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DIARIO DO GOVERNO.

CAMARA DOS SENADORES.

16.ª Sessão, em 17 de Julho de 1840.

(Presidencia do Sr. Duque de Palmella — continuada pelo Sr. Machado, 1.° Secretario.)

PELA uma hora e tres quartos da tarde foi aberta a Sessão; presentes 49 Srs. Senadores.

Lida a Acta da precedente, ficou approvada. Mencionou-se

1.º Um Officio da Presidencia da Camara dos Deputados, acompanhando uma mensagem da mesma, que incluia um Projecto de Lei sobre conceder-se á Baroneza de S. Cosme, Viuva do General deste nome, a pensão annual de quatrocentos mil réis. — Passou á Commissão de Guerra, não se approvando um requerimento do Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa para que o mencionado Projecto se mandasse imprimir com urgencia no Diario do Governo.

2.° Outro dito da referida Presidencia, que acompanhava uma dita incluindo um Projecto de Lei sobre serem extensivas a diversos Officiaes Militares as disposições da Convenção de Evora-Monte. — Á mesma Commissão.

Passando-se á Ordem do dia, teve logar a eleição da Mesa.

Para Presidente, em escrutinio de 46 listas, foram dados os votos, ao diante, aos seguintes

Srs. Duque de Palmella.......... 33

Leitão.......................... 8

Conde de Terena................. 2

Barão da Ribeira de Sabrosa..... 1

Conde de Villa Real............. 1

Serpa Machado................... 1

Ficou por tanto reeleito Presidente o Sr. Duque de Palmella.

Seguiu-se o escrutinio para vice-presidente, e apuradas 46 listas, foram votados do seguinte modo os

Srs. Patriarcha eleito........... 31

Castro Pereira................... 7

Leitão........................... 5

Visconde do Sobral............... 2

Serpa Machado.................... 1

Sendo por isso reeleito vice-presidente o Sr. Patriarcha Eleito.

Votou-se depois para Secretarios, e apuraram-se 47 listas desta maneira:

Srs. P. J. Machado..... 34 Reeleitos

Conde de Mello......... 30 Reeleitos

Pinto Basto............ 12

A. Castello-Branco..... 9

Votos perdidos......... 9

Finalmente para Vice-Secretarios obtiveram, em 46 listas, os seguintes votos os.

Srs. J. Cordeiro Feyo... 32 Reeleitos

J. T. d'Aguilar......... 29 Reeleitos

A. Castello-Branco...... 10

Pinto Basto............. 9

Votos perdidos.......... 12

Continuando a discussão do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno (V. Diario N.º 181, a pag. 934), foi lido o

§. 6.° A Camara dos Senadores espera com respeito as informações que Vossa Magestade se dignou prometter-lhe ácerca das occurrencias importantes que induziram o seu Governo a enviar um Plenipotenciario á Côrte de Londres, confiando que ellas terão uma terminação satisfatoria, e decorosa.

Disse

O Sr. Presidente: — Antes de abrir a discussão sobre a materia deste paragrapho, queria observar á Camara que, segundo toda a probabilidade, o Governo não póde deixar de apresentar um Relatorio sobre esta negociação, visto que é de notoriedade publica haver regressado o Plenipotenciario que tinha sido mandado a Londres: neste supposto talvez poupassemos uma duplicada discussão ácerca do mesmo objecto, ou tractando-o agora, ou reservando o debate do paragrapho para quando se apresente o Relatorio ao Senado.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Se o Relatorio é hoje apresentado, concordo, senão, não concordo. Os Srs. Ministros sabiam ha muito tempo que estava dada para Ordem do dia a discussão da Resposta ao Discurso do Throno.

(Entrou o Sr. Ministro dos Negocios do Remo).

O Sr. Presidente: — Como vejo entrar o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, vou repetir o que acabei de dizer á Camara. — (Assim o fez S. Ex.ª e disse)

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — A Camara decidira como lhe aprouver; ou discutir este objecto desde já, ou esperar, antes de o fazer, um tempo limitadissimo, e o unicamente necessario para o Ministerio apresentar ás Côrtes um Relatorio especial tal qual se prometteu na Falla da Corôa na abertura da presente Sessão.

Este negocio está concluido, estão consumados os factos que lhe respeitam; e com tudo, por parte do Governo declaro que desejaria que esta historia, competentemente documentada, fosse apresentada á Camara, como foi promettido, n'um Relatorio especial. O tempo material para o organisar é só o que se pede, e não ha, por parte do Ministerio, omissão ou descuido em aqui o trazer como objecto de importancia maior. Todavia, se a Camara quizer, posso agora mesmo dar algumas explicações, não tão desenvolvidas como as hei de offerecer quando tractar deste assumpto no Relatorio; mas em fim alguma cousa direi que talvez possa satisfazer.

O Sr. Miranda: — Eu assignei o Projecto sem declarações, e tanto basta para se conhecer que eu approvo este Artigo tal qual se acha redigido. Com tudo, e por isso, me parece que, por occasião da sua discussão, nós não podemos deixar de pedir aos Srs. Ministros, queiram informar a Camara de tudo quanto se tem passado ácerca das reclamações, não só por vêr o negocio concluido e acabado, mas tambem porque a expectação do publico está suspensa a respeito de muitas reclamações, sobre as quaes o publico tem fixas algumas idéas, que muito convém esclarecer. (Apoiados.)

Sr. Presidente, eu já tenho dito mais de uma vez, e agora o repito, que nunca fiz, nem estou resolvido a fazer opposição acintosa a Administração alguma; e por isso não posso ser suspeito quando digo, que não podem deixar de pedir-se, por esta occasião, ao Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, as precisas explicações, e as necessarias informações, sobre um negocio tão importante qual este é. (Apoiados).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu espero que as mui acertadas reflexões que acaba de fazer o illustre Senador, o Sr. Miranda, farão vêr que o nosso proprio decóro está empenhado neste negocio, e, pela minha parte, faço justiça em acreditar, que as palavras que S. Ex.ª empregou ha pouco, sairam certamente do seu coração. E, perguntarei agora, não será na occasião em que se discute a Resposta ao Discurso do Throno, o logar proprio para se pedirem aos Srs. Ministros, todas as informações necessarias, a fim de se ter um verdadeiro conhecimento do estado do paiz? É certamente. Ninguem pois póde hoje pedir o adiamento desta discussão. (Apoiados).

O Sr. Conde de Villa Real: — Quando em outra occasião o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa fallou nesta Camara sobre este mesmo assumpto, como eu então tinha a honra de ser Ministro dos Negocios Estrangeiros, respondi que brevemente se apresentaria o Relatorio, e até accrescentei, que a demora seria, quando muito, de quinze dias. Nessa occasião ainda estava este negocio pendente; porém hoje, segundo é publico, e o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros acaba de confirmar, o negocio está ultimado. Eu reconheço, Sr. Presidente, que este objecto é de muito grande importancia para O Ministerio, mas tambem o é para mim pessoalmente, pela parte que eu tive nelle até á minha saída da Administração; é esta mais uma razão para eu desejar muito que chegue o momento em que se tome este objecto em consideração, por que então é que ha de ser avaliada a conducta do Ministerio, e se ha de conhecer se eu mereço approvação ou

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censura. O negocio é pois de summa importancia: para a Camara poder formar sobre elle o seu juizo deverão ser-lhe apresentados muitos documentos; porém a Camara deve estar satisfeita com a declaração que já fez o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, de que brevemente traria ao conhecimento da Camara, e com toda a clareza, tudo quanto occorreu neste importante objecto. Concluo pois, Sr. Presidente, dizendo que approvando o paragrapho 2.º, não me opponho a que sobre elle se peçam esclarecimentos. (Apoiados).

O Sr. Presidente deixou a Cadeira, que foi occupada pelo Sr. Secretario Machado, o qual deu a palavra a

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, o negocio, como elle deve ser apresentado a esta Camara e á outra, como o exige o decoro, e como o reclamam alguns nobres Senadores que tem fallado, não póde ser apresentado já de memoria (por assim dizer) em todas as suas particularidades. A analyse da importancia década uma das reclamações, que perfazem o computo geral das que foram successivamente apresentadas ao Governo pelo Ministerio Britannico, e a dos que o foram na sua totalidade, pelo mesmo Ministerio, essa analyse, digo, foi unicamente feita pelo Governo; foram examinados os titulos e documentos, assim como a sua validade, e as razões porque essas reclamações se fizeram: sendo differentes pela sua natureza, e differentes na sua origem, ser-me-ia impossivel apresentar agora individualmente os motivos que sobre cada uma dellas assistiram ao Governo, para denegar as reclamações feitas, não por que isso seja objecto que exceda a comprehensão de um talento mediano, mas por que a propria occasião de o fazer é, quando o Governo cumprir a promessa, que por elle foi feita no Discurso da Corôa, de apresentar um Relatorio especial, com todos os documentos que devem concorrer para cabal esclarecimento do Corpo Legislativo.

O Governo excedeu as suas attribuições, quando ordenou o pagamento dessas reclamações; e é preciso, que o Governo mostre as circumstancias, em que se achou collocado, para justificar, ou, ao menos, apresentar as razões, que teve papara commetter esse excesso. O Governo incumbiu um Encarregado seu de uma negociação sobre estas reclamações, dispoz para este fim de alguns saccos de ouro, e é preciso que o Governo apresente os motivos que teve para o mandar a Londres, declare quaes as instrucções que deu ao seu Plenipotenciario, e o resultado de tudo isto: este é o objecto do Relatorio que justifica o procedimento pelos documentos que ao mesmo Relatorio são annexos; e ao menos a mim não me lia sido possivel preparar-mo para entrar agora essencialissima mente em cada uni dos objectos que formam o complexo dessa negociação: uma vez que o Governo a isso se comprometteu, está na obrigação de apresentar o Relatorio especificado de todos estes particulares. Eis-aqui por que eu disse, e repito, que esse Relatorio virá a esta Camara brevissimamente. Nem lia sido perdido o tempo que na demora tenha havido, porque se gastou o necessario para tirar copias de varios documentos, e organisar devidamente o mesmo Relatorio. A negociação foi acabada ha muito poucos dias para o Governo, isto é, acabou com a apresentação do Encarregado que voltou de Inglaterra. O que posso desde já dizer é, que o Governo obteve desta negociação o diminuir mais de quarenta mil libras, das sommas pedidas, cousa que me não parece se houvera conseguido senão tivesse tomado a resolução que tomou. Mas assim estas como outras especialidades não podem aqui ser avaliadas pela minha voz ausente dos documentos, nem sem a exhibição dos motivos que levaram o Governo a tomar a resolução que adoptou» Sobre a historia destas reclamações alguma cousa poderia dizer, se a isso fosse obrigado, isto é, se fosse perguntado, mas a resenha de todas ellas, só deve caber n'um quadro esclarecido pelos respectivos documentos; por isso a Camara me permittirá que eu me reserve para responder opportunamente sobre cada uma, quando me podér fundar no Relatorio. Só então póde ser avaliado o comportamento do Governo; só então se póde vêr se elle tinha meios de obstar por mais tempo a certas exigencias; só então poderá dizer-se se o Governo andou bem relativamente á apreciação legal de todas essas reclamações; e, finalmente se lhe era dado concluir o negocio de maneira differente daquella porque o fez.

Se a Camara tomar em consideração o que acabo de expor, repito, que posso em dous ou tres dias apresentar-lhe o Relatorio com todas as peças competentes, a fim de ser submettido ao seu exame, porque entendo que os muitos documentos que elle contém, devem ser examinados por aquelles illustres Senadores que desejarem saber muito individual e minuciosamente o estado desta negociação, em cada uma das suas differentes partes.

O Sr. Duque de Palmella: — Pela efficacia e calôr com que se tem reclamado a immediata discussão deste paragrapho, pareceria que podia haver em algum dos Membros desta Camara a intenção de suffocar o debate sobre esta materia; mas tal intenção não houve nem a podia haver. As observações que daquella Cadeira eu tive a honra de dirigir á Camara, tendiam, em primeiro logar, a evitar uma perda de tempo desnecessaria duplicando a discussão sobre um mesmo assumpto; e em segundo a tornar mais logica, mais rasoavel a discussão da materia. É preciso considerar que o Discursa do Throno foi dirigido ao Corpo Legislativo ha mais de mez e meio, tempo em que se não via tão proxima a conclusão deste negocio; era todavia necessario que o Governo alguma cousa dissesse sobre elle, visto que não eram ignoradas da Nação as discussões que se tinham suscitado, e que natural mente deviam merecera attenção das Camaras, e excitar um vivo interesse. O paragrapho com o qual se tracta de responder ao correspondente do Discurso do Throno diz que e da Camara espera com respeito as informações que Sua Magestade se dignou prometter-lhe ácerca das occorrencias que induziram o Governo a enviar um Plenipotenciario á Côrte de Londres, etc, essas informações anuncia-nos agora um dos Membros do Governo, o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, que dentro de dous, ou tres dias, as poderá apresentar. Então que utilidade póde resultar de discutir hoje esta materia, extorquindo informações antecipadamente ao Ministerio sobre um objecto ácerca do qual, dentro em tres dias, elle dará informações completas? Que bem viria disso á Nação? Se é para satisfação de curiosidade, essa é muito pequena; se é para considerar o negocio, esse ganha mais em ser considerado completamente, com pleno conhecimento de causa, e em todas as suas circumstancias; se é para obter informações destacadas, isso póde ser prejudicial; e sé é para ganhar tempo, pouco se ganha, porque dentro em poucos dias vamos u ler o Relatorio. Por tanto, o que eu tinha indicado da Cadeira da Presidencia, era se se devia tractar do paragrapho não obstante não haver ainda o Relatorio a que allude o correspondente do Discurso do Throno, ou se, simplesmente na expectativa desse Relatorio, conviria antes suspender a sua discussão, continuando com a dos outros paragraphos do Projecto de Resposta, e deixando aquella para a occasião em que o Sr. Ministro dos Negocios do Reino promette apresentar as informações completas, que no mesmo Discurso do Throno se tinham annunciado.

Estas razões que me moveram a consultar a Camara a este respeito, obrigaram-me tambem a largar a Cadeira para as vir sustentar deste logar, porque não quiz que isso influisse nu sua decisão, á qual me sujeito, como devo, e (se é possivel) muito mais neste caso, porque não tenho interesse nenhum, nem a favor do Ministerio, nem de ninguem, que me induza a affastar a discussão deste negocio, a cobri-la com um manto de misericordia, ou a ganhar tempo inutilmente, só digo, que me parece não conviria que houvesse duas discussões sobre a mesma identica materia, e que não vejo inconveniente em que a deste paragrapho fique suspensa, por dous, ou tres dias, uma vez que o não seja por mais tempo. O Sr. B. não da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente, quando o Sr. Secretario leu o artigo, que entrava em discussão, estava presente o Sr. primeiro Ministro, e não se oppunha á discussão, quando, pelas razões que acaba de expor, o Sr. Presidente, se lembrou de pedir o adiamento: se os Srs. Ministros tivessem algum motivo para tal adiamento, elles o pediriam, porém SS. EE. não disseram nada; parece-me portanto que não foi demasiado curial a proposta do adiamento, donde ella veio: peço perdão, mas este é o meu sentimento. — Termos nós esperado esta discussão ha muito tempo; discutir-se, ha dias, a Resposta ao Discurso da Corôa; chegar-se hoje a este artigo; e pedir-se ainda o adiamento.... Não me parece justo. O Plenipotencio já allegou ha dias; o Sr. Ministro é dotado de tanta capacidade, que não póde deixar de ter prompto o seu trabalho; e como hoje o dia proprio de o apresentar, não me parece que se devo adiar esta materia. Se o Governo Representativo não 4 só orna ficção, eu desejo que se attenda Bona fide ás condições delles Por consequencia não se deve retirar a um Senador a palavra, que já tinha, sobre este paragrapho; se este não é o dia de dar as explicações necessarias sobre a missão de meu nobre amigo, o Sr. Marquez de Saldanha, não sei quando deverá ser; talvez d'aqui a dez annos. Não posso, por tanto, deixar de sustentar a necessidade de se entrar hoje mesmo nesta discussão: SS. EE, sabem qual é o seu dever, e até que ponto podem dar as suas explicações; e nós não pertencemos forçar as portas do gabinete. Dizer-se que se estio examinando as relações das reclamações; eu entendo que estas relações deviam ter sido examinadas antes da remessa dos sacos de ouro.

O Sr. Miranda: — Ninguem faz mais justiça do que eu ás intenções com que foi proposto o adiamento desta materia; ninguem faz mais justiça ao nosso Presidente: mas parece-me que a sua opinião talvez não comprehenda todas as conveniencias da materia, e da occasião. Eu considero, no momento actual, esta questão, não pelo que póde ter de onerosa para o Thesouro; mas em quanto nella possa haver que offenda o decoro, ou comprometta a dignidade, e a independencia da Nação Portugueza; (Apoiados.) porque, sem hesitação, eu queria antes que a Nação Portugueza, para salvar a sua honra, fizesse o sacrificio de uma despeza de milhões do que pagar um só real com quebra da sua independencia, e do seu decoro. Este pensamento deve dominar todas e quaesquer outras considerações accessorias, que possam offerecer-se a um Membro das Camaras Legislativas, e, nesta qualidade, estou persuadido que é do meu dever rejeitar despezas que estejam no caso a que alludo. Aos Srs. Ministros coube-lhe a honra de carregar com o peso de uma medida, que a seu entender julgariam indispensavel. Cada qual sua sorte; cada um carrega com a força dos seus destinos, e dos seus deveres. A nossa obrigação é manter a independencia, e o decoro da Nação, e, para este fim, tomar conhecimento dos titulos porque foram concedidas estas indemnisações. Em geral, por agora, porque agora não se tracta, nem do exame dos Documentos, nem das contas de pagamentos, e arbitrios, que se tomaram, com aquella miudeza, e especialidade, que só póde ter logar quando fôr presente o Relatorio, e depois de considerado pelas Commissões desta Camara a minha exigencia limita-se a informações geraes sobre cada uma das reclamações, porque nenhum desejo tenho de embaraçar os Srs. Ministros, porque eu não sou Ministerial, nem anti-Ministerial; tenho sempre dado aos Srs. Ministros o meu apoio quando os tenho visto embaraçados, e entendi, que convinha sustentar suas medidas, appello para aquelles Srs. Ministros, que serviram era um outro partido, e que digam se em taes cartas eu lhe fiz alguma opposição. (Apoiados.) Portanto não é por opposição acintosa que assim fallo, é pela consciencia que tenho da obrigação de cumprir o meu dever como Representante do Povo, e de satisfazer á confiança que em mim depositaram os meus Constituintes.

De todas estas razões bem se deduz que, a meu vêr, não se tracta de entrar no minucioso da questão, limitando-a, quanto possivel, a explicações geraes: o tempo que tem tido o Sr. Ministro, a sua habilidade, e o muito que deve estar familiarisado com este negocio, nos authorisam a crer, que S. Ex.ª está em circumstancias de responder a tudo quanto sobre este assumpto se queira perguntar, A razão da brevidade do tempo não me parece a mais attendivel; porque a esta materia se allude no Discurso; esta materia é talvez a mais delicada que se tem apresentado nesta Camara; e não póde deixar-se em silencio na presente discussão, quero dizer, na discussão da Resposta ao Discurso da Corôa. Propoz-se em consequencia, que se reservasse a discussão para quando viesse o Relatorio; mas esta proposta não me parece admissivel pelas razões que tenho apontado, e até mesmo na presença dellas, e de outras que omitto, não me parece que a sua admissão possa em todos os sentidos conciliar-se com o decoro desta Camara.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, eu pedi a palavra para fazer uma declaração sobre factos, então o nobre Barão creio que ficará satisfeito com a explicação que voo dar Quando S. Ex.ª o Sr. Pre-

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sidente fez lêr o paragrapho de que se tracta, eu pedi a palavra, e S. Ex.ª fez aquella pequena allocução que a Camara ouviu, e então nesse meio tempo entrou o meu illustre Collega o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, encarregado actualmente da Pasta dos Negocios Estrangeiros. Eu dirigia-me a declarar um facto á Camara, o qual depois declarou o meu illustre Collega, isto é, que o Ministerio com a melhor vontade daria todas as explicações em geral; mas em quanto a particularidades, que ainda o não podia fazer, porque se não tinha concluido o Relatorio, e que por consequencia não podia ter agora logar uma discussão com todos os esclarecimentos necessarios, para a Camara poder formar uma idea exacta. Isto servirá a demonstrar que os Ministros da Corôa realmente não estavam aqui ambos; em primeiro logar S. Ex.ª, o nobre Baião não podia, talvez pelo logar em que se achava, vêr os que estavam presentes, estava eu só e tambem não ouviu que tinha pedido a palavra, estando o Sr.s Presidente ainda na Cadeira. Isto removerá a S. Ex.ª o escrupulo de que o Ministerio não tivesse as mesmas ideas que já foram expendidas pelo meu illustre Collega sobre o Relatorio.

O Sr. Duque de Palmella: — Se o illustre Senador, o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, se tivesse limitado a dizer que a observação que eu submetti á Camara da Cadeira da Presidencia, era desacisada ou infundada, nada teria a replicar, mas como elle disse que a não julgava curial, devo-me defender disso.

Creio que pertence ao Presidente dirigir a fórma das discussões, (Apoiados.) sobretudo quando não faz mais do que submetter as suas idéas á Camara; e quando mesmo assim não fosse, quando o Presidente não se quizesse valer do direito que o Regimento lhe confere, não sei que elle perdesse a qualidade de Senador para não poder propôr aquillo e me julgar mais conveniente; então achar-se-ia numa situação inferior á dos outros Senadores. Eu creio que mostrei á Camara, como devia, a deferencia que tenho por ella, e a delicadeza com que procuro desempenhar os deveres do Cargo que ella me fez a honra de incumbir, deixando a Cadeira para vir d'aqui defender a minha proposição: (Apoiados.) não a sustento com tenacidade, porque não tenho motivo para isso: entrarei ou deixarei de entrar nesta discussão, sem me importar que ella tenha logar hoje ou em outro qualquer dia. Fiz aquella observação por que me pareceu que claramente o paragrapho do Discurso do Throno, a que o do Projecto responde, era calculado para uma circumstancia differente daquella em que nos achâmos. Se se tivesse discutido este paragrapho ha quinze dias, os Srs. Ministros ter-se-iam limitado a cobrir-se com o manto do mysterio diplomatico, teriam dito que havia negociações pendentes, que nada podiam dizer á Camara em quanto essas negociações se não concluissem, que o fariam apenas lhes fosse possivel, em fim, diriam tudo aquillo que em similhantes casos se usou sempre: mas chegou o momento em que os Ministros vão dar todas as explicações sobre este negocio, que ganha a Camara em entrar hoje nesta discussão? Se os Srs. Ministros se lembrassem de responder, como talvez, podessem, que a negociação se não achava ainda concluida, nada se teria talvez dito a respeito della. Repito que a Camara não ganha cousa alguma em tractar hoje da materia; e mesmo não sei se as informações, que nos deu já um dos Srs. Ministros, seriam sufficientes para entrar na discussão do paragrapho; não o sendo, como creio, seria tempo perdido tractar agora do que só tem logar proprio quando aqui fôr apresentado o Relatorio. — Tendo feito uma simples observação da Cadeira, limitei-me a sustenta-la deste logar, e não tenho mais empenho em que a Camara a decida de um, do que de outro modo.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Quanto ás observações feitas pelo nobre Senador...

O Sr. Visconde de Laborim: — Sr. Presidente, parecia-me que V. Ex.ª, me tinha dado a palavra, entretanto eu cedo-a a S. Ex.ª

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Sr. Presidente, não pertendo tomar a precedencia ao nobre Senador, na ordem da palavra, e peço a V. Ex.ª que a elle a conceda em primeiro logar. Não era com tudo sobre a materia que eu tinha que dizer, mas sobre a ordem, e em resposta a algumas observações feitas pelo nobre Barão da Ribeira de Sabrosa. Mas como me parece que S. Ex.ª está empenhado em fallar, eu me sento já, e falle V. Ex.ª primeiro, porque lhe cabe agora, e eu terei muito gosto de ouvir.

O Sr. Visconde de Laborim: — Não posso deixar de esperar a resposta do Sr. Ministro; porque tenho ouvido, e é do meu dever dizer-lhe, que a minha delicadeza pede que eu exponha a S. Ex.ª, que me não lembrei de que a palavra que lhe fôra dada era sobre a ordem; mas como agora teve a bondade do me esclarecer, não acceitei a sua offerta, e peço-lhe que continue no seu discurso.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Agradeço a V. Ex.ª — Quanto ás observações feitas pelo nobre Barão da Ribeira de Sabrosa, parece-me que houve pequena equivocação da sua parte, devida sem duvida a uma especie de sussurro que havia nu Camara, porque alguns dos seus illustres Membros estavam levantados: quando eu entrei fallava o Sr. Presidente da Camara da Cadeira da Presidencia, e creio que ouvi ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros pedir então a palavra. — Direi mais, que examinada a questão em si mesma, julgo que a Administração não merece a increpação, de sobejo amarga, que lhe fez o nobre Barão: direi tambem que o Ministerio não pediu o adiamento da discussão do paragrapho, porque este pedido estava já prevenido no Discurso do Throno, nem vejo que no logar parallelo da Resposta se censurasse a promessa que o Governo fez de um Relatorio especial sobre o negocio; a Camara puis parecia acceitar esta clausula e esperar pela occasião da apresentação do Relatorio. Diz o nobre Barão que o Plenipotenciario chegou ha oito dias, e que por tanto havia tempo de sobejo para se ter preparado o Relatorio e todas as peças que o devem acompanhar; isto não passa de um dito gracioso da parte de S. Ex.ª, porque a difficuldade que eu tenho em fazer um Relatorio, não é para comparar com a facilidade que S. Ex.ª para isso teria, porque é dotado de uma imaginação mais viva e de um talento superior ao meu; eu sou tardio a escrever, e ainda mais tardio a conceber, e não depende de mira deixar de gastar mais dous ou tres dias para o complemento de qualquer trabalho; o que posso assegurar a V. Ex.ª é que não tenho deixado de trabalhar no de que se tracta, tanto quanto o tempo e as minhas forças o permittem: mas vamos ao negocio, ainda ao negocio.

Eu disse que tendo-se feito um trabalho especial sobre cada uma das muitas reclamações apresentadas pelo Governo Inglez, tendo havido uma analyse e exame sobre cada uma dellas, tendo havida Officios de perguntas e respostas, tendo havido instancias e resistencias; e devendo tudo isto ser presente á Camara, ella teria a indulgencia de esperar essa occasião, até porque tem disformar um juizo sobre o procedimento da Administração a este respeito, e parecia-me que quereria formar este juizo solidamente e sobre documentos escriptos e provas irrefragaveis, que eu não podia dar, no calor da discussão, de repente, e sem comprometter talvez o Ministerio; mas não me persuado que a Camara deseje que, por falta de memoria, ou por outro accidente, aqui me comprometta. (Apoiados geraes.) Eu faço justiça á benevolencia de todos os Membros do Senado.

Vamos á idéa dos dez annos. O nobre Senador faz justiça á Administração, e deve estar certo que a primeira declaração, por ella feita pela minha boca, foi a confissão da um crime, relativamente a este negocio! É criminosa a Administração; e depois desta declaração quereria o Ministerio esperar muito tempo, conservando em cima de si a sombra só do crime por ella confessado? Não bastará o nosso proprio cuidado para nos impellir a fazer todas as diligencias na conclusão deste negocio, afim de ver se podemos obter um bill de perdão do Corpo Legislativo (apoiados)? Sr. Presidente, a idéa dos dez annos, é uma idéa simplesmente Comparativa, uma idéa dessas que muitas vezes passam, porque talvez outro numero de annos não viesse tão promptamente á lingoa do nobre Senador; talvez S. Ex.ª quizesse fallar meses, mas nem isso era ainda exacto, porque a apresentação do Relatorio, é objecto de poucos dias; não só não temos empenho em esperar s dez annos, mas nenhum tempo mais do que o strictamente necessario que poderia fazer-nos bem; não é este negocio daquelles que como tempo se possam delir, e tendo posto sobre nós o ferrete de um abuso criminoso, o Governo não deve socegaram quanto não vira questão decidida, posto que a consciencia dos seus Membros lhes dê sufficiente motivo para socego. Descance pois o nobre Senador, e fique certo de que não precisâmos ser instigados, para apresentar as nossas razões, e allegar a nossa justiça; como acabei de dizer, isso ha de ser muito breve. E havia de eu pedir o adiamento da questão? Não, Sr. Presidente, porque isso podia significar uma confissão, que o Ministerio está longe de fazer; e tambem porque a um Ministro não cahe vir aqui pedir adiamentos, o respeito que consagro a esta Camara, seria, pelo menos, razão que de tal me inhibisse. Darei ainda outra prova de que não quero furtar-me a responder ás pergunta da nobre Senador, ou de outro qualquer Membro da Camara, sobre cousas de que me possa recordar immediatamente.

O nobre Senador disse que desejava, saber se a diminuição de algumas das reclamações consistia em juros ou em capital. Direi que consiste em uma e em outra ousa, nos juros a differença a favor do Governo, é de umas 12 mil e tantas libras, tiradas da somma reclamada pelo Governo Inglez, para pagamento da despeza feita com a Divisão do General Clinton: a somma eliminada do total das reclamações, assim em capital como em juros, é aquella em que importava a reclamação a favor de Lord Stuart... (O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: —- Grande favor?!...) Grande ou pequeno, (ainda que me não compete responder aos á partes, principalmente de admiração) direi que elle será devidamente avaliado; por agora sómente affianço, que para se obter o resultado desta diminuição se fizeram os mesmos exforços, e se usou das mesmas phrases que foram empregadas para o conseguir de todas as outras reclamações. Ha ainda mais algumas diminuições, que não resumirei agora, porque o Ministerio não contava que hoje havia de vir dar relação dellas a esta Camara, mas que dão alguma differença em relação ás sommas originariamente reclamadas ao Governo. O Ministerio tem razões mais fortes, para esperar um bill de indemnidade, porque, como bem disse um nobre Senador, aqui o principal da questão não é o dinheiro (apoiado). O illustre Senador respeito uma phraze minha que me parece não foi apropriada, e talvez fosse até um pouco túrgida, a respeito de sacas de ouro: quando usei desta expressão, linha na minha idéa o bem-estar da Nação, o seu decoro, a sua integridade, comparado tudo isto com a perda de algum ouro. Quando se vir por documentos quaes eram as circumstancias em que nos achámos; quando se percorrer a serie da correspondencia que teve logar entre a Administração actual, e o Ministerio Britannico pelo seu agente; em fim quando se conhecerem algumas particularidades deste negocio, espero que depois de tudo isto, a Camara fará alguma justiça ao Ministerio nesta parte da gerencia dos negocios que lhe estão incumbidos; antes disso, parece-me, que os Ministros tem algum juz á contemplação do Senado, para esperar o pouquissimo tempo que vai daqui á apresentação do seu Relatorio. E com tudo, concluirei repetindo que o Ministerio está prompto a responder áquelles pontos, Sobre os quaes elle póde já dar alguma resposta.

O Sr. Visconde de Laborim: — Quasi que podia ceder da palavra, porque estou muito prevenido, nus sempre direi alguma cousa.

Disse-se que a proposta do adiamento não emanava de fonte competente: para responder a isto cabalmente, não só o farei com as frazes geraes do Regimento, que authorizam o Presidente, para dirigir os trabalhos, mas lerei á Assembléa, um Artigo terminante sobre esta materia, que diz assim: = Tambem em qualquer estado da discussão se póde propôr o adiamento, ou pela discussão não ser conveniente ao bem do Estado, ou por não se achar a Camara sufficientemente informada, ou ainda por alguma outra circumstancia muito attendivel etc. = Ouvi aqui já invocar o bem do Estado. Limitar-me-hei a dizer que o bem do Estado pede que adiemos este assumpto pelas seguintes razões: primeira, porque nos poupâmos a uma discussão duplicada: seguida, porque decidiremos com conhecimento de causa: terceira, porque se póde tomar alguma medida, que dê causa a arrependimento. Obrando-se deste maneira, ganha-se tudo, e não se perde tempo, que valha a pena, pois os Srs. Ministros dizem que no espaço de tres dias apresentarão o seu Relatorio. Por todos estes motivos apoio o adiamento.

O Sr. Presidente Interino: — Perdôe V. Ex.ª; o Sr. Duque de Palmella não propoz o adiamento.

O Sr. Visconde de Laborim: — Perdôe-me V. Ex.ª, eu quando me levanto para fallar

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procuro fazê-lo com alguma reflexão: na Mesa apresentou-se o principio, de que convinha adiar esta materia pelos motivos que se apontaram, e do lado de lá afirmou-se que a proposta não vinha de logar competente, e é sobre isto, que eu fallei, e não de outra fórma.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu digo as cousas como entendo, e deixo o mais á ventura. Eu não fiz accusações, fiz observações, mas quizeram dar-lhe outro sentido; embora. Eu disse que estando presente o Sr. Presidente do Conselho, a elle pertencia pedir o adiamento, se lhe conviesse; S. Ex.ª já disse que tinha pedido a palavra, por tanto nessa parte estava a questão acabada; mas tambem é verdade, que de outra parte veio o pedido: isto dito, não dou mais explicações sobre este objecto.

Diz-se que se sahia um pouco da ordem: é verdade; mas a primeira vez, que della se sabio não foi deste lado: o exemplo veio d'outro logar.

Fallou-se na falta de tempo; eu creio que o tempo não faltou ainda; quando não o Senado teria feito, ha mais tempo, essa observação. Ouvi que o Ministerio não estava habilitado para responder, talvez eu fosse o primeiro a convir, se o Ministerio o tivesse declarado. Este Senado ainda a não fez opposição a nenhum Ministerio; certamente, ninguem interpellou mais o Sr. Conde de Villa Real do que eu, e S. Ex.ª não dirá que eu lhe queria promover embaraços. Pedir esclarecimentos em materia tão grave não é opposição. Tambem, Sr. Presidente, direi, por esta occasião, que sem esta observação, já o paragrapho estava á sentido. Eu, pela minha parte, talvez estivesse as mesmas idéas em que estão os Srs. Ministros. Que a questão se adie, ou não, para mais é quasí indifferente; mas direi francamente que eu quasi tinha tenção de não fallar nella, porque em materias desta natureza quasi que é prégar no deserto: o Ministerio sondou o terreno, e vai marchando aos seus fins.

O Sr. Miranda: — É necessario, Sr. Presidente, seguir, em todo o seu contexto, o nexo que ha entre este Projecto de Resposta e o Discurso da Corôa, a que elle se refere. O paragrapho de que se tracta diz o seguinte: (leu). Se os Srs. Ministros não declarassem que a negociação estava concluida, eu seria o primeiro que ficaria em silencio, e limitar-me-ia simplesmente a pedir a SS. Ex as, que rios informassem ácerca de algumas circumstancias, que em nada prejudicassem o negocio principal: porém hoje, como acaba de dizer o Sr. Ministro, este negocio está acabado, e então como negocio acabado elle está ao alcance desta Camara. (Apoiados). Eu oppuz-me a que esta materia ficasse adiada para outra occasião; porém dei a entender que era de opinião que se não votasse o paragrapho, ficando reservado pura delle se tractar no fim da discussão de toda a Resposta, continuando nós todavia a discutir o resto dos paragraphos que ainda o não foram, no que me parece nenhuma duvida póde haver, é menos depois do que disse o Sr. Ministro, que com tanta franquesa fallou, reconhecendo até a responsabilidade debaixo da qual labora o Ministerio. O Sr. Ministro disse que não tem tido demasiado tempo para apresentar o seu Relatorio. Nisto convenho eu; porque a fallar a verdade, não é este Relatorio obra que se faça de corrida. Em consequencia, e visto que os Srs. Ministros senão recusam a dar todas as explicações, retiro a minha primeira opinião, e voto porque esta materia fique adiada para o fim do Projecto em discussão; e voto assim porque não desejo que os Srs. Ministros sejam surprehendidos, e tambem porque assim fica salva a ordem do dia e o decoro da Camara. (Apoiados).

O Sr. Leitão: — Antes de fazer o meu requerimento é necessario que eu diga, que fosse ou não fosse proposto o adiamento como o devia ser, o certo é que elle tem estado em discussão, e por isso não póde deixar de votar-se. É por esta razão que eu peço a V. Ex.ª queira perguntar á Camara se julga esta materia sufficientemente discutida, para depois se propôr o adiamento, pelo qual eu votarei, visto que os Srs. Ministros promettem apresentar á Camara dentro de tres dias, os documentos em questão.

Consultada a Camara decidiu que a questão do adiamento estava discutida; e sendo posta á votação approvou-se o do paragrapho, até á conclusão da discussão de todos os outros do Projecto de Resposta ao Discurso do Throno.

Entrou em discussão o seguinte

§ 7.º Os mesmos motivos já expendidos fazem, com que esta Camara não possa deixar de applaudir a resolução, em que Vossa Magestade se acha de concluir com Sua Magestade o Rei dos Francezes em Tractado relativo á suppressão do trafico da escravatura.

Teve primeiro a palavra

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Sr. Presidente; um Orador muito erudito fez em outro logar um discurso muito brilhante a respeito das nossas Colonias, e mostrou, ter cabal conhecimento das nossas Chronicas; Mas não posso deixar de dizer que elle não estava muito ao facto do que se tem passado relativamente á Casa Mança nestes ultimos annos. O Orador, a quem me refiro, fez uma increpação ás Administrações passadas e presentes, e nisto foi elle injusto para com ellas, injustissimo até, porque é facto verdadeiro, que todas as Administrações dá Rainha, têem tomado muito a peito este negocio: fazendo da sua parte o possivel, e lançando mão de todos os meios ao seu alcance para o levar diplomaticamente ao fim, de fórma que seja vantajosa para Portugal. O que acabo de dizer, Sr. Presidente, é exactissimo, e ser-me-ia muito facil o prova-lo. (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino — Não posto negar um testemunho é verdade, e comprazo-me de o dar quando elle póde ser sem suspeita, como no momento actual.

O negocio de Casa Mança é importante, importantissimo, e a Administração presente o considerou tal; e nessa consideração quiz fornecer-se de documentos essencialmente necessarios pelo que respeita á prioridade da nossa descuberta j e á prioridade da nossa occupação, e o quiz tanto mais, quanto é certo que da parte contraria se argumentou com prioridade de descuberta, e com prioridade de occupação. Em outra parte, tractando-se deste assumpto, se fez uma censura redonda a Administração presente d'envolta com as passadas: o facto é que, tanto os meus antecessores no Ministerio, como o Ministerio actual, deram a este negocio a attenção que elle por sua gravidade merecia; mas não é muito que acontecesse a um homem o que acontece a quasi todos, que é — avaliar pelos resultados — pelos resultados de um certo periodo que elle decidiu dever ser o dado — e capitular de descuido, de ignorancia, de falta de patriotismo, e de quanto mais se quizer com effeito, que não corresponda á esperança ou ao calculo dos argumentadores. Ainda mais: deu-se Casa Mança por abandonada, deu-se Casa Mança por perdida; e negaram-se factos que fazem honra ás Administrações que os praticaram, factos que em verdade mostram o zello dellas; foram esquecidos absolutamente os meritos de authoridades locaes que, sem esperar ordens da Metropole, fizeram quanto em si coube para se opporem a uma usurpação! Estas authoridades devem ser elogiadas; pois assim como me parece mal que um Governo seja prodigo de elogios, e os de mais do que o merito requer, assim me parece tambem injustiça grave deixar no esquecimento nomes de homens, que nos dezertos d'Africa se oppozeram desesperados, sem outro auxilio que a sua coragem, e protestaram contra a usurpação que se nos queria fazer (apoiados). Um desses homens, é o Tenente Coronel.. Governador de Cacheu, cujo nome me não lembra: elle é oriundo daquelle paiz, e tem-se como coma ordinaria, que os oriundos das Colonias não são muito amantes da Metropole... (O Sr. Presidente do Conselho: — É o Tenente Coronel Osorio) mas a fidelidade deste homem, a quem o Governo já distinguio elevando-o ao posto de Tenente Coronel, essa fidelidade deve ser sabida por esta Camara, e conhecida em todo o Paiz (apoiados). Agora pelo que toca ao presente, já eu n'outra parte disse, respondendo a uma arguição de esquecimento e desleixo, que o Governo procurou armar-se das mesmas armas com que se armou áquelle Ministro de uma Potencia estrangeira, que desceu á arena da discussão para provar que Casa Mança era sua, e disse eu mais então, que muito favor nos fazia o Ministro de França em querer descer a essa arma, porque os monumentos da nossa litteratura, monumentos da nossa gloria, fazem certo que antes que pé humano se imprimisse naquellas praias, já os Portuguezes tinham nellas desembarcado, conquistado, e levantado as suas Quinas, n'uma palavra, eram senhores daquelle Paiz; e disse eu mais, que acceitava a clausula proposta pelo Ministro de França, de que a cessação da occupação por mais ou menos tempo, não tendo precedido declaração de consentimento pela Potencia que estava de posse, não invalidava o direito dessa posse qualquer que fosse o intervallo decorrido depois da occupação. Disse eu solemnemente; que acceitava esta clausula, porque é mais que em nosso desfavor se poderia allegar, era que por algum tempo deixámos de renovar os Presidios desta ou de outra Possessão. E na verdade; em alguns pontos de Africa (devido ás circumstancias ou á fatalidade) territorios temos, que hão sido abandonados de facto, mas sem declaração de abandono; e ainda hontem; segundo me parece, o Sr. Duque de Palmella citou um facto com elle acontecido a respeito da Bahia de Lourenço Marques, que pertence á Corôa Portugueza: Por esta occasião, posto que não seja a mais propria; cumpre-me dizer; que a Bahia de Lourenço Marques está hoje occupada por um destacamento Portuguez, que não se póde julgar como abandonada, e sem que essa razão da falta de occupação a ninguem dê direito para tomar posse della,

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Estando eu em 1837 no Ministerio, vieram participações de Cabo-Verde, de que os Francezas do Senegal tinham continuado no seu systema de invasão das nossas Possessões da Costa de Guiné, e que tinham fundado alli uma nova Feitoria; procurei então examinar bem esta materia, e para saber com exactidão o que anteriormente se tinha passado a este respeito, fiz destrancar os livros da Secretaria do tempo de D. Miguel, e achei que sabendo o seu Governo que em 1828 se havia estabelecido uma Feitoria Franceza na pequena Ilha de Ito, que jaz na parte septentrional da foz do rio Casa Mança, encarregara o negociante Manoel Antonio Martins, das Ilhas de Cabo-Verde, de construir dous Fortes, um na embocadura do mesmo rio Casa Mança, e outro na Ilha de Bolama, devendo as despezas ser feitas pelo dito Martins, ao qual se concedeu o monopolio das aguas-ardentes has mesmas Ilhas. Nenhuma das obras determinadas executou Martins; construiu apenas um pequeno Forte no sitio chamado Bolar, que está na embocadura do rio de S. Domingos, que desce de Cacheu, e de um braço ou esteiro, que communica deste rio com o Casa Mança. Ainda que este ponto de Bolor tem sua importancia, nem por isso deixou Martins de faltar ao contracto para cuja execução se lhe concedera o monopolio das aguas-ardentes. As cousas ficaram assim até que em 1837 os Franceses subindo pelo Casa Mança, passando acima do Forte Portuguez de Zinguichor, foram estabelecer outra Feitoria no sitio de Sego. O Governador Portuguez protestou, e os Francezes disseram que haviam comprado o terreno aos negros Mandingas. Sabido isto pelo Governo, mandou para Cabo-Verde as necessarias ordens, e igualmente fez a competente reclamação em París, á qual se deu a resposta de que já fallou o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros; ignoro porém o estado em que hoje se acha a negociação.

Quando nos foi proposto pelo Governo francez o entrarmos no arranjo de um Tractado para a abolição do trafico da escravatura insisti, que no mesmo Tractado se declarassem quaes eram as Possessões Portuguezas em Africa, para se evitarem assim futuras contestações; porém o Ministro Francez declarou, que não estava authorisado para o fazer. Eu desejava prevenir contestações similhantes á que tem havido a respeito da demarcação dos limites das Guyanas Franceza e Portugueza, que pelo Tractado de Utrecht de 1713 se havia deixado para futura negociação. Esta nunca teve logar; e allegando aquelle Tractado, os Francezes occuparam ha poucos annos os territorios Brasileiros ao Sul do rio Dyapock. De que neste Tractado é logar proprio para se fazer essa declaração, acho-o evidente, porque devendo referir-se elle ás nossas Possessões d'Africa, nada mais a proposito e conveniente do que dizer-se, estas Possessões são as seguintes.... Desejarei pois, que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, sustente estes mesmos principios, e que exare esta idéa em qualquer Tractado que haja de fazer (Apoiados geraes).

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Hontem, por um acaso, fallou-se nesta Camara na Bahia de Lourenço Marques, olhando-se para ella como uma Possessão nossa de muito pouca importancia, porém isto não é exacto, pelo menos para mim, porque sempre a tive, não só como nossa, mas até de importancia, e de tanta, que ainda ha pouco um illustre Senador (já fallecido) o Sr. Sebastião Xavier Botelho, vai uma obra que publicou, provou que a Ba-

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hia de Lourenço Marques era nossa, e mostrou com toda a evidencia o muito proveito que della se podia tirar. Nós temos alli Presidios antigos, em mau estado, é verdade, mas apezar disso, nella tem tremolado uma bandeira Portugueza; digo isto para mostrar que é nossa, e que não devemos abandonar a posse (Apoiados).

O Sr. Duque de Palmella: — (Para uma explicação). Ouvi dizer ao illustre preopinante, que eu tinha representado a Bahia de Lourenço Marques, como não havendo nella estabelecimento algum Portuguez; o que hontem disse, por incidente quando toquei nesta materia, foram duas cousas; a primeira, que os nossos estabelecimentos são alli insignificantes, e de pouca importancia, ha dez annos reduziam-se a um pequeno Porte, cujo nome me não lembra neste momento; e em segundo logar, que os Inglezes tinham projectado estabelecer-se alli, e accrescentei que não era da mesma maneira, que os Francezes o querem lazer em Casa Mança, allegando direitos antigos, e disputando os nossos, mas por meio de Tractados feitos com os Regulos daquella Costa, e a isso me oppuz, porque tinha ordem e obrigação de o fazer, e me parece que com bom resultado, porque os Inglezes abandonaram essa tentativa. A Bahia de Lourenço Marques é uma paragem pouco distante de Moçambique, em um clima menos insalubre do que a maior parte dos que possuimos na Costa d'Africa, n'um territorio fertil, e com bons ancoradouros, della se poderá tirar muito partido para o futuro. Em quanto á Casa Mança, digo que seria para desejar, que no Tractado que se fizer com a França relativamente ao trafico da escravatura, se inserisse um artigo, similhante áquelle que foi inserto na Convenção feita com a Inglaterra em 1317, isto é descrever os territorios de Portugal naquella Costa, ao Norte do Equador; se isto se conseguisse incidentalmente, tiravam por terra as pertenções da França ao estabelecimento de Casa Mança; mas como não é de esperar, que o Governo Francez se preste a abandonar a sua pertenção por este meio indirecto, talvez senão consiga. Seria a desejar que assim se fizesse, mas se não conseguir, não vejo que só por isso se deva abandonar o projecto do Tractado; e posto que a inserção do artigo de que fallei seja muito util, não a julgo de modo algum indispensavel.

Já que estou em pé, peço licença para fazer Uma pergunta aos nobres Membros das Administrações passadas, posteriores a 1836, a qual pergunta só tem por fim instruir-se: vem a ser, se se pedio a mediação de alguma Potencia relativamente ao negocio de Casa Mança; parece-me que assim se disse n'um Periodico, é desejava saber se era verdade.

O Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa: — Eu declaro, Sr. Presidente, que se tivesse a honra de ser dez annos Ministro, teria muita reserva em negociar com qualquer Nação, em quanto não tivesse negociado com a Inglaterra, porque reconheço que muitos dos Tractados que nos offerecem, é com vistas de tirar mais vantagem da nossa triste situação (apoiados). Sr. Presidente, eu detesto, como qualquer homem póde detestar, o infame trafico da escravatura; mas detesto ainda mais o modo indecoroso com que depois do Decreto de 10 de Dezembro de 1836 se tem querido impor-nos um Tractado affrontoso a ferro, e a fogo. (Apoiados).

Aproveitarei esta occasião para dizer tambem alguma cousa sobre as negociações com os listados unidos; porque não tive a fortuna de estar aqui em outra occasião, que desta materia se tractou. Eu creio, Sr. Presidente, que os Estados-Unidos pedem a reciprocidade absoluta até na navegação indirecta (Uma voz: — Não pedem). Creio que pedem, Sr. Presidente, e em quanto se não provar o contrario, eu fico na minha opinião.

O Sr. Conde de Villa Real: — Sr. Presidente, pedi a palavra quando se fallava sobre a Casa Mança, mas depois tornou-se a fallar sobre escravatura, e agora sobrei relações com os Estados-Unidos. Faltando sobre a Casa Mança, devo fazer a mesma justiça que fez o Sr. Ministro elos Negocios do Reino, a todas as Administrações que sustentaram os direitos de Portugal áquelle territorio. Refiro-me porém mais particularmente ao Sr. Visconde de Sá, que foi quem deu instrucções particulares sobre este objecto. Tambem mereceu a attenção do Governo a que eu tive a honra de pertencer; e eu mesmo, para pode; esclarecer completamente este negocio, pedi informações ao Visconde de Santarem, que com a melhor vontade se tem prestado a da-las, devendo eu fazer justiça a este individuo, que não só é um litterato distincto, mas dá uma prova dos seus sentimentos Portuguezes. Em quanto á Casa Mança, não direi mais nada. Eu defiro um pouco da opinião do Sr. Visconde de Sá, em quanto a não se assignar o Tractado com a França, sem se inserir nelle uma designação das nossas Possessões. Fez-se isso na Convenção com Inglaterra, e foi muito bem aproveitada a ocasião de se fazer uma designação das nossas Possessões ao Sul do Equador, porque Portugal conservara o direito de exportar os negros das suas Colonias, para as outras suas proprias Possessões.

Sou da opinião do illustre Barão da Ribeira de Sabrosa, de que as nossas relações com a Inglaterra, são as mais importante, de todas, e por isso eu lamento sempre qualquer expressão, que possa transtornar o bom exito de negociações pendentes, e une possa alterar a boa harmonia entre os Governos, e excitar ressentimentos nacionaes, quando se deseja conservar a paz, muito mais quando em algumas occasiões temos tirado bons resultados dessa boa intelligencia. Devo porém observar que esta negociação a respeito do Tractado com a França, não é uma negociação agora intentada de novo, é uma negociação que já existia a primeira vez que eu tive a honra de entrar no Ministerio. Eu estimaria ainda mais, que fizessemos o Tractado com a Inglaterra, para por um termo ao bill, porque, confesso que como Portuguez, sinto que pena sobre nós um grande mal, em quanto aquelle bill se acha em vigor.

Esquecia-me fazer ainda uma observação sobre o que se disse a respeito da negociação com os Estados-Unidos. Eu já indiquei que os Estados-Unidos estavam dispostos a tractar comnosco debaixo, do principio de reciprocidade; mas estando no Ministerio achei as difficuldades, que apontei em geral para concluir este negocio. Seguirei os mesmos principios agora que estou fóra do Ministerio; eu estimaria que não entrássemos em tantas particularidades sobre as condições do Tractado, porque talvez poderia prejudicar o seu bom resultado. Não deixo de fazer justiça aos sentimentos do illustre Senador, mas julgo que não seria conveniente entrar em uma discussão sobre as diversas estipulações do Tractado, porque não está ultimado.

O Sr. Visconde de Sá da Bandeira: — Pedi a palavra para responder ao nobre Duque, que perguntou se durante a minha Administração se havia pedido a mediação de alguma Potencia, para a negociação da Casa-Mansa. Sobre isto direi, que considerando eu que pelo estabelecimento dos Francezes neste Rio, póde vir a experimentar grande ruina, o commercio da Colonia de Santa Maria, e outras feitorias Inglezas do Rio Gambia; já pela proximidade dos dous Rios, já pela communicação que se diz terem entre si no interior do Paiz; que sabendo tambem que os Negociantes Inglezes interessados no commercio daquella parte da Costa de Guiné, reclamavam perante o seu Governo contra o estabelecimento dos Francezes na Casa-Mansa, e achando-se assim, que este negocio era de interesse commum a Portugal, e á Gran-Bretanha, fiz propôr ao Governo Inglez, de cooperar com Portugal perante o Governo Francez, a fim de se terminar este negocio. A proposta não foi acceita.

Quanto a dizer-se que a determinação de limites, não tinha muito logar em um Tractado para a suppressão do trafico da Escravatura, tenho a responder, que já pela Convenção de 1817 entre Portugal e a Gran-Bretanha, se acham demarcadas as Possessões Portuguezas na Africa austral.

Notarei outro ponto em que ha differença nos Tractados para a suppressão do trafico, entre os propostos pela Inglaterra e pela França. O direito de visita póde, pelo Tractado com Inglaterra, exerce-se em todos os mares; menos Mediterrâneos, e nos mares da Europa de 37 gráos de latitude para o Norte. Pelo Tractado proposto pela Fiança, não é a mesma cousa, o direito de visita poderá ser exercido nos mares que estão entre o paralello de 15 gráos ao Norte, e 10 gráos ao Sul do Equador; e tambem na proximidade do Brasil e da Cuba; de fórma que os navios traficantes podem navegar impunemente fóra destes mares, sem que os Cruzeiros Francezes os possam visitar. Ora o paralello de 15 gráos passa pelo Cabo-Verde; e é ao Norte deste Cabo, que estão as Colonias Francezas do Senegal, e é ao Sul delle que estão as Colonias Portuguezas do Continente Africano. Assim succederia que os navios Portuguezes poderiam ter visitados ao pé dos portos Portuguezes, e os navios Franceses não poderiam ser visitados ao pé dos portos Francezes: isto não e igual, e então deve-se estipular, que os navios Portuguezes hão-de ter os mesmos direitos sobre os navios Francezes: e isto foi um dos pontos em que insisti. Pois que os navios Cruzadores tem direito de visitar os navios immediatamente á saída cios portos Africanos; podemos designar quaes são esses portos que pertencem a cada uma das partes contractantes: e essa designação póde ter logar, visto que temos o precedente de 1817. Demais; é conveniente que haja esta explicação, não só pelo quo leiu acontecido, mas pelo que já disse a respeito da Casa-Mansa.

Por esta occasião direi alguma cousa a respeito da Bahia de Lourenço Marques, sobre que fallou o nobre Duque. Ha tres ou quatro annos houve no Cabo da Boa-esperança, uma grande emigração, de mais de vinte mil Hollandezes, que desgostosos do Governo Inglez, abandonaram o territorio do Cabo, e atravessando os sertões da Africa, foram para a Costa Oriental fundar um estado independente na terra de Natal. O Governo do Cabo mandou alli tropa, mas o Governo da Metropole mandou ordem para que esta se retirasse. Pelo presente, os Hollandezes emigrados na terra de Natal estão independentes. Elles tem-se estendido, e segundo noticias recentes, parece que se tem estabelecido na parte do Sul da Bahia de Lourenço Marques. Um Capitão Inglez da Marinha Real, veio em 1822 a Lisboa, e levou cartas de recommendação do Almirante Quintella para as authoridades de Moçambique; pagou a recommendação arvorando nas terras Portuguezas de Lourenço Marques uma bandeira Ingleza, e tomando posse apesar do Governador do presidio Portuguez. É preciso muito cuidado com estas recommendações, o nobre Duque tractou em Londres este negocio com todo o empenho.

Tambem a respeito dos limites nas Colonias, deve ter-se em vista o que tem succedido com os Hollandezes, que dominam uma parte da Ilha do Timor. Em quanto o Governo Portuguez tem tractado esta Ilha importante com grande desleixo; os Hollandezes que nella tem a Colonia de Cupão, que tem prosperado, tem-se ido pouco a pouco apossando d'alguns portos pertencentes a Portugal, e attrahido a si varios Régulos da obediencia Portugueza. Será pois, necessario, que o Governo tenha isto em consideração, quando haja de se fazer algum Tractado com Hollanda.

Agora quanto ao Tractado com a França, faça-se, masque se faça tambem o que é de justiça; prevenindo motivos de futuras contestações. Repito, que acho util fazer Tractados com todas as Nações maritimas para perseguir os traficantes, e já dei os motivos desta minha convicção.

Resolvendo-se que continuasse a discussão, apesar de ter dado a hora, teve a palavra

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra para responder á pergunta feita pelo nobre Duque; mas tendo dito o Sr. Visconde de Sá da Bandeira (que eu não tinha reparado se achava no seu logar) o que houve n'uma das Administrações de que eu formei parte com elle; nada mais tenho a accrescentar sobre este objecto. Entretanto achando-me em pé, e como Ministro do Ultramar direi alguma cousa sobre o ponto a que se allude.

Sr. Presidente, já o meu illustre collega o Sr. Ministro dos Negocios do Reino, fez a justiça devida a uma authoridade Portugueza, a um homem de côr, mas um homem de grande préstimo e serviços, que cumprio os seus deveres para com a Metropole, no maior gráu de lealdade. Quando ouvi a pergunta do nobre Duque, a primeira idéa que tive, foi declarar a S. Ex.ª, que a intervenção pedida tinha tido logar no tempo da primeira Administração de que eu fiz parte: aquella authoridade, não contente com o protesto que fez para manter os direitos do Governo, sobre a posse da Casa-Mansa, fez mais; dirigiu-se ao Governador de Gambia e pediu soccorro: foi em consequencia disto, que aquella Administração, de que eu era Membro, julgou que seria muito conveniente fazer conhecer ao Governo Britannico, as vantagens que resultavam de se aplanar este negocio, e não só para o Governo Portuguez, mas mesmo para os subditos Britannicos, que se acham naquellas paragens, como o illustre Visconde declarou á Camara. Limito-me por tanto a dizer.

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que não me consta que houvesse absolutamente uma petição de rogativa, ou de intervenção a nenhuma Potencia da Europa: apresentou-se uma declaração, fazendo conhecer a uma Nação alliada, com que nos temos sempre achado ligados, que não era só do nosso interesse, mas tambem do Governo Britannico defendel-as Possessões de Portugal. E com isto parece-me ter satisfeito ao que desejava saber o nosso Presidente.

O Sr. Castro Pereira: — Como o meu nobre e antigo amigo o Sr. Duque de Palmella, dirigiu uma interpellação aos Membros que foram das Administrações passadas, relativamente ás negociações que tem havido com a França, ácerca da Casa-Mansa, tenho a responder a S. Ex.ª que em todo o tempo em que tive a honra de dirigir a Repartição dos Negocios Estrangeiros, não se tractou de tal materia. Verdade e que o Sr. Barão de Bois-le-Comte, que então era Ministro de França aqui, mostrou desejos de concluir comnosco um Tractado, para a extinção do trafico da Escravatura; mas como eu lhe declarasse do querer primeiro tractar com a Inglaterra, com quem estivera já um Tractado a ponto de terminar-se; elle me respondeu, que o Ministro Inglez lhe tinha declarado, não ter duvida alguma em consentir, que se fizesse a negociação primeiramente com a França. Eu porém insisti, manifestando ao Ministro de França, razões as de dever e de conveniencia, para dar neste negocio a precedencia á Inglaterra; e elle apreciando as razões em que eu me fundava, desistiu por então da sua pertenção.

É esta a explicação que eu entendi dever dar para satisfazer á pergunta do nobre Duque de Palmella.

O Sr. Duque de Palmella: — Ainda que a hora está adiantada, peço todavia a indulgencia da Camara, e serei tão breve quanto possa.

Em quanto á questão, que é o Tractado com a França, já se tem dito tudo o que ha a dizer, e apenas poderia agora repetir o que disse ha poucos momentos, isto é, que julgo ser muito util, que nesse Tractado se insira a demarcação das nossas Possessões ao Norte do Equador, mas sendo talvez impraticavel, convém então examinar se nessa hypothese se deve abandonar o Projecto de Tractado com a França, a respeito do trafico da Escravatura, e no caso de nisso senão convir, não acho indispensavel a demarcação para o objecto do mesmo Tractado. Muito bem observou o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, que pouco, ou nenhum interesse tinhamos em concluir esse Tractado, e alguns outros da mesma natureza; porque realmente vem a ser uma questão de palavras, não resulta delles nem grande bem, nem grande mal, e é mais possivel que resulte mal do que bem (Apoiado): por tanto, o Tractado com a França a unica vantagem que teria, seria dar-nos occasião a que se assignasse um acto formal dessa natureza, com uma Potencia de primeira ordem, cujas boas disposições é sempre conveniente cultivar; e se a França mostrar grande desejo nisso, póde fazer-se o Tractado como um acto de politica para captar a sua benevolencia, com tanto, que d'ahi não resulte o inconveniente de excitar alguma outra Potencia, que tenhamos mais interesse de contemplar.

Mencionou o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa o que se tinha dito nesta Camara, relativamente a um Projecto de Tractado de commercio com os Estados-Unidos, e perguntou se o negociador Americano renunciava á pertenção da concessão, ou a igualar os navios daquella Nação com os nossos, assim no commercio directo como no indirecto. A isto não julgarão talvez responder os Srs. Ministros, visto achar-se a negociação pendente. Eu digo, que na minha opinião tal concessão senão deve fazer, e se fosse um sine que non da parte do Plenipotenciario Americano, votaria porque tal Tractado senão fizesse. Nada accrescentarei a este respeito, porque o assumpto ha de ser aqui tractado em outra occasião mais a proposito.

Dirigi uma pergunta aos illustres Membros que aqui se acham, e fizeram parte das Administrações posteriores a 1836, sobre o que se tinha passado ácerca das negociações de Casa-Mansa, o, se para terminar as nossas desavenças com a França, nesse tempo se buscou a intervenção de alguma outra Potencia, Pelo que ouvi ao Sr. Visconde de Sá, e mesmo pelo que ouvi ao Sr. Presidente do Conselho, manifesta-se que alguma cousa houve; e até me parece que o primeiro destes nobres Senadores claramente dissera que se tinha pedido. Não foi com animo de censurar esse procedimento, se elle tivesse tido logar, que eu fiz a pergunta, mas sim e unicamente para me aproveitar da resposta a fim de produzir uma observação, e é, que a maior parte das vezes são inuteis essas tentativas de mediação, e que muito nos conviria acharmo-nos em circumstancias de prescindir dellas, porque serão sempre, ou quasi sempre recusadas quanto mais as necessitarmos.

Eu tenho já abusado bastante da paciencia da Camara, hontem principalmente divaguei muito; aproveitando-me do privilegio das pessoas que se aproximam a uma idade avançada, e lembrando-me de que fui attendido com tanta benevolencia, desejaria ainda me fosse continuada, permittindo-se-me saír fora da questão

(Vozes: — Falle, falle).

Os velhos são sempre o que delles disse uni grande escriptor ha muitos seculos, laudalor temporis anti; isso está na humanidade: comtudo não intento elogiar o tempo passado, e menos ainda tecer o meu proprio elogio. Procurando ha algum tempo varios papeis relativos a umas reclamações que se tinham feito á Inglaterra, durante uma das minhas missões em Londres, achei um Officio escripto lia vinte e quatro annos, e cuja leitura me parece não será de todo inutil neste momento, porque coutem muitas cousas apropriadas talvez ao tempo presente: tenho na mão o original delle, porque pedi m'o confiassem na Societária dos Negocios Estrangeiros, por isso que os meus papeis, em consequencia de emigrações e vicissitudes por que leiu passado a minha vida, estão um pouco em confusão.

Naquelle tempo soffremos insultos dos Cruzadores Britannicos, da mesma especie do que temos soffrido nestes ultimos tempos, e pela mesma causa, isto V, a malfadada questão da escravatura: além disso, a Inglaterra tinha, havia pouco, terminado a guerra com os Estados-Unidos. Um navio de guerra Inglez tinha apresado uma embarcação Americana na Bahia do Fayal, e havia mesmo causado perjuizo á povoação; por este e por outros insultos de igual natureza, pedi satisfações, como Representante do Governo Portuguez, e tive a fortuna de as obter plenas e completas. Eu já disse hontem que a historia da nossa Diplomacia moderna é pouco conhecida em Portugal, e quasi que o que se sabe della, é só por alguns libellos escriptos, sempre por espirito de partido, e dictados pelas pertenções, e pelas paixões. Longe de querer comparar pigmeus com gigantes, direi todavia que não foi só no tempo da Administração do Marquez de Pombal, que se obtiveram satisfações do Governo Inglez; e para o provar, passarei a lêr alguns documentos daquelles a que me referi há pouco.

O Orador leu então o seguinte

Officio.

«Tenho a satisfação de remetter inclusas a V. Ex.ª com as letras B. C. D. E, copias de duas Notas, que recebi de Mylord Castlereagh, e das replicas que julguei necessario dirigir-lhe. Por estes documentos verá V. Ex.ª que ficam, por quanto é possivel, sanados os insultos commettidos contra a independencia do territorio Portuguez pelo Capitão Lloyd na ilha do Fayal, e por Sir J. Yeo na Ilha do Principe. Em quanto ao primeiro consente este Governo, além da satisfação que deu por escripto Lord Castlereagh, a indemnisar os damnos causados aos moradores da Villa da Horta pelo fogo da Esquadra Britannica. A segunda satisfação ainda é mais completa, pois que o Proprietario do Navio apresado receberá a competente indemnisação, e Sir James Yeo foi asperamente reprehendido pelos Lords do Almirantado em uma Carta de que Lord Castlereagh me remetteu copia. Parece-me que a publicação destas duas solemnes reparações offerecidas pela primeira Potencia maritima do mundo seria agradavel á Nação Portugueza, e decorosa para Sua Magestade El Rei Nosso Senhor, que deste modo mostra aos seus Vassallos que sabe resentir-se dos insultos commettidos mesmo pelos Governos os mais poderosos, e conservar a dignidade da sua Corôa. Remetti por tanto aos Redactores do Investigador os sobreditos documentos, ordenando-lhes de os publicar por extracto no seu Numero do mez de Dezembro, de modo porém que não pareça que se publicam officialmente as proprias Notas identicas, o que poderia talvez offender ao Governo Inglez, e é mesmo contrario aos usos ordinarios da diplomacia. Espero que Sua Magestade se digne approvar a resolução que tomei, em virtude destas ultimas Notas, de me dar por satisfeito com a reparação offerecida, pois que vistas as disposições manifestadas pelo Ministerio Britannico, pareceria affectação o insistir sobre outras queixas de menor gravidade, que ainda talvez restariam, tanto mais que a cessação da guerra, e os ajustes da Convenção de 28 de Julho dão logar de esperar que se não renovem os attentados contra os quaes, com tanta justiça, reclamamos até agora.

«Se V. Ex.ª se dignar considerar o som de energia e de singelesa com que, nas minhas Notas a Mylord Castlereagh, me expliquei ácerca dos insultos que os officiaes da Marinha Britannica cometteram contra nós, achará nellas um contraste bastantemente singular com o estylo de doçura e de conciliação, em que são concebidas as respostas do sobredito Ministro. Faço esta observação para provar, que podêmos e devemos fallar com firmeza ao Governo Britannico sempre que tivermos a razão e a justiça pela nossa parte, e que uma lat firmeza, longe de nos ser nociva, é até necessaria para conservar a estimação deste Governo. Citarei ainda, a este mesmo respeito (se me é licito uma tal liberdade) a correspondencia que tive em Cadiz com Sir H. Wellesley ácerca dos Direitos da Rainha Nossa Senhora, e as contestações com Mylord Castlereagh no Congresso de Vienna. Julgo porém, que ao mesmo tempo, que devemos sustentar invariavelmente as causas, em que a nossa justiça é clara, não nos convem azedar inutilmente este Governo, o unico Alliado que temos na Europa, pois que a Austria, em razão da sua posição mediterranea, de pouco pode servir-nos! Fui induzido a fazer esta digressão pela leitura de alguns dos officios, que hoje remetto a sêlo-volante do Ministro de Sua Magestade em Berlim, nos quaes (a meu vêr, sem razão nenhuma) aquelle Ministro participa, que procurava, nas suas conferencias com o Ministerio Prussiano, inspirar desconfiança sobre o projecto de mediação proposta pela Gram-Bretanha para reconciliar a Hespanha com as suas Colonias, o qual tem já obtido a approvação de quasi todos os outros Gabinetes. Não pretendo discutir agora aquella questão, que nenhuma relação tem com o assento deste officio; mas sómente indicar, muito a meu posar, e porque assim me julgo obrigado a fazê-lo, que esta especie de azedume dos nossos Ministros contra a Gram-Bretanha, não deve manifestar-se imprudentemente, tanto mais que, para quem conhece o espirito que actualmente prevalece na Alliança das cinco Potencias maiores da Europa, é evidente, que estas debeis tentativas de nada servem senão para indispor os Inglezes contra nós; porque as grandes Potencias, por uma especie de ajuste tacito, se sacrificam mutuamente os interesses das menores; e de certo não haverá nenhuma dellas que faça o menor esforço para nos livrar da influencia que a Inglaterra faz pesar sobre nós. O unico e verdadeiro modo de nos libertar dessa influencia deve-se procurar em nós mesmos; e se não precisar-mos da Gram-Bretanha nem para soccorros maritimos, nem para soccorros pecuniaros, nem para defender Portugal contra Hespanha, poderemos então estar bem certos, que a nossa independencia será respeitada por esta, como o é a dos Estados-Unidos da America. A prosperidade e a força interior da nossa Monarchia, a reanimação de seu Commercio e da sua Marinha, devem ser as bases; o sacudir a influencia de Inglaterra será a consequencia indubitavel destas: qualquer tentativa na nossa politica exterior, se não precederem as sobreditas bases, será sempre baldada.

«Queira V. Ex.ª perdoar-me o modo por que tenho divagado; acostumado, por inclinação e por systema, a manifestar sempre francamente, nos meus officios, o meu modo de pensar, julgo-me ainda mais obrigado agora a mostra-lo abertamente para merecer, ao menos por esse titulo, a confiança do Nosso Augusto Soberano. Julgo tanto mais conveniente esta explanação, por quanto a minha conducta, desde que fui instalado na missão de Londres, poderia, á primeira vista, indicar que eu tenho para esta Nação aquella especie de parcialidade que entre nós se qualifica — de partido Inglez. — Protesto porém a V. Ex.ª que eu me julgaria criminoso se nos negocios que Sua Magestade se digna confiar-me me deixasse guiar por qualquer inclinação que não seja a do Patriotismo Portuguez, e do bem do seu Real serviço, e para isso comecei por fazer a enumeração dos meus titulos Anti-Inglezes. É verdade que achando, quando aqui cheguei, que prevalecia o maior azedume entre os dous Governos, que as nossas negociações se complicavam de um modo espantoso, e que perdia-mos a Alliança da Gram-Bretanha ao mesmo tempo que as nossas discussões com a França, Hes-

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panha, e por fim com a Russia, nos deixavam sem nenhum apoio na Europa; julguei dever usar de todos os meios de conciliação que fossem compativeis com o decoro e com a independencia da Corôa de Sua Magestade; porque no estado actual do que se póde chamar a Republica Europea, e indispensavel, para Portugal como qualquer outro Estado, o contar com alguma Alliança, e estabelecer, para assim me explicar, o seu logar em um dos lados da balança, sob-pena de se vêr exposto, como agora nos succederia se a Gram-Bretanha retirasse a sua garantia, a perigos inevitaveis! Graças ao sabio e paternal Governo de Sua Magestade, e aos elementos de prosperidade que em si encerram os Reinos de Portugal e do Brasil, espero que brevemente hajam de sanar-se todas as chagas que ainda nos deixou a ultima guerra, e que possa-mos completamente resgatar-nos do monopolio do commercio Inglez (o que só conseguiremos gradualmente), e escolher livremente então os Alliados que nos convem, em vez de receber a Lei que elles nos dictarem. = Deos Guarde a V. Ex.ª Londres, 8 de Novembro de 1817. = Conde de Palmella.»

Notas a que se refere este Officio.

(Traducção). «O abaixo assignado, Principal Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros de Sua Magestade, tem a honra de participar ao Conde de Palmella, que os Lords Commissarios do Almirantado, tendo recebido do Capitão Sir James Yeo participação do seu procedimento delirar, á força, do porto da Ilha do Principe, na costa de Africa, uma Escuna Portugueza chamada «Dous Amigos» julgaram necessario fazer conhecer áquelle Official a decidida desapprovação de Suas Senhorias de seu comportamento por uma carta datada de 17 do presente, cuja cópia vai inclusa para intelligencia do Conde de Palmella, e do Governo de Sua Magestade Fidelissima.

«O abaixo assignado espera, que o Conde de Palmella acceitará, em nome do seu Governo, esta communicação como a mais ampla satisfação, que se possa dar a Sua Magestade Fidelissima, pelo imprudente, e não authorisado acto de um mui distincto Official; e como a reclamação de indemnisação do dono ha de quando fôr tempo, vir ao conhecimento da Commissão mixta, que se ha de estabeleci r em Londres, na conformidade da ultima Convenção, toda a ulterior explicação a respeito desta parte da questão será mais propriamente transferida para a occasião, em que a causa fôr apresentada para o formal julgamento.

«O abaixo assignado aproveita esta occasião para renovar ao Conde de Palmella a segurança da sua mui distincta consideração = Castlercagh = Para o Conde de Palmella = Secretaria dos Negocios Estrangeiros em 25 de Outubro de 1817.»

(Traducção). «Secretaria do Almirantado em 17 de Outubro de 1817 — Sir — Em referencia á vossa carta de 3 do passado, contendo a narrativa dos motivos, que influíram na vossa conducta, para a captura de uma Escuna Portugueza chamada «Dous Amigos» no ancoradouro da ilha do Principe, na costa de Africa; sou encarregado pelos Lords Commissarios do Almirantado de vos participar, que o Principal Secretario de Estado dos Negocios Estrangeiros de Sua Magestade, tendo feito remetter-lhe para sua consideração a opinião do Advogado Geral do Rei, a respeito da violação do territorio, que aquelle facto envolve; Suas Senhorias, revendo todo este negocio, são da opinião, que a vossa conducta foi mui impropria, e julgam necessario dirigir-vos unia severa reprehensão pelo vosso indiscreto, e vio lento procedimento, e admoestação de ser para o futuro mais circumspecto, e cauteloso na vossa conducta — Sou etc. (assignado) J. Barrow — Para o Capitão Sir James L. Yeo, Commendador da Ordem do Banho.»

Londres 28 de Outubro de 1817. «O abaixo assignado Enviado Extraordinario, e Ministro Plenipotenciario de Sua Magestade Fidelissima, teve a honra de receber a nota de Sua Excellencia, Mylord Castlereagh, datada de 25 do corrente, acompanhando uma cópia do officio dirigido pelos Lords Commissarios do Almirantado a Sir James Yeo, relativa á violação do territorio portuguez, commettida por este Official no porto da Ilha do Principe, na costa de Africa. = O abaixo assignado, em vista da explicação contida nesta nota, julga-se sufficientemente authorisado pelo seu Governo, para acceitar, como uma satisfação da parte de Sua Magestade Britannica, a reprehensão, que os Lords do Almirantado dirigem a Sir James Yeo, e não lhe resta a este respeito mais, que significar a S. Ex.ª Mylord Castlereagh a satisfação que lhe inspira o vêr terminado deste modo um negocio tão desagradavel em sua Origem. Em quanto á indemnisação, que os proprietarios do navio apresado tem direito de pertender, o abaixo assignado convem, que ella podera ser liquidada perante a Commissão mixta, que se estabelecerá em Londres. Ficando com tudo entendido, que a Commissão não será chamada, no caso em questão, para julgar a legalidade da presa, que, mesmo segundo a confissão do Governo Britannico, deve desde já ser considerada como illegal. O abaixo assignado aproveita-se desta occasião para reiterar a S. Ex.ª Mylord Castlereagh os protestos de sua alta consideração = Conde de Palmella — A S. Ex.ª Mylord Castlereagh.»

Tendo concluido estas Leituras, proseguio

O Sr. Duque de Palmella: — Sr. Presidente, não se verificaram os prognosticos favoraveis que antecipava, porque vieram desgraças sobre desgraças a Portugal. Pelos documentos que acabo de lêr tenho a consolação de provar que ha vinte e quatro annos pensava e escrevia do mesmo modo que hoje penso e fallo. Applicando algumas das observações que deixo lidas, direi que faço votos para que em todas as questões entre Portuguezes e Estrangeiros, os Portuguezes se unam, pondo de parte todas as suas desavenças sobre a politica interna, e toda a especie de consideração mesquinha (Apoiados geraes).

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — A Camara pede votos.... (Vozes: — Falle. Falle). Não me opporei, mas se me dão licença direi duas palavras e mui resumidas.

Quando se tracta de negociações pendentes, é do dever do Ministerio o ler alguma reserva que não se póde culpar porque pareça coberta com um véo, mas esta mesma reserva entendo eu que não deve servir de regia nos Corpos Legislativos, porque e ahi onde o Ministerio se aconselha, onde ouve a voz da Nação, pelas pessoas que a representam, e não é de balde, nem sem razão que estes Corpos se chamam os Conselhos Nacionaes: e sendo isto assim muito me apraz ouvir as differentes opiniões dos Membros do Senado a respeito do Tractado com os Estados-Unidos. O nobre Barão da Ribeira de Sabrosa fez-me uma pergunta á qual não posso ler a honra de responder; mas direi que o Governo tem em contemplação todas as circumstancias mencionadas, e que entende senão deve tomar á letra a palavra reciprocidade que esta não consiste em entradas e sabidas dos navios das mesmas Nações, em direitos de ancoragem etc. entre uma que tem muito a exportar e outra que tem menos. O Governo contempla tudo isto, e não se esquece das reflexões que se fizeram ácerca do commercio indirecto.

Pelo que respeita ao Tractado com a França, e á inserção nelle do que é relativo á Casa-Mansa, o Governo desejava que assim se fizesse, acabando se deste modo a questão; mas só póde responder que fará tudo que estiver da sua parte, e q.;e julgar mais conveniente á dignidade da Nação.

Em quanto á demarcação do territorio, parece-me haver alguma differença sobre este ponto entre as opiniões dos Srs. Conde de Villa Real e Visconde de Sá da Bandeira; com tudo não creio que sejam inconciliáveis. O que eu acho muito para notar é o que o Sr. Visconde entende relativamente ás pertenções do direito de visita nos diversos mares: eu o tomo como conselho, e se estivar ainda na Administração, principalmente no Ministerio dos Negocios Estrangeiros, terei muito cuidado a este respeito, e até agradeço a S. Ex.ª as reflexões que fez, porque são muito acertadas e filhas de um animo muito patriotico.

Pelo que toca á opinião do nobre Barão da Ribeira de Sabrosa sobre o cuidado que deve haver em não ter o prurido de fazer Tractados, observarei, porque é cousa notavel, que na Sessão passada a opinião geral era de que não fizessemos Tractados: este anno tola a gente clama que é necessario fazer Tractados. Até nisto impera a moda. A este respeito creio que o melhor é não indicar grande desejo de os fazer; evitar ambos os excessos, e esperar a boa occasião de negociar; cada qual; e que em summa devemos fazer Tractados quando os podermos ajustar decorosa e utilmente, e rejeitar ambas as theorias quando senão der nem uma nem outra cousa. Não tomarei mais tempo á Camara, porque assás tem sido indulgente em me ouvir.

O Sr. Barão da Ribeira da Sabrosa: — Sr. Presidente, ha dias entretiveram-se aqui alguns illustres Senadores, tractando accidentalmente da utilidade d'uma negociação com os Estados-Unidos d'America do Norte. Nessa occasião não pude eu estar presente; mas li depois que todos manifestaram vivos desejos d'um Tractado de commercio com os Estados Unidos. Nesse desejo concordo eu muito com os illustres Oradores, e como se entendeu que a negociação era facil, sem uma resolução do Parlamento, desejei eu saber se os Estados-Unidos prescindem d'uma difficuldade ácerca da navegação indirecta; porque os illustres Senadores não tinham introduzido esta idéa nos muitos pontos que tocaram. E usando do mesmo direito de que Suas Excellencias usaram, quiz eu saber se essa difficuldade estava removida, por isso que me havia embaraçado; pois é certo que eu não deixei de ter a tal respeito algumas conversações com o mui digno Ministro daquella Republica, o Sr. Kavanak. Até aqui, Sr. Presidente, sei eu, mui certo, e absolutamente que poder ir a declaração, e não sei, por tanto, porque alguns Senadores se admiraram!

Sr. Presidente, a Diplomacia é uma sciencia, que, como qualquer outra, tem varias seitas, e secretarios. Em Medicina uns são Brownistas, outros quebram lanças por Broussais; nos conventos, de que eu conservo reminiscencias, uns Padres Mestres veneram o sublime Scotto, outros o angélico, outros o melifluo etc. Assim acontece coai os Diplomatas. Uns levam a reserva ao ponto de fazer mysterio das cousas mais insignificantes, e eu não sei, por ora, o que temos ganhado com essas secretissimas negociações de certos Tractados: outros fazem mysterio sómente daquillo que o exige, e que o merece, Eu seria do numero destes, porque tenho como certo que — extrema reserva, extrema impostura. Muitas vezes uma affectada reserva significa tanto como um et coetera que quer dizer, que se acabou a prosa {riso). Dizer constantemente n não convém tocar nisso n é um talisman de que muitas vezes se servem os Diplomatas para encobrirem com a capa de serviço publico as suas proprias fallas (apoiados). Neste caso, Sr. Presidente, não póde vir inconveniente algum, antes bem talvez, da minha pergunta.

O Sr. Conde de Villa Real — É verdade, Sr. Presidente, que houve ha dias nesta Camara essa longa discussão sobre as negociações com os Estados-Unidos; discussão que seria talvez mais longa se S. Ex.ª o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa estivesse presente. Nessa discussão tive eu tambem occasião de tomar parte, porque tinha a honra de ser Ministro dos Negocios Estrangeiros. Cumpria-me apontar as difficuldades que se oppoem á conclusão desta negociação, e que são notorias; mas eu não creio que dissesse cousa alguma que tivesse relação com alguns pontos da negociação pendente, e só em geral indiquei que para se fazer um Tractado de commercio com os Estados-Unidos era preciso fazer-se a seu favor uma excepção nos Decretos existentes que estabelecem direitos differenciaes. Foi sómente isto o que então eu tive a honra de dizer.

O Sr. Vellez Caldeira: — A conversa que outro dia houve nesta Camara por occasião de se tractar das negociações com os Estados-Unidos, não deixou de ser mais longa por não estar então presente o Sr. Barão da Ribeira de Sabrosa, como acabo de ouvir dizer (apoiados). Foi sim porque eu pedi ao Sr. Presidente pozesse fim áquella conversa, pelos inconvenientes que ella poderia trazer comsigo. Porém a verdade é, Sr. Presidente, que quando se tracta do qualquer materia, ou facto, que diz respeito ao tempo da Administração em que servio qualquer membro, desta Camara o desejo dessa pessoa, parece ser logo o de provar que os seus actos foram justos, coherentes, e feitos com a maior legalidade: e por isso não póde, nem deve estranhar-se, que esse Membro de qualquer Administração, tracte de justificar os seus actos (apoiados). Agora, Sr. Presidente, concluirei dizendo que me parece ter-se dito bastante sobre a materia em discussão, e por isso julgo estar nos termos de poder votar-se: requeiro por tanto que V. Ex.ª consulte a Camara, se entende estar sufficientemente discutida (Apoiados).

A Camara resolveu affirmativamente, e seguidamente foi posto a votos o paragrapho 7.º e ficou approvado.

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O Sr. Presidente Interino declarou que a Sessão proxima deveria ter logar na Segunda feira (20), e tendo dado para ordem do dia a continuação da discussão da Resposta ao Discurso do Throno, fechou esta pelas cinco horas.

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