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DIARIO DO GOVERNO.

achava por então lhe vedavam. Esta tentativa fiz eu, e se o successo a não coroou, persuado-me que não foi por culpa minha. A Camara já ouviu a explicação de uma das pequenas causas que fizeram gorar esta negociação, e mais uma vez se verificou, que os grandes effeitos dependem ás vezes das cousas que parecem menos importantes.

Ainda depois de Abril de 1824 mandei novas instrucções ao nosso Plenipotenciario, que se achava em Londres, instrucções longas, que tinham sido muito meditadas, e eram concebidas n'uma serie decrescente de proposições; devia diligenciar-se para que as primeiras fossem acceitas, não o sendo, apresentar as segundas, e assim por diante: as primeiras tendiam a declarar separada para sempre a administração dos dous Paizes; os Corpos Legislativos mesmo deveriam ficar independentes um do outro; o Sr. D. João 6.° assumia o Titulo de Imperador, conservando a suprema authoridade nos dous Paizes, (e desta especie tirou-se depois um partido ridiculo, porque El-Rei assumiu o Titulo no acto em que cedia effectivamente o Imperio), o Principe Real ficava-se chamando Rei do Brasil em vida do Imperante, e por morte deste a Corôa recahiria em seu Filho Primogenito, o qual então decidiria se queria vir para Portugal, deixando lá seu Filho, etc. Em fim era (como disse) uma serie de propostas illusorias, algumas outras exequiveis, neste sentido; e concluíam as instrucções, que se nenhum desses planos fosse acceito, propunha Portugal que ficassem desde logo separados os dous Paizes, e o Brasil declarado Estado independente, já que assim era forçoso; mas sempre estipulando-se vantagens commerciaes reciprocas, e muito mais consideraveis do que aquellas que por fim se obtiveram, e uma forte indemnisação pecuniaria. Naquella época representei eu muitas vezes ao Sr. D. João 6.º a necessidade de prevenir em sua vida, por um acto publico revestido de todas as solemnes formalidades, que as Leis antigas do Reino admittiam, as difficuldades que a successão de Portugal e do Brasil suscitariam por sua morte, sem o que deixaria em legado aos seus subditos uma guerra civil. Este conselho, que posso justificar com documentos, não foi então seguido, e as minhas prophecias saíram desgraçadamente verdadeiras. As instrucções dadas ao Sr. Conde de Villa Real não pareceram desacertadas aos Mediadores, não obstante o grande desejo que o Governo Inglez tinha de vêr confirmada a separação do Brasil, porque Mr. Canning, que então dirigia as relações estrangeiras naquelle Paiz, tinha uma alma generosa, e ia para as idéas que apresentassem um certo caracter de grandeza; elle tinha toda a tendencia a nosso favor, aquella, digo, que era compativel com o que elle reputava ser o interesse do seu Paiz.

Sobre essas bases se começou a negociar: os Commissarios Brasileiros resistiam oppondo as maiores difficuldades; mas achando pouco apoio no Gabinete de Londres, alguma cousa se ia concluir, quando tudo veiu destruir uma das fatalidades que nos tem perseguido ha annos a esta parte, tornando inuteis todas as diligencias dos homens.

Uma dessas fatalidades quiz que um Ministro que comigo servia no Gabinete do Sr. D. João 6.º (era o primeiro Ministro, mas não o dos Negocios Estrangeiros) se lembrasse, talvez com boas intenções, mas de certo com pessimos resultados, de mandar uma missão directa ao Brasil, encarregando-a a um homem de pouca intelligencia em quem pôz confiança; mas desgraçadamente dando-lhe instrucções copiadas por aquellas que eu tinha mandado para Inglaterra, o que era tractar o negocio no Rio de Janeiro ao mesmo tempo que se tractava em Londres. Além disso commetteu-se a um homem que não tinha as circumstancias necessarias para lhe dar um grande peso, e que se apresentara em missão clandestina: foi recusado in limine no Brasil, e a Londres foi notificada essa recusa aos Commissarios do Governo Brasileiro quasi ao mesmo tempo que o Sr. Conde de Villa Real começava a negociar. Rejeitada a proposta, antes que em Londres se tivesse tomado em consideração, declararam os Negociadores que não se lhe podia dar seguimento, e ultimamente se anojaram da maneira por que tinha sido tractado este negocio, parecendo-lhes tal procedimento uma especie de perfidia, e até pediram della satisfação ao Governo Portuguez. Eu fiquei momentaneamente surprehendido; fiz quanto devia para me lavar da suspeita de duplicidade, e declarei-lhes que ignorava completamente esse negocio: entretanto, sempre fiquei suspeito de má fé, como quem tinha, ao mesmo tempo que iam instrucções para a negociação de Londres, procurado por meios indirectos e clandestinos, que ella se terminasse no Rio de Janeiro.

Deste modo se perdeu a unica esperança que para nós havia favoravel. Por outra parte os Inglezes, aproveitando-se desta circumstancia, disseram que a negociação tractada de uma maneira falsa não devia protrahir mais a situação do Brasil, e que era tempo de reconhecer a sua independencia: tractaram de mandar um Plenipotenciario ao Rio de Janeiro para alli fazerem um Tractado de Commercio sem se embaraçarem com o reconhecimento de Portugal, e claro está que logo que elles concluissem esse Tractado, não havia possibilidade de obtermos concessão nenhuma do Brasil para a compra da sua independencia.

Pela especie de traição que nos collocou em tão desagradaveis circumstancias, houve algumas dissidencias e intrigas no Gabinete Portuguez, cujo resultado foi o chamarem-se outros Ministros. Por mim desde a primavera de 1825 não tornei a tomar parte nas discussões ministeriaes.

O Ministro que me succedeu era um homem de bem, muito patriota e zelloso da prosperidade do Paiz, de quem fui amigo intimo, e por isso me custa a desapprovar a sua conducta, mas considerando-a como Portuguez, e como homem publico, digo que nunca se deu um passo mais falso nem mais fatal do que foi acceitar a offerta feita pelo Ministro Inglez, que passava por Lisboa, encarregado de ír ao Rio de Janeiro negociar o Tractado de Commercio entre a Inglaterra e o Brasil, e que trazia ordem para se nos offerecer se quizessemos aproveitar a sua ida áquella Cidade. Deram-se-lhe umas instrucções feitas á pressa, que elle levou e produziram o Tractado que nós vimos feito, sem intervenção de ninguem que servisse de protector aos interesses de Portugal, e no qual, por consequencia, se não acha senão uma ou duas clausulas que contenham alguma especie de consolação, e ainda assim essas era absolutamente impossivel o deixar de as inserir, mas são muito menos vantajosas do que podiam ser. Eu fui nesse tempo mandado a Inglaterra como Embaixador, e cheguei alli quando Sir Carlos Stuart vinha para Portugal, ignorando o que elle vinha fazer. Depois o mais que pude alcançar foi induzir Mr. Canning (digo induzir com razões ás quaes cedeu com generosidade) a que mandasse uma embarcação a toda a pressa para a Madeira, a fim de alcançar Sir Carlos Stuart, como felizmente alcançou; com ordens para que elle, visto Portugal have-lo acceitado para seu Plenipotenciario no Brasil, não tractasse cousa nenhuma a respeito do commercio com Inglaterra, sem primeiro ter obtido o Tractado por parte de Portugal. Ainda consegui isto, e dahi por diante consegui de Mr. Canning tudo quanto podiamos desejar; mas já para remendar as fraudes que se nos tinham feito, e remediar o mal em parte, porque evita-lo era impossivel. Sómente accrescento que Mr, Canning abundou no sentido de que se devia reservar a Portugal e ao Brasil o direito de estipular favores reciprocos, com aquella preferencia que era natural em dous Paizes que tinham sido unidos por seculos, e que se separavam amigavelmente, sem que outra nação podesse levar a mal que esses favores entendessem com o seu commercio; e a este respeito tive as seguranças maiores. Effectivamente o Brasil continuou a inserir essa reserva, depois de concluido o Tractado com Portugal, em todos os que fez com as outras nações, e (como eu já tive a honra de dizer neste logar) só ha muito pouco tempo deixou de seguir esse systema na redacção de um ou dous Tractados. Vieram depois muitos acontecimentos tristes para este Reino, como a morte d'El-Rei D. João 6.º, a usurpação, a guerra civil, e os mais que de todos são conhecidos, e foi impossivel olhar por esses negocios no decurso de alguns annos: são já passados quinze depois da emancipação do Brasil, e agora a mesma Inglaterra diz que é tarde para se julgar ainda ligada á promessa que tinha feito de consentir favores reciprocos nas relações commerciaes dos dous Paizes, que se deviam ter aproveitado annos que já decorreram; em fim, isso é uma questão que se vai liquidar: sómente direi que é para lamentar que o Principe a quem Portugal deve um eterno reconhecimento, Principe Magnanimo cujas acções são um dos brazões de gloria da Nação Portugueza, (Apoiadas geraes.) e cujo Nome ha de passar á mais distante posteridade; é para lamentar, digo, que não reconhecesse naquelle momento (porque em fim todos na sua vida tem algumas horas menos claras) que o seu interesse e gloria exigiam que promovesse as relações intimas entre os dous Paizes, na separação dos quaes, talvez por uma fatalidade a que, não poderia subtrahir-se, elle tinha figurado em primeiro gráo. (Sensação). Se no Tractado de 1825 se tivesse inserido mais clara e terminantemente o principio que ora se discute, não nos teriamos nós visto na necessidade de o pedir ao Brasil, de o defender para com os estrangeiros, e de demonstrar a realidade da sua existencia. O que se estipulou naquella época foi muito pouco e muito desigual para Portugal, porque nós oferecia-nos então um mercado exclusivo aos principaes generos da cultura do Brasil, e no Brasil tinham-se completamente invertido as cousas; em logar do commercio daquelle Paiz passar pela fieira de Lisboa, íam os nossos productos pagar ao Brasil direitos maiores do que os de outras nações estrangeiras. Porém esse mesmo statu quo, que se estipulou entre Portugal e o Brasil no Tractado de 1825, esse mesmo talvez nos faria conta conservar ainda, ao menos em parte, e reservaríamos de bom grado para o Brasil a grande vantagem de consumirmos exclusivamente alguns dos generos que alli se produzem, se o Brasil quizesse tambem conceder-nos alguma vantagem clara e reciproca na admissão dos nossos generos.

Eu tencionava limitar-me a narrar a negociação ácerca da independencia do Brasil, mas insensivelmente tractei das relações actuaes entre os dous Paizes: não me resta agora senão agradecer á Camara a excessiva paciencia que mostrou em me ouvir.

O Sr. Miranda: — Eu desejo dizer alguma cousa ácerca de alguns pontos em que se tem tocado, e de algumas allusões que se fizeram á época de 1820.

Sr. Presidente, não são muitas as pessoas que aqui estão daquellas que tomaram parte nos negocios politicos daquelle tempo, e sendo eu deste numero não posso deixar de defender as Administrações que então existiram, de algumas increpações que se lhe tem feito, ácerca da separação do Brasil em 1822, e 23; porque não foram as Côrtes de 1821, 22, e 23, nem as Administrações desse tempo que concorreram para a separação do Brasil, e para o mostrar bastaria recorrer á historia dos acontecimentos, e ao testemunho das pessoas que tomarem parte nas transacções dessa época.

O nobre Duque de Palmella, entre muitas cousas que referiu, deixou de dizer que Portugal estava reduzido em realidade a uma Colonia do Brasil; sujeita á tutela dos Inglezes, porque o General Beresford era de facto o rei de Portugal: não tinha este titulo, mas sabia gosar melhor de que ninguem de todas as regalias da soberania; [Apoiados) e tanto que se alguem ha que possa ter motivos para ser declarado inimigo do Governo Representativo, que se estabeleceu em Portugal, é o General Beresford por se vêr expulso de Portugal, e obrigado a saír do Tejo, quando elle esperava ser recebido em triumpho, com arcos de louro e murta, e quando vinha revestido de tanta authoridade e poder, como em uma Provincia Romana, e em tempo de guerra, poderia ter um verdadeiro Pro-Consul. (Apoiados.) — Vejamos pois o que se passou naquella época, e recorramos aos factos que então tiveram logar, ainda que de passagem.

Sr. Presidente, a Diplomacia não dormiu então; mas a Diplomacia é uma dama que recostada em o seu sophá, e rodeada de protucólos, notas e memorias discorre, medita e observa os acontecimentos, que ella pertende dirigir, quando de ordinario elles seguem o seu curso e a sua ordem natural; porque tão possivel é a um Diplomatico governar o movimento dos povos, como a um astronomo o dirigir, com a penna na mão, o movimento dos planetas. A Diplomacia não dormiu, porque o Marquez de Marialva, então Embaixador em París, assim que teve noticia dos acontecimentos da Cidade do Porto, dirigiu-se a todas as Côrtes da Santa Alliança, e á de S. James, descrevendo com as mais carregadas côres a que o Marquez chamava em suas notas a peste que tinha apparecido na Cidade do Porto, e que muito receava se estendesse a todo o Reino, porque o Reino visinho, a Hespanha, se achava, não iscado, mas de todo infecto com a mesma peste. Porém com mais efficacia, por isso que mais promptos auxilios pediam prestar, dirigiu-se ao