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DIARIO DO GOVERNO.

occupada interina mente pelo Sr. Secretario Machado, que deu a palavra a

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Pedi a palavra porque, depois que o nobre Senador acabou de fallar, vi reinar silencio nesta Assembléa, e não tinha reparado que o Sr. Presidente della, largando a sua cadeira, se dirigia a tomar uma de Senador, seguramente para apresentar á Camara algumas observações que o seu talento, a sua experiencia de negocios, e tambem o seu patriotismo muito conhecido (e muito mais conhecido fóra desta Nação do que dentro della) lhe tivessem suggerido sobre a materia.

Longa está de mim o querer contradizer em nada a expressão de sentimentos Portuguezes apresentada pelo illustre Senador, e tarefa indigna de mim como Portuguez, e indigna de mim como Ministro, seria a de defender os excessos commettidos por uma Potencia estrangeira contra nós, e contra a justiça, para dar razão a esses que a não tem, e que além disso são estrangeiros, e tira-la a nós que soffremos, que padecemos pelos insultos que se nos tem feito, e que além disso soffremos esses Insultos sem, em muita parte, os ter merecido.

Eu convenho que tem sido o pensamento e o sentimento de todas as Administrações Portuguezas, desde a restauração do Throno da Rainha até agora, acabar com o trafico da escravatura; neste intuito de o acabar, e de o acabar dignamente, começaram as negociações, se me não engano, em 1835, e progrediram até 1836, pelas Administrações anteriores á epocha da mudança que houve em Setembro nas Instituições politicos da Monarchia; convenho ainda, e o digo com toda a sinceridade, que essas Administrações, e as subsequentes não menos que as primeiras, todas tiveram a peito o acabamento desse trafico illicito pois feitura de um Tractado; tudo isto é exacto; mas é preciso confessar uma cousa, uma verdade (verdade amarga) que apezar das providencias dadas, das medidas tomadas pelas Administrações que se seguiram é mudança politica de Setembro de 1836, muito commercio da escravatura se fez, içadas, sobre os navios negreiros, as côres e as Quinas Portuguezas. E dir-se-ha que a bandeira Portugueza não servia de capa a esse commercio desgraçado? Não serve por vontade dos Governos, é pelo contrario contra a vontade dos Governos; e a expressão de que se servio o nobre Senador, como attribuida a um Ministro Inglez, que se queixa de que a bandeira Portugueza tenha servido de cubrir esta carga iniqua, deve ser explicada deste modo. O Governo não póde, á vista de certos factos e de muitos factos, deixar de convir que fraudulentamente se tem levantado a bandeira Portugueza para cubrir o infame trafico da escravatura (apoiados); não sendo menos certo que o Governo deseja oppôr-se a que similhantes fraudes se commetam, e que tem dado providencias para isso; a verdade tambem pede que se diga que essas providencias não tem sido effectivas, que se tem zombado das ordens do Governo, e que estrangeiros tem obtido passaportes e outros papeis de alguns Empregados de Portugal, para se darem a este trafico. Então subsiste o objecto da questão; então vem as considerações do nobre Senador, as medidas de rigor, e as medidas de violencia que tam sido exclusivamente executadas contra os navios Portuguezes. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Exclusivamente, apoiado) Eu não o nego, nem o posso negar, mas tambem o não posso confessar absolutamente; casas ha em que esses violencias tem sido commettidas innocentissimamente contra navios Portuguezes, mas acerto que muitos e muitos navios, que hasteara as Quinas do Portugal, leiu sido tomados com escravos abordo, com signaes de que se empregam no commercio da escravatura, e que finalmente não são Portuguezes. E então é uma dolorosa verdade que nós temos sido — primeiro, insultados pelos contrabandistas, depois pelos Inglezes; primeiro, por contrabandistas impunes que tem levado a bandeira Portugueza a duas infamias, uma a de cubrir o trafico da escravatura, o a outra a de nos expor á prepotencia dos cruzadores Britannicos, sem que esses navios sejam Portuguezes, sem que os insultos sejam feitas a Portuguezes, mas á roubada bandeira que os contrabandistas levantam nos topes de suas embarcações. Isto é um mui que carece de remedio, e eu não sei que ainda até agora se lhe tenha dado, ou procurado. A Russia, de que fallou o nobre Senador, Nação grande e poderosa, abandonou todos os navios Russos, ou que levantassem a bandeira Russa, á discripção dos Inglezes, quando fossem encontrados fazendo o trafico (apoiados). Eu vi a cópia das Instrucções mandadas aos seus Agentes Consulares em todos os portos, declarando-lhes que o Governo Russo não protegia, e abandonava inteiramente como não seus, os vasos, embora trajassem as côres Russas, que fossem encontrados a traficar em escravos. E não se pejou o Governo Russo deste abandono, para com os navios dessa Nação, ou que se dissessem taes pela sua bandeira, ou se fingissem taes pelos papeis fraudulentos que levassem a seu bordo. É pois o caso de haver «ma necessidade absoluta de punição para com os contrabandistas de escravos que com fraude escandalosa levantam as Quinas Portuguezas nos mastros de seus navios; é uma necessidade, repito, em quanto ao nosso dever e á nossa propria utilidade.

Eu não direi aqui uma novidade se disser que a repressão do trafico da escravatura me não parece um mal para Portugal, e para as nossas Possessões Ultramarinas, um bem (apoiados); é um bem, e digo mais, que é uma necessidade. Esta é a opinião de todos os homens que conhecem os paizes d’Africa, esta é a opinião de todos os Estadistas, que não sei como se possa compadecer com a opinião do nobre Senador. Se não me engano, percebi que o illustre orador assegurava que se pretendia, debaixo da apparencia de philantropia, a commetter o commercio da escravatura, os navios que se empregavam nelle, e os recursos que delles podessem resultar aos traficantes, ou mesmo ao paiz donde os escravos fossem exportados; que, digo, os inglezes, debaixo de um falso pretexto de philantropia, procuravam oppôr-se a todas estas transacções para acabarem de arruinar as nossas Possessões. (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — apoiado) Eu digo que isto está em opposição com a minha opinião, e com a de quasi todos os homens conhecedores dos paizes da Africa, que fazem depender a sua prosperidade do numero de braços. Se os Inglezes (fallemos claro) tem em vista arruinar as nossas Possessões Africanas, como pretendem elles reprimir o commercio da escravatura para fazerem que esses braços lá fiquem! Não dependendo senão do Governo Portuguez usar deste recurso para tornar prosperas essas Possessões, porque já está muitas vezes dito, que o que alli falta são bragas, não será certo, que se nós consentirmos que esses braços se exportem em proveito de outras Possessões que não são as nossas, onde elles são de summa necessidade, não será certo, digo, que somos nós mesmos quem se oppõem a que as nossas Possessões caminhem para o gráu de prosperidade de que são susceptiveis! Certissimo; entendendo que um Governo qualquer deve ter juizo bastante para de modo algum tolerar que se trafique em braços que, se não fossem levados da Africa, produziriam a nosso favor o lucro que vão produzir em favor dos traficantes nas terras para onde elles os importam (apoiados). Se isto não é contradicção no juizo que fez o nobre Senador, cujos talentos respeito muito, não sei que cousa seja contradicção; e permitta-me S. Ex.ª dizer-lho que a pezar da minha docilidade, porque tenho muita tendencia para deixar-me vencer da sua opinião, neste ponto não posso sujeitar-me a ella.

Sr. Presidente, não ha duvída alguma que as violencias tem sido feitas contra nós, e tem sido feitas contra nós desde certo tempo em diante; e tem sido feitas contra nós pela persuasão (falsa ou não falsa, ajustada ou não ajustada) de que da parte do Governo Portuguez não havia boa vontade de concorrer para o perfeito acabamento do trafico da escravatura, Eu estou longe desta supposição, mas é certo que em algumas apparencias se fundaram aquelles que chegaram a convencer-se que da nossa parte não havia o dezejo, que manifestavam as palavras, de concorrer para a feitura de um Tractado para supprimir o trafico da escravatura; e que em quanto todas as Nações maritimas tinham feito Tractado com Inglaterra para esta suppressão, quero dizer, a Hespanha, Napoles, Sardenha, o Brasil etc, não existia, porque ainda não existo, Tractado feito por nós para este fim. E não é muito que houvesse uma grande diferença de procedimento para com as Nações que tinham Tractado, e que estavam de intelligencia sobre este objecto, relativamente áquelle que havia para comnosco. Isto não quer dizer que eu pretenda attenuar a gravidade dos insultos, estou muito longe dessa idéa; irias é Certo, e no fim de todo devemos concluir, como se expressa no Projecto de

Resposta ao Discurso do Throno (desta Camara) - que se torna indispensavel fazer um Tractado para a repressão do trafico da escravatura. Eu considero isto uma necessidade não tanto real como de circumstancias; das circumstancias a que temos chegado, circumstancias que vieram (não sei quero as trouxe, circumstancias em que nos achâmos; porque aliás, Sr. Presidente, eu entendo que para uniformar-nos com as opiniões de todos os Governos da Europa, de todos os homens da Europa que podem emittir opiniões, com as mesmas prevenções e perjuisos relativamente ao trafico da escravatura, n'uma palavra para não ficarmos atraz disso que se chama civilisação; entendo, digo, nos cumpria, ainda sem obrigações de Tractado algum, pormos todos os meios da nossa parte para reprimir esse trafico; e, se não dessem as circumstancias de que fallei, eu dissera — pois não façamos Tractado, mas façamos todos os esforços mandemos para os mares d'Africa todos os navios que podermos, aprezemos e condenemos á morte todos aquelles que ousarem levantar as nossas côres fraudulentamente para as empregar no trafico da escravatura (Apoiados geraes).

Sr. Presidente, seja embora, ou diga-se embora que é uma prevenção, que é um prejuiso (eu não estou por isso); soltem-se todos os doestos que se quizerem saltar, a respeito dos motivos porque se empregam meios para cohibir o trafico da escravatura; que se perde em attribuir um augmento de virtude ou de humanidade a qualquer Mação que procura acabar com esse trafico? Mas, quando não fosse senão um prejuiso, ha perjuisos a que os Governos se não podem oppôr; seria uma chymera, e seria perigosissimo se no tempo das Cruzadas, quando todo o inundo corria a sepultar-se nos areaes da Palestina, houvesse um Governo que reprimisse esse movimento, ou que intentasse dissuadir essa imaginação santa, porque em todos os tempos ha uma força de opinião que se manifesta por factos, e é sempre arriscadíssimo o querer oppôr-se a ella. Mas eu não considero isto assim em quanto ao trafico da escravatura, e partilho os sentimentos daquelles que reputam abominavel aquelle trafico. Eu fui testimunho occular do tratamento que se dá aos Africanos nas terras do Brasil (e é de advertir que nas terras do Brasil são elles mais bem tractados do que em parte nenhuma), e quando outras razoes não tivesse, o que vi bastava para dictar-me a condemnação de similhante trafico.

Mas, Sr. Presidente, as circumstancial deram-se, e umas encadeadas nas outras nos vieram collocar na necessidade de fazer um Tractado para a suppressão do trafico da escravatura; nós estamos obrigados a faze-lo; démos a nossa palavra ha muitos annos de que o fariamos, pertence-nos cumpri-la; se o não temos feito, não attribuo a culpa a ninguem, graves circumstancias se dariam; mas é bem certo que os males que tem resultado da não feitura do Tractado são reaes e são funestos (apoiados); ao manos a Camara me permittirá que diga que eu não tenho parte nelles; não culpo a ninguem de ater tido, mas a Administração actual achou os negocios no estado em que elles estão agora, e talvez peior.

Sr. Presidente, seguirei o episodio de um nobre Senador, longe estou eu de vir aqui tomar a defeza de uma Nação, ou de uma parte de uma Nação estrangeira; fallo dos Irlandezes, a quem se fez o favor de os comparar aos porcos. Se vai contra os Irlandezes a authoridade poetico-missantropa de Lord Byron, como poderá quem a esta recusar contra os Portuguezes o testimunho de Lord Byron? Recuso-o eu. (Apoiados).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Elle mesmo se desdisse.

O Sr. Ministro: — Eu não entendo agora de desdizer, entendo do testimunho ennunciado por esse homem. Quem diria isso de boa fé, um Francez, ou Lord Byron É preciso buscar melhores testemunhos (apoiado). Um Francez não é bom Juiz a respeito d’Inglaterra, assim como um Inglez o não é a respeito de França. Lord Byron era um homem de muitissimo talento, como todos nós sabemos, nunca póde estar quieto nem satisfeito em parte alguma nem de cousa alguma, a sua imaginação foi o seu bem e o seu mal, assim como os vituperios que escreveu, os seus elogios pela maior parte recaíam mais sobre o modo com que elle via os objectos do que sobre a realidade das cousas.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — E Sir Robert Inglish....

O Sr. Ministro: — Mais o testimunho de um