: e eu á vista disto, sempre entendi que não nos convinha alli missão capucha, nem devia mandar um Plenipotenciario da Rainha só, e unicamente para servir, por assim dizer, de caudatario aos Cardeaes Romanos. (Apoiados.) Quando eu desejei que o nosso Plenipotenciario fosse recebido com o decoro (devido á Soberana, respondeu-se que isso seria principiar pelo fim. Porém, se o nobre Diplomatico que ultimamente foi mandado alli, tiver sido recebido em publico como Plenipotenciario da Rainha, eu muitissimo o estimarei saber, ato porque neste caso não poderá haver duvida sobre a confirmação dos Bispos ultimamente nomeadas por Sua Magestade, cujas Cartas deviam ter sido mandadas para Roma....

O Sr. Ministro da Justiça: — Eu unicamente queria dizer que as Cartas de apresentação dos Bispos são feitas na Secretaria da Justiça della passam á Secretaria dos Negocios Estrangeiros, e depois são enviadas ao nosso Ministro, junto da Curia Romana; e como se não achava alli Ministro algum nosso, não era pelo Correio que deviam ser mandadas para Roma, porque não é costume: o Governo reservou-se para as enviar em tempo competente; mas até agora não podia apparecer a confirmação dos Bispos nomeado, pela razão que acabei de dar.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Bem. — Disse S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que os Prelados ausentes se tinham desgostado muito com a politica do Papa; porém eu observarei o por que; foi isso consequencia de uma das minhas Notas, em virtude da qual o Santo Padre resolveu affastar Fr. Fortunato, e deixar de o receber, o que logo me foi participado. Agora em quanto ao scisma de que já se fallou, direi de passagem, que nelle entra gente de muito boa fé, e por convicção, entre os quaes ha homens, e senhoras respeitaveis, que eu conheço: porém, deixando isto, aproveitarei esta occasião para chamar a attenção de S. Ex.ª para um facto de que tive noticia por uma carta que recebi, e vem a ser, que morrendo uma mulher, tida como scismatica, em Villa Secca de Poiares, foram ao enterramento algumas pessoas, contra as quaes se tem mandado proceder; porém Como isto não vem para aqui, eu reservo-me para dar a V. Ex.ª a informação que recebi, para se cohibirem algumas perseguições, de que nenhum bem resulta.

Agora, a respeito de Uma lembrança do Sr. Visconde de Sá, sobre as dissensões que tem havido na India com a Propaganda, aproveitarei a occasião para dizer que os Magistrados de Madiás, déram agora uma sentença contra-um certo Inglez, O'Conner, que se intitula Vigario Apostolico, e muito a favor do dignissimo Bispo de Meliapor. Resumindo digo, Sr. Presidente, que dou tambem minha adherencia a este paragrapho; porém desejarei (como o Sr. Castro Pereira) saber se o Plenipotenciario é recebido com o caracter de Representante da Rainha, ou se o vai ser como até agora era o Sr. Migueis; porque neste caso digo, que muito maiores e melhores serviços este poderia alli prestar, do que poderia prestar o Sr. Visconde da Carreira, que não póde ter puí Roma as mesmas relações que tem o Sr. Migueis. (Apoiados.)

O Sr. Castro Pereira: — Levanto-me sómente para responder a uma observação que fez o Sr. Conde de Villa Real, e declaro que concordo com o que S. Ex.ª disse a respeito da redacção do paragrapho, e tambem que é verdade que a Commissão nomeada aconselhara o Governo a mandar um Diplomatico a Roma; mas S. Ex.ª sahe, como eu, que uma Commissão só aconselha, e não ordena. Agora direi, Sr. Presidente, que reconheço que a pessoa escolhida não o podia ser melhor; não só por ser um muito habil Diplomatico, mas tambem por todas as excellentes qualidades que o revestem, confessadas geralmente por todos os Portuguezes Constitucionaes; porem tudo isto nada tem com a conveniencia ou inconveniencia que haveria em mandar agora a Roma um individuo qualquer, que estivesse na actualidade revestido de um caracter diplomatico; e isto pelas razões que já indiquei, e que de lados são conhecidas: e eu sei Sr. Presidente, que a pessoa que foi lembrada para essa missão disse-me

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DIARIO DO GOVERNO

que não iria em quanto não tivesse a certeza de que, depois de algumas conferencias preparatorias, ha de infallivelmente ser recebido em publico como Representante da Rainha isto posso eu affirmar com verdade. (O Sr. Barão da

Ribeira (Apoiado.) Ouvi lamentar a demora que teve, em partir para Roma, o nosso Ministro Plenipotenciario: se esta procedeu com effeito da parte delle, é de crer que fosse, por não querer, como não quiz, a Administração de 1839, expor a Corôa ao desar de não ser alli recebido e reconhecido no seu caracter diplomatico.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, merecem-me muitissimo peso todas as reflexões feitas pelos dois nobres Senadores; nellas não mostram elles outra cousa mais do que o zelo que existe no coração de Portuguezes tão qualificados e tão distinctos como SS. Ex.ªs, para que o decoro da Corôa de Portugal seja conservado nas Côrtes estrangeiras: para remover um pouco os escrupulos destes dois Cavalheiros, direi só que o Governo Pontificio segundo fomos informados regularmente, expediu ordens para as fronteiras, a fim de alli ser recebido o nosso Encarregado. Por isto se vê que não é missão capucha, nem esse Encarregado vai para pegar na cauda dos Cardeaes, se é que Suas Eminencias tem cauda, porque eu ignoro qual seja o vestido falar de que usam; mas é certo que o homem nomeado pelo Governo, cuja tempera e calibre são conhecidos dos dois Cavalheiros a quem respondo, não é muito para pegar na cauda do vestido de ninguem. (Apoiados.) Houve muito tempo correspondencia com elle em quanto não foi (e ahi vai a resposta á tardança, se é que alguma pergunta se fez a respeito della); houve tempo para concertar o modo porque esse Plenipotenciario devia apparecer conforme ao seu caracter e á dignidade que tem conservado em todas as suas missões. E a este respeito não tenho mais nada que dizer; mas a Camara ha de permittir-me ainda uma reflexão, que espero da sua bondade escute, porque é necessario.

Ainda quando (o que eu nego) um Emissario á Santa Sé, mandado com o fim justissimo e muito Christão, e muito moral, de tranquillisar as consciencias dos habitantes deste Paiz, houvesse de prescindir um tanto das formalidades e cerimonias, ou etiquetas, d'ahi, no meu conceito, não resultaria vergonha para a Côrte de Portugal; primeiramente, porque está entendido que esta condescendencia é mais religiosa do que politica; em secundo logar, Hespanha, Nação que eu não quero considerar superior a nós senão pela extensão do seu territorio, ha tres annos que tem Ministro em Roma, ultimamente foi outro, e apesar de não haverem concluido a negociação, não resultou dahi nodoa á Hespanha, nem á sua grandeza, e menos ainda por que o Santo Padre ou os seus Conselheiros, tinham insistido nas pertenções ultramontanos (vá por que me parece que o eram) da Santa Sé. É de notar, e diga-se em obsequio da verdade, que em Roma não tem sido as exigencias a respeito de Portugal tão ásperas como com outras nações, o que será devido em parte ás boas qualidades do Sr. Migueis, que S. Ex.ª mencionou, e que eu tenho muita pena de não ter mencionado, porque elle, na verdade, de todas as Administrações merece elogios. (Apoiados geraes.) Mas dizia eu, e dizia com razão e com verdade, que o Encarregado Hespanhol de sollicitar o acabamento das dissenções entre a Côrte de Madrid e a de Roma, não tem sido tão festejado, nem tratado com tanta dignidade e deferencia como o Encarregado de uma Nação mais pequena, e que eu enteado, sem poder entrar na natureza das concessões (aias que nem nesta, nem n'outra Administração, serão indignas da Corôa Portugueza), entendo, digo, que nessas concessões não havemos de ficar de peior partido, do que os Hespanhoes, apezar de sermos Nação menos volumosa no mundo.

Agora, Sr. Presidente, unicamente peço licença ao nobre Senador para regeitar o epitheto de Bispos eleitoraes de que S. Ex.ª usou; é tuna expressão breve e compendiosa, que se diz, por duas palavras só, e duas palavras áquem não escapam? O facto é que no momento das eleições, apenas um dos Bispos nomeados tinha tomado couta da sua Diocese, e direi que elle é dotado de um caracter pacifico e conciliador, e tomou o expediente de se não metter nas eleições.... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Qual é o do Porto?) Não sei qual foi. O certo é que sendo um só, o mais que o illustre Senador podia fazer era estabelecer uma excepção, mas estabelecendo uma regra geral, commetteu uma dessas inexactidões de que eu commetto muitas, e das quaes peço sempre venia depois de acabado o calor da questão; mas Bispos eleitoraes de certo não foram elles considerados todos. Como Membro do Governo devo-lhes esta rectificação; - é uma justiça devida (se a não fizesse seria falta minha) ao bom caracter, doçura de costumes, e capacidade pessoal destes Bispos eleitos. Por conseguinte os Bispos não foram mandados para fazer eleições; e o nobre Senador sabe muito bem que os agentes das eleições perdem o seu tempo se não andam, e os Bispos são de sua natureza sedentários, podem servir para insinuar de longe, mas não para correr; todos sabemos isto, por que todos nós temos tractado de eleições, e se o Governo escolhesse Bispos para seus agentes, não só digo que faria mal, mas commetteria grandissimo erro; deste por ora está elle livre.

O Sr. Castro Pereira (para uma explicação): — Permittir-se-me-ha que eu diga, que S. Ex.ª não está exactamente informado do que se tem praticado em Hespanha relativamente ás negociações com Roma.

Quando se interromperam as relações daquella Côrte com a de Madrid estava em Roma Encarregado dos Negocios de Hespanha o Sr. Aparici, pessoa bem conhecida de S. Ex.ª, o qual continuou a residir naquella Côrte, incumbido da conservação do importantissimo archivo que alli tem, e da direcção do Hospital, e de outras propriedades pertencentes á Corôa de Hespanha, assim como o Conselheiro Migueis ficou incumbido da administração do Hospital de Santo Antonio, e de todas as propriedades pertencentes á Corôa de Portugal; mas as funcções diplomaticas do Encarregado de Negocios de Hespanha em Roma cessaram desde certo tempo, e se limitaram simplesmente ás do expediente de certos rescriptos Pontificios na fórma estabelecida pela Concordata de 1756. Pessoa bem informada dos negocios de Hespanha me disse que S. M. C, mandára ultimamente a Roma um Agente seu munido de Credenciaes para seguir as negociações com o Santo Padre, e sei que escolhera para essa missão o Sr. D. Julian Villalba, conhecido por suas luzes e cathegoria, mas que nunca pertenceo á carreira Diplomatica. Não me consta que este Senhor esteja ainda em Roma.

Ouvi ao Sr. Ministro dos Negocios Ecclesiasticos, que a demora que tem havido da expedição das Bullas para a confirmação dos Bispos, ultimamente nomeados pela nossa Rainha, havia procedido sómente por não termos em Roma um Ministro Plenipotenciario. Congratulo-me com S. Ex.ª e a Nação toda por tão boa nova, porque, sendo ella certa, isto é, sendo por Sua Santidade recebido um Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade a Rainha, e vindo as Bullas de confirmação dos Bispos pela Mesma Augusta Senhora nomeados, ficam desvanecidas todas as difficuldades, e a negociação terminada. (O Sr. Ministro da Justiça: — Não foi isso o que eu disse.)—Embora V. Ex.ª não queira tirar do que lhe ouvi as consequencias que eu tiro; mas nem por isso deixam ellas de ser por tal causa menos naturaes e exactas. Uma vez que o Papa receba um Ministro Diplomatico acreditado pela nossa Rainha, e que confirme e institua os Bispos por Sua Magestade nomeados, ficam, repito, terminadas nossas desavenças com Roma: tudo o mais são consequencias, e questões faceis de terminar amigavelmente.

O Sr. Duque de Palmella: — Direi poucas palavras para esclarecer aquillo que me parece haver de facto sobre esta questão do Enviado para Roma, e do effeito que isso póde produzir, ou da vantagem que d'ahi póde resultar á negociação.

O Agente que lá tinhamos havia ficado desde o tempo em que o Governo de Portugal era alli reconhecido, e que a Missão de Roma era uma Missão regular e estabelecida como as outras; esse Agente ficou por uma especie de tolerancia, visto que o não mandaram sair, e concorreu para isso o existir em Roma uma Capella e um hospital que (como acabou de dizer o Sr. Manoel da Costa Pereira) pertence á Nação Portugueza, e que elle ficou regendo, o que lhe serviu não só de pretexto para lá permanecer, mas tambem lhe subministrou alguns meios para se sustentar, assim como aos demais Empregados na Legação durante a época da emigração. Isso mesmo se deve levar em conta como um serviço que o Agente praticou, e por outra parte como uma deferencia do Governo Pontificio, sendo certo que ella recaíu sobre um homem que estava alli havia muitos annos Secretario da Embaixada, conhecido e estimado de todos. Agora o negocio muda de figura, visto que a Côrte de Roma consente em receber um Agente Diplomatico nomeado de novo pelo Governo da Rainha, para ir renovar as relações com aquella Côrte, e por consequencia parece-me que houve, por parte do Governo Pontificio, uma demonstração de que desejaria que essas negociações se entabolassem. Desaire não me parece que se siga a Portugal por ter enviado a Roma um Plenipotenciario: as nossas desintelligencias com aquella Côrte tem o dobrado caracter de uma separação de negocios Ecclesiastica, e de uma Missão diplomatica pela falta de reconhecimento da Rainha; ora sempre foi do estilo, quando se quer passar do estado de guerra, ou ruptura ao estado de paz, mandarem-se Agentes, e estes Agentes não desenvolvem um caracter publico senão depois de haverem concluido aquillo que são mandados tractar, mas se acaso o não conseguem, não lhes resulta desaire a elles, nem aos seus Governos.

Julgando-se a materia sufficientemente discutida, foi o paragrapho terceiro posto á votação, e ficou approvado unanimemente.

O Sr. Presidente interino deu para Ordem do dia a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, e fechou-a Sessão depois das cinco horas.

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