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DIARIO DO GOVERNO.

concluir-se o Tractado para a abolição do trafico.

Agora relativamente ao que se disse dos passaportes, direi que até é Lei das Pautas os passaportes dos navios mercantes eram passados pela Secretaria d'Estado da Marinha; e depois passaram para a Alfandega. Acontece por isso que ha passaportes de navios Portuguezes que foram assignados pelo Sr. Conde de Villa Real, pelo Sr. Miranda, por mim, e por outros Ministros, e que se apresentam nos navios negreiros, já porque os navios mercantes passaram do commercio licito ao de escravos, já porque os mesmos passaportes passaram para outros navios: outras vezes são inteiramente falsos; Na Havana ha uma casa que se emprega em arranjar passaportes de todas as Nações, umas vezes fabricando-os de novo, outras falsificando os antigos. Nada por tanto significa contra o Governo Portuguez que appareçam taes passaportes.

Fomos accusados tambem de que Authoridades Portuguezas consentiam e eram conniventes no trafico. Eu já disse como o Governo procedeu com as Authoridades da Africa; referirei outros factos que mostram o mesmo espirito. Um individuo Portuguez de Cabo-Verde, alli Consul de Dinamarca, sendo reconhecido como agente dos traficantes do Rio das Gallinhas, e da Havana, foi logo demittido pelo nosso Governo. Outro, chamado Fernandes, Consul de Portugal na Havana, teve igual sorte poucos mezes depois de nomeado, e por motivo similhante. Comtudo seis ou oito mezes depois veiu uma reclamação do Governo Inglez contra o Consul de Portugal na Havana, por se occupar no trafico da escravatura; e era a dita reclamação acompanhada de reflexões moraes relativas ao Governo Portuguez conservar um tal empregado. Examinados os documentos que tinham dado fundamento á nomeação do dito Fernandes para o Logar de Consul, acabou-se, que tendo o Governo Portuguez mandado pedir informações á Havana, as Authoridades informaram que era homem muito capaz, e até o proprio Consul Inglez, alli residente, declarou, que Fernandes era um Cavalheiro de grande respectabilidade, muito proprio para Consul de qualquer Nação naquella Cidade (riso): mandei copias de tudo isto ao Governo Britannico. Esta reclamação mostra a pouca justiça de muitas das accusações que deliberadamente se nos tem feito.

O Governo Inglez accusou tambem do mesmo crime o Consul de Portugal no Rio de Janeiro, João Baptista Moreira; respondi, que convinha que se apresentassem as provas da culpa, e que logo que o Governo tivesse a consciencia de que o homem era peccador, seria demittido, nas que em quanto isto não acontecer e o Governo não devia castigar um Empregado seu, unicamente por uma accusação, que podia ser ou não ser exacta.

Agora passarei a outro objecto. — O nobre Duque lamentou que na negociação do Tractado senão tivesse tomado por base o Projecto sobre que S. Ex.ª havia negociado com Lord Howard. Esse Projecto não se tomou por base, porque isso não era praticavel; conservaram-se muitas das estipulações que tinha feito o nobre Duque, e adicionaram-se outras que pareceram convenientes; mas não se podia adoptar na sua totalidade aquelle Projecto porque as circumstancias tinham mudado. Por elle nós estipulávamos que aboliríamos totalmente o trafico da escravatura, e pelos seus Artigos 2.º e 3.º promettiamos publicar Leis penaes contra os individuos, que se empregassem nesse trafico. Mas depois do Decreto de 10 de Dezembro de 1836, já isso não era necessario, porque elle havia abolido totalmente o trafico, e havia imposto penas aos trangressores. Eis-aqui porque senão podia tomar, por base da negociação, o trabalho de S. Ex.ª Como nesta Camara se tem fallado nestas negociações, devo fazer justiça ao Plenipotenciario Britannico, o qual nas longas conferencias que houve para a discussão do Tractado, mostrou que desejava conciliar, quanto fosse possivel, as circumstancias do nosso Paiz, com as instrucções, que tinha do seu Governo. Quando este Plenipotenciario deixou Lisboa, em 22 de M aio de 1838, a negociação estava tão adiantada que se podia dizer completa; apenas faltava concluir a discussão de um Artigo addicional sobre um soccorro eventual no caso de necessidade, e as propostas feitas de parte a parte, eram taes que, se houvesse uma discussão final, se teriam ajustado: esta discussão final não teve logar, porque o Plenipotenciario partio, mas o Tractado, que com os seus tres annexos constava de 37 Artigos, estava convencionado, e estava-se copiando. Quanto de importante havia no Tractado feito entre Hespanha e Inglaterra, que se tinha tornado por base, se achava adoptado com as necessarias modificações.

Entre os seus Artigos o 14.° era dos mais importantes, porque, achando-se estipulada perpetuamente a abolição do trafico, se deixava por este Artigo o direito de rever e de alterar o Tractado no prazo de dez annos. Nós não devemos subjeitar-nos a Tractados perpetuos, quaesquer que sejam as suas vantagens. Á nossa propria costa temos conhecido que em Tractados, entre uma Nação grande e uma pequena, as interpretações que a primeira póde dar-lhes tornam-se ás vezes mui damnosas á segunda, e quasi que sem recurso para esta: por tanto, é de absoluta necessidade que qualquer estipulação que se faça tenha um praso, mais ou menos extenso, dentro do qual se possa alterar ou modificar. Sem esta clausula eu votarei contra todo e qualquer Tractado, seja de que natureza for, porque, ou pela sua redacção ou pela interpretação que se lhe dá, vem a tornar-se um jugo verdadeiro imposto á Nação menos forte. Tendo-se passado os factos como fica dito não podia deixar de admirar-me ao lêr em uma Nota, dirigida pelo mesmo Plenipotenciario ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, a asserção «que elle não conviera comigo em tal Tractado, nem o poderia ter feito por não estar para isso authorisado pelas suas instrucções, sendo o trabalho feito apenas um Projecto meu.» É certo que esta Nota foi redigida em Londres, e mandada aqui apresentar sem alteração. Admirei-me é verdade que se negasse um facto; mas recordei-me depois que dos Diplomaticos póde dizer-se o que um Poeta dizia dos Frades......

Fanno Preti é Frati i lor mestier......

E chi fácil suo mestier fácil suo dover, (Riso)

Poderá negar-se que o Tractado estivesse feito; mas prova-se o contrario, porque na Secretaria dos Negocios Estrangeiros existe o Projecto original apresentado em 15 de Abril de 1838 pelo Plenipotenciario Britannico, á margem do qual estão notadas as alterações feitas sobre cada um dos Artigos, quasi todas escriptas pelo proprio punho do dito Plenipotenciario, e além disto cada uma das suas folhas está rubricada por elle e por mim e por tanto, se ha algum documento que mereça fé em juizo, é certamente este. Parece-me que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não poderia ler duvida em mandar lytrographar este documento acompanhado d'um fac-simile, para desengano dos incrédulos. Notarei ainda que houve uma circumstancia importante: quatro dias antes da sua partida, o Plenipotenciario Britannico apresentou-me um Officio do seu Governo em que se pedia que o trafico da escravatura se declarasse pirataria. Nada seria mais regular do que esta proposta se ella fosse feita no estilo ordinario, mas no mesmo documento se continham asserções injuriosas a Portugal, taes como «que Portugal tinha recebido 600:000 libras como preço da sua cooperação para a total abolição do traficou o que não é verdade. Apesar porém disto, o Governo Portuguez, desejando terminar o Tractado, escreveu ao Encarregado de Negocios que tinha ficado em Lisboa, convidando-o a que obtivesse do seu Governo poderes para assignar o Tractado na parte ajustada, e para tractar do Artigo ainda não convencionado. A resposta foi um Ultimatum, e a exigencia de que fosse acceito e assignado sem alteração e sem demora. O Governo Portuguez não devia acceder a este acto dictatorio; além do que muitas das estipulações inseridas no Ultimatum, como a da perpetuidade do Tractado e outras, tinham sido eliminadas ao Projecto que se havia discutido. Tendo voltado a Lisboa o Ministro Britannico propuz eu que pondo-se de parte o Artigo addicional, que se reservaria para outra occasião, revisemos o que haviamos ajustado, para se fazer alguma reforma que fosse admissivel: a resposta foi que elle não podia assignar Tractado algum que não fosse o Ultimatum que tinha sido mandado de Inglaterra; o que correspondia a uma declaração de que senão queria tractar.

Disse-se aqui tambem que pela Convenção de 1817 estamos obrigados a fazer um Tractado com Inglaterra para a abolição total do trafico da escravatura; isto é exacto, com tanto que o Tractado seja feito de commum accôrdo, como se declara no Artigo separado de 11 de Setembro de 1817, o qual previne tambem o caso de não haver commum accôrdo. Por tanto se se apresentam exigencias em, que não possamos concordar, segue-se que não ha accôrdo e por conseguinte que não estamos obrigados á fazer aquelle Tractado; não sendo então nós quem obsta á sua conclusão, mas sim a outra parte que apresenta propostas que não podem ser admittidas. (Apoiados).

Agora pelo que respeita á declaração feita pelo nobre Duque na sua Nota de 10 de Julho de 1835 de que, depois da separação do Brasil, o trafico da escravatura feito por Portuguezes se achava abolido segundo a doutrina da Convenção de 1817, é isso exacto; mas não o é a inferência que daquella Convenção se tem querido tirar de que por ella os cruzadores Britannicos tem direito de fazer aprezamentos ao Sul de Equador. (Apoiado).

Isto é o que eu neguei sempre e que ainda nego. E que não existe tal direito para os cruzadores Britannicos prova-o tambem a insistencia do Governo Inglez em exigir o Tractado; prova-o a necessidade em que julgou achar-se de apresentar ao Parlamento um bill para que os seus cruzadores podessem fazer presas ao Sul da Linha, a fim de os salvar perante os proprios tribunaes Britannicos se nelles fossem accusados. Os proprios juizes Britannicos da Commissão mixta da Serra Leoa, reconhecerá isto mesmo. Elles, em Abril de 1838, escrevendo a Lord Palmerston, e referindo-se ao Decreto Portuguez de 10 de Dezembro de 1836, diziam: «que a abolição (do trafico) feita por Portugal, apenas póde obrigar os seus proprios subditos, e que por isso nenhum poder a addicional accresce á Grã-Bretanha; por a ser certo que o trafico da escravatura, em qualquer extensão, póde ainda ser practicado por navios Portuguezes ao Sul da Linha, com a perfeita inpunidade, pelo que diz respeito aos a cruzadores Britannicos, os quaes não gozam.(hoje de maior direito para capturar aquelles navios em latitudes meridionaes, do que tinham quando o trafico era permittido pela a Lei Portugueza.» Digo pois que o principio estabelecido pelo nobre Duque no dito Officio é exacto para os Portuguezes, porque Portugal não tem já Possessões transatlanticas, e que pela Lei Portugueza os criminosos devem ser punidos; mas em quanto á visita e aprezamento dos navios, nenhuma Nação estrangeira tem direito a isso, em quanto por um Tractado expresso o Governo Portuguez lho não consentir.

Terminarei dizendo, que darei o meu voto de approvação a fim Tractado em que se estipule que elle poderá ser revisto no fim de dez ou de doze annos; que prohiba os cruzadores Britannicos de continuarem a commetter os actos de pirataria que effectivamente estão hoje commettendo; (apoiados) que prohiba os mesmos cruzadores de continuarem na practica de lançarem as tripulações dos navios capturados nas Ilhas de S. Thomé e Principe, o que corresponde a metter nellas bandos de faccinoros; que assegure e proteja a navegação costeira das nossas Colonias Africanas; que designando estas Possessões, não deixe occasião a que se pretenda, como o tem feito os Commissarios da Serra Leoa relativamente á Ilha Portugueza de Bolama, que tal ou tal localidade pertence a Inglaterra (apoiados). Mas não sendo assim, é menor mal que o bill tenha todos os seus effeitos, embora sejam capturados illegitimamente navios com bandeira Portugueza, e julgados por tribunaes Britannicos; conservaremos o direito, e a justiça de reclamar e protestar contra a arbitrariedade: mas se fizermos um Tractado perpetuo, se abdicarmos os nossos direitos, nem reclamar nos seria dado, porque então se nos diria que fomos nós mesmos que subscrevemos a taes condicções.

Sr. Presidente; ainda que eu julgo que pelos Tractados senão poderá conseguir a extincção do infame trafico da escravatura, porque entendo que isso só se poderá obter abolindo-se a escravidão na America e nos mais logares para onde se exportam negros, visto que os traficantes, excitados pelo interesse, hão de ter sempre astucia para illudir todos os embaraços que se lhes oppozerem; penso com tudo que, apesar disso, convém que se façam Tractados para a perseguição do trafico, por differentes razões, e sobre todas, como uma medida politica, para, em resultado della, as nossas Colonias Africanas se poderem tornar agricolas, o que senão conseguirá em quanto nellas senão tiver a consciencia de que não é possivel continuar o trafico. É debaixo deste ponto de vista que eu julgo que para Portugal são uteis os Tractados sobre este objecto (Apoiados).