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DIARIO DO GOVERNO.

Visconde de Sá, segundo alguns apontamentos que tomei.

Começou S. Ex.ª dizendo que os Inglezes tinham gasto muitos annos para abolirem o trafico da escravatura, o que é de notoriedade publica, e o que não admira, visto saber-se o sacrificio que nisso faziam, e o tempo que é necessario para fazer mudar as idéas de uma Nação, e mesmo para lhe fazer abraçar as cousas mais justas e verdadeiras quando são contrarias aos seus habitos e aos prejuisos entre ella estabelecidos. Sobre isso ha a observar que nós, ha talvez quarenta annos, mas trinta pelo menos, estamos avisados de que o trafico não podia ser perpetuo; e então tinhamos tido tempo para nos prepararmos, e se o não aproveitámos devemos imputa-lo a nós mesmos, mas creio que estamos preparados. Entretanto não será alheia do assumpto a observação de que uma parte da imprensa Portugueza, não entendendo bem esta questão, não se convencendo da nossa verdadeira posição, deu mais de uma vez, ou antes continuamente, logar a que os Inglezes possam accusar-nos de que não era sincero o nosso desejo de abolir o trafico, porque a mim lembra-me (e não haverá aqui ninguem que se não lembre) de ler immensos artigos tendentes a provar que com isso era impossivel a conservação das nossa Coloniais, que os Inglezes queriam apoderar-se dellas, e mil outras cousas verdadeiras ou falsas, mas que sendo verdadeiras o menos que mostraram era que em Portugal se não queria o trafico abolido.

Fallou-se no Tractado de Methuen. — Não é tempo de entrar n'uma longa analyse ou dissertação sobre este Tractado, e só repetirei a observação que já aqui fiz ha pouco tempo, isto é, que quando existem relações entre dous Paizes, quasi sempre ambos se queixam, e difficil será encontrar um contracto dessa natureza entre duas partes, em que cada uma dellas se não julgue lesada; por tanto se pensamos que o Tractado de Methuen nos causou prejuisos, são innumeraveis os escriptores Inglezes, que pensam o mesmo pela sua parte; o meio mais facil de decidir esta questão seria tentar agora, se houvesse essa curiosidade, a renovação daquelle Tractado; eu não sei se isso seria desejavel para Portugal, mas posso dizer á Camara que havia de achar uma repugnancia invencivel da parte de Inglaterra. — Disse o Sr. Visconde de Sá que o Tractado de Methuen nos reduziu á necessidade de sermos uma Nação agricola, e por consequencia pobre: isto parece-me um pouco contra producentem se fossemos uma Nação agricola, por essa mesma razão deviamos ser uma Nação commerciante, porque é innegavel que o genero principal da nossa cultura é para exportar, o que se não faz senão por meio do commercio. O que é facto é que, um Tractado nunca póde ser util para uma das partes, se não fôr util para ambas; por tanto o que desejo e espero é que Portugal não faça Tractado algum de commercio com qualquer Potencia, que não seja sobre um pé verdadeiro, e não nominal, de reciprocidade, e que se não possa reputar util para ambas, e não pése exclusivamente sobre uma dellas, como o Tractado de 1810. Por esta occasião direi, como entre parenthesis, que esse Tractado foi feito por um dos Ministros mais patriotas e illustrados que tem tido Portugal, mas que, achando-se no Brasil, negociou, tendo mais em vista as relações do Brasil com a Inglaterra, do que as de Portugal, cuja conservação parecia talvez então precaria. Esse Tractado continha um artigo, pelo qual nos era inhibido alterar os direitos dos generos de producção Ingleza importados nos nossos Dominios; mas, apesar desta e de outras estipulações pouco vantajosas para nós, esse Tractado foi impugnado em Inglaterra por toda a gente! Não será fóra de proposito que eu diga nesta Camara, o que já foi dito n'outra parte por uma pessoa, que foi Membro das Administrações passadas, e é que o Decreto de [...] de Dezembro de 1836 tinha sido premeditado e preparado no tempo da Administração de que eu tive a honra de ser Presidente, e acha-se a prova disto nas Actas dos Conselhos de Ministros; a pessoa a quem me referi é um dos Ministros posteriores á revolução de Setembro, o Sr. Julio Gomes da Silva Sanches, que me fez essa justiça. A razão por que esse Decreto se não promulgou nessa época, foi porque julgámos que era intempestivo antes da conclusão, do Tractado, receiando alguns inconvenientes que apontei, outro dia, e aos quaes se respondeu; mas deixarei de fallar mais nisso, porque é inutil, e sómente quiz dizer que o Decreto já estava preparado.

Eu não avancei que esse Decreto não tivesse sido executado em parte nenhuma; receio que o não fosse muito, porém basta que o não fosse em alguma parte para justificar o que eu já tive occasião de expressar, isto é, que elle tinha sido intempestivo, porque deste modo se fornecia um argumento á parte contraria.

Em quanto ao Marquez de Aracaty, que ninguem atacou, é inteiramente inutil tomar a sua defeza o Marquez de Aracaty era homem de muita probidade, e capacidade, como todos reconhecem; obrou candidamente neste negocio, mostrando que não podia cumprir o Decreto, e assim offereceu armas aos nossos antagonistas: foi isto o que aqui se disse, nem de modo algum se quiz denegrir a memoria do Marquez.

Disse o nobre Visconde de Sá, que nem todas as forças maritimas das Nações do mundo poderiam acabar com o trafico da escravatura; isso é verdade, e talvez que esse trafico se não possa completamente acabar nunca, mas de nada importa para o caso de que se tracta: nós unicamente estamos obrigados a empregar -os meios ao nosso alcance a fim de reprimir ou diminuir esse trafico quanto possivel seja, e se ainda não obstante os nossos esforços elle continuar a subsistir, não se podem exigir de nós milagres, mas isso em nada diminue as obrigações em que se acham os dous Governos. Disse tambem o nobre Visconde, que ha uma casa na Havana, que se occupa em forjar passaportes, e principalmente passaportes Portuguezes (disse S. Ex.ª): em outra Sessão disse eu, que todos os navios que se empregam neste trafico, entre a America e a Africa, tem bandeira Portugueza (porque eu creio que não póde haver muito trafico licito entre o Brasil, e as nossas Possessões Africanas; e por tanto quasi todos os navios, que vão do Brasil para Africa, ou da Africa para o Brasil, são negreiros carregados de escravos, ou que os vão buscar). Ora o Sr. Visconde de Sá disse mesmo, que havia emprehendedores que lhes forneciam os passaportes: agora pergunto eu, qual será a razão porque esses emprehendedores preferem á bandeira Portugueza a outra qualquer? O motivo que eu suspeito é obvio: é porque os escravos sahem das nossas Possessões Africanas, que desgraçadamente produzem aquelle fructo (como disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa), e portanto indo com a bandeira Portugueza é-lhes mais facil aproximarem-se a ellas, e allegados pretextos para essa viagem, e o risco de condução dos escravos a bordo é menor, porque o tempo da viagem é de menos duração. Creio ser esta a razão porque se prefere a nossa bandeira ás outras, e porque sobre ella recahe uma nodoa maior do que devia recahir: mas a Camara observará, que isto mesmo dá occasião aos Inglezes, dá-lhes tal ou qual fundamento para exigirem de nós algumas concessões que não exigiram das outras Nações. Com isto respondo tambem ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que perguntou, outro dia, a razão porque a Inglaterra deseja impor-nos condições mais duras do que a outros Paizes: é porque as nossas circumstancias differem das delles, e por isso que é mais facil navegar-se com bandeira Portugueza naquelles mares, e que muitos traficantes se aproveitam desta facilidade para se empregarem neste contrabando; e então não se póde negar, que esta consideração dá aos Inglezes, pelo menos, um argumento forte para exigirem de nós condições mais rigidas, mas é verdade, que tambem nos dá a nós um argumento forte, de que eu espero se sirvam SS. EE. os Srs. Ministros da Corôa para insistirem na clausula da não perpetuidade do Tractado, e sobre tudo pelo que toca á parte regulamentar sobre o modo de se verificar a visita e detenção dos navios suspeitos. Esta visita praticada á saída dos nossos proprios portos, e com relação, nossos navios, é mais vexatoria que quando se applica aos navios Dinamarquezes, checos, ou de outras Nações que navegam longe dos seus portos. Por tanto o argumento, é mister confessa-lo, serve para ambas as partes.

Sr. Presidente, a Diplomacia é uma sciencia desgraçada, e não se lhe póde quasi nunca fazer justiça porque na sua essencia e preventiva, e não curativa; quando ella é habilmente conduzida, quando prospera, quando obtem os seus fins, quasi todo O mundo o ignora; o seu principal objecto tende a conservar o socego, evitar desordens, e ás vezes a obter vantagens; mas por meios quasi sempre desconhecidos ao publico, e ao tempo mesmo em que ella faz os maiores serviços, é quando costuma ser mais denegrida, porque é sempre facil censurar, e porque, sem revelar circumstancias que a maior parte da gente ignora, ou não avalia sufficientemente, não tem os necessarios meios de defeza: pelo contrario, quando os negocios estão mal parados, quando os Paizes correm algum risco nos seus interesses, ou na sua existencia, exigem-se da Diplomacia impossiveis, porque se exige della que consiga aquillo que só sé póde alcançar pela força. Destas observações farei applicação a algumas das questões que por incidente se apresentaram nesta discussão, e, como a historia da nossa Diplomacia moderna, é pouco conhecida, a Camara me relevará se eu divagar um pouco.

O nobre Senador, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, fez menção de Olivença, que nos não foi restituida pelo Tractado de París; e da nossa posição no Congresso de Vienna farei uma curta digressão para esclarecer estes factos. A restituição de Olivença não podia entrar no Tractado de París, e era muito difficil entrar no Tractado de Vienna. No Tractado de París figuraram só duas partes contractantes, por um lado a França vencida, e pelo outro toda a Europa reunida pelos vinculos de uma alliança. Olivença estava nas mãos de Hespanha, e não nas de França; e no Tractado de París estipulava-se sómente sobre as restituições que a França deveria fazer daquillo que as águias de Napoleão haviam arrebatado a diversas Nações, de modo que nesse Tractado sómente se examinou o que a França deveria ceder: ora, como disse, Olivença estava nas mãos de Hespanha, que era uma das partes ás quaes, nós nos achavamos unidos para dispor sómente das conquistas que se arrebataram á França e teria sido impossivel persuadi-la a que largasse uma possessão que lhe tinha sido cedida; formalmente por um Tractado com Portugal.

Eis-aqui a razão por que Olivença nos não foi restituida, quando se fez o Tractado de París.

Eu não tive parte alguma nesse Tractado, cheguei lá depois de concluido; mas devo fazer justiça ao Plenipotenciario que alli se achava, a ou se tractasse disso, ou não, ter-lhe-ía sido impossivel obter a restituição de Olivença a Portugal, porque não ha um só artigo daquelle Tractado em que se estipulasse a entrega de cousa alguma que não seja das possessões que a França tinha conquistado.

No Congresso de Vienna houve mais tempos discutiu-se sobre esta questão; e como Portugal tinha alli poucos interesses desta naturezas a tractar, os seus Plenipotenciarios fizeram atitas diligencias, e creio que as que são humanamente possiveis, para se estipular a restituição de Olivença; e conseguiram que n'um artigo do Tractado (que fórma parte do Codigo do Direito Publico da Europa) -se declarasse positivamente que todas as Potencias reconheciam o direito da Corôa de Portugal a Olivença, para que essa Cidade e seu territorio fosse restituido pela Hespanha a Portugal - Ora a Hespanha fazia parte do Congresso, mas desgraçadamente o Plenipotenciario Hespanhol tinha outra pertenção — queria a restituição dos apanagios da Familia Real de Hespanha na Italia, que eram Parma, Placencia etc, territorios que tinham pertencido á mesma Familia Real, e formavam parte da grande massa que se tinha reconquistado sobre Napoleão, e estava para se repartir por toda a Europa: esta pertenção de Hespanha não se póde arranjar de uma maneira satisfatoria para o Plenipotenciario, e o resultado foi que elle não assignou o Tractado de Vienna, e por, tanto não assignou tambem o artigo que dizia respeito á restituição de Olivença a Portugal; se o tivesse feito constituia a Hespanha n'uma obrigação, pelo menos moral, de nos entregar aquelle territorio. Assim se concluiu o Tractado de Vienna, e se dissolveu o Congresso. Dous annos depois veio a Hespanha a fazer um arranjo satisfatorio, relativamente ás questões dos territorios da Italia; como é sabido, a Viúva de Napoleão ficou de posse do Ducado de Parma, para depois de sua morte passar á Infanta de Hespanha D. Maria Luiza. Esta estipulação foi assignada em Paris por um Plenipotenciario Hespanhol, assim como todas as outras do Congresso de Vienna, vindo por conseguinte a assignar o artigo que tractava da restituição de Olivença a Portugal. - Antes de proseguir, observarei, que este negocio de Olivença tem sido sempre acompanhado da uma fatalidade, porque já em 1810, em Cadiz (fui eu o primeiro Ministro Portuguez que