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DIARIO DO GOVERNO.

que Suas Excellencias usaram, espero que hão de fazer-me a honra de corrigir-me.

Sr. Presidente, fallou-se relativamente a ser ou não em Inglaterra a opinião, sobre a abolição do trafico da escravatura, uma opinião geral, ou a ser uma opinião de individuos que têem em vista unicamente interesses particulares; em quanto a mim não tenho duvida em asseverar que a opinião em Inglaterra contra o trafico, é hoje gerai e muito popular; sendo o resultado de muitos annos de discussão. Consta que os primeiros ajuntamentos que alli se fizeram para decidir sobre esta questão, tiveram logar em 1761, e foram praticados pelos membros da Sociedade chamada dos Amigos ou Quakers, e nelles se declarou que todos os membros da Sociedade, que fizessem o trafico da escravatura, fossem della excluidos. Na America do Norte aconteceu outro tanto; e na Virginia, então Colonia Ingleza, successivamente passou a legislatura muitos actos para a suppressão do trafico; porém todos foram rejeitados pelo Governo da Metropole. Pelo mesmo tempo teve lugar em Portugal a publicação de um Aliará do Sr. D. José, abolindo a escravidão dos pretos que ainda existiam no Remo, especialmente na Provincia do Alemtejo, e dos que existiam nas ilhas dos Açôres e da Madeira. Poucos annos depois, dous Membros da Camara dos Communs da Grã-Bretanha, Clarkson e Wilberforce, cujos nomes respeitaveis são bem conhecidos, começaram os seus esforços para a abolição elo trafico. Nos annos de 1789 e 1790 a mesma Camara dos Communs, constituida em Commissão geral, examinou todos os factos que se apresentaram relativos ao trafico da escravatura, com o fim de entrar no verdadeiro conhecimento da materia; e em resultado manifestou-se a unanime opinião de que similhante trafico tão devia ser tolerado. E claro por tanto, que estas idéas já estavam generalisadas antes da publicação do acto do Parlamento que abono o trafico em 1807. Fiz estas observações para mostrar, que a opinião em Inglaterra se acha formada por discussões que duram ha mais de 50 annos, lista opinião é geral em toda a população, a qual manifesta a maior sympathia em favor da raça negra. Não quero com tudo dizer que não haja alli, quem explore este sentimento o em proprio proveito, nem que o Governo se não sirva delle para os seus fins. Com todas as cousas se tem especulado, mesmo com a Religião (Apoiado).

Tractando agora dá questão das nossas relações com Inglaterra, direi, que ninguem mais do que eu reconhece que ellas são muito vantajosas para os dous paizes, por differentes causas, que para isso concorrem, como são, as antigas allianças, e importantissimas transacções commerciaes. Portugal consome grandes valores de productos Inglezes, e á Grã-Bretanha é o principal mercado para o consumo do primeiro dos nossos generos (apoiados). A respeito das vantagens dos Tractados de comercio contrahidos entre Portugal e Inglaterra, têem havido pareceres differentes; e como aqui se citou o Tractado de 1703, chamado de Methuen, referirei o que no seculo passado escrevia um auctor Portuguez sobre este objecto. Elle diz que durante o Governo do Sr. D. Pedro 2.°, o habil Ministro Conde da Ericeira erigira as fabricas de Portalegre e da Covilhã, e que o seu progresso fôra tal que nos annos de 1684 e 1685 se achara, que forneciam panos e baetas em quantidade sufficiente para o consumo do Reino e das Conquistas; pelo que foi então prohibida a imposição das ditas fazendas manufacturadas em paizes estrangeiros; que isto durou por mia vinte annos, até que em 1703 se fez o Tractado, pelo qual foi permittida era Portugal a introducção das fazendas Inglezas de lã, a troco da entrada dos vinhos Portuguezes em Inglaterra, pagando um terço menos de direitos de entrada que os vinhos de França. O resultado deste Tractado, secundo o mesmo escriptor, foi a ruina total daquellas fabricas, e que a importação de fazendas Inglezas em Portugal, que antes do Tractado era de 400.000 libras sterlinas por anno, subio depois delle a 1,300.000 libras por anno; e que a exportação de vinhos de Portugal para Inglaterra, que nos quatro annos anteriores ao Tractado andava por 7:800 pipas por anno, apenas subio a 8:000 annuaes nos quatro annos seguintes ao Tractado, Isto mostra os effeitos desse Tractado, relativamente á nossa industria. Elle foi encorporado no Tractado de commercio de 1810.

A verdade é que Portugal quasi que tem estado reduzido a ser uma Nação puramente agricola, e por consequencia a ser uma Nação pobre (apoiados). Precisa-se por tanto ter no futuro toda a cautella, com as transacções que houvermos de fazer com estrangeiros, especialmente sobre Tractados de commercio (Apoiados).

Tambem se disse que todas as Nações da Europa carecem d'allianças. Isto é uma verdade incontestavel; e todas as Nações, tanto grandes, como pequenas as precisam. Se Portugal para a sua defeza tem recebido por vezes o soccorro estrangeiro, tambem a defeza da Grã-Bretanha tem muitas vezes sido feita nos campos de batalha do Continente. E a propria revolução de 1688 que firmou a liberdade da Inglaterra foi devida a Guilherme, Principe de Orange, que lá desembarcou com um exercito de 14:000 Hollandezes. Temos pois direito de applicar tambem aos outros isso que elles dizem de nós (Apoiados).

Voltando á questão do trafico, digo, que durante muito tempo elle foi um dos principaes ramos do commercio da Europa, e especialmente da Grã-Bretanha, onde por elle algumas Cidades se levantaram da insignificância em que jaziam, e se tornaram opulentas; tal por exemplo aconteceu a Liverpool e outras,

Disse o nobre Duque, que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836, tinha sido um erro politico. O nobre Conde, fallando do mesmo Decreto, disse, que elle tinha feito mais mal do que bem. E o illustre Ministro dos Negocios Estrangeiros declarou, que o Decreto não tinha sido executado. Cumpre-me responder a estas asserções.

Sr. Presidente, o Decreto de 10 de Dezembro de 1836, foi uma medida de humanidade, e ao mesmo tempo uma medida de policia colonial. Como medida de humanidade, pareceu á Administração que o publicou, que era mais digno da Corôa de Portugal, o tomar esta medida como só sua, e espontaneamente, do que era o inseri-la em um Tractado; e que isto era mais proprio de Portugal do que imitar o que se fizera no Tractado de Alliança de 1810 no qual se estipulara que a Inquisição não seria estabelecida no Brasil. E como medida de policia colonial, igual razão havia para a tomar, sem que fosse preciso consultar os estrangeiros (apoiados). A opinião das pessoas que compunham a Administração, que publicou o Decreto de 10 de Dezembro, era, que a total abolição do trafico é indispensavel para tornar uteis a Portugal as suas colonias Africanas, para as tornar agricolas e productivas; que por isso convinha muito perseguir por todos os modos, e castigar os contrabandistas com penas muito severas: foi esta a razão porque nesse Decreto se exararam penas tão fortes, esperando-se que com isso se tiraria o pretendido resultado.

Ora, quanto a dizer-se que este Decreto fez mais mal do que bem, devo declarar que não acho exacta esta asserção, porque não vejo em que elle fizesse mal. Se é olhando-o pelo lado relativo ás negociações, não sei como o Decreto as podia intorpecer, pelo contrario, havendo verdadeira vontade de tractar, elle devia facilitar as negociações porque era um grande passo dado pelo Governo Portuguez. Em quanto porém a dizer-se que o Decreto não tinha sido executado, direi, que isso é certo até certo ponto, mas não o é quanto ao todo (apoiados). Sr. Presidente, pelo Decreto de 16 de Janeiro de 1837, determinou-se, que só seriam consideradas embarcações Portuguezas, as que fossem construidas em portos Portuguezes, e as que tivessem navegado até aquella data com bandeira Portugueza: este Decreto foi executado em Cabo-Verde, e em virtude delle e do Decreto de 10 de Dezembro, foram capturados sete ou oito navios, e alli julgados como negreiros. O dito Decreto de 16 de Janeiro foi mandado executar nas Provincias Ultramarinas, com o fim de embaraçar o trafico, apezar de que nellas até então se tinha tirado proveito da concessão feita pelo Codigo de Commercio de podérem ser nacionalisados navios de construcção estrangeira por via de compra, pagando-se de direitos uns tantos por cento do seu custo. Devo porem dizer que de Macau se mandou pedir alguma alteração a esse Decreto, por não ser possivel executa-lo alli em todas as suas partes. Em outras Colonias, por exemplo, em Angola, não se executou o Decreto de 10 de Dezembro, porque o Governador, de accôrdo com os interessados no trafico, não o cumpriu. Sabido isto, o Governo demittiu o Governador, e mandou-o metter em processo, e enviou em seu logar o Vice-Almirante Noronha, com ordem positiva de acabar com o trafico. Para Moçambique, e com o mesmo objecto foi mandado, o Marquez de Aracaty como Governador Geral, e o seu antecessor foi posto em processo. É necessario notar que neste processos feitos naquelles paizes, se torna muito difficultoso provar o crime, porque muita gente é alli interessada no trafico da escravatura; e por isso o Decreto de 10 de Dezembro tem varias disposições que se devem reformar, e eu terei a honra de apresentar a esta Camara um Projecto, para que o Governo fique authorisado a fazer as reformas convenientes, visto que o Governo já deve ter recebido as informações que pedi, quando era Ministro, a tal respeito. Se o Governo fôr authorisado, podera dar mais força ao mesmo Decreto.

Direi alguma cousa agora em especial relativamente ao Marquez de Aracaty injustamente accusado: elle era um homem de grande experiencia, que por largos annos fôra Capitão General no Brasil, e que tendo occupado alli os primeiros Logares do Estado, depois de ter gasto a sua vida no serviço publico, estava pobre, o que era uma prova da sua probidade (apoiados). Foi-lhe offerecido o governo de Moçambique, e conseguiu-se resolve-lo a acceitar. Quando partio mandaram-se ordens para que de Goa fossem remettidos alguns fundos para as despezas de Moçambique; mas tendo fallado a renda do ancião, que se cobrava em Damão, os recursos de Goa diminuiram, e por isso nada se podia d'alli tirar. O Marquez de Aracaty achou em Moçambique os cofies sem fundos, não encontrou meios de supprir aquella falta; considerou que esta traria uma sublevação, de que havia pouco houvera exemplo; e determinou-se por isso a não publicar o Decreto de 10 de Dezembro, declarando publicamente que suspendia a sua execução, e que ía dar parte ao Governo dos motivos que para isso tivera. O Marquez de Aracaty obrou como um homem de bem (apoiados). Mas o Governo não approvou esta sua determinação. Em quanto á communicação diplomatica da Circular do Marquez de Aracaty, direi o que se passou. Tendo chegado a Lisboa a dita Circular por um navio do Rio de Janeiro, enviei copia della ao Plenipotenciario Britannico, com o qual novamente insisti, em que fosse estipulado no artigo addicional um auxilio no caso de revoltas nas Provincias Africanas, produzidas pela suppressão do trafico, auxilio que pelo estado das cousas poderia convir muito a Portugal; em quanto que pela posição das Colonias da Grã-Bretanha, no Cabo de Boa Esperança, na Ilha Mauricia etc. muito facil lhe seria prestar, reduzindo-se a alguns centos de soldados com poucos navios de guerra. Considerei que o proceder do Marquez de Aracaty era mais um motivo para eu insistir na minha proposta, porque um homem tão capaz, e tão honrado que tomava aquella medida, era porque a olhava como o unico meio de evitar uma revolta, e isso era uma prova mais que eu apresentava da necessidade que havia de obter aquella promessa. Esta franqueza não foi interpretada, como eu esperava, e fizeram-se presumpções injustas que é escusado agora mencionar.

Disse-se aqui tambem que o Decreto mostrava que nós não podiamos acabar com o trafico; e eu digo que nem as marinhas todas do Mundo são capazes da o acabar. A Inglaterra, mesmo com todas as suas forças navaes, depois de ter publicado a abolição do trafico da escravatura em 1807, achou que ainda em 1817 se fazia publicamente o trafico na Ilha Mauricia, Colonia sua, apezar dos esforços que, para o supprimirem, fizeram o Governador e o Juiz da Ilha, esforços sem proveito, porque a policia não se atrevia a prender os negreiros, ou se estes eram levados á Justiça, não haviam testimunhas. Posteriormente naquella Ilha os negros, têem sido substituidos por naturaes da India. Ha dous annos existiam lá 28:000 destes trabalhadores, E o proprio Governo Britannico no presente anno, apresentou ao Parlamento um bill para que fosse legalisada a importação na Mauricia dos ditos trabalhadores do Indostão, os quaes naquella Ilha ficam tão livres, como os Portuguezes, que a titulo de Colonos tem ido para o Brasil, aonde por diversas artes ficam; tomo escravos por muitos annos, Alguem diria talvez que por aquelle bill o Ministerio Inglez propunha o restabelecimento d'uma outra sorte de trafico da escravatura. Se pois a Inglaterra por todos os seus meios não póde em dez annos acabar o trafico, n'uma pequena Ilha, com justiça não póde Portugal ser increpado de o não ter acabado em tão pouco tempo. Não posso pois conceber, como o Decreto de 10 de Dezembro possa ser considerado, como tendo obstado a