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DIARIO DO GOVERNO.

declaro, que o não assignaria se não fosse decoroso para a Corôa, e para a Nação Portugueza. Devemos porém reconhecer, que hoje as circumstancias são muito differentes do que eram em 1836, quando eu estava no Ministerio, e quando esteve para se assignar sobre este objecto o Tractado mais vantajoso de todos os que posteriormente se negociaram. Não podia portanto deixar de lamentar, quando agora tomei parte na Administração, que fosse tanto mais desfavoravel a nossa posição do que então era. A questão da marcha que tem seguido as negociações com Inglaterra, e inteiramente independente da revolução de Setembro Não tendo havido rompimento entre os dous Paizes, do Governo dependia essa marcha. Mas o facto de ser o primeiro Tractado mais vantajoso do que qualquer dos Projectos seguintes é admittido por todos.

Não farei mais observação alguma para não tomar mais tempo á Camara, e concluirei dizendo, que approvo o paragrapho porque elle tem a idéa de que se deseja um Tractado decoroso que ponha termo ao bill, porque em quanto este existir soffre a nossa dignidade soffrem os interesses do commercio licito das nossas Colonias. (Apoiados.)

O Sr. Barão do Tojal: — Eu entro com alguma repugnancia nesta materia; entre tanto acho que todos temos obrigação de expender aqui a nossa opinião, ajuda quando esta não concorde com a d'outros; e posto que eu tenha muita consideração por ellas, acho que todo aqui devemos alçar a voz da verdade, da verdade pura, livre de contemplações, preconceitos, prevenções, ou medo.

Em quanto ao Tractado para a abolição do trafico da escravatura; infelizmente ha uma discrepancia de opiniões entre nós, e a Nação Ingleza inteira, assim como do seu Governo, a este respeito; a Nação unanimemente está convencida de que o Tractado de 18 de Julho de 1817 estabeleceu decididamente o principio, que a conservação do privilegio de traficar em escravos ao Sul do Equador era continuado a Portugal unicamente para supprir o Brasil, então formando uma consideravel e mui importante porção da Monarchia Portugueza; e que, em geral, alli se acredita que por esta convenção da nossa parte se tinham pago consideraveis sommas, que nós recebemos d'Inglaterra, como indemnisação de capturas de navios, em parte, e como uma especie de preço igualmente por essa abolição implicita do trafico; o certo é que nós somos accusados pelos Inglezes de homens faltos de boa fé, de não observadores das estipulações de Tractados, de termos mettido na nossa algibeira o dinheiro Inglez, sem querermos cumprir agora com a condição, a que por esse dinheiro nos ligámos; e então á vista da representação, que alli se tem feito em publico da conducta supposta de Portugal, em se negar a executar aquillo a que se compromettêra e ajustara, obteve a final, o Ministerio Inglez, do Parlamento, quasi por acclamação, o acto que impetrara, e passou o celebre bill. No entretanto que disseram os outros Membros dissidentes, os Toryes, entre elles o Duque Welington? Asseveraram que não teriam recorrido áquelle bill, pois que importava o mesmo que legislar para uma Nação independente; mas que se achasse que Portugal Se negava obstinadamente a cumprir com as estipulações dum Tractado, que não legislaria para elle, mas que lhe declararia a guerra «I would declare war against her!» Insistem por tanto uns e outros, Whigs e Toryes, que a separação do Brasil de Portugal, nos remove todo o direito, que ainda nos era concedido pelo Tractado de 1817, de traficar em escravos, unicamente para supprir aquella nossa Possessão, e a isso claramente restricto, e que nos achâmos, por essa circumstancia, na obrigação moral, positiva, de dar por acabado aquelle trafico, debaixo ela nossa bandeira, e de concluir com elles um Tractado definitivo para a sua efficaz suppressão. Ambos aquelles partidos politicos convem precisamente no mesmo fim, discrepando só nos meios; um obteve do Parlamento um indulto para os Cruzadores Inglezes, que capturassem os navios debaixo da bandeira Portugueza, que se achassem empregados naquelle trafico; o outro queria logo que se nos declarasse a guerra, e se bloqueassem os nossos portos; entretanto, o Governo Inglez, que em geral possue a maior e mais completa massa de informações, e que por tanto está bem ao facto de todas as circumstancias, procedeu a essa medida de rigor, e que eu não estou preparado para justificar, procedeu a essa medida de rigor pelos avisos e participações, que lhe chegaram de toda a parte de seus numerosos e vigilantes empregados, que a bandeira sim, e não a Nação Portugueza, era a empregada em fazer esse commercio: eu mesmo tenho conhecimento d'um folheto official, publicado no Rio de Janeiro pelo Consul Belga, em que dá sessenta e seis mil escravos importados no Brasil, em duzentos navios com bandeira Portugueza, em o anno de 1838, dois annos depois de nós mesmos termos abolido por lei expressa e positiva aquelle trafico debaixo da nossa bandeira. Isto na informação, que o dito Consul fornece officialmente ao seu Governo, dando-lhe a conta do movimento geral do commercio daquelle Imperio no anno, que referi. — Ora, como não ha de o Governo Inglez, que tão acérrimo e empenhado, ha uns poucos de annos, se tem mostrado, e que tantos sacrificios tem feito para pôr termo a este trafico; o Governo Inglez que parece ter em vista, primeiro que tudo, o tirar a Africa do estado de aviltação em que se acha, publicando annualmente, com grande interesse, o augmento progressivo das suas exportações e commercio para com as suas Possessões Africanas, que procura vêr se póde gradualmente conduzir a vasta população da Africa á cultura, á civilisação, commercio e relações sociaes; como não hade elle pois procurar todos os meios de alcançar um fim tão philantropico como util, e que elle e nós todos, não podémos deixar de julgar tão importante? Todas as medidas, todos os actos publicos do Governo e Parlamento Inglez, e daquella Nação toda, mostram o interesse que elles tem de levar avante esta grande medida, que a todas as Nações da Europa convém, e a nós, pelas nossas vastas Possessões alli, ainda mais que a qualquer outra. O Governo Inglez é completamente hoje um escravo da questão, porque a opinião geral da Nação está resolvida a levar ao cabo esta medida. Ora quando um Governo se vê nestas circumstancias, porque a Governo Inglez é Constitucional e depende do apoio da opinião publica, e dos Representantes da Nação para sustenta-lo, o Governo Inglez ha de ir ao seu fim, ha de cortar por todas as difficuldades para o alcançar; e eis-aqui o que elle tem feito, e hão de fazer todos os Governos Inglezes, sejam de que côr politica forem.

Então o que nos resta fazer? Tirar do arbitrio de uma Nação poderosa os meios de ella violenta e caprichosamente nos dictar e impôr a Lei, e limita-la, por um Tractado, ás formulas regulares, e combinadas mutuamente e de commum accôrdo, de levar a effeito a suppressão, que daquelle trafico se pretende: e eis-aqui a necessidade de o fazer decoroso sim, mas de prompto, porque nas circumstancias em que nos achâmos, não vamos senão prejudicar-nos e comprometter-nos mais, de dia em dia, persistindo na continuação deste irritante e indefinido estado de cousas, e falsa posição em que presentemente nos achâmos.

Eu tenho lido tudo quanto se tem escripto e publicado a este respeito, e parece-me estar hoje bem ao facto das verdadeiras circumstancias da questão: aqui mesmo em Lisboa tenho ouvido muito, mesmo de Portuguezes capazes e desinteressados sobre a materia; ainda outro dia um, que veio de Angola ultimamente, asseverou que se fosse Commandante d'um navio nosso de lá, tomava quasi todos os navios que lá andam sobre a costa com bandeira Portugueza, mesmo pela illegalidade de seus papeis, porque, segundo um artigo do Codigo Commercial, não são navios Portuguezes legitimos, nem o podem ser, pelas nossas Leis, quaesquer Baios de construcção estrangeira que obtiverem papeis Portuguezes, ou fizerem a transmutação de bandeira em qualquer outro porto que não seja o de Lisboa. Pois então para que estâmos nós aqui a contender, a comprometter-nos, a invocar, e a advogar em favor de todos os aventureiros de todas as Nações, que para seus fins sórdidos e abomináveis se embrulham na nossa bandeira? A questão para nós, deve ser — se a propriedade é Portugueza, ou não? Eu digo que não é, e digo mais, que de Portugal quasi que não sahe hoje um navio para o commercio da escravatura; por consequencia nós estamos aqui combatendo em favor das garantias e interesses desmoralisados de especuladores estrangeiros sómente! (Apoiados.)

Ora agora, deixando de lado o sentimentalismo, eu advogo ainda por outra razão este objecto. Quem mais interessado do que nós em pôr termo a este trafico? Como se hão de cultivar e aproveitar os immensos terrenos que alli possuimos, para que só aquelles homens podem servir, e que desenvolvendo aquella cultura ao ponto a que póde ser levada, nos póde ainda vir a resarcir completamente da perda do Brasil? Por consequencia, quanto a mim, o que nos resta, o que nos convem anos, é fazer quanto antes com Inglaterra um Tractado airosamente para a completa e permanente abolição do trafico, e sahir desta posição critica em que desgraçadamente agora nos achâmos.

Sr. Presidente, em mui certamente, e primeiro que tudo, sou Portuguez, e digo desde já que ninguem o é mais em todo o terreno de Portugal do que eu; provas disto de sobejo tenho dado, e estou dando, porque eu podia, como muitos outros, estar-me gosando em França ou Inglaterra, livre de incommodos e trabalhos, e estou aqui promovendo, quanto posso na minha curta esphera, o bem da minha Patria e o seu desenvolvimento, já como homem particular, já como publico; tenho empregado mais de quatrocentos mil cruzados em Portugal, e hei de, segundo a fabula, dar os meus debeis hombros ao carro que está no atoleiro: ora, apezar de tudo isto, espero que no que eu fôr dizendo será respeitado em mim o amor da verdade, e que em obsequio a ella só, e á imparcial justiça é que me exprimo honrada e afoutamente assim, e na consideração tambem de que o que aqui se diz tem muita força nos Paizes estrangeiros; merece pois indulgencia a minha opinião, se acaso chocar as opiniões d'outros nobres Senadores, que aliás muito respeito, posto que defira dellas.

Quanto pois á Inglaterra, tem-se aqui ultimamente feito algumas observações, que eu considero violentas, exaggeradas, injustas, e que poderão ter resultados, muito desfavoraveis para nós como Nação; eu não fallo em espirito mercantil, como alguem disse, fallo como homem publico, homem d'Estado. Algumas razões que aqui se apresentam produzem grandes e perniciosos effeitos em uma Nação consideravel, que podem ser fataes aos nossos interesses politicos e commerciaes, sem fim ou resultado outro algum, que um desabafo, ou effusão patriotica do momento a nada tendente. A politica d'Inglaterra é, e sempre tem sido, a de sustentar a nossa Independencia Nacional contra as vistas e tentativas ambiciosas da nossa visinha; mas as Nações, assim como os individuos, tambem com as injurias e vituperios se vão azedando, se vão progressivamente, e a final irrevogavelmente indispondo umas contra outras, e os resultados são calamidades e desgraças para a Nação mais fraca e dependente.

Sr. Presidente, desde o berço da Monarchia Portugueza datam as relações ea mais restricta alliança entre Portugal e a Inglaterra! Se recorrermos ao tempo de nosso primeiro Rei, D. Affonso Henriques, acharemos já então os Inglezes ao nosso lado combatendo contra os Mouros, e nos Reinados subsequentes até á sua final expulsão. Templários Inglezes que se dirigiam para a Palestina a combater os Sarracenos aqui desembarcaram e se nos uniram, contribuindo poderosamente para c> resgate de Portugal do dominio dos Infiéis. E em premio desses serviços, creio que lhes foram concedidas as lesirias adjacentes a Frielas, no Termo de Lisboa, aonde alguns delles se estabeleceram. El-Rei D. João I a braços com ElRei de Castella e todas as suas forças, sitiando Lisboa, recebeu prompta o generosa cooperação d'outra expedição de Templários ou Cruzados que dirigindo-se tambem para a Terra Santa a contender com Saladino, aqui accidentalmente aportaram naquelle critico momento. Promptamente se prestaram, e desembarcaram a coadjuvar-nos, concorrendo sem duvida efficazmente para o glorioso resultado daquella sanguinária e porfiada contenda. Na grande batalha d'Aljubarrota tambem achámos os Inglezes nas nossas fileiras, contendendo a nosso lado.... (O Sr. Ministro do Reino: — Foram 1,500 Inglezes os que entraram nessa batalha). Bem foram 1,500, já é uma menos má Divisão. Ve-se por tanto, do que acabo de dizer, que os Inglezes desde mui remota época têem sempre sido os nossos, fieis alliados, e combatido e sustentado a nossa Independencia Nacional.

Um illustre Senador por cujos talentos e illustração eu tenho muita deferencia, e cuja eloquencia é conhecida (maior razão para que as suas opiniões sejam ouvidas com muita attenção e peso), disse que ha duzentos annos que Portugal tem gemido debaixo da influencia da Inglaterra, e que a Hespanha tinha sido mais avisada do que nós, em 1767, porque tinha vendido á Inglaterra os seus privilegios que nós