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DIARIO DO GOVERNO.

affrontoso ultimatum, apresentado de uma maneira ainda mais affrontosa. Todos os meus collegas pensaram como eu.

Tambem S. Ex.ª pareceu querer atenuar a palavra pirataria. Mas esta palavra é o talisman do Governo Britannico; é a alavanca em que elle se firma agora para fartar os seus caprichos (apoiadas). Os Francezes, os Suecos, o Dinamarquezes, etc, etc, em consequencia dos Tractados para reprimir o trafico, são entregues aos seus tribunaes, aos seus Juizes competentes; mas os Portuguezes devem ser abandonados a tribunaes estrangeiros! Sr. Presidente, a mim atterra-me a lembrança de um pobre Portuguez aprisionado ao Sal do Cabo da Boa Esperança, lançado a ferros no porão de um navio, e arrastado por gente avida, e interessada na condemnação, diante de um tribunal, cujos juizes não conhece, cujas leis ignora, e cuja lingoa nunca ouvio talvez. A situação deste homem, que póde ser um passageiro alheio a toda a especie de crime, ou contrabando, Horroriso-me Sr. Presidente, se houver Portuguez que em tal consinta, se houver Ministro que subscreva a tal affronta, a maldição do Ceo cairá sobre elle (sensação). Se as penas comminadas no Decreto de 10 de Dezembro, não parecem sufficientes, comminem, o executem os Portuguezes mitras mais fortes, mas em harmonia com as nossas Leis, e com os nossos direitos. Sr. Presidente, eu já fui victima dos ferros d'El-Rei; tinha relações, tinha amigos, e não me faltavam meios, e no proprio paiz soffri muito, e muitos atropelamentos. O que acontecerá em terra estranha, a um pobre marinheiro accusado pela cubiça, e julgado pela vingança!

S. Ex.ª cujo tacto, e habilidade parlamentar é bem conhecido, inverteu n minha allusão ao povo Irlandez. Permitta S. Ex.ª que lhe observe, que eu citei a narração do Sr. Roberto Inglish, Membro do actual Parlamento, e de outros viajantes na Irlanda, que todos referem a degradação a que os Governos Britannicos tem reduzido o povo Irlandez, e povo Catholico: todos relatam que os camponeses Irlandezes vivem, e dormem na mesma pocilga, que os porcos. Eu já ouvi dizer na Camara dos Communs a Mr. O'Connel, ou Mr. Sheel que o povo Irlandez (eu não fallei nem dos Lords, nem dos bispos protestantes) apenas comiam carne duas vexes no anno. O resto do tempo vivem sómente de batatas, e nem sempre em bom estado. Basta vêr os misteres a que os Irlandezes se sujeitam em Londres, para avaliar qual possa ser a sorte daquelles homens na sua patria.

A philantropia Ingleza é muitas vezes filha da vaidade, que manda distribuir n'um dia de gelo, dez libras de batatas e de carvão aos miseraveis, que estallam de fome e frio na visinhança della. Mas ainda o carvão não arde, nem as batatas estão cosidas, e já um bilhetinho de papel dourado annuncia ao Morning-Port, e este ao Mundo, o vaidoso donativo. A caridade Christã, Sr. Presidente, é mais modesta, é como a violeta, foge da luz e da ostentação (apoiados).

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Conde de Villa Real.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: - O nobre Conde de Villa Real faz a honra de permittir-me que diga duas palavras muito concisamente para uma explicação, que peço ao illustre Senador tenha a bondade de receber, visto que não tive a fortuna de ha pouco me exprimir bem. Se fosse occasião de nos entretermos ainda com o episodio dos Irlandezes, eu dizia que interpretei mal o nobre Senador, porque me pareceu ouvir-lhe = que na Irlanda os porcos grunhem, e os homem fallam, unica differença que ha entre uns e outros: = não sei se esta differença unica póde ser admittida; muitos miseraveis conheço eu, que vivem no centro da indigencia, e que são dotados de excellentes qualidades mentaes: a verdade é que a condição de um Povo é especial ao mesmo Povo, e especial á sua organisação, que quasi sempre depende de circumstancias politicas: as da Irlanda tem-lhes sido desgraçadamente contrarias, mas parece-me que apesar de tudo isso o nobre Senador convirá comigo, de que não podemos fazer injurias ás faculdades mentaes dos Irlandezes, que as tem tomo os outros homens, e não é bom compara-los com os porcos (Apoiados). Ora o não comer carne tambem não prova que não o haja outros meios de subsistencia; uma grande, parte do nosso povo das Provincias faz pouco caso della, segundo disse hontem, e com muita razão, o nobre Visconde de Sá da Bandeira (Riso). Mas deixemos os Irlandezes, e a sua differença aos quadrupedes: já de Rousseau se disse que elle louvaria a Deos se o fizesse andar a quatro pés, porque andaria mais facilmente (Riso).... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — E até mais seguro).

Parece-me que o illustre Senador tirou uma consequencia que eu não tirei, por usar de uma expressão de que eu não usei: eu não disse (e se o disse foi involuntariamente), que não era de estranhar o procedimento de Inglaterra para comnosco, por isso que não tinhamos um Tractado como as outras Nações: eu não disse isto, porque se o dissesse seria contradictorio; eu clamei contra a injustiça e contra a injuria dessas violencias, com expressões que me sahiram do coração (que o tenho de Portuguez), e por tanto não podia dizer que não eram de estranhar, porque então a segunda expressão contradizia a primeira: o que me parece que disse, foi, que esse era o pretexto, e tambem me não parece que se contenham nas palavras de que usei as idéas emittidas pelo nobre Senador, e referidas ao Governo, de que, fosse como fosse, fizessemos um Tractado. Eu não abstraiu nunca das condições honrosas do Tractado, mencionei-as até....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — É verdade; eu não me referi ao Ministerio.

O Sr. Ministro: - Bem. Ha outra circumstancia a que tambem me parece que o nobre Senador não deu attenção: quando eu fallei em Tractados feitos com todas as Nações, expliquei quaes eram; e quando o nobre Senador me quiz contradizer fallou só em certas Nações, e esqueceram-lhe as outras. Tambem não fallei em pirataria (peço perdão); eu disse que não podiamos deixar de entrar na opinião Européa dos Governos e dos Povos, a respeito do trafico da Escravatura, e na verdade, esta opinião é uma, e a mesma desde o palacio até á cabana do Irlandez.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A questão é de methodo.

O Sr. Ministro: — A questão é a questão.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Não é mais nada.

O Sr. Ministro: — Então disse eu, todas as Nações do Mundo, mas já se vê que não metti aqui as Nações do Oriente, nem as do interior da Africa, etc. Creio que não foi de certo por arte ou por sophisma permittido em Parlamento, que o nobre Orador fallou na Russia, que não tem possessões Africanas, fallou na Suecia, que tambem as não tem, e lhe esqueceu a Hespanha e o Brasil. Ora estes dous exemplos de Hespanha e Brasil, e ainda de mais alguma Nação, como os Napolitanos, podiam entrar na collecção da totalidade, e dariam mais pêso, e mais congruencia ás minhas palavras, que, se não tosse isso, ficariam em palavras vãs. Em quanto á effectividade da repressão do trafico, eu não eliminei ninguem; o Decreto de 10 de Dezembro é muito explicito, convenho mesmo com o nobre Senador que é muito philosofico, que se pozeram todos os meios de que se podia dispôr para o tornar effectivo; mas em algumas Possessões em que o nobre Senador não fallou, foi elle flagrante e publicamente invalidado; e desgraçadamente daqui nos tem provindo, quando não fosse uma razão cabal, um pretexto, por infelicidade nossa, attendivel pelos factos; e aqui pararei.

Agora o nobre Senador ha de desejar que eu explique ou rectifique uma expressão sua, que me parece precisa dessa rectificação. O nobre Senador, ainda que com muita delicadeza, alludiu a Altas Personagens, deu-lhe a denominação de Augustas, quando explicou o seu pensamento sobre a assignatura ou não assignatura de um Tractado; é justo, já que nisto se fallou, (e não eu), é justo que se saiba que essas Augustas Personagens não possuem sentimento algum, nem idéa, nem vontade, de que se faça aquillo que se não deve fazer. Eu digo isto como uma explicação que daria o nobre Senador, mas se esta explicação se não désse, tendo-se ouvido ao nobre Senador dizer, com a energia de que é dotado = eu disse que mais depressa morreria ou emigraria = poderia por ventura suppôr-se que havia uma teima, um sentimento contrario da parte das Personagens a que S. Ex.ª alludira? Persuado-me que o nobre Senador não quererá que esta idéa vogue, e por isso tomei a liberdade de explicar a sua expressão, esperando que não desconvenha.

(Entrou o Sr. Ministro da Justiça).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Para explicar o que ha pouco avancei, direi que quando eu quiz firmar melhor a minha opinião, e mostrar quaes eram os meus principios (principios de que nunca me afastarei) disse que tinha nelles tanta fé, que até já tinha tido occasião de os manifestar diante de Augustas Personagens. Até aqui posso eu ir como homem parlamentar; até aqui sei eu bem que posso ir como ex-Ministro da Corôa, e das minhas palavras ninguem póde tirar a illação, ou consequencia a que S. Ex.ª alludiu.

O Sr. Conde de Villa Real: — Se o nobre Senador que principiou esta discussão se limitasse a dizer que approvava o paragrapho, eu nada diria; porém como S. Ex.ª fez algumas observações sobre esta questão, é tambem forçoso que eu algumas faça.

Quando Sua Magestade me fez a honra de chamar-me ao Ministerio, achei já publicado o bill, ainda que houvesse alguma duvida se elle estava já em execução. O meu desejo pois, e o de todos os meus Collegas, foi o empregar todos os meios para concluir um Tractado, em virtude do qual deixasse de ter execução esse bill, contra o qual nenhum Governo era Portugal póde deixar de protestar, porque elle é contrario ao Direito Publico, e porque sendo um acto de legislação de uma Potencia estrangeira, que deva ter effeito contra subditos Portuguezes, é claro que ataca a nossa independencia, e que nenhum Portuguez póde encara-lo sem o maior desgosto. (Apoiados.) Procurei portanto entrar logo em negociações, por meio de communicações verbaes, que precederam a Nota que dirigi ao Ministro Britannico, para vêr se era possivel concluir um Tractado com Inglaterra. Dos passos que dei, e de uma correspondencia que tive com o Ministro de S. Magestade Britannica nesta Côrte, resultou receber eu uma Nota (em que muito se tem fallado), na qual se dizia mui positivamente que o Governo Britannico estava disposto a fazer um Tractado com Portugal, se o Governo Portuguez o desejava. Este foi, Sr. Presidente, o fundamento que tive para declarar que tinha esperança de concluir um Tractado, visto que a parte contraria se tinha mostrado estar disposta a fazê-lo. Apesar disto, fui em outro logar tachado de querer burlar a Nação, e a Camara dos Srs. Deputados: mas o que acabei de dizer prova de sobejo que a arguição que se me fez é inteiramente falsa. Nada mais accrescentarei a este respeito, restando-me sómente o agradecer a SS. EE. os Srs. Ministros dos Negocios da Guerra e do Reino, o terem tomado a minha defeza, mostrando a injustiça da accusação.

Não tocarei em todos os argumentos, que produziu o nobre Senador, mas considerarei sómente a posição em que Portugal se acha para com a Inglaterra.

Eu julgo, Sr. Presidente, que Portugal se obrigou, desde o momento em que fez o primeiro Tractado com aquella Potencia, a fixar uma epocha futura para acabar com o trafico da escravatura; (Apoiados) e tambem julgo que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836 fez mais mal do que bem: já em outra occasião elidisse isto mesmo, e presisto nesta convicção; pela razão de que não tendo tido o Decreto plena execução em toda á parte, deu-se a conhecer por isso, que nós não tinhamos força para o fazer executar: - devo com tudo declarar, que não impugnei a boa vontade da Administração que publicou esse Decreto; mas a facto é este. (Apoiado.) Não posso porém concordar com o que disse o illustre Senador, de que a separação do Brasil não devia influir para a conclusão do Tractado: a minha opinião é a contraria desta, porque entendo que necessariamente devia nisso influir, pela razão de que o Brasil já não é Colonia Portugueza, a por isso só vinha, a ter para com Portugal as relações de uma Potencia estrangeira, e não lhe podia ser applicada a reserva que se fez nos primeiros Tractados com Inglaterra, e mesmo na ultima Convenção, de poder continuar o trafico dos negros ao Sul da Linha, com o fim de fornecer de escravos as Colonias Portuguezas: um o Brasil já não era Colonia Portugueza, e então é claro que não podia ser comprehendido nesta estipulação - Agora direi, Sr. Presidente, que vendo se depois da publicação do Decreto de 10 de Dezembro de 1836, que ainda continuava o trafico da escravatura, suscitou-se por esse motivo em Inglaterra grande desconfiança de que se não queria lealmente acabar com esse deshumano trafico.

Ainda que disse, que desejava concluir um Tractado para a repressão do Trafico, tambem.