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CAMARA SOS SENADORES.

15.ª Sessão, em 16 de Julho de 1840.

{Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.° Secretario.)

Tres quartos depois da uma hora da tarde foi aberta a Sessão; estavam presentes 48 Srs. Senadores.

Leu-se a Acta da Sessão antecedente, e foi approvada.

O Sr. Miranda: — O Sr. Macedo não compareceu na Sessão antecedente por falta de saude, e pelo mesmo motivo não comparece na de hoje.

O Sr. Vellez Caldeira: — O Sr. Conde de Terena tambem não está presente pela mesma razão.

Mencionou-se a seguinte correspondencia:

1.° Um Officio do Sr. Senador Ozorio de Castro, communicando que estava incommodado de saude, e por isso não podia comparecer na Camara hoje, nem mais alguns dias. — Ficou inteirada.

2.° Um dito pelo Ministerio da Guerra, incluindo um Mappa que demonstra o estado dos pagamentos do mesmo Ministerio, nos dias 27 de novembro passado, e 26 de Maio ultimo. — Para a Secretaria.

3.° Um dito do vice-presidente do Conselho de Saude Publica do Reino, com o Relatorio dos seus trabalhos, durante o anno proximo passado. — Para a Secretaria.

4.° Um dito do Presidente da Camara Municipal de Lisboa, acompanhando de exemplares da Synopse dos principaes actos administrativos da Camara de 1839. — Foram distribuidos.

O Sr. General Zagallo: — Sr. Presidente, a Commissão de Guerra, achando-se proxima a tractar a parte do Projecto de Regulamento sobre a organisação militar, relativa ao Commissariado, pedia a Camara quizesse convidar o Chefe desta Repartição, o Sr. Luiz José Ribeiro, a fim de assistir ás Sessões da mesma Commissão em que se discutir o referido assumpto.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Não sei se a minha saude me permittirá aceder este convite, entretanto farei a diligencia para ser presente na Commissão.

(A Camara annuiu.)

Havendo o Sr. Presidente deixado a Cadeira, foi interinamente occupada pelo Sr. Secretario Machado, e se passou á Ordem do dia, que era a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno.

Proseguiu o debate sobre os paragraphos 4.º e 5.º conjunctamente, que havia sido adiado na Sessão precedente. (V. Diario N.° 178, a pag. 916) Tinha a palavra

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Quando se apresentou a esta Camara o Projecto de Resposta ao Discurso do Throno, pareceu-me, que os paragraphos 3.° e 4.° estavam de tal maneira redigidos que poderiam ser logo votados: não aconteceu porém assim, e estes dous paragraphos têem produzido uma discussão importante, na qual tendo-se alludido a mim, sou por isso obrigado a dizer tambem alguma cousa em resposta a varias asserções dos nobres Duque de Palmella, Conde de Villa Real, e Ministro dos Negocios Estrangeiros, a fim de esclarecer alguns factos. E se eu referir algum dito, que não seja exactamente a expressão de

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que Suas Excellencias usaram, espero que hão de fazer-me a honra de corrigir-me.

Sr. Presidente, fallou-se relativamente a ser ou não em Inglaterra a opinião, sobre a abolição do trafico da escravatura, uma opinião geral, ou a ser uma opinião de individuos que têem em vista unicamente interesses particulares; em quanto a mim não tenho duvida em asseverar que a opinião em Inglaterra contra o trafico, é hoje gerai e muito popular; sendo o resultado de muitos annos de discussão. Consta que os primeiros ajuntamentos que alli se fizeram para decidir sobre esta questão, tiveram logar em 1761, e foram praticados pelos membros da Sociedade chamada dos Amigos ou Quakers, e nelles se declarou que todos os membros da Sociedade, que fizessem o trafico da escravatura, fossem della excluidos. Na America do Norte aconteceu outro tanto; e na Virginia, então Colonia Ingleza, successivamente passou a legislatura muitos actos para a suppressão do trafico; porém todos foram rejeitados pelo Governo da Metropole. Pelo mesmo tempo teve lugar em Portugal a publicação de um Aliará do Sr. D. José, abolindo a escravidão dos pretos que ainda existiam no Remo, especialmente na Provincia do Alemtejo, e dos que existiam nas ilhas dos Açôres e da Madeira. Poucos annos depois, dous Membros da Camara dos Communs da Grã-Bretanha, Clarkson e Wilberforce, cujos nomes respeitaveis são bem conhecidos, começaram os seus esforços para a abolição elo trafico. Nos annos de 1789 e 1790 a mesma Camara dos Communs, constituida em Commissão geral, examinou todos os factos que se apresentaram relativos ao trafico da escravatura, com o fim de entrar no verdadeiro conhecimento da materia; e em resultado manifestou-se a unanime opinião de que similhante trafico tão devia ser tolerado. E claro por tanto, que estas idéas já estavam generalisadas antes da publicação do acto do Parlamento que abono o trafico em 1807. Fiz estas observações para mostrar, que a opinião em Inglaterra se acha formada por discussões que duram ha mais de 50 annos, lista opinião é geral em toda a população, a qual manifesta a maior sympathia em favor da raça negra. Não quero com tudo dizer que não haja alli, quem explore este sentimento o em proprio proveito, nem que o Governo se não sirva delle para os seus fins. Com todas as cousas se tem especulado, mesmo com a Religião (Apoiado).

Tractando agora dá questão das nossas relações com Inglaterra, direi, que ninguem mais do que eu reconhece que ellas são muito vantajosas para os dous paizes, por differentes causas, que para isso concorrem, como são, as antigas allianças, e importantissimas transacções commerciaes. Portugal consome grandes valores de productos Inglezes, e á Grã-Bretanha é o principal mercado para o consumo do primeiro dos nossos generos (apoiados). A respeito das vantagens dos Tractados de comercio contrahidos entre Portugal e Inglaterra, têem havido pareceres differentes; e como aqui se citou o Tractado de 1703, chamado de Methuen, referirei o que no seculo passado escrevia um auctor Portuguez sobre este objecto. Elle diz que durante o Governo do Sr. D. Pedro 2.°, o habil Ministro Conde da Ericeira erigira as fabricas de Portalegre e da Covilhã, e que o seu progresso fôra tal que nos annos de 1684 e 1685 se achara, que forneciam panos e baetas em quantidade sufficiente para o consumo do Reino e das Conquistas; pelo que foi então prohibida a imposição das ditas fazendas manufacturadas em paizes estrangeiros; que isto durou por mia vinte annos, até que em 1703 se fez o Tractado, pelo qual foi permittida era Portugal a introducção das fazendas Inglezas de lã, a troco da entrada dos vinhos Portuguezes em Inglaterra, pagando um terço menos de direitos de entrada que os vinhos de França. O resultado deste Tractado, secundo o mesmo escriptor, foi a ruina total daquellas fabricas, e que a importação de fazendas Inglezas em Portugal, que antes do Tractado era de 400.000 libras sterlinas por anno, subio depois delle a 1,300.000 libras por anno; e que a exportação de vinhos de Portugal para Inglaterra, que nos quatro annos anteriores ao Tractado andava por 7:800 pipas por anno, apenas subio a 8:000 annuaes nos quatro annos seguintes ao Tractado, Isto mostra os effeitos desse Tractado, relativamente á nossa industria. Elle foi encorporado no Tractado de commercio de 1810.

A verdade é que Portugal quasi que tem estado reduzido a ser uma Nação puramente agricola, e por consequencia a ser uma Nação pobre (apoiados). Precisa-se por tanto ter no futuro toda a cautella, com as transacções que houvermos de fazer com estrangeiros, especialmente sobre Tractados de commercio (Apoiados).

Tambem se disse que todas as Nações da Europa carecem d'allianças. Isto é uma verdade incontestavel; e todas as Nações, tanto grandes, como pequenas as precisam. Se Portugal para a sua defeza tem recebido por vezes o soccorro estrangeiro, tambem a defeza da Grã-Bretanha tem muitas vezes sido feita nos campos de batalha do Continente. E a propria revolução de 1688 que firmou a liberdade da Inglaterra foi devida a Guilherme, Principe de Orange, que lá desembarcou com um exercito de 14:000 Hollandezes. Temos pois direito de applicar tambem aos outros isso que elles dizem de nós (Apoiados).

Voltando á questão do trafico, digo, que durante muito tempo elle foi um dos principaes ramos do commercio da Europa, e especialmente da Grã-Bretanha, onde por elle algumas Cidades se levantaram da insignificância em que jaziam, e se tornaram opulentas; tal por exemplo aconteceu a Liverpool e outras,

Disse o nobre Duque, que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836, tinha sido um erro politico. O nobre Conde, fallando do mesmo Decreto, disse, que elle tinha feito mais mal do que bem. E o illustre Ministro dos Negocios Estrangeiros declarou, que o Decreto não tinha sido executado. Cumpre-me responder a estas asserções.

Sr. Presidente, o Decreto de 10 de Dezembro de 1836, foi uma medida de humanidade, e ao mesmo tempo uma medida de policia colonial. Como medida de humanidade, pareceu á Administração que o publicou, que era mais digno da Corôa de Portugal, o tomar esta medida como só sua, e espontaneamente, do que era o inseri-la em um Tractado; e que isto era mais proprio de Portugal do que imitar o que se fizera no Tractado de Alliança de 1810 no qual se estipulara que a Inquisição não seria estabelecida no Brasil. E como medida de policia colonial, igual razão havia para a tomar, sem que fosse preciso consultar os estrangeiros (apoiados). A opinião das pessoas que compunham a Administração, que publicou o Decreto de 10 de Dezembro, era, que a total abolição do trafico é indispensavel para tornar uteis a Portugal as suas colonias Africanas, para as tornar agricolas e productivas; que por isso convinha muito perseguir por todos os modos, e castigar os contrabandistas com penas muito severas: foi esta a razão porque nesse Decreto se exararam penas tão fortes, esperando-se que com isso se tiraria o pretendido resultado.

Ora, quanto a dizer-se que este Decreto fez mais mal do que bem, devo declarar que não acho exacta esta asserção, porque não vejo em que elle fizesse mal. Se é olhando-o pelo lado relativo ás negociações, não sei como o Decreto as podia intorpecer, pelo contrario, havendo verdadeira vontade de tractar, elle devia facilitar as negociações porque era um grande passo dado pelo Governo Portuguez. Em quanto porém a dizer-se que o Decreto não tinha sido executado, direi, que isso é certo até certo ponto, mas não o é quanto ao todo (apoiados). Sr. Presidente, pelo Decreto de 16 de Janeiro de 1837, determinou-se, que só seriam consideradas embarcações Portuguezas, as que fossem construidas em portos Portuguezes, e as que tivessem navegado até aquella data com bandeira Portugueza: este Decreto foi executado em Cabo-Verde, e em virtude delle e do Decreto de 10 de Dezembro, foram capturados sete ou oito navios, e alli julgados como negreiros. O dito Decreto de 16 de Janeiro foi mandado executar nas Provincias Ultramarinas, com o fim de embaraçar o trafico, apezar de que nellas até então se tinha tirado proveito da concessão feita pelo Codigo de Commercio de podérem ser nacionalisados navios de construcção estrangeira por via de compra, pagando-se de direitos uns tantos por cento do seu custo. Devo porem dizer que de Macau se mandou pedir alguma alteração a esse Decreto, por não ser possivel executa-lo alli em todas as suas partes. Em outras Colonias, por exemplo, em Angola, não se executou o Decreto de 10 de Dezembro, porque o Governador, de accôrdo com os interessados no trafico, não o cumpriu. Sabido isto, o Governo demittiu o Governador, e mandou-o metter em processo, e enviou em seu logar o Vice-Almirante Noronha, com ordem positiva de acabar com o trafico. Para Moçambique, e com o mesmo objecto foi mandado, o Marquez de Aracaty como Governador Geral, e o seu antecessor foi posto em processo. É necessario notar que neste processos feitos naquelles paizes, se torna muito difficultoso provar o crime, porque muita gente é alli interessada no trafico da escravatura; e por isso o Decreto de 10 de Dezembro tem varias disposições que se devem reformar, e eu terei a honra de apresentar a esta Camara um Projecto, para que o Governo fique authorisado a fazer as reformas convenientes, visto que o Governo já deve ter recebido as informações que pedi, quando era Ministro, a tal respeito. Se o Governo fôr authorisado, podera dar mais força ao mesmo Decreto.

Direi alguma cousa agora em especial relativamente ao Marquez de Aracaty injustamente accusado: elle era um homem de grande experiencia, que por largos annos fôra Capitão General no Brasil, e que tendo occupado alli os primeiros Logares do Estado, depois de ter gasto a sua vida no serviço publico, estava pobre, o que era uma prova da sua probidade (apoiados). Foi-lhe offerecido o governo de Moçambique, e conseguiu-se resolve-lo a acceitar. Quando partio mandaram-se ordens para que de Goa fossem remettidos alguns fundos para as despezas de Moçambique; mas tendo fallado a renda do ancião, que se cobrava em Damão, os recursos de Goa diminuiram, e por isso nada se podia d'alli tirar. O Marquez de Aracaty achou em Moçambique os cofies sem fundos, não encontrou meios de supprir aquella falta; considerou que esta traria uma sublevação, de que havia pouco houvera exemplo; e determinou-se por isso a não publicar o Decreto de 10 de Dezembro, declarando publicamente que suspendia a sua execução, e que ía dar parte ao Governo dos motivos que para isso tivera. O Marquez de Aracaty obrou como um homem de bem (apoiados). Mas o Governo não approvou esta sua determinação. Em quanto á communicação diplomatica da Circular do Marquez de Aracaty, direi o que se passou. Tendo chegado a Lisboa a dita Circular por um navio do Rio de Janeiro, enviei copia della ao Plenipotenciario Britannico, com o qual novamente insisti, em que fosse estipulado no artigo addicional um auxilio no caso de revoltas nas Provincias Africanas, produzidas pela suppressão do trafico, auxilio que pelo estado das cousas poderia convir muito a Portugal; em quanto que pela posição das Colonias da Grã-Bretanha, no Cabo de Boa Esperança, na Ilha Mauricia etc. muito facil lhe seria prestar, reduzindo-se a alguns centos de soldados com poucos navios de guerra. Considerei que o proceder do Marquez de Aracaty era mais um motivo para eu insistir na minha proposta, porque um homem tão capaz, e tão honrado que tomava aquella medida, era porque a olhava como o unico meio de evitar uma revolta, e isso era uma prova mais que eu apresentava da necessidade que havia de obter aquella promessa. Esta franqueza não foi interpretada, como eu esperava, e fizeram-se presumpções injustas que é escusado agora mencionar.

Disse-se aqui tambem que o Decreto mostrava que nós não podiamos acabar com o trafico; e eu digo que nem as marinhas todas do Mundo são capazes da o acabar. A Inglaterra, mesmo com todas as suas forças navaes, depois de ter publicado a abolição do trafico da escravatura em 1807, achou que ainda em 1817 se fazia publicamente o trafico na Ilha Mauricia, Colonia sua, apezar dos esforços que, para o supprimirem, fizeram o Governador e o Juiz da Ilha, esforços sem proveito, porque a policia não se atrevia a prender os negreiros, ou se estes eram levados á Justiça, não haviam testimunhas. Posteriormente naquella Ilha os negros, têem sido substituidos por naturaes da India. Ha dous annos existiam lá 28:000 destes trabalhadores, E o proprio Governo Britannico no presente anno, apresentou ao Parlamento um bill para que fosse legalisada a importação na Mauricia dos ditos trabalhadores do Indostão, os quaes naquella Ilha ficam tão livres, como os Portuguezes, que a titulo de Colonos tem ido para o Brasil, aonde por diversas artes ficam; tomo escravos por muitos annos, Alguem diria talvez que por aquelle bill o Ministerio Inglez propunha o restabelecimento d'uma outra sorte de trafico da escravatura. Se pois a Inglaterra por todos os seus meios não póde em dez annos acabar o trafico, n'uma pequena Ilha, com justiça não póde Portugal ser increpado de o não ter acabado em tão pouco tempo. Não posso pois conceber, como o Decreto de 10 de Dezembro possa ser considerado, como tendo obstado a

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concluir-se o Tractado para a abolição do trafico.

Agora relativamente ao que se disse dos passaportes, direi que até é Lei das Pautas os passaportes dos navios mercantes eram passados pela Secretaria d'Estado da Marinha; e depois passaram para a Alfandega. Acontece por isso que ha passaportes de navios Portuguezes que foram assignados pelo Sr. Conde de Villa Real, pelo Sr. Miranda, por mim, e por outros Ministros, e que se apresentam nos navios negreiros, já porque os navios mercantes passaram do commercio licito ao de escravos, já porque os mesmos passaportes passaram para outros navios: outras vezes são inteiramente falsos; Na Havana ha uma casa que se emprega em arranjar passaportes de todas as Nações, umas vezes fabricando-os de novo, outras falsificando os antigos. Nada por tanto significa contra o Governo Portuguez que appareçam taes passaportes.

Fomos accusados tambem de que Authoridades Portuguezas consentiam e eram conniventes no trafico. Eu já disse como o Governo procedeu com as Authoridades da Africa; referirei outros factos que mostram o mesmo espirito. Um individuo Portuguez de Cabo-Verde, alli Consul de Dinamarca, sendo reconhecido como agente dos traficantes do Rio das Gallinhas, e da Havana, foi logo demittido pelo nosso Governo. Outro, chamado Fernandes, Consul de Portugal na Havana, teve igual sorte poucos mezes depois de nomeado, e por motivo similhante. Comtudo seis ou oito mezes depois veiu uma reclamação do Governo Inglez contra o Consul de Portugal na Havana, por se occupar no trafico da escravatura; e era a dita reclamação acompanhada de reflexões moraes relativas ao Governo Portuguez conservar um tal empregado. Examinados os documentos que tinham dado fundamento á nomeação do dito Fernandes para o Logar de Consul, acabou-se, que tendo o Governo Portuguez mandado pedir informações á Havana, as Authoridades informaram que era homem muito capaz, e até o proprio Consul Inglez, alli residente, declarou, que Fernandes era um Cavalheiro de grande respectabilidade, muito proprio para Consul de qualquer Nação naquella Cidade (riso): mandei copias de tudo isto ao Governo Britannico. Esta reclamação mostra a pouca justiça de muitas das accusações que deliberadamente se nos tem feito.

O Governo Inglez accusou tambem do mesmo crime o Consul de Portugal no Rio de Janeiro, João Baptista Moreira; respondi, que convinha que se apresentassem as provas da culpa, e que logo que o Governo tivesse a consciencia de que o homem era peccador, seria demittido, nas que em quanto isto não acontecer e o Governo não devia castigar um Empregado seu, unicamente por uma accusação, que podia ser ou não ser exacta.

Agora passarei a outro objecto. — O nobre Duque lamentou que na negociação do Tractado senão tivesse tomado por base o Projecto sobre que S. Ex.ª havia negociado com Lord Howard. Esse Projecto não se tomou por base, porque isso não era praticavel; conservaram-se muitas das estipulações que tinha feito o nobre Duque, e adicionaram-se outras que pareceram convenientes; mas não se podia adoptar na sua totalidade aquelle Projecto porque as circumstancias tinham mudado. Por elle nós estipulávamos que aboliríamos totalmente o trafico da escravatura, e pelos seus Artigos 2.º e 3.º promettiamos publicar Leis penaes contra os individuos, que se empregassem nesse trafico. Mas depois do Decreto de 10 de Dezembro de 1836, já isso não era necessario, porque elle havia abolido totalmente o trafico, e havia imposto penas aos trangressores. Eis-aqui porque senão podia tomar, por base da negociação, o trabalho de S. Ex.ª Como nesta Camara se tem fallado nestas negociações, devo fazer justiça ao Plenipotenciario Britannico, o qual nas longas conferencias que houve para a discussão do Tractado, mostrou que desejava conciliar, quanto fosse possivel, as circumstancias do nosso Paiz, com as instrucções, que tinha do seu Governo. Quando este Plenipotenciario deixou Lisboa, em 22 de M aio de 1838, a negociação estava tão adiantada que se podia dizer completa; apenas faltava concluir a discussão de um Artigo addicional sobre um soccorro eventual no caso de necessidade, e as propostas feitas de parte a parte, eram taes que, se houvesse uma discussão final, se teriam ajustado: esta discussão final não teve logar, porque o Plenipotenciario partio, mas o Tractado, que com os seus tres annexos constava de 37 Artigos, estava convencionado, e estava-se copiando. Quanto de importante havia no Tractado feito entre Hespanha e Inglaterra, que se tinha tornado por base, se achava adoptado com as necessarias modificações.

Entre os seus Artigos o 14.° era dos mais importantes, porque, achando-se estipulada perpetuamente a abolição do trafico, se deixava por este Artigo o direito de rever e de alterar o Tractado no prazo de dez annos. Nós não devemos subjeitar-nos a Tractados perpetuos, quaesquer que sejam as suas vantagens. Á nossa propria costa temos conhecido que em Tractados, entre uma Nação grande e uma pequena, as interpretações que a primeira póde dar-lhes tornam-se ás vezes mui damnosas á segunda, e quasi que sem recurso para esta: por tanto, é de absoluta necessidade que qualquer estipulação que se faça tenha um praso, mais ou menos extenso, dentro do qual se possa alterar ou modificar. Sem esta clausula eu votarei contra todo e qualquer Tractado, seja de que natureza for, porque, ou pela sua redacção ou pela interpretação que se lhe dá, vem a tornar-se um jugo verdadeiro imposto á Nação menos forte. Tendo-se passado os factos como fica dito não podia deixar de admirar-me ao lêr em uma Nota, dirigida pelo mesmo Plenipotenciario ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, a asserção «que elle não conviera comigo em tal Tractado, nem o poderia ter feito por não estar para isso authorisado pelas suas instrucções, sendo o trabalho feito apenas um Projecto meu.» É certo que esta Nota foi redigida em Londres, e mandada aqui apresentar sem alteração. Admirei-me é verdade que se negasse um facto; mas recordei-me depois que dos Diplomaticos póde dizer-se o que um Poeta dizia dos Frades......

Fanno Preti é Frati i lor mestier......

E chi fácil suo mestier fácil suo dover, (Riso)

Poderá negar-se que o Tractado estivesse feito; mas prova-se o contrario, porque na Secretaria dos Negocios Estrangeiros existe o Projecto original apresentado em 15 de Abril de 1838 pelo Plenipotenciario Britannico, á margem do qual estão notadas as alterações feitas sobre cada um dos Artigos, quasi todas escriptas pelo proprio punho do dito Plenipotenciario, e além disto cada uma das suas folhas está rubricada por elle e por mim e por tanto, se ha algum documento que mereça fé em juizo, é certamente este. Parece-me que o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros não poderia ler duvida em mandar lytrographar este documento acompanhado d'um fac-simile, para desengano dos incrédulos. Notarei ainda que houve uma circumstancia importante: quatro dias antes da sua partida, o Plenipotenciario Britannico apresentou-me um Officio do seu Governo em que se pedia que o trafico da escravatura se declarasse pirataria. Nada seria mais regular do que esta proposta se ella fosse feita no estilo ordinario, mas no mesmo documento se continham asserções injuriosas a Portugal, taes como «que Portugal tinha recebido 600:000 libras como preço da sua cooperação para a total abolição do traficou o que não é verdade. Apesar porém disto, o Governo Portuguez, desejando terminar o Tractado, escreveu ao Encarregado de Negocios que tinha ficado em Lisboa, convidando-o a que obtivesse do seu Governo poderes para assignar o Tractado na parte ajustada, e para tractar do Artigo ainda não convencionado. A resposta foi um Ultimatum, e a exigencia de que fosse acceito e assignado sem alteração e sem demora. O Governo Portuguez não devia acceder a este acto dictatorio; além do que muitas das estipulações inseridas no Ultimatum, como a da perpetuidade do Tractado e outras, tinham sido eliminadas ao Projecto que se havia discutido. Tendo voltado a Lisboa o Ministro Britannico propuz eu que pondo-se de parte o Artigo addicional, que se reservaria para outra occasião, revisemos o que haviamos ajustado, para se fazer alguma reforma que fosse admissivel: a resposta foi que elle não podia assignar Tractado algum que não fosse o Ultimatum que tinha sido mandado de Inglaterra; o que correspondia a uma declaração de que senão queria tractar.

Disse-se aqui tambem que pela Convenção de 1817 estamos obrigados a fazer um Tractado com Inglaterra para a abolição total do trafico da escravatura; isto é exacto, com tanto que o Tractado seja feito de commum accôrdo, como se declara no Artigo separado de 11 de Setembro de 1817, o qual previne tambem o caso de não haver commum accôrdo. Por tanto se se apresentam exigencias em, que não possamos concordar, segue-se que não ha accôrdo e por conseguinte que não estamos obrigados á fazer aquelle Tractado; não sendo então nós quem obsta á sua conclusão, mas sim a outra parte que apresenta propostas que não podem ser admittidas. (Apoiados).

Agora pelo que respeita á declaração feita pelo nobre Duque na sua Nota de 10 de Julho de 1835 de que, depois da separação do Brasil, o trafico da escravatura feito por Portuguezes se achava abolido segundo a doutrina da Convenção de 1817, é isso exacto; mas não o é a inferência que daquella Convenção se tem querido tirar de que por ella os cruzadores Britannicos tem direito de fazer aprezamentos ao Sul de Equador. (Apoiado).

Isto é o que eu neguei sempre e que ainda nego. E que não existe tal direito para os cruzadores Britannicos prova-o tambem a insistencia do Governo Inglez em exigir o Tractado; prova-o a necessidade em que julgou achar-se de apresentar ao Parlamento um bill para que os seus cruzadores podessem fazer presas ao Sul da Linha, a fim de os salvar perante os proprios tribunaes Britannicos se nelles fossem accusados. Os proprios juizes Britannicos da Commissão mixta da Serra Leoa, reconhecerá isto mesmo. Elles, em Abril de 1838, escrevendo a Lord Palmerston, e referindo-se ao Decreto Portuguez de 10 de Dezembro de 1836, diziam: «que a abolição (do trafico) feita por Portugal, apenas póde obrigar os seus proprios subditos, e que por isso nenhum poder a addicional accresce á Grã-Bretanha; por a ser certo que o trafico da escravatura, em qualquer extensão, póde ainda ser practicado por navios Portuguezes ao Sul da Linha, com a perfeita inpunidade, pelo que diz respeito aos a cruzadores Britannicos, os quaes não gozam.(hoje de maior direito para capturar aquelles navios em latitudes meridionaes, do que tinham quando o trafico era permittido pela a Lei Portugueza.» Digo pois que o principio estabelecido pelo nobre Duque no dito Officio é exacto para os Portuguezes, porque Portugal não tem já Possessões transatlanticas, e que pela Lei Portugueza os criminosos devem ser punidos; mas em quanto á visita e aprezamento dos navios, nenhuma Nação estrangeira tem direito a isso, em quanto por um Tractado expresso o Governo Portuguez lho não consentir.

Terminarei dizendo, que darei o meu voto de approvação a fim Tractado em que se estipule que elle poderá ser revisto no fim de dez ou de doze annos; que prohiba os cruzadores Britannicos de continuarem a commetter os actos de pirataria que effectivamente estão hoje commettendo; (apoiados) que prohiba os mesmos cruzadores de continuarem na practica de lançarem as tripulações dos navios capturados nas Ilhas de S. Thomé e Principe, o que corresponde a metter nellas bandos de faccinoros; que assegure e proteja a navegação costeira das nossas Colonias Africanas; que designando estas Possessões, não deixe occasião a que se pretenda, como o tem feito os Commissarios da Serra Leoa relativamente á Ilha Portugueza de Bolama, que tal ou tal localidade pertence a Inglaterra (apoiados). Mas não sendo assim, é menor mal que o bill tenha todos os seus effeitos, embora sejam capturados illegitimamente navios com bandeira Portugueza, e julgados por tribunaes Britannicos; conservaremos o direito, e a justiça de reclamar e protestar contra a arbitrariedade: mas se fizermos um Tractado perpetuo, se abdicarmos os nossos direitos, nem reclamar nos seria dado, porque então se nos diria que fomos nós mesmos que subscrevemos a taes condicções.

Sr. Presidente; ainda que eu julgo que pelos Tractados senão poderá conseguir a extincção do infame trafico da escravatura, porque entendo que isso só se poderá obter abolindo-se a escravidão na America e nos mais logares para onde se exportam negros, visto que os traficantes, excitados pelo interesse, hão de ter sempre astucia para illudir todos os embaraços que se lhes oppozerem; penso com tudo que, apesar disso, convém que se façam Tractados para a perseguição do trafico, por differentes razões, e sobre todas, como uma medida politica, para, em resultado della, as nossas Colonias Africanas se poderem tornar agricolas, o que senão conseguirá em quanto nellas senão tiver a consciencia de que não é possivel continuar o trafico. É debaixo deste ponto de vista que eu julgo que para Portugal são uteis os Tractados sobre este objecto (Apoiados).

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O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, no estado actual da discussão, não seguirei eu o illustre Senador, o Sr. Barão do Tojal, no seu erudito discurso d'historia de Portugal, na qual S. Ex.ª como abelha engenhosa, colheu quanto mel pôde encontrar, para adoçar o Governo e a Nação Britannica. Eu respeito todas as posições sociaes, e não condemnara as predilecções de ninguem. Mas na qualidade de Senador para Senador, direi a S. Ex.ª, com todo o acatamento devido, que ao lado desse mel, que S. Ex.ª achou tão suave, tambem se encontra uma quantidade incalculavel de fel e de absinthio, que os Governos Britannicos nos tem feito tragar e beber (Apoiados).

Sr. Presidente, deixemos os Cruzados, assim como os Inglezes deixam os Allemães, que se estabeleceram em Steel Yard. Nesses tempos românticos, quebrar uma lança contra os Mouros, era uma das acções mais communs da vida, e o soldado que hoje espera uma carga de cavallaria, ou assalta uma bateria, tem mais valor e sangue frio, que cem Cruzados cubertas de ferro e de aço. Se é certo que os Cruzados deram algum auxilio a D. Affonso Henriques, nem elles eram só Inglezes, nem foram sem recompensa. Vamos ao que é positivo.

O primeiro Tractado que Portugal fez com a Inglaterra, foi em 1353; este e alguns Tractados subsequentes, ou foram de pouca importancia, ou sempre mais favoraveis á Inglaterra, do que a Portugal.

Se alguns Inglezes vieram á famosa batalha de Aljubarrota, porque seria? Porque o Mestre foi buscar uma Rainha á Casa de Lancastre, e esta Casa carecia em Hespanha dá espada do Mestre, e da lança de Nun'Alvares. Já antes D. Fernando, o Descuidado, tinha tido não muito que agradecer aos Inglezes, que vieram a Portugal. Porque nesses seculos de Condottieri e Malandrinos, havia em toda a parte um certo numero d'aventureiros, que concorria a toda a parte aonde se pagava. (Apoiados). Cheguemos ao ponto fatídico, ao começo do reinado do Sr. D. João 4.°, da usurpação de Cromwel, e da restauração de Carlos 2.° Que acha o illustre Senador em todos esses Tractados desde 1642 até 1665? A politica e a justiça do Leão. A nossa posição em quanto á Hespanha, foi sempre uma mina, que os Inglezes souberam explorar com mão avara, e desleal. Se o illustre Senador se quizesse lembrar de Luiz da Cunha, e dos esforços que a Inglaterra fez para conseguir por corrupção d'alguem o Tractado de Methuen, levaria a sua predilecção ao ponto de presumir, que um Tractado que destruiu a nossa industria, e entregou aos Inglezes todo o ouro que trouxemos do Brasil, nos havia sido vantajoso. Examine o illustre Senador a boa fé com que tem sido cumprido esse fatal Tractado de 1661, e cubra de bençãos (Portuguez como é) a politica, e a moral que foi, em todas as suas estipulações, em detrimento nosso. Olhe logo para Maim, para S. Thomé, e para Santa Helena Usurpados. Olhe a boa fé com que se executavam os Marahatas a guerrear-nos, etc. etc.

Se o Marquez de Pombal não tivesse existido, o Santissimo Padre, e o Chefe, ou Papa da Igreja Anglicana, tinham absorvido Portugal (Apoiados). Quem nos abandonou em Utrect, em 1715 depois dos sacrificios que haviamos feito por causa da Inglaterra? Quem nos estorvou em Amiens? Quem impedio a rectificação d'um Tractado com o Directorio, que nos teria poupado a guerra de 1801, e tres invasões Francezas? E não foi quando nós vertíamos todo o nosso sangue pela politica, pelos interesses da Gram-Bretanha, que esta Nação foi arrancar das mãos de Ministros incautos, esse funesto Tractado de 1810? - E por esse Tractado não exigiu já a Inglaterra indemnisações injustas, e fundadas apenas, como agora, sobre os affidavits dos reclamantes, titulo inadmittido em Inglaterra? E por fim que premio nos deu a Gram-Bretanha na paz de París? Restituiu o pouco que tinhamos adquirido sem compensação, e sem nosso consentimento!!! Tambem o illustre Senador se extasiará diante deste comportamento do seu fidelissimo alliado? Remittiu a Gran-Bretanha sommas immensas á Alemanha, e a Portugal?! Nem se quer pagou as fabricas, que mandou queimar, e os generos que muitos Portuguezes forneceram bona fide ao exercito Inglez. (Apoiados). No Congresso de Vienna não fallarei diante de S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella, mas parece-me que nós não deveriamos ter perdido Olivença, nem S. Ex.ª deveria ter encontrado tanta resistencia a ser admittido naquelle Congresso. O certo é, que ninguem fez mais esforços para destruir Bonaparte, e ninguem lucrou menos com a destruição daquelle Capitão, graças ao protectorato da Gram-Bretanha. Sr. Presidente, não irei mais longe porque espero que, penhorado pela nobre conducta do illustre Senador, algum Lord do Imperial Parlamento, tome a defeza de Portugal com tanto calor, ainda que não seja com a mesma habilidade, com que o illustre Senador tomou a defeza do Governo Britannico em 14 de Julho de 1840.

Eu tambem preso as allianças com todas as Nações; mas não desejo o dominio de nenhuma (repetidos apoiados). Na minha capacidade particular, ninguem professa mais respeito para com todas as Nações do que eu; mas Como homem publico, como Senador, como Portuguez, finalmente, revoltam-me as iniquidades que o Governo Britannico está praticando contra nós. Sr. Presidente, ninguem présa, ninguem tributa maior veneração do que eu, á memoria dos Sydneys, do Russels, dos Fox, dos Cannings, dos Sheridans, e Wilberforces; ninguem présa e respeita mais do que eu, os serviços, o patriotismo, e os talentos dos Wellingtons, e dos Greys, dos O'Connells, dos Sheels, dos Stanleis, e dos Peeis. Respeito muito o honest Rimei, Lord Melbourn e Lord Palmerston, nas suas capacidades individuaes, mas, como Ministros da Rainha Victoria, não posso senão desejar-lhes mal pelas injustiças que nos tem feito, e pelos males que nos tem causado (Apoiado).

Responderei agora, Sr. Presidente, a alguns pontos que o illustre Senador tocou. S. Ex.ª entende que a separação do Brasil trouxe comsigo a necessidade do Tractado. Quem duvida disto? Mas da necessidade á obrigação de acceitar tudo quanto o Governo Britannico imaginar, vai alguma distancia. (Apoiados). Em Inglaterra o povo está fanatisado pela, abolição: primeiro fizemos nós, o que elles agora desejam; mas porque o povo Inglez está fanatisado, e persuadido do erro capital de que nós recebemos 300,000 libras para abolir o trafico ao Sul do Equador, devemos nós deixar-nos depojar e insultar, e com muita alegria, e reconhecimento. Bella razão! Disse o nobre Senador, que o Governo Britannico queria tirar a Africa do estado de aviltamento em que se acha. Mas porque não applicou o Governo Britannico essas philantropicas intenções á Irlanda, e ao lndostan! Latet anguis in herba...

Alguns oradores tem confundido sempre a materia com a fórma; sobre a materia todos estamos concordes, a questão versa toda sobre a fórma; nós queremos tudo, por exemplo, o que o Governo Britannico exige, menos entregar Subditos da Rainha a tribunaes Inglezes. Temos por nós o Direito, a Constituição, e o exemplo das Nações Europeas. O que dizem a isto os oradores que me combatem? Fogem de responder, mas deixam-no entender.... Bem faz a Gran-Bretanha em insistir á vista de tanta complacencia em nossos Parlamentos.

O illustre Senador estremece de que em Portugal se profira alguma palavra menos sonora aos ouvidos do povo Inglez, mas não me pareceu tão sensivel aos volumes d'injurias, que na Gran-Bretanha se tem proferido contra nós. Oxalá que o Governo, e a Nação tivessem começado a defender-se, e a retorquir ha mais tempo, não se haveriam estendido pela Europa, tantos injustos preconceitos contra Portugal.

S. Ex.ª insinuou, que era mister preferir o commercio Britannico ao commercio com a França; nesse ponto entendo eu tambem, que devemos dar toda a preferencia possivel á Nação, que nos compra vinho, fructa, sal, cortiça, etc. etc. mas não quero que o façamos com deshonra. (Apoiado). Eu tenho uma mui pequena fortuna, mas toda ella consiste em vinhos do Douro; mas quero antes arrancar as vinhas, e queimar os toneis, do que vêr minha patria enxovalhada, porque eu tenha mais uns tostões.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira já esclareceu alguns factos, a que alludiu o Sr. Duque de Palmella na Sessão precedente; eu só responderei a poucas observações, que eu mesmo provoquei hontem de S. Ex.ª

Primeiramente sinto não poder concordar com S. Ex.ª, entendendo que a separação do Brasil nos privasse, antes d'um novo Tractado, explicativo das Convenções de 1817, do beneficio, e direitos que dellas derivávamos.

Em segundo logar, o facto isolado do Marquez de Aracaty, facto que ô Governo desapprovou logo, e communicou Bona fide ao Governo Britannico, se alguma cousa prova é só o proposito firme deste Governo, em suspeitar as intenções mais puras, e as communicações mais leaes do Governo Portuguez. Não foi nesse mesmo tempo demittido, e degradado o Governador de S. Thomé por connivencia, na pratica fraudulenta de conceder passaportes para o trafico. Não foram o Coronel Vidal, Governador d'Angola, e o Major Mello, Governador de Moçambique, postos em processo por suspeitas de connivencia no mesmo trafico. Estes factos por si só não mostravam a boa fé do Governo Portuguez? S. Ex.ª é de opinião que, admittindo logo no principio da sua negociação que a separação do Brasil annullava de facto a unica reserva que se havia estipulado no Tractado de 1815» não fôra esta declaração prematura. E eu sinto muito não poder abraçar a opinião de S. Ex.ª, e tanto mais, quanto é certo, que o Governo Britannico quiz logo depois da negociação com o Sr. Visconde de Sá, illuminar essa mesma palavra de facto.

Eu, Sr. Presidente, que sou militar, entendia que a sciencia de Diplomata se tocava n'um ponto com a sciencia da guerra, que recommenda a defeza do terreno passo a passo; porque para ceder sempre ha tempo. Tambem eu peço ainda licença a S. Ex.ª para dizer, que a concessão feita no Artigo 3.° do seu Projecto de Tractado, depois das estipulações do Artigo 2.º deu, por ventura, occasião ao Governo Britannico a insistir tão offensivamente na exigencia de que nós declaremos pirataria o trafico etc. etc.

Tambem eu não teria convindo em algumas condições do Artigo 5.° que diminuem a fé dos nossos Officiaes de Marinha, Commandantes de comboi: Artigo que o Sr. Visconde emendava. S. Ex.ª entende que o Sr. Visconde de Sá poderia ter deixado de fallar em garantia; mas o argumento, fundado nas razões que S. Ex.ª allegou, prova de mais. A garantia devia ser pedida, attendendo á tendencia do Governo Britannico, para atropellar todos os Tractados com Portugal, em tudo aquillo que póde deixar de ser-lhe mui vantajoso, como fez ao Tractado de Methuen, etc, etc, e da recusa daquelle Governo, tiro eu argumentos para fundar a minha opinião. Tambem S. Ex.ª me pareceu querer ceder na questão de prepetuidade. Entretanto é certo, que o principio de prepetuidade é geralmente condemnado, e que o Sr. Visconde inisistiu bem em querer fixar um periodo para a revisão. Se o Tractado á tout prix é tão urgente, como S. Ex.ª pensa, pena foi que, logo desde a separação do Brasil, os Ministros do tempo senão tivessem occupado delle.

Alludiu S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella, á razão porque temporariamente poderia ter-se tolerado a ingerencia da Commissão Anglo-Brasileira no Rio de Janeiro. Eu mandei protestar em Londres, e no Rio em nome de Sua Magestade, contra certas resoluções daquella Commissão. Além de outras razões, tive tambem motivo para pensar, que uma Ordem do Governo Imperial, ordenando áquella Commissão, que não recebesse embargos dos Portuguezes interessados nos navios apresados, compromettia a independencia da mesma Commissão. Demais a mais aquella Ordem havia sido requerida por Mr. Ouseley, Ministro da Gran-Bretanha no Rio, ao Governo Imperial, e foi logo expedida.

Finalmente, Sr. Presidente, S. Ex.ª o Sr. Duque de Palmella, recorreu muitas vezes a um argumento que eu chamarei ad terrorem, afim de animar os Srs. Ministros a negociar breve, etc. etc. S. Ex.ª concedeu, que as condições eram duras, não sei se admittiu deshonrosas; mas que entre estas e a morte, o primeiro partido era preferivel. Não darei a minha humilde opinião: os Srs. Ministros calcularão o que convém á honra da Corôa, e á delles mesmo. Mas o argumento de S. Ex.ª é mui forte contra o Governo Britannico, que impõem a uma Corôa, antiquissima alliada, e a um povo, a quem deve tanto, condições taes, e tão affrontosas, que lhes não deixam outra alternativa, senão o desdouro, ou a morte! Sr. Presidente, assim argumentou contra o Governo, e Governo da sua propria Nação, um dos primeiros Jornaes do mundo o Times, lançando em rosto ao seu Governo a dura alternativa em que nos collocou. Repito pois, que neste logar, taes argumentos poderão ser mal interpretados.

Sr. Presidente, a discussão vai longa, e eu vou terminar as minhas observações dizendo, que o Ministerio, que fazer um Tractado honroso, terá a minha approvação dentro, e fóra desta Casa. (Apoiados).

O Sr. Conde de Villa Real: — Longe tem sido a discussão a respeito destes dous paragraphos, que todos estão resolvidos a approvar, e

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E não fallaria sobre elles se o que acabou de dizer o nobre Senador o Sr. Visconde de Sá, não me obriga-se a fazer algumas observações. - Não era só pela razão de eu approvar a doutrina destes dous paragraphos, que entendia não ser necessario dizer cousa alguma, mas tambem por julgar que nada poderia accrescentar ao que tão habilmente produziu na ultima Sessão o meu nobre amigo e parente o Sr. Duque de Palmella, que apresentou a questão estrangeira com tal clareza, que é impossivel deixar de conhecer que a marcha que indicou é aquella que convem sempre seguir. – Sr. Presidente, com pesar tenho visto divagar muito sobre a questão do trafico da escravatura, e sobre a das relações entre Portugal e Inglaterra, posto que não deixasse de observar que o nobre Senador que acaba de fallar não impugna a conveniencia de estabelecer boas relações com Inglaterra; e que o nobre Visconde de Sá declarasse que tinha os mesmos desejos. Direi porém, Sr. Presidente, que me parece que a recordação de factos historicos, só para fazer recriminações, não é o meio de facilitarmos o conseguimento daquelle fim. Penso que nos deviamos occupar principalmente do modo de sahir do embaraço em que hoje nos achâmos. Confessam todos que não póde haver outro, senão o de fazermos um Tractado; e para isso pareceu-me que a marcha que havia a seguir era declarar francamente que podiamos fazer taes concessões, mas que além dellas não podiamos ír. (Apoiados).

Sr. Presidente, tendo-me eu pronunciado tão decididamente contra o bill, não necessito dizer que não tomarei neste ponto a defeza de Lord Palmerston conto seu auctor. Como Portuguez desejo que se sustente a dignidade propria da Nação Portugueza. Mas convem que nos mostremos animados de espirito de justiça, e que se não possa por tanto dizer que não reconhecemos que Lord Palmerston durante toda a nossa luta contra a Usurpação prestou valiosos serviços á nossa Causa. (Apoiados).

Se elle tivesse feito executar com todo o rigor as Leis Inglezas, era muito provavel que não se podesse ter verificado a expedição, da qual Portugal tão importantes resultados tirou.

Reparei que S. Ex.ª o Sr. Visconde de Sá estranhou que eu dissesse, que o Decreto de 10 de Dezembro de 1836 tinha feito mais mal do que bem: eu explico a minha idéa. Nesse tempo existia a Convenção de 1817, a qual estava em vigor, e no Artigo separado dessa Convenção já se anticipava o caso da total abolição do commercio da escravatura; porque elle diz que logo tinha logar a total abolição do trafico da escravatura para os subditos Portuguezes, se adoptarão nesse estado de cousas os principios da Convenção. Em virtude desta estipulação, convinha entrar logo em negociação com a Inglaterra, e concluir com ella um Tractado áquelle respeite; porque de fado por aquelle Decreto cessava o trafico dos negros ao Sul do Equador, e tinhamos renunciado, por assim dizer, a toda a reserva que continha a Convenção para aquelle firo, e para que não fossem apresados os nossos navios ao Sul do Equador. Esse Decreto pois deu um argumento muito forte ao Governo Inglez, para nos obrigar a fazer um Tractado, e tambem lhe serviu de argumento para affirmar que nós não eramos sinceros, porque pouco depois houve conhecimento da Circular do Marquez d'Aracaty, que mostrou que o Decreto não era executado. Faço inteira justiça ao Marquez, não só pelo que toca ao seu caracter, mas á sua inteireza e probidade. (apoiados). E persuado-me que só a força das circumstancias o obrigou a publicar essa Circular; porém o facto é que não teve ordem para a supprimir, e que fundando-se nas circumstancias que motivaram aquella Circular, o Sr. Visconde de Sá pediu a garantia das nossas Colonias. Eu não entro na questão da maior ou menor utilidade da garantia, posto que concorde com o que disse o nobre Duque na precedente Sessão a este respeito; só exponho os motivos pelos quaes eu disse que o Decreto fez mais mal do que bem, visto que até se indicou que da sua execução perigava a existencia das nossas Colonias.

Tambem o nobre Senador Visconde de Sá tocou em passaportes: porém seja-me licito observar, que do abuso que se possa fazer do uso de um passaporte, dado por S. Ex.ª, por mim, ou por outro qualquer Ministro da Marinha, não podemos nós ser responsaveis, por ser até impraticavel o poder previnir esse abuso em portos remotos.

O nobre Visconde de Sá observou tambem, que depois da publicação do Decreto tinham mudado as circumstancias, e que por isso não tinha podido seguir a negociação que estava em discussão, e talvez a ponto de assignar-se. Não posso concordar com elle, porque era facil alterar esses Artigos, que citou na conformidade do Decreto. Mas o Sr. Visconde propoz uni Tractado debaixo de principios inteiramente differentes daquelles do Tractado que estava negociado, e sobre o qual não havia questão alguma, apenas restava fixar deffinitivamente a redacção do Artigo sobre a mudança de domicilio dos Colonos.

São estas, Sr. Presidente, as principaes explicações que eu queria dar, e nada mais accrescentarei para não cançar a attenção da Camara.

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, esta discussão tem sido já muito extensa, e é com repugnancia e receio, que de novo entro nella, porque terno cançar a Camara, sobre tudo quando me lembro de que já na Sessão passada, ella teve a tolerancia de me ouvir por muito tempo relativamente a esta materia; entretanto como o assumpto é de si da maior importancia, e de uma importancia tanto real e de interesse, como de honra, não será inutil talvez que ressoe no Paiz o que se tiver dito nesta Camara a tal respeito, por isso peço desde já desculpa se eu fôr um pouco mais prolixo do que desejaria ser.

Fiz na ultima Sessão a minha diligencia para trazer a discussão a um ponto util, e á questão pratica, e para pôr de parte todas as cousas inuteis, e todas a» declamações: vejo com muita satisfação, que a Camara esta concorde em votar os paragraphos, e tambem que os illustres oradores que tam fallado nesta materia, tanto de um, como de outro lado da Camara, movidos todos por puros sentimentos de patriotismo, e pelos desejos do bem do Paiz, tem tractado esta questão com uma urbanidade, que quasi não deixa marcada a linha de separação entre as duas opiniões (Apoiados).

É facil, Sr. Presidente, encontrar na nossa historia uma quantidade de motivos para nos queixarmos de Nações estrangeiras, e mais a biela daquellas com as quaes temos tido mais contacto; isto é da natureza das cousas: as nossas relações de alliança com a Inglaterra, datam do principio da Monarchia, as nossas queixas e desavenças tem a mesma duração: é tambem natural que no contacto de duas Nações, uma mais numerosa, e outra menos forte, os motivos de queixa estejam mais do lado da segunda, que da primeira; entretanto de nada nos serve agora recorda-los, tanto mais, que estamos de accôrdo sobre a conveniencia, ou direi mais, uma vez que se hajam de buscar allianças estrangeiras, sobre a necessidade de buscar aquella que mais nos convenha, e até me parece que se procurassemos novas allianças, seria muito difficil o encontra-las, porque no estado actual da Europa, é provavel que as nossas offertas não tivessem muito bom resultado; porém esse não é ocaso. Eu julgo que o maior serviço que se póde fazer ao Paiz, e o de expor aqui a verdade, e expô-la sem receio, e tambem sem desejo de captar popularidade, o que decerto não attribuo a nenhum dos Membros desta Camara; creio, que nisto se mostra tanto patriotismo, quanto se manifesta encarando as questões, só debaixo do aspecto que nos póde ser favoravel; creio, que isto é o que compete aos homens distado, e que quanto mais duras forem as verdades, maior é o serviço, que se faz ao Paiz, se se expenderem com franqueza.

A questão agora já não é a do passado, porque essa pertence á historia, mas é (como em outra Sessão observei) a do futuro; e a do futuro é a seguinte: ou havemos de permanecer na situação anomala em que estamos hoje, ou fazer um Tractado com a Inglaterra, ou havemos de ter uma ruptura, uma especie de guerra com essa Potencia. Para fazer o Tractado é preciso vêr se podemos, ou não concordar nas condições que nos querem impôr, mas tambem elevemos pôr em obra todas as diligencias para obter condicções toleráveis, a fim de evitar inconvenientes que são conhecidos, e sobre tudo o da prepetuidade dos artigos regulamentares do mesmo Tractado, que eu considero como o maior estorvo para a sua conclusão. É de esperar que alguma cousa se consiga, e se senão conseguisse competia então ao Governo o resolver, senão obstante isso, assim mesmo convem passar pelas duras exigencias que se aos fazem, e assignar o Tractado, ou se expor-nos a uma das duas contingencias que acabo de indicar, isto é, de continuarmos na estada actual, sofrendo o nosso commercio na Costa d'Africa, todos os estorvos e avarias que effectivamente soffre, sem o nosso Governo ter a possibilidade, nem de o proteger, nem mesmo de exigir, que se lhe dê conta das affrontas que recebe, porque (observarei agora de passagem) tanto direito tem os Inglezes, no momento actual, de apresar um navio cheio de escravos, como tem para proceder do mesmo modo a respeito de outro, que navegue para aquella Costa com carga licita; quero dizer, não tem direito, nem. para uma, nem para outra cousa (apoiados). É então de que serve estarmos a pedir explicações por cada caso em particular sobre essas presas! Convenho que haja, ou possa haver maiores, ou menores excessos da parte dos Cruzadores Inglezes, e maiores, ou menores falsidades na accusação; o direito do Governo Portuguez em pedir explicações, e fazer protestos, é o mesmo, ou o navio seja empregado no trafico da escravatura, ou não: por isso é uma exigencia desnecessaria, perguntar ao Governo se pediu satisfação á Inglaterra, quando foi mettido a pique o navio Columbino; tão illegal é este caso, como o do apresamento de uma embarcação carregada de escravos, que navegasse d'Angola para o Brasil; os Inglezes não estão authorisados para isso, por Tractado algum comnosco, e similhantes procedimentos são attentatorios da independencia da Corôa de Portugal, e affrontosos para a nossa bandeira.

Convem por tanto examinar (como dizia) se no caso de senão poder obter modificação alguma nas condições exigidas, se é melhor deixar subsistir esse estado de cousas, ou declarar a ruptura completa, e acabar por ter a guerra. Attrevo-me a predizer (e para isso não creio, preciso ser um grande propheta) que seja qual fôr o arbitrio que adoptemos, o resultado virá a ser afinal o mesmo, e que a questão, ou com guerra, ou sem guerra, hade acabar pela conclusão de um Tractado, que pouca differença terá do que nos foi apresentado; e portanto conveiu decidir se é preferivel termina-lo desde já, ou chegar á mesma conclusão depois do uma longa, inutil e prejudicial demora. Poderá ser honrosa a nossa resistencia posto que não faltará tambem quem a tache talvez de quixotismo, mas em todo o caso teria sido conveniente não deixarmos chegar o negocio a esta dura alternativa: a publicação do bill não veio como um raio, porque foi annunciada muito tempo antes ao Parlamento Britannico, e teria sido prudente o fazerem-se antes serias reflexões sobre os seus resultados: quando isto digo, estou longe de accusar os illustres Membros das Administrações passadas de falta de bons desejos, de falta de deligencias, e menos ainda de applicar a minha asserção á Administração do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que já achou o bill promulgado: (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Por modo nenhum) muito longe estou tambem de accusar as intenções da Administração do seu nobre antecessor; mas, como acontece a todos os homens, elle póde ter-se enganado....

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — A pedra póde-se deitar a todos os Ministerios de 1815 para cá.

O Orador: — Não sei o que isso venha para o caso: eu deito-a áquelles que se acharam no dilemma, de ceder ás exigencias d'Inglaterra, para a conclusão do Tractado, ou de verem promulgar o bill, e então não se póde applicar a muitas Administrações. Entendo, que se poderiam ter aproveitado occasiões de ter assignado um Tractado mais conveniente (apoiados), o que tendo-se perdido, ou por fatalidade, ou por qualquer outra causa, convinha, e cumpria aos homens, que se achavam ao leme do Estado, vêr se se poderia fazer um sacrificio duro e penoso, antes do que expor o Paiz aos males a que ficou exposto pela injuria publica, e grandissima que recebeu, e pela grande difficuldade em que estava de se ressentir, e vingar della. Não ha muitos annos ainda, que um Ministro d'Estado Francez foi elogiado, e abençoado pela Nação inteira, por ter tido coragem, fazendo o nobre sacrificio dos seus sentimentos, de pôr a sua assignatura n'um Tractado, pelo qual a França renunciava a todas as conquistas da revolução e do Imperio; e fê-lo desempenhando o seu dever, e não são raros os casos em que o Ministro d'Estado deve sacrificar o seu amor-proprio, e a sua popularidade, quando reconhece, que assim o exige a salvação, ou mesmo o bem do seu Paiz.

Para dar alguma ordem ás observações que me restam, a submetter á consideração da Camara, seguirei o discurso do nobre Senador o Sr.

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Visconde de Sá, segundo alguns apontamentos que tomei.

Começou S. Ex.ª dizendo que os Inglezes tinham gasto muitos annos para abolirem o trafico da escravatura, o que é de notoriedade publica, e o que não admira, visto saber-se o sacrificio que nisso faziam, e o tempo que é necessario para fazer mudar as idéas de uma Nação, e mesmo para lhe fazer abraçar as cousas mais justas e verdadeiras quando são contrarias aos seus habitos e aos prejuisos entre ella estabelecidos. Sobre isso ha a observar que nós, ha talvez quarenta annos, mas trinta pelo menos, estamos avisados de que o trafico não podia ser perpetuo; e então tinhamos tido tempo para nos prepararmos, e se o não aproveitámos devemos imputa-lo a nós mesmos, mas creio que estamos preparados. Entretanto não será alheia do assumpto a observação de que uma parte da imprensa Portugueza, não entendendo bem esta questão, não se convencendo da nossa verdadeira posição, deu mais de uma vez, ou antes continuamente, logar a que os Inglezes possam accusar-nos de que não era sincero o nosso desejo de abolir o trafico, porque a mim lembra-me (e não haverá aqui ninguem que se não lembre) de ler immensos artigos tendentes a provar que com isso era impossivel a conservação das nossa Coloniais, que os Inglezes queriam apoderar-se dellas, e mil outras cousas verdadeiras ou falsas, mas que sendo verdadeiras o menos que mostraram era que em Portugal se não queria o trafico abolido.

Fallou-se no Tractado de Methuen. — Não é tempo de entrar n'uma longa analyse ou dissertação sobre este Tractado, e só repetirei a observação que já aqui fiz ha pouco tempo, isto é, que quando existem relações entre dous Paizes, quasi sempre ambos se queixam, e difficil será encontrar um contracto dessa natureza entre duas partes, em que cada uma dellas se não julgue lesada; por tanto se pensamos que o Tractado de Methuen nos causou prejuisos, são innumeraveis os escriptores Inglezes, que pensam o mesmo pela sua parte; o meio mais facil de decidir esta questão seria tentar agora, se houvesse essa curiosidade, a renovação daquelle Tractado; eu não sei se isso seria desejavel para Portugal, mas posso dizer á Camara que havia de achar uma repugnancia invencivel da parte de Inglaterra. — Disse o Sr. Visconde de Sá que o Tractado de Methuen nos reduziu á necessidade de sermos uma Nação agricola, e por consequencia pobre: isto parece-me um pouco contra producentem se fossemos uma Nação agricola, por essa mesma razão deviamos ser uma Nação commerciante, porque é innegavel que o genero principal da nossa cultura é para exportar, o que se não faz senão por meio do commercio. O que é facto é que, um Tractado nunca póde ser util para uma das partes, se não fôr util para ambas; por tanto o que desejo e espero é que Portugal não faça Tractado algum de commercio com qualquer Potencia, que não seja sobre um pé verdadeiro, e não nominal, de reciprocidade, e que se não possa reputar util para ambas, e não pése exclusivamente sobre uma dellas, como o Tractado de 1810. Por esta occasião direi, como entre parenthesis, que esse Tractado foi feito por um dos Ministros mais patriotas e illustrados que tem tido Portugal, mas que, achando-se no Brasil, negociou, tendo mais em vista as relações do Brasil com a Inglaterra, do que as de Portugal, cuja conservação parecia talvez então precaria. Esse Tractado continha um artigo, pelo qual nos era inhibido alterar os direitos dos generos de producção Ingleza importados nos nossos Dominios; mas, apesar desta e de outras estipulações pouco vantajosas para nós, esse Tractado foi impugnado em Inglaterra por toda a gente! Não será fóra de proposito que eu diga nesta Camara, o que já foi dito n'outra parte por uma pessoa, que foi Membro das Administrações passadas, e é que o Decreto de [...] de Dezembro de 1836 tinha sido premeditado e preparado no tempo da Administração de que eu tive a honra de ser Presidente, e acha-se a prova disto nas Actas dos Conselhos de Ministros; a pessoa a quem me referi é um dos Ministros posteriores á revolução de Setembro, o Sr. Julio Gomes da Silva Sanches, que me fez essa justiça. A razão por que esse Decreto se não promulgou nessa época, foi porque julgámos que era intempestivo antes da conclusão, do Tractado, receiando alguns inconvenientes que apontei, outro dia, e aos quaes se respondeu; mas deixarei de fallar mais nisso, porque é inutil, e sómente quiz dizer que o Decreto já estava preparado.

Eu não avancei que esse Decreto não tivesse sido executado em parte nenhuma; receio que o não fosse muito, porém basta que o não fosse em alguma parte para justificar o que eu já tive occasião de expressar, isto é, que elle tinha sido intempestivo, porque deste modo se fornecia um argumento á parte contraria.

Em quanto ao Marquez de Aracaty, que ninguem atacou, é inteiramente inutil tomar a sua defeza o Marquez de Aracaty era homem de muita probidade, e capacidade, como todos reconhecem; obrou candidamente neste negocio, mostrando que não podia cumprir o Decreto, e assim offereceu armas aos nossos antagonistas: foi isto o que aqui se disse, nem de modo algum se quiz denegrir a memoria do Marquez.

Disse o nobre Visconde de Sá, que nem todas as forças maritimas das Nações do mundo poderiam acabar com o trafico da escravatura; isso é verdade, e talvez que esse trafico se não possa completamente acabar nunca, mas de nada importa para o caso de que se tracta: nós unicamente estamos obrigados a empregar -os meios ao nosso alcance a fim de reprimir ou diminuir esse trafico quanto possivel seja, e se ainda não obstante os nossos esforços elle continuar a subsistir, não se podem exigir de nós milagres, mas isso em nada diminue as obrigações em que se acham os dous Governos. Disse tambem o nobre Visconde, que ha uma casa na Havana, que se occupa em forjar passaportes, e principalmente passaportes Portuguezes (disse S. Ex.ª): em outra Sessão disse eu, que todos os navios que se empregam neste trafico, entre a America e a Africa, tem bandeira Portugueza (porque eu creio que não póde haver muito trafico licito entre o Brasil, e as nossas Possessões Africanas; e por tanto quasi todos os navios, que vão do Brasil para Africa, ou da Africa para o Brasil, são negreiros carregados de escravos, ou que os vão buscar). Ora o Sr. Visconde de Sá disse mesmo, que havia emprehendedores que lhes forneciam os passaportes: agora pergunto eu, qual será a razão porque esses emprehendedores preferem á bandeira Portugueza a outra qualquer? O motivo que eu suspeito é obvio: é porque os escravos sahem das nossas Possessões Africanas, que desgraçadamente produzem aquelle fructo (como disse o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa), e portanto indo com a bandeira Portugueza é-lhes mais facil aproximarem-se a ellas, e allegados pretextos para essa viagem, e o risco de condução dos escravos a bordo é menor, porque o tempo da viagem é de menos duração. Creio ser esta a razão porque se prefere a nossa bandeira ás outras, e porque sobre ella recahe uma nodoa maior do que devia recahir: mas a Camara observará, que isto mesmo dá occasião aos Inglezes, dá-lhes tal ou qual fundamento para exigirem de nós algumas concessões que não exigiram das outras Nações. Com isto respondo tambem ao Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que perguntou, outro dia, a razão porque a Inglaterra deseja impor-nos condições mais duras do que a outros Paizes: é porque as nossas circumstancias differem das delles, e por isso que é mais facil navegar-se com bandeira Portugueza naquelles mares, e que muitos traficantes se aproveitam desta facilidade para se empregarem neste contrabando; e então não se póde negar, que esta consideração dá aos Inglezes, pelo menos, um argumento forte para exigirem de nós condições mais rigidas, mas é verdade, que tambem nos dá a nós um argumento forte, de que eu espero se sirvam SS. EE. os Srs. Ministros da Corôa para insistirem na clausula da não perpetuidade do Tractado, e sobre tudo pelo que toca á parte regulamentar sobre o modo de se verificar a visita e detenção dos navios suspeitos. Esta visita praticada á saída dos nossos proprios portos, e com relação, nossos navios, é mais vexatoria que quando se applica aos navios Dinamarquezes, checos, ou de outras Nações que navegam longe dos seus portos. Por tanto o argumento, é mister confessa-lo, serve para ambas as partes.

Sr. Presidente, a Diplomacia é uma sciencia desgraçada, e não se lhe póde quasi nunca fazer justiça porque na sua essencia e preventiva, e não curativa; quando ella é habilmente conduzida, quando prospera, quando obtem os seus fins, quasi todo O mundo o ignora; o seu principal objecto tende a conservar o socego, evitar desordens, e ás vezes a obter vantagens; mas por meios quasi sempre desconhecidos ao publico, e ao tempo mesmo em que ella faz os maiores serviços, é quando costuma ser mais denegrida, porque é sempre facil censurar, e porque, sem revelar circumstancias que a maior parte da gente ignora, ou não avalia sufficientemente, não tem os necessarios meios de defeza: pelo contrario, quando os negocios estão mal parados, quando os Paizes correm algum risco nos seus interesses, ou na sua existencia, exigem-se da Diplomacia impossiveis, porque se exige della que consiga aquillo que só sé póde alcançar pela força. Destas observações farei applicação a algumas das questões que por incidente se apresentaram nesta discussão, e, como a historia da nossa Diplomacia moderna, é pouco conhecida, a Camara me relevará se eu divagar um pouco.

O nobre Senador, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, fez menção de Olivença, que nos não foi restituida pelo Tractado de París; e da nossa posição no Congresso de Vienna farei uma curta digressão para esclarecer estes factos. A restituição de Olivença não podia entrar no Tractado de París, e era muito difficil entrar no Tractado de Vienna. No Tractado de París figuraram só duas partes contractantes, por um lado a França vencida, e pelo outro toda a Europa reunida pelos vinculos de uma alliança. Olivença estava nas mãos de Hespanha, e não nas de França; e no Tractado de París estipulava-se sómente sobre as restituições que a França deveria fazer daquillo que as águias de Napoleão haviam arrebatado a diversas Nações, de modo que nesse Tractado sómente se examinou o que a França deveria ceder: ora, como disse, Olivença estava nas mãos de Hespanha, que era uma das partes ás quaes, nós nos achavamos unidos para dispor sómente das conquistas que se arrebataram á França e teria sido impossivel persuadi-la a que largasse uma possessão que lhe tinha sido cedida; formalmente por um Tractado com Portugal.

Eis-aqui a razão por que Olivença nos não foi restituida, quando se fez o Tractado de París.

Eu não tive parte alguma nesse Tractado, cheguei lá depois de concluido; mas devo fazer justiça ao Plenipotenciario que alli se achava, a ou se tractasse disso, ou não, ter-lhe-ía sido impossivel obter a restituição de Olivença a Portugal, porque não ha um só artigo daquelle Tractado em que se estipulasse a entrega de cousa alguma que não seja das possessões que a França tinha conquistado.

No Congresso de Vienna houve mais tempos discutiu-se sobre esta questão; e como Portugal tinha alli poucos interesses desta naturezas a tractar, os seus Plenipotenciarios fizeram atitas diligencias, e creio que as que são humanamente possiveis, para se estipular a restituição de Olivença; e conseguiram que n'um artigo do Tractado (que fórma parte do Codigo do Direito Publico da Europa) -se declarasse positivamente que todas as Potencias reconheciam o direito da Corôa de Portugal a Olivença, para que essa Cidade e seu territorio fosse restituido pela Hespanha a Portugal - Ora a Hespanha fazia parte do Congresso, mas desgraçadamente o Plenipotenciario Hespanhol tinha outra pertenção — queria a restituição dos apanagios da Familia Real de Hespanha na Italia, que eram Parma, Placencia etc, territorios que tinham pertencido á mesma Familia Real, e formavam parte da grande massa que se tinha reconquistado sobre Napoleão, e estava para se repartir por toda a Europa: esta pertenção de Hespanha não se póde arranjar de uma maneira satisfatoria para o Plenipotenciario, e o resultado foi que elle não assignou o Tractado de Vienna, e por, tanto não assignou tambem o artigo que dizia respeito á restituição de Olivença a Portugal; se o tivesse feito constituia a Hespanha n'uma obrigação, pelo menos moral, de nos entregar aquelle territorio. Assim se concluiu o Tractado de Vienna, e se dissolveu o Congresso. Dous annos depois veio a Hespanha a fazer um arranjo satisfatorio, relativamente ás questões dos territorios da Italia; como é sabido, a Viúva de Napoleão ficou de posse do Ducado de Parma, para depois de sua morte passar á Infanta de Hespanha D. Maria Luiza. Esta estipulação foi assignada em Paris por um Plenipotenciario Hespanhol, assim como todas as outras do Congresso de Vienna, vindo por conseguinte a assignar o artigo que tractava da restituição de Olivença a Portugal. - Antes de proseguir, observarei, que este negocio de Olivença tem sido sempre acompanhado da uma fatalidade, porque já em 1810, em Cadiz (fui eu o primeiro Ministro Portuguez que

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tinha ajustado com a Hespanha a restituição desse territorio) havia um Tractado concluido e assignado pelo qual elle nos era cedido, obrigando-se Portugal a entregar certos terrenos que a Hespanha pertendia ao pé de Monte-Video; mas o Tractado não se chegou a rectificar por haver em Hespanha uma mudança de Ministerio. Isto vem a dizer que já desde 1810 eu tinha tractado deste negocio, que então se reputava como perdido e sem remedio. Mas volto a 1817.

Quando a Hespanha tinha assignado o Tractado do Congresso de Vienna, em consequencia do qual não podia deixar de nos restituir Olivença, que havia de acontecer? As nossas tropas invadiram Monte-Video, sem prévio manifesto e sem nenhuma attenção para com o Governo de Hespanha; e então tornamo-nos em logar de auctores réos, porque os Hespanhoes começaram a levantar na Europa um alarido tal que custou muito a acalmar, (este facto é quasi ignorado da Nação Portugueza, e dos contemporaneos que se tem occupado da Diplomacia exclusivamente para censurar e accusar) custou a acalmar, dizia eu, e a evitar a invasão de Portugal pelas forças de Hespanha. Esta queixava-se da invasão de Monte-Video, e como considerava inevitavel a perda das suas Colonias, achava uma occasião excellente para se vir indemnisar em Portugal; sem questão nenhuma o teria feito, e o mais é que o seu desejo era apoiado pela maior parte das Potencias da Europa. Existia então a Commissão das cinco Potencias que dictatorialmente decidia os negocios da Europa; ella disse amen á Hespanha, e ameaçaram o Principe Regente (que então era) de Portugal de invadir este Reino, e de usar do direito de represalias... (O Sr. Barão da R. de Sabrosa: — E tambem o Brasil). No Brasil não havia perigo, o grande perigo era cá. — Para acabar esta historia, direi que fui chamado ao Ministerio dos Negocios Estrangeiros, e recebi plenos poderes para entabolar, antes de ir para o Brasil, uma negociação a vêr se se podia aplanar este negocio: tractou-se disso em Paris perante a Commissão das cinco Potencias, tivemos o apoio de alguma dellas (porque isolados contra todos não poderiamos luctar), e então progredindo a negociação deitou-se agoa na fervura (como vulgarmente se diz), e veio-se a um ajuste arbitrado por essas mesmas Potencias, que foi acceito por Portugal e pela Hespanha, posto que esta não tivesse muita vontade de o acceitar, mas não teria tido outro remedio. Por este ajuste deviamos nós restituir á Hespanha o territorio invadido em Monte-Video menos Maldonado e o paiz adjacente, e a Hespanha devia restituir-nos a nós Olivença, e dar-nos uma indemnisação pecuniaria pelas despezas que tinhamos feito com a Expedição de Monte-Video, que seriam 7 ou 8 milhões de francos, porque nós allegamos que tinhamos lá ido para pôr fóra o Artigos, que commettêra hostilidades contra o Brasil: tambem se estipulou que a restituição só teria logar quando desembarcasse em Monte-Video um Exercito Hespanhol, sufficientemente forte para se sustentar, e garantir as nossas fronteiras de novas hostilidades.

Vou terminar este episodio com uma anecdota bastante curiosa, a qual eu creio que tambem não é muito sabida, e vem a ser, que esta negociação foi a causa immediata da revolução de Hespanha em 1820, porque em Cadiz se reuniu o exercito que devia partir para Monte-Video (esta Expedição era uma das condições sine que non do Tractado), e a reunião das tropas deu logar á conspiração que alli se organisou, a conspiração de Riego, e desta a revolução de 1820 em Hespanha, que foi seguida de muito perto pelo nossa em Portugal; e estas revoluções pozeram termo á questão de Olivença.

Eis aqui a sua historia, e por ella se verá (seja-me licito fazer uma citação Latina) que si Pergama dextra defendi possent, etiam hac defensa fuissent — se tivesse sido possivel arrancar Olivença por negociações diplomaticas, ella teria sido arrancada á Hespanha; mas houve sempre difficuldades. N'uma Sessão em que se tractou desta materia no Corpo Legislativo (creio que ha dous annos) durante a minha ausencia, não tive ahi defensor nenhum, e não tanto por falta de vontade como talvez por falta de conhecimento do negocio; disse-se então, que se tinha perdido uma ultima occasião de alcançar a restituição de Olivença: a occasião a que se alludia era a Convenção que se tinha feito com a Hespanha em 1835, para a entrada das nossas forças naquelle Reino. A mim não me pareceu essa occasião propria para tractar do negocio, porque elle era inteiramente estranho áquillo para que se fazia a Convenção: nesta só Se tractava de cumprir uma das estipulações do Tractado da quadrupla alliança, que a nós nos Convinha tanto, ou mais do que á Hespanha, e era certissimo que se exigíssemos então a restituição de Olivença o Governo Hespanhol não podendo annuir durante a guerra civil a uma tal estipulação, as nossas tropas não teriam ido á Hespanha, e teriamos dado á Fiança e Hespanha o máo exemplo de sermos os primeiros a quebrantar a quadrupla alliança, depois do auxilio que nos prestara a Hespanha para libertar Portugal do Usurpador. Este episodio de Olivença está acabado, e peço perdão á Camara por ter divagado tanto.

As exigencias da Inglaterra tem sido muito duras nesta negociação para a repressão do trafico da escravatura: o assignar-se o Projecto de Tractado enviado a Mr. Jermingham seria cousa talvez nunca vista na Diplomacia, (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Apoiado.) todavia eu entro em duvida se isto mesmo é sufficiente para motivar uma guerra de independencia, póde ser que o seja; in as em todo o caso é uma questão de tão grave importancia, que só poderia ser decidida pela Nação toda, mas nunca o Governo toma-la sobre sr. A respeito da interpretação da Convenção de 1817, de que fallaram os Srs. Visconde de Sá, e Baião da Ribeira de Sabrosa, alludindo á minha Nota dirigida a Lord Howard, pela qual eu reconhecia, que a separação do Brasil nos punha no estado de facto de não podermos continuar o commercio dos escravos ao Sul do Equador; já em outra Sessão expliquei a minha idéa a este respeito; parece-me vantajoso entrar francamente na discussão do Tractado, que assim nos traria mais conveniencias; mas isto é modo de vêr de cada um. A Convenção de 1817 contêm um artigo no qual se estipula, que só nos seria lícito expoliar escravos das nossas Possessões Africanas para o outro lado do Atlantico; ora nós tinhamos perdido essas Possessões da America, por consequencia não tinhamos direito a continuar para alli a remessa dos escravos. Mas daqui não se segue que os Inglezes tivessem direito de apresar os nossos navios: pelo contrario, no artigo addicional da mesma Convenção se dizia que, quando chegasse esse caso previsto, se procuraria entre as duas Potencias concordar em um novo Tractado, cujas estipulações fossem applicaveis ás novas circumstancias, e que, se se não conseguisse, ficaria em pé a Convenção de 1817 por mais quinze annos. Por tanto, a nossa obrigação era tractar com a Inglaterra sobre as estipulações desse novo Tractado; eramos obrigados a tractar, mas não a concordar nas exigencias que nos fossem feitas. Talvez que interpretando-se de outra maneira esse artigo, elle podesse authorisar as pretenções dos Inglezes para deter os nossos navios tambem ao Sul do Equador, mas nunca para os sujeitar a serem julgados por tribunaes Inglezes, que isso não póde ter justificação nem defeza.

O Sr. Visconde de Sá nas condições que poz para (segundo a sua mente, o seu modo dever) se conseguir um Tractado que elle possa assignar, não está em grande divergencia com aquellas que eu mesmo julgo mais convenientes. O nobre Senador contenta-se que haja um certo periodo para a revisão do Tractado; eu tambem considerei esta clausula como a mais importante, porém não sei se essa importancia me levaria ao ponto de dizer — morra-se antes do que ceder desta condição. — A outra estipulação, que julgou necessaria, é a demarcação das nossas Possessões Africanas: mas ellas estão demarcadas o mais exactamente que é possivel, uma por uma, quero dizer, os gráus de latitude em que começam e acabam tanto na costa oriental, como na occidental; tudo isto se acha na Convenção de 1817, e mesmo estão demarcadas aquellas de que a Corôa Portugueza não tem posse actualmente, mas sobre as quaes se reserva direito. Então que necessidade ha de uma nova declaração a este respeito? Essa declaração sendo inteiramente inutil no Tractado com Inglaterra, acho-a util naquelle que se houver de celebrar com a França, porque os Francezes pretendem a posse de uma parte dos nossos territorios da Africa, do que espero hão de desistir, quando lhe mostrarmos a evidencia do nosso direito. Os Inglezes pretenderam, ha dez ou onze annos, estabelecer-se na Bahia de Lourenço Marques, e em outros pontos da Costa Oriental da Africa: é preciso saber que nós temos alli muito poucos estabelecimentos, um ou dous insignificantes fortes, e a posse nominal de alguns portos; aquella Bahia é muito fertil, e tem bons ancoradouros, convinha por isso aos Inglezes, e n'uma viagem de exploração feita por um dos seus mais distinctos Officiaes de Marinha, calcularam-se as vantagens da posse de alguns pontos, e com effeito os Inglezes tentaram estabelecera naquellas paragens, e chegaram mesmo a fazer alguns Tractados para esse fim com aquelles Regulos, mas constando isso ao nosso Governo foram-me expedidas para Londres, aonde eu então me achava como Embaixador, ordens e documentos para disputar essa pretensão, a qual effectivamente disputei até antedatando uma Nota, que foi a ultima, dirigida ao Governo Inglez depois da usurpação da Corôa de Portugal, e quando já tinham cessado as minhas communicações com Portugal: como acabo de dizer, antedatei essa Nota, com o fim de fazer um serviço ao meu Paiz, na discussão desse negocio, o qual creio que não foi mal defendido, porque os Inglezes até agora desistiram do seu intento, e nós vamos ganhando tempo conservando a nossa posse nominal; e a este respeito receio que estejamos como o cão do jardineiro — que não come, nem deixa comer. Isto como questão de direito póde sustentar-se, mas como questão de facto não se podera sustentar para sempre; senão soubermos tirar para o futuro mais proveito das nossas Colonias do que temos tirado até agora, é inutil estarmos a brigar contra as Nações, que dellas querem tirar algum partido.

Alludiu o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa a um facto; que; já está contraprovado, que é a arguição, feita pelos Inglezes a Portugal, de que nós tinhamos recebido dinheiro de Inglaterra para abolirmos o trafico ao Norte do Equador. É innegavel que nós recebemos uma consideravel quantia de dinheiro, mas não foi para isso, e sim para indemnisar o nosso commercio dos presas feitas injustamente, porque o que se está fazendo agora com bill, fazia-se então sem bill, com a differença de que os tribunaes Inglezes não podiam então, segundo as Leis, julgar aquelles navios de boa presa. Agora a nossa posição peiorou muito! — Sr. Presidente, as negociações vão bem ou mal, direi tas ou tortas, segundo a direção que se lhe sabe dar; nisso é que consiste a arte da Diplomacia, que se reduz a uma tactica, é perciso aproveitar as occasiões, e evitar as collisões principalmente quando não ha certeza de poder saír dellas, sendo melhor ás vezes ingulir uma pirula amargosa, sem se mostrar ressentido, do que parecer offendido, e não poder vingar-se. (Apoiados).

Sobre a concessão de que o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa me accusou ter enfeito aos Inglezes, direi que isso não era mais do que um artigo do projecto, que não chegou a ser assignado, e que não sei mesmo se o seria daquella maneira, bem entendido que era só relativamente á repressão do trafico da Escravatura, ou, por outra, que o Decreto de Dezembro de 1836 seria feito de uma maneira analoga ás leis Inglezas, que reprimem o mesmo trafico. Não vejo que essa concessão podesse fornecer armas contra nós, visto que o Tractado não foi assignado, nem rectificado, e se elle o tivesse sido, tambem nos não importava nada fornecer essas armas, porque dellas se não poderiam servir em causa nenhuma contra nós.

Disse-se tambem que a Commissão mixta Ingleza e Brasileira não servia de nada, porque está prompta a obedecer em tudo aos mandados do Ministerio Inglez. Já em outra Sessão expliquei que essa Commissão nunca podia conhecer dos casos de apresamento de navios Portuguezes se o nosso Governo não quizesse, porque na sua mão estava o nomear, e mandar para o Brasil os seus Commissarios: mas o Tractado não se assignou, e por tanto se essa Commissão conhece de algumas causas de navios Portuguezes, é sem authorisação de ninguem, e porque as partes se quererão sujeitar a ella.... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Tem protestado muitos). Se tem protestado, é porque não ha lá authoridade que nos represente, pois a Commissão mixta Ingleza e Brasileira não tem authoridade de os julgar; a não ser que se prove, como algumas vezes se tem provado, que essa propriedade Portugueza é imaginaria, porque os navios suppostos taes, são Brasileiros: poderiam tambem apresentante alguns casos daquelles ambiguos, e por isso eu dizia outro dia que, vindo-se a as-

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signar o Tractado, era cousa muito util uma Commissão mixta das tres Nações — Portugueza, Inglesa, e Brasileira, e isso talvez se podesse ainda fazer.

Sr. Presidente, infelizmente não será esta a ultima occasião de se tractar nesta Camara das nossas relações com Inglaterra, porque ainda ha aqui um paragrapho da Resposta ao Discurso do Throno, que naturalmente dará logar a discussão: se alguma causa omitti do que parecia essencial a dizer, não pelo que respeita ao Tractado, mas pelo que toca ás nossas relações com Inglaterra, peço licença para me reservar a fallar nessa occasião. Agora resta-me pedir desculpa á Camara de ter divagado demasiadamente, mas pertencendo o episodio sobre Olivença á nossa historia diplomatica contemporanea, julguei que não seria desagradavel á Camara a narração que lhe fiz de muitos factos pouco conhecidos. (Apoiados).

Concluirei dizendo que é de desejar se faça o Tractado, e nisto todos estão concordes; se da parte de Inglaterra houver exigencias imperiosas e offensivas, de tal maneira que se não possam conceder sem grave prejuiso, ou sem desdouro evidente da Corôa Portugueza, ou dos que assignarem o Tractado, nesse caso deve resistir-se, e correr todos os riscos de uma contenda desigual, e succumbir nella, se fôr inevitavel: mas accrescento que na decisão desta gravissima questão, isto é, em conhecer se as concessões pedidas são de todo inadmissiveis, ou se na escolha dos males a annuencia será o menor, ou se a recusa pertinaz nos expõe, quasi com certeza, a um desdouro por fim ainda maior; essa decisão, digo, é de tal gravidade, que não deve ser dirigida pelas paixões, nem por um falso prejuiso de amor proprio nacional, mas por uma séria e firme analyse da questão toda, e pelo exame da nossa posição: e maior serviço considero eu que se faz Á Nação em sacrificar considerações de popularidade momentanea, para a ajudar a saír deste terrivel passo, do que em sacrificar a vida n'uma lucta, cuja terminação não poderia deixar de ser fatal, e o resultado funesto para a nossa Patria! (Apoiados prolongados.)

(Vozes: — Votos. Votos).

O Sr. Visconde de Porto Côvo: — Eu peço a V. Ex.ª queira consultar a Camara sobre se considera a materia sufficientemente discutida. (Apoiados). -

Sendo logo consultada, decidiu affirmativamente.

Foram postos seguidamente á votação os paragraphos 4.º e 5.°, e ficaram ambos approvados.

O Sr. Presidente interino deu para Ordem do dia a eleição da Mesa, e a continuação da discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno: fechou-se a Sessão pouco antes das cinco horas da tarde.

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