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DIARIO DO GOVERNO.

quanto não principiar-mos pelo pouco, nunca chegaremos ao muito.

Quanto ao melhoramento da navegação dos nossos rios, da navegação tal qual existe, não é agora a primeira vez que se tracta da empreza de fazer navegavel, em maior extensão, o Tejo e o Douro, e tanto o não é, que já em 1823 o Ministerio de então, e de que eu tive a honra de fazer parte, se occupou desta materia, de acôrdo com o governo de Hespanha, e tractava-se de nomear uma Commissão mixta, para se proceder ao exame e orçamento das obras, quando o exercito francez, commandado pelo Duque de Angouleme entrou em Madrid. Assim este projecto ficou abandonado, em consequencia da retirada do Governo de Hespanha para Cadiz, e das grandes novidades que naquelle anno houveram, tanto em Hespanha como em Portugal. Tractou-se conjunctamente do Douro e Tejo, porque é minha opinião que o Douro e o Tejo, estão no mesmo caso, e por isso desejaria que assim como se tractou do Douro, tambem do Tejo se tractasse. Estas empresas são da maior utilidade para este Reino, e ainda que por pouco se principie, deve fazer-se alguma cousa, ou seja de acôrdo, ou sem acôrdo ou concorrencia do Governo do Reino visinho. Mas tal é o desleixo que tem havido, que, apezar de termos um bom numero de Engenheiros, não ha ao menos a planta de um destes rios, como conviria para formar-se a idéa das difficuldades que devem supperar-se; ao menos um reconhecimento, para se conhecerem as obras que são necessarias, e as despezas que com ellas se poderão fazer!

Assim é reconhecida a grande necessidade que ha de se ultimar esta convenção. Se esta empreza fôr avante nenhuma duvida póde haver de que as Provincias do norte prosperarão com a facilidade do transporte dos seus productos, e pelo transito e circulação pelo rio dos generos de fabricação estrangeira, que darão grandes lucros ao nosso commercio, além dos ordinarios beneficios que resultam do seu transito, e sendo isto assim, eu não sei, Sr. Presidente, que apprehensão, ou que horror é este que ha ao augmento da nossa prosperidade, e da nossa riqueza? (Apoiados). Tão longe está de empobrecer um paiz atravessado por um rio, quando a navegação deste toma uma grande actividade, que, pelo contrario, este augmento de actividade faria rico o mesmo paiz, quando ella fosse pobre. Veja-se a Belgica cruzada em todas as direcções por vehiculos de fogo, e aonde as communicações são tão rapidas e activas, apezar das despezas enormes que se fizeram, se elle tem empobrecido, ou se a prosperidade daquelle paiz não tem experimentado consideravel augmento. E no entretanto naquelle paiz tambem ha generos de contrabando, e faz-se o contrabando, assim como em toda a parte aonde houver commercio, direitos pesados, leis restrictivas, ou chamadas protectoras. Nos paizes pobres de certo não ha a praga do contrabando, e eu não sei se será grande medida, tolher o commercio, descalçar as estradas, e obstruir os rios, a fim de tolher os meios de fazer-se o contrabando! O receio que ha da introducção de contrabando pelo Douro, é muito mal fundado; porque é mais facil fiscalisar os generos que em um barco seguem pelo rio, do que os que transitam por terra. Pela fronteira faz-se contrabando pelos Hespanhoes, e pelos Portuguezes, a furto, e ao retalho: o dos cereaes, por exemplo, é feito, pela maior parte, pelos proprios fornecedores do Commissariado! Há de continuar a fazer-se, e nada o poderá impedir, em quanto os Povos tiverem interesse em o fazer, em uma raia aberta, extensa, e cuja guarda é absolutamente impossivel, ou seja por nossa parte, ou pela parte do Governo de Hespanha.

De resto, e não sem sentimento, concordo com a opinião do Sr. Ministro do Reino, em quanto a dizer, que o Tractado ha de fazer-se, mas que não haverá tão cedo navegação; porém esta idéa, ou antes a certeza de que assim possa acontecer, não deve obstar a que este negocio se leve á conclusão. (Apoiados.)

Portanto, Sr. Presidente, sem querer entrar na questão da convenção, não quiz deixar de aproveitar este momento para exprimir os meus desejos sobre este assumpto, estimando muito o vêr que as Administrações de Portugal tractem, de futuro, de empregar todos os meios possiveis, para que a navegação do Douro e Tejo tenham a extensão que é possivel terem, e que ha de concorrer mais do que vulgarmente se pensa para a nossa prosperidade.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Sr. Presidente, tudo quanto se podia dizer na presente occasião, em nada póde prejudicar a approvação, ou rejeição do Regulamento para a navegação do Rio Douro, quando esse negocio fôr devidamente apresentado ao Senado; e por isso me persuado que muito se tem divagado na questão que precisamente nos occupa, mencionando factos, e asserções que nada tem de commum com a discussão da resposta ao Discurso da Corôa, que é o objecto essencial de que deviamos tractar: não se entenda porém que eu pertendo por modo algum censurar os nobres Senadores que tem tomado parte na questão do modo que deixo mencionado; por modo algum tenho tal intenção, o meu fim é vêr se daqui por diante nos poderemos aproximar mais do objecto principal que nos occupa, que é a resposta ao Discurso da Corôa.

Eu não tenho ainda formado um juizo definitivo sobre a utilidade, ou desvantagem da Convenção celebrada entre os dous Governos (Portuguez, e Hespanhol) para a livre navegação do Rio Douro, e muito menos sobre o Regulamento a que se allude; e por isso não posso, nem devo entrar em promenores sobre a sua analyse; reservo-me, como já disse, para quando esse negocio vier em devida fórma ao Senado, Todavia não posso deixar de dizer nesta occasião, visto que muito se tem fallado sobre o assumpto, que a questão é de mui grave importancia, e que por isso deve ser maduramente considerada e discutida, sem attenção a preconceitos, ou ao sentimentalismo, como por ahi se costuma dizer. Não se deve attender só ao interesse dos productores ricos que tem grandes propriedades nas visinhanças daquelle Rio; é necessario attender tambem á classe immensa dos consumidores, que tem tanto direito a que a Lei os proteja, como o podem ter os primeiros; e sobre tudo é necessario attender aos interesses geraes da Nação, e por conseguinte aos do Thesouro Publico, lançando em uma das conchas da balança a somma das vantagens que concedermos, e na outra a das que houvermos de receber; e só então é que poderemos approvar, ou rejeitar o Regulamento com conhecimento de causa, e que poderá ter logar uma discussão sobre tal assumpto. (Apoiadas)

Repito por tanto que approvo o Artigo tal qual está redigido, por entender que a sua approvação não obriga, nem compromette de modo algum a minha opinião para quando se houver de discutir o Regulamento. (Apoiados.)

Parecendo-me que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino dissera, quando proferiu o seu discurso, que a Convenção feita entre os dous Governos para a livre navegação do Rio Douro já fôra approvada e rectificada, e que por isso considerava esse negocio concluido sem dependencia de ulterior approvação do Poder Legislativo; peço a V. Ex.ª queira ter a bondade de convidar o Sr. Ministro a dar-lhe algumas explicações sobre esta passagem do seu discurso, porque póde ser que eu o não ouvisse bem na distancia em que me acho. Ouvirei pois a S. Ex.ª e depois continuarei.

O Sr. Ministro dos Negocios do Reino: — Exactamente como disse o nobre Senador. Pelo que respeita á Convenção, essa foi rectificada, e não carecia nesse tempo de se apresentar ao Corpo Legislativo antes de o ser, porque tal era a disposição da Carta Constitucional sobre os Tractados de Commercio.

O Sr. L. J. Ribeiro: — Muito proveitosa me foi a explicação que S. Ex.ª o Sr. Ministro dos Negocios do Reino teve a bondade de dar-me, porque eu entendia o negocio mui diversamente na presença do que dispõe o Art. 9.º Tit. 5.° da actual Constituição da Monarchia. Eu não estava certo, neste momento, do que a este respeito dispunha a Carta Constitucional, considerava o negocio como dependente do que dispõe a actual Constituição que tenho presente, e com attenção a ella não podia eu conformar-me de modo algum com o que S. Ex.ª expendeu, porque a approvação e rectificação definitiva dos Contractos, ou Convenções, é uma das attribuições especiaes do Poder Legislativo pela Constituição actual; e como eu não podia conformar-me com doutrina contraria, foi essa a razão por que pedi a S. Ex.ª as explicações que acabou de dar, e com as quaes fiquei plenamente satisfeito.

Passarei agora a responder a algumas asserções gratuitas, e no meu entender mal fundadas, ou fóra de proposito, porque nada tinham de commum com o paragrapho que está em discução, as quaes foram produzidas por um illustre Senador, que repetidas vezes offerece á Camara exemplos desta natureza. Disse S. Ex.ª que o Contrabando de cereaes era feito, pela maior parte, pelos fornecedores do Commissariado, com o fim de tornar odiosa esta malfadada Repartição. Em primeiro logar devo dizer ao nobre Senador que eu não conheço, nem conheci em tempo algum, fornecedores do Commissariado, mas sim fornecedores do Exercito, quando o fornecimento tem andado por arrematação; e se esses arrematantes fizeram contrabando de cereaes, s informaram disso o Sr. Senador (o que podia muito bem succeder), em nada disso e culpado o Commissariado, porque lhes pagava, as rações fornecidas, sendo ellas de boa qualidade, sem lhe importar por que meios elles obtinham os generos para isso necessarios. Se acaso em algum local do Reino se tem feito o fornecimento da tropa com generos entrados por contrabando, o que todavia é necessario provar, nenhuma culpa tem nisso os Empregados do Commissariado, porque compram os generos nos mercados publicos a lavradores, ou negociantes Portuguezes, e isto tanto ha de succeder havendo Commissariado, como Administrações Regimentaes, ou outro qualquer modo de fornecer. A culpa, se existe, provém da negligencia das Authoridades administrativas, ou fiscaes, a quem compete a repressão de taes abusos, e da tendencia que tem para isso os monopolistas (agricolas, e commerciaes) que vivem desse trafico. O que eu posso assegurar ao nobre Senador, como Commissario em Chefe do Exercito, é que a minha obrigação se reduz a mandar comprar generos de boa qualidade, pelos menores preços que fôr possivel, sem me importar qual é a sua origem ou procedencia; e que só poderia ser censurado quando fossem comprados por um preço menor, e abonados por outro maior; mas essa arguição posso dizer que ninguem roa fará com justiça. (Apoiados.) Bem estimaria eu que na presente conjunctura apparecesse grande quantidade de generos bons e baratos, sem me importar a sua origem, para de alguma fórma neutralizar a fome de que estamos ameaçados, segundo as noticias que diariamente recebo de todo o Reino. As colheitas foram desgraçadissimas, e os generos cereaes, em vez de baixarem como se esperava, estão subindo quotidianamente, havendo districtos em que já custam mais do dobro do que custaram o anno passado por este tempo; podendo asseverar á Camara que o fornecimento do Exercito custará, no corrente anno economico, 50 ou 60 porcento mais do que custou em o anno findo, ainda mesmo que seja permittida a entrada de cevada estrangeira, como talvez, venha a ser de absoluta necessidade. Estes males, sendo em si já grandes, são ainda consideravelmente aggravados pelos vexames insupportaveis a que o Terreiro Publico força a maior parte dos productores, e todos os consumidores de Lisboa e seu Termo, sem utilidade alguma dos lavradores propriamente ditos, e com vantagem exclusiva dos especuladores ou atravessadores, que, com manifesta infracção das Leis vigentes, que prohibem os monopolios ou travessias dos generos da primeira necessidade, estão accumulando em seus armazens os poucos generos existentes, para depois forçarem quem delles precisar a pagar-lhos pelos preços que elles quizerem, como francamente dizem. O certo é que o Terreiro Publico, do modo que ultimamente foi montado, é diametralmente opposto aos progressos da agricultura, e apenas serve para cobrar, por meios violentos e oppressivos os direitos estabelecidos sobre os cereaes, e as alcavalas que á sombra disso se estão tolerando, sem vantagem alguma para o Thesouro. É necessario entender de uma vez para sempre, que o contrabando em cereaes não se evita ás portas da Cidade de Lisboa; se é possivel evita-lo, é nas fronteiras do Reino, e nos pequenos portos de mar, como Cascaes, Ericeira, Paço d'Arcos, etc. (Apoiados); sendo alguns dos seus principaes fautores e agentes, individuos que se inculcam lavradores. O certo é que as pessoas que vivem ordinariamente de fazerem contrabandos, não são incommodados em seus escandalosos manejos, e que a oppressão está reservada para os que procedem de boa-fé, e fazem muitas vezes conduzir para seu uso um cabaz de fructa, e outros objectos insignificantes de igual natureza. Se querem proteger deveras a agricultura e o commercio interno, deixem conduzir livremente os seus productos de umas para outras povoações, e entender directamente os productores com os consumidores, sem intervenção das Authoridades Fiscaes, que são a peste da industria. (Apoiados.)