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DIARIO DO GOVERNO.

que não me consta que houvesse absolutamente uma petição de rogativa, ou de intervenção a nenhuma Potencia da Europa: apresentou-se uma declaração, fazendo conhecer a uma Nação alliada, com que nos temos sempre achado ligados, que não era só do nosso interesse, mas tambem do Governo Britannico defendel-as Possessões de Portugal. E com isto parece-me ter satisfeito ao que desejava saber o nosso Presidente.

O Sr. Castro Pereira: — Como o meu nobre e antigo amigo o Sr. Duque de Palmella, dirigiu uma interpellação aos Membros que foram das Administrações passadas, relativamente ás negociações que tem havido com a França, ácerca da Casa-Mansa, tenho a responder a S. Ex.ª que em todo o tempo em que tive a honra de dirigir a Repartição dos Negocios Estrangeiros, não se tractou de tal materia. Verdade e que o Sr. Barão de Bois-le-Comte, que então era Ministro de França aqui, mostrou desejos de concluir comnosco um Tractado, para a extinção do trafico da Escravatura; mas como eu lhe declarasse do querer primeiro tractar com a Inglaterra, com quem estivera já um Tractado a ponto de terminar-se; elle me respondeu, que o Ministro Inglez lhe tinha declarado, não ter duvida alguma em consentir, que se fizesse a negociação primeiramente com a França. Eu porém insisti, manifestando ao Ministro de França, razões as de dever e de conveniencia, para dar neste negocio a precedencia á Inglaterra; e elle apreciando as razões em que eu me fundava, desistiu por então da sua pertenção.

É esta a explicação que eu entendi dever dar para satisfazer á pergunta do nobre Duque de Palmella.

O Sr. Duque de Palmella: — Ainda que a hora está adiantada, peço todavia a indulgencia da Camara, e serei tão breve quanto possa.

Em quanto á questão, que é o Tractado com a França, já se tem dito tudo o que ha a dizer, e apenas poderia agora repetir o que disse ha poucos momentos, isto é, que julgo ser muito util, que nesse Tractado se insira a demarcação das nossas Possessões ao Norte do Equador, mas sendo talvez impraticavel, convém então examinar se nessa hypothese se deve abandonar o Projecto de Tractado com a França, a respeito do trafico da Escravatura, e no caso de nisso senão convir, não acho indispensavel a demarcação para o objecto do mesmo Tractado. Muito bem observou o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que pouco, ou nenhum interesse tinhamos em concluir esse Tractado, e alguns outros da mesma natureza; porque realmente vem a ser uma questão de palavras, não resulta delles nem grande bem, nem grande mal, e é mais possivel que resulte mal do que bem (Apoiado): por tanto, o Tractado com a França a unica vantagem que teria, seria dar-nos occasião a que se assignasse um acto formal dessa natureza, com uma Potencia de primeira ordem, cujas boas disposições é sempre conveniente cultivar; e se a França mostrar grande desejo nisso, póde fazer-se o Tractado como um acto de politica para captar a sua benevolencia, com tanto, que d'ahi não resulte o inconveniente de excitar alguma outra Potencia, que tenhamos mais interesse de contemplar.

Mencionou o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa o que se tinha dito nesta Camara, relativamente a um Projecto de Tractado de commercio com os Estados-Unidos, e perguntou se o negociador Americano renunciava á pertenção da concessão, ou a igualar os navios daquella Nação com os nossos, assim no commercio directo como no indirecto. A isto não julgarão talvez responder os Srs. Ministros, visto achar-se a negociação pendente. Eu digo, que na minha opinião tal concessão senão deve fazer, e se fosse um sine que non da parte do Plenipotenciario Americano, votaria porque tal Tractado senão fizesse. Nada accrescentarei a este respeito, porque o assumpto ha de ser aqui tractado em outra occasião mais a proposito.

Dirigi uma pergunta aos illustres Membros que aqui se acham, e fizeram parte das Administrações posteriores a 1836, sobre o que se tinha passado ácerca das negociações de Casa-Mansa, o, se para terminar as nossas desavenças com a França, nesse tempo se buscou a intervenção de alguma outra Potencia, Pelo que ouvi ao Sr. Visconde de Sá, e mesmo pelo que ouvi ao Sr. Presidente do Conselho, manifesta-se que alguma cousa houve; e até me parece que o primeiro destes nobres Senadores claramente dissera que se tinha pedido. Não foi com animo de censurar esse procedimento, se elle tivesse tido logar, que eu fiz a pergunta, mas sim e unicamente para me aproveitar da resposta a fim de produzir uma observação, e é, que a maior parte das vezes são inuteis essas tentativas de mediação, e que muito nos conviria acharmo-nos em circumstancias de prescindir dellas, porque serão sempre, ou quasi sempre recusadas quanto mais as necessitarmos.

Eu tenho já abusado bastante da paciencia da Camara, hontem principalmente divaguei muito; aproveitando-me do privilegio das pessoas que se aproximam a uma idade avançada, e lembrando-me de que fui attendido com tanta benevolencia, desejaria ainda me fosse continuada, permittindo-se-me saír fora da questão

(Vozes: — Falle, falle).

Os velhos são sempre o que delles disse uni grande escriptor ha muitos seculos, laudalor temporis anti; isso está na humanidade: comtudo não intento elogiar o tempo passado, e menos ainda tecer o meu proprio elogio. Procurando ha algum tempo varios papeis relativos a umas reclamações que se tinham feito á Inglaterra, durante uma das minhas missões em Londres, achei um Officio escripto lia vinte e quatro annos, e cuja leitura me parece não será de todo inutil neste momento, porque coutem muitas cousas apropriadas talvez ao tempo presente: tenho na mão o original delle, porque pedi m'o confiassem na Societária dos Negocios Estrangeiros, por isso que os meus papeis, em consequencia de emigrações e vicissitudes por que leiu passado a minha vida, estão um pouco em confusão.

Naquelle tempo soffremos insultos dos Cruzadores Britannicos, da mesma especie do que temos soffrido nestes ultimos tempos, e pela mesma causa, isto V, a malfadada questão da escravatura: além disso, a Inglaterra tinha, havia pouco, terminado a guerra com os Estados-Unidos. Um navio de guerra Inglez tinha apresado uma embarcação Americana na Bahia do Fayal, e havia mesmo causado perjuizo á povoação; por este e por outros insultos de igual natureza, pedi satisfações, como Representante do Governo Portuguez, e tive a fortuna de as obter plenas e completas. Eu já disse hontem que a historia da nossa Diplomacia moderna é pouco conhecida em Portugal, e quasi que o que se sabe della, é só por alguns libellos escriptos, sempre por espirito de partido, e dictados pelas pertenções, e pelas paixões. Longe de querer comparar pigmeus com gigantes, direi todavia que não foi só no tempo da Administração do Marquez de Pombal, que se obtiveram satisfações do Governo Inglez; e para o provar, passarei a lêr alguns documentos daquelles a que me referi há pouco.

O Orador leu então o seguinte

Officio.

«Tenho a satisfação de remetter inclusas a V. Ex.ª com as letras B. C. D. E, copias de duas Notas, que recebi de Mylord Castlereagh, e das replicas que julguei necessario dirigir-lhe. Por estes documentos verá V. Ex.ª que ficam, por quanto é possivel, sanados os insultos commettidos contra a independencia do territorio Portuguez pelo Capitão Lloyd na ilha do Fayal, e por Sir J. Yeo na Ilha do Principe. Em quanto ao primeiro consente este Governo, além da satisfação que deu por escripto Lord Castlereagh, a indemnisar os damnos causados aos moradores da Villa da Horta pelo fogo da Esquadra Britannica. A segunda satisfação ainda é mais completa, pois que o Proprietario do Navio apresado receberá a competente indemnisação, e Sir James Yeo foi asperamente reprehendido pelos Lords do Almirantado em uma Carta de que Lord Castlereagh me remetteu copia. Parece-me que a publicação destas duas solemnes reparações offerecidas pela primeira Potencia maritima do mundo seria agradavel á Nação Portugueza, e decorosa para Sua Magestade El Rei Nosso Senhor, que deste modo mostra aos seus Vassallos que sabe resentir-se dos insultos commettidos mesmo pelos Governos os mais poderosos, e conservar a dignidade da sua Corôa. Remetti por tanto aos Redactores do Investigador os sobreditos documentos, ordenando-lhes de os publicar por extracto no seu Numero do mez de Dezembro, de modo porém que não pareça que se publicam officialmente as proprias Notas identicas, o que poderia talvez offender ao Governo Inglez, e é mesmo contrario aos usos ordinarios da diplomacia. Espero que Sua Magestade se digne approvar a resolução que tomei, em virtude destas ultimas Notas, de me dar por satisfeito com a reparação offerecida, pois que vistas as disposições manifestadas pelo Ministerio Britannico, pareceria affectação o insistir sobre outras queixas de menor gravidade, que ainda talvez restariam, tanto mais que a cessação da guerra, e os ajustes da Convenção de 28 de Julho dão logar de esperar que se não renovem os attentados contra os quaes, com tanta justiça, reclamamos até agora.

«Se V. Ex.ª se dignar considerar o som de energia e de singelesa com que, nas minhas Notas a Mylord Castlereagh, me expliquei ácerca dos insultos que os officiaes da Marinha Britannica cometteram contra nós, achará nellas um contraste bastantemente singular com o estylo de doçura e de conciliação, em que são concebidas as respostas do sobredito Ministro. Faço esta observação para provar, que podêmos e devemos fallar com firmeza ao Governo Britannico sempre que tivermos a razão e a justiça pela nossa parte, e que uma lat firmeza, longe de nos ser nociva, é até necessaria para conservar a estimação deste Governo. Citarei ainda, a este mesmo respeito (se me é licito uma tal liberdade) a correspondencia que tive em Cadiz com Sir H. Wellesley ácerca dos Direitos da Rainha Nossa Senhora, e as contestações com Mylord Castlereagh no Congresso de Vienna. Julgo porém, que ao mesmo tempo, que devemos sustentar invariavelmente as causas, em que a nossa justiça é clara, não nos convem azedar inutilmente este Governo, o unico Alliado que temos na Europa, pois que a Austria, em razão da sua posição mediterranea, de pouco pode servir-nos! Fui induzido a fazer esta digressão pela leitura de alguns dos officios, que hoje remetto a sêlo-volante do Ministro de Sua Magestade em Berlim, nos quaes (a meu vêr, sem razão nenhuma) aquelle Ministro participa, que procurava, nas suas conferencias com o Ministerio Prussiano, inspirar desconfiança sobre o projecto de mediação proposta pela Gram-Bretanha para reconciliar a Hespanha com as suas Colonias, o qual tem já obtido a approvação de quasi todos os outros Gabinetes. Não pretendo discutir agora aquella questão, que nenhuma relação tem com o assento deste officio; mas sómente indicar, muito a meu posar, e porque assim me julgo obrigado a fazê-lo, que esta especie de azedume dos nossos Ministros contra a Gram-Bretanha, não deve manifestar-se imprudentemente, tanto mais que, para quem conhece o espirito que actualmente prevalece na Alliança das cinco Potencias maiores da Europa, é evidente, que estas debeis tentativas de nada servem senão para indispor os Inglezes contra nós; porque as grandes Potencias, por uma especie de ajuste tacito, se sacrificam mutuamente os interesses das menores; e de certo não haverá nenhuma dellas que faça o menor esforço para nos livrar da influencia que a Inglaterra faz pesar sobre nós. O unico e verdadeiro modo de nos libertar dessa influencia deve-se procurar em nós mesmos; e se não precisar-mos da Gram-Bretanha nem para soccorros maritimos, nem para soccorros pecuniaros, nem para defender Portugal contra Hespanha, poderemos então estar bem certos, que a nossa independencia será respeitada por esta, como o é a dos Estados-Unidos da America. A prosperidade e a força interior da nossa Monarchia, a reanimação de seu Commercio e da sua Marinha, devem ser as bases; o sacudir a influencia de Inglaterra será a consequencia indubitavel destas: qualquer tentativa na nossa politica exterior, se não precederem as sobreditas bases, será sempre baldada.

«Queira V. Ex.ª perdoar-me o modo por que tenho divagado; acostumado, por inclinação e por systema, a manifestar sempre francamente, nos meus officios, o meu modo de pensar, julgo-me ainda mais obrigado agora a mostra-lo abertamente para merecer, ao menos por esse titulo, a confiança do Nosso Augusto Soberano. Julgo tanto mais conveniente esta explanação, por quanto a minha conducta, desde que fui instalado na missão de Londres, poderia, á primeira vista, indicar que eu tenho para esta Nação aquella especie de parcialidade que entre nós se qualifica — de partido Inglez. — Protesto porém a V. Ex.ª que eu me julgaria criminoso se nos negocios que Sua Magestade se digna confiar-me me deixasse guiar por qualquer inclinação que não seja a do Patriotismo Portuguez, e do bem do seu Real serviço, e para isso comecei por fazer a enumeração dos meus titulos Anti-Inglezes. É verdade que achando, quando aqui cheguei, que prevalecia o maior azedume entre os dous Governos, que as nossas negociações se complicavam de um modo espantoso, e que perdia-mos a Alliança da Gram-Bretanha ao mesmo tempo que as nossas discussões com a França, Hes-