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DIARIO DO GOVERNO.

E não fallaria sobre elles se o que acabou de dizer o nobre Senador o Sr. Visconde de Sá, não me obriga-se a fazer algumas observações. - Não era só pela razão de eu approvar a doutrina destes dous paragraphos, que entendia não ser necessario dizer cousa alguma, mas tambem por julgar que nada poderia accrescentar ao que tão habilmente produziu na ultima Sessão o meu nobre amigo e parente o Sr. Duque de Palmella, que apresentou a questão estrangeira com tal clareza, que é impossivel deixar de conhecer que a marcha que indicou é aquella que convem sempre seguir. – Sr. Presidente, com pesar tenho visto divagar muito sobre a questão do trafico da escravatura, e sobre a das relações entre Portugal e Inglaterra, posto que não deixasse de observar que o nobre Senador que acaba de fallar não impugna a conveniencia de estabelecer boas relações com Inglaterra; e que o nobre Visconde de Sá declarasse que tinha os mesmos desejos. Direi porém, Sr. Presidente, que me parece que a recordação de factos historicos, só para fazer recriminações, não é o meio de facilitarmos o conseguimento daquelle fim. Penso que nos deviamos occupar principalmente do modo de sahir do embaraço em que hoje nos achâmos. Confessam todos que não póde haver outro, senão o de fazermos um Tractado; e para isso pareceu-me que a marcha que havia a seguir era declarar francamente que podiamos fazer taes concessões, mas que além dellas não podiamos ír. (Apoiados).

Sr. Presidente, tendo-me eu pronunciado tão decididamente contra o bill, não necessito dizer que não tomarei neste ponto a defeza de Lord Palmerston conto seu auctor. Como Portuguez desejo que se sustente a dignidade propria da Nação Portugueza. Mas convem que nos mostremos animados de espirito de justiça, e que se não possa por tanto dizer que não reconhecemos que Lord Palmerston durante toda a nossa luta contra a Usurpação prestou valiosos serviços á nossa Causa. (Apoiados).

Se elle tivesse feito executar com todo o rigor as Leis Inglezas, era muito provavel que não se podesse ter verificado a expedição, da qual Portugal tão importantes resultados tirou.

Reparei que S. Ex.ª o Sr. Visconde de Sá estranhou que eu dissesse, que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836 tinha feito mais mal do que bem: eu explico a minha idéa. Nesse tempo existia a Convenção de 1817, a qual estava em vigor, e no Artigo separado dessa Convenção já se anticipava o caso da total abolição do commercio da escravatura; porque elle diz que logo tinha logar a total abolição do trafico da escravatura para os subditos Portuguezes, se adoptarão nesse estado de cousas os principios da Convenção. Em virtude desta estipulação, convinha entrar logo em negociação com a Inglaterra, e concluir com ella um Tractado áquelle respeite; porque de fado por aquelle Decreto cessava o trafico dos negros ao Sul do Equador, e tinhamos renunciado, por assim dizer, a toda a reserva que continha a Convenção para aquelle firo, e para que não fossem apresados os nossos navios ao Sul do Equador. Esse Decreto pois deu um argumento muito forte ao Governo Inglez, para nos obrigar a fazer um Tractado, e tambem lhe serviu de argumento para affirmar que nós não eramos sinceros, porque pouco depois houve conhecimento da Circular do Marquez d'Aracaty, que mostrou que o Decreto não era executado. Faço inteira justiça ao Marquez, não só pelo que toca ao seu caracter, mas á sua inteireza e probidade. (apoiados). E persuado-me que só a força das circumstancias o obrigou a publicar essa Circular; porém o facto é que não teve ordem para a supprimir, e que fundando-se nas circumstancias que motivaram aquella Circular, o Sr. Visconde de Sá pediu a garantia das nossas Colonias. Eu não entro na questão da maior ou menor utilidade da garantia, posto que concorde com o que disse o nobre Duque na precedente Sessão a este respeito; só exponho os motivos pelos quaes eu disse que o Decreto fez mais mal do que bem, visto que até se indicou que da sua execução perigava a existencia das nossas Colonias.

Tambem o nobre Senador Visconde de Sá tocou em passaportes: porém seja-me licito observar, que do abuso que se possa fazer do uso de um passaporte, dado por S. Ex.ª, por mim, ou por outro qualquer Ministro da Marinha, não podemos nós ser responsaveis, por ser até impraticavel o poder previnir esse abuso em portos remotos.

O nobre Visconde de Sá observou tambem, que depois da publicação do Decreto tinham mudado as circumstancias, e que por isso não tinha podido seguir a negociação que estava em discussão, e talvez a ponto de assignar-se. Não posso concordar com elle, porque era facil alterar esses Artigos, que citou na conformidade do Decreto. Mas o Sr. Visconde propoz uni Tractado debaixo de principios inteiramente differentes daquelles do Tractado que estava negociado, e sobre o qual não havia questão alguma, apenas restava fixar deffinitivamente a redacção do Artigo sobre a mudança de domicilio dos Colonos.

São estas, Sr. Presidente, as principaes explicações que eu queria dar, e nada mais accrescentarei para não cançar a attenção da Camara.

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, esta discussão tem sido já muito extensa, e é com repugnancia e receio, que de novo entro nella, porque terno cançar a Camara, sobre tudo quando me lembro de que já na Sessão passada, ella teve a tolerancia de me ouvir por muito tempo relativamente a esta materia; entretanto como o assumpto é de si da maior importancia, e de uma importancia tanto real e de interesse, como de honra, não será inutil talvez que ressoe no Paiz o que se tiver dito nesta Camara a tal respeito, por isso peço desde já desculpa se eu fôr um pouco mais prolixo do que desejaria ser.

Fiz na ultima Sessão a minha diligencia para trazer a discussão a um ponto util, e á questão pratica, e para pôr de parte todas as cousas inuteis, e todas a» declamações: vejo com muita satisfação, que a Camara esta concorde em votar os paragraphos, e tambem que os illustres oradores que tam fallado nesta materia, tanto de um, como de outro lado da Camara, movidos todos por puros sentimentos de patriotismo, e pelos desejos do bem do Paiz, tem tractado esta questão com uma urbanidade, que quasi não deixa marcada a linha de separação entre as duas opiniões (Apoiados).

É facil, Sr. Presidente, encontrar na nossa historia uma quantidade de motivos para nos queixarmos de Nações estrangeiras, e mais a biela daquellas com as quaes temos tido mais contacto; isto é da natureza das cousas: as nossas relações de alliança com a Inglaterra, datam do principio da Monarchia, as nossas queixas e desavenças tem a mesma duração: é tambem natural que no contacto de duas Nações, uma mais numerosa, e outra menos forte, os motivos de queixa estejam mais do lado da segunda, que da primeira; entretanto de nada nos serve agora recorda-los, tanto mais, que estamos de accôrdo sobre a conveniencia, ou direi mais, uma vez que se hajam de buscar allianças estrangeiras, sobre a necessidade de buscar aquella que mais nos convenha, e até me parece que se procurassemos novas allianças, seria muito difficil o encontra-las, porque no estado actual da Europa, é provavel que as nossas offertas não tivessem muito bom resultado; porém esse não é ocaso. Eu julgo que o maior serviço que se póde fazer ao Paiz, e o de expor aqui a verdade, e expô-la sem receio, e tambem sem desejo de captar popularidade, o que decerto não attribuo a nenhum dos Membros desta Camara; creio, que nisto se mostra tanto patriotismo, quanto se manifesta encarando as questões, só debaixo do aspecto que nos póde ser favoravel; creio, que isto é o que compete aos homens distado, e que quanto mais duras forem as verdades, maior é o serviço, que se faz ao Paiz, se se expenderem com franqueza.

A questão agora já não é a do passado, porque essa pertence á historia, mas é (como em outra Sessão observei) a do futuro; e a do futuro é a seguinte: ou havemos de permanecer na situação anomala em que estamos hoje, ou fazer um Tractado com a Inglaterra, ou havemos de ter uma ruptura, uma especie de guerra com essa Potencia. Para fazer o Tractado é preciso vêr se podemos, ou não concordar nas condições que nos querem impôr, mas tambem elevemos pôr em obra todas as diligencias para obter condicções toleráveis, a fim de evitar inconvenientes que são conhecidos, e sobre tudo o da prepetuidade dos artigos regulamentares do mesmo Tractado, que eu considero como o maior estorvo para a sua conclusão. É de esperar que alguma cousa se consiga, e se senão conseguisse competia então ao Governo o resolver, senão obstante isso, assim mesmo convem passar pelas duras exigencias que se aos fazem, e assignar o Tractado, ou se expor-nos a uma das duas contingencias que acabo de indicar, isto é, de continuarmos na estada actual, sofrendo o nosso commercio na Costa d'Africa, todos os estorvos e avarias que effectivamente soffre, sem o nosso Governo ter a possibilidade, nem de o proteger, nem mesmo de exigir, que se lhe dê conta das affrontas que recebe, porque (observarei agora de passagem) tanto direito tem os Inglezes, no momento actual, de apresar um navio cheio de escravos, como tem para proceder do mesmo modo a respeito de outro, que navegue para aquella Costa com carga licita; quero dizer, não tem direito, nem. para uma, nem para outra cousa (apoiados). É então de que serve estarmos a pedir explicações por cada caso em particular sobre essas presas! Convenho que haja, ou possa haver maiores, ou menores excessos da parte dos Cruzadores Inglezes, e maiores, ou menores falsidades na accusação; o direito do Governo Portuguez em pedir explicações, e fazer protestos, é o mesmo, ou o navio seja empregado no trafico da escravatura, ou não: por isso é uma exigencia desnecessaria, perguntar ao Governo se pediu satisfação á Inglaterra, quando foi mettido a pique o navio Columbino; tão illegal é este caso, como o do apresamento de uma embarcação carregada de escravos, que navegasse d'Angola para o Brasil; os Inglezes não estão authorisados para isso, por Tractado algum comnosco, e similhantes procedimentos são attentatorios da independencia da Corôa de Portugal, e affrontosos para a nossa bandeira.

Convem por tanto examinar (como dizia) se no caso de senão poder obter modificação alguma nas condições exigidas, se é melhor deixar subsistir esse estado de cousas, ou declarar a ruptura completa, e acabar por ter a guerra. Attrevo-me a predizer (e para isso não creio, preciso ser um grande propheta) que seja qual fôr o arbitrio que adoptemos, o resultado virá a ser afinal o mesmo, e que a questão, ou com guerra, ou sem guerra, hade acabar pela conclusão de um Tractado, que pouca differença terá do que nos foi apresentado; e portanto conveiu decidir se é preferivel termina-lo desde já, ou chegar á mesma conclusão depois do uma longa, inutil e prejudicial demora. Poderá ser honrosa a nossa resistencia posto que não faltará tambem quem a tache talvez de quixotismo, mas em todo o caso teria sido conveniente não deixarmos chegar o negocio a esta dura alternativa: a publicação do bill não veio como um raio, porque foi annunciada muito tempo antes ao Parlamento Britannico, e teria sido prudente o fazerem-se antes serias reflexões sobre os seus resultados: quando isto digo, estou longe de accusar os illustres Membros das Administrações passadas de falta de bons desejos, de falta de deligencias, e menos ainda de applicar a minha asserção á Administração do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que já achou o bill promulgado: (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Por modo nenhum) muito longe estou tambem de accusar as intenções da Administração do seu nobre antecessor; mas, como acontece a todos os homens, elle póde ter-se enganado....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A pedra póde-se deitar a todos os Ministerios de 1815 para cá.

O Orador: — Não sei o que isso venha para o caso: eu deito-a áquelles que se acharam no dilemma, de ceder ás exigencias d'Inglaterra, para a conclusão do Tractado, ou de verem promulgar o bill, e então não se póde applicar a muitas Administrações. Entendo, que se poderiam ter aproveitado occasiões de ter assignado um Tractado mais conveniente (apoiados), o que tendo-se perdido, ou por fatalidade, ou por qualquer outra causa, convinha, e cumpria aos homens, que se achavam ao leme do Estado, vêr se se poderia fazer um sacrificio duro e penoso, antes do que expor o Paiz aos males a que ficou exposto pela injuria publica, e grandissima que recebeu, e pela grande difficuldade em que estava de se ressentir, e vingar della. Não ha muitos annos ainda, que um Ministro d'Estado Francez foi elogiado, e abençoado pela Nação inteira, por ter tido coragem, fazendo o nobre sacrificio dos seus sentimentos, de pôr a sua assignatura n'um Tractado, pelo qual a França renunciava a todas as conquistas da revolução e do Imperio; e fê-lo desempenhando o seu dever, e não são raros os casos em que o Ministro d'Estado deve sacrificar o seu amor-proprio, e a sua popularidade, quando reconhece, que assim o exige a salvação, ou mesmo o bem do seu Paiz.

Para dar alguma ordem ás observações que me restam, a submetter á consideração da Camara, seguirei o discurso do nobre Senador o Sr.